Capítulo 3: O dia da seleção
Dádivas e ímpetos: Nem todos os legados são abraçados por deusas. Vários possuem influência de titãs, criaturas menos enigmáticas e dotadas de paixão. Legados abraçados por titãs costumam ter impulsos mais ligados ao mundo mundano, e menos as ideias filosóficas que as deusas trazem. Como é o caso dos elfos, que buscam aquilo que consideram belo.
O caminho de volta para a Taverna da fumaça não trouxe mais nenhuma surpresa naquela noite. Mesmo chegando tarde, ninguém se preocupou com uma garotinha com roupas sujas entrando sozinha no condomínio. A vida em Alberich era agitada, as pessoas normalmente têm coisas mais importantes para se preocupar.
No momento, Layla também pensava nas suas próprias preocupações. O quarto era seu até o dia seguinte, talvez devesse reservar mais um dia para o caso de ter que voltar para lá. A estadia era cara, então deveria pensar bem antes de sair gastando trocados..
Os condomínios eram uma das formas mais baratas de se viver confortavelmente em Alberich, por serem espaços mágicos acabam não gastando tanto a longo prazo, mas só se possui uma entrada, e uma saída. Pessoas com boas condições financeiras evitam esses lugares, já que podem ser bem perigosos.
Layla se encontrava na cama, havia tirado o vestido sujo, e tentado lavar ele na bacia. Teria que ir para a prova com as roupas que chegou na cidade. Sentia falta de casa, das roupas que havia deixado para trás, e do ambiente em que sabia que poderia pedir ajuda. Agora estava completamente sozinha.
Pergaminhos com anotações úteis, estavam jogados em sua cama. Ela conhecia o básico de teoria e história da magia, contudo até onde sabia a prova da UAO já não era a mesma a alguns anéis. Desde que uma nova reitora assumiu, as provas se tornaram bem imprevisíveis, e até perigosas de acordo com alguns relatos.
Após arrumar suas coisas, tudo estava pronto. No dia seguinte pela manhã ela estaria na famosa UAO, junto com todos os outros convidados para a seleção. Sentia um frio na barriga, caso ela não conseguisse entrar não tinha a menor ideia de como encararia seu pai novamente, talvez tivesse que morar em Alberich trabalhando na feira e morando em um muquifo. Não possuía nenhuma confiança em suas habilidades, o único motivo de ter feito tudo que fez até agora, era por esperança.
A ansiedade queria reinar em sua mente, contudo seu corpo estava cansado. Após um bom jantar, e um banho quentinho, o sono a abraçou como uma mãe afagando um bebê.
🌑🌓🌕
Enquanto atravessava a Vereda Coríntia, Layla havia aprendido mais uma lição, um bom sono após um dia cansativo nem sempre era uma benção. Ela havia acordado mais tarde do que o ideal, sendo que ela nem ao menos tinha certeza de onde era o prédio. Estava suada após correr até o anel interior, suas roupas estavam amassadas, a única coisa arrumada era sua bolsa que tinha sido preparada na noite passada. Passou por vários locais conhecidos, e pensou se haveria alguma rota no minhocão para chegar lá, só que por não ser uma certeza e preferiu não arriscar.
Ela não tinha nenhuma forma de contar o tempo, então rezava para que não estivesse atrasada. Depois de atravessar metade do anel interior a pé, chegou até o local onde deveria ficar a universidade. Não havia prédio algum. Por alguns instantes, ela praguejou, se culpando por não ter ido atrás dessa informação antes. Até que notou um fluxo de pessoas saindo e entrando de uma grande Porta, localizada no centro de um espaço aberto no meio da avenida.
Um belíssimo batente de madeira serve de moldura para duas portas feitas de marfim e um material rochoso perolado, possuíam desenhos cósmicos representando constelações e planetas animados por magia, porém não estavam presas a nenhum edifício. Guardando o local, estava um grande golem de madeira, movido por cristais mágicos presos a mecanismos internos. Apressada, Layla se dirigiu até o local, procurando alguma identificação, buscando se misturar na multidão próxima. Ao se aproximar, escutou o golem falando com um grupo.
— Podem entrar, sejam bem-vindos à Universidade Arcana de Opath. Por favor, se dirijam até o auditório seguindo reto no corredor — falou o golem de madeira, de forma pausada e bem audível.
Logo em seguida, a passagem se abriu automaticamente, e da mesma forma se fechou. Animada e aos tropeços, Layla correu até o espaço próximo ao golem.
— Bom dia, Senhor Golem. Eu posso entrar? — perguntou a jovem, contendo sua empolgação.
— Pode entrar, seja bem-vinda à Universidade Arcana de Opath. Por favor, se dirija até o auditório seguindo reto no corredor — encerrando rapidamente a conversa, a grande porta se abriu, dando visão a um longo corredor, com teto côncavo e paredes ornamentadas.
A garota entrou animada, parando para observar a entrada se fechando atrás de si. Identificando os desenhos nas paredes, eles pareciam contar uma longa história, com ruínas e grandes estudiosos. Talvez fosse a história da própria universidade. Apesar de maravilhada, ela caminhou apressada, procurando o auditório mencionado pelo Senhor Golem.
Seguindo, chegou até um primeiro local, outro corredor com paredes e teto de vidro. Dali conseguia ver pessoas em outros blocos, apressadas carregando pergaminhos de um lado para o outro. Uma variedade enorme de legados se dedicando a fazer o conhecimento ser passado adiante. Ninguém parecia ser estranho o suficiente para a UAO.
Ela estava completamente sonhadora, em sua cabeça fantasiava com acontecimentos e coisas que conseguiria viver caso fosse aceita. Seus devaneios percorriam cada lugar a vista naquele prédio, e por um instante se perdeu da realidade esquecendo do caminho que estava fazendo. Despertando após esbarrar em alguma coisa.
Tentando voltar ao mundo real balançou a cabeça por alguns segundos, tentando focar seus pensamentos. Ao prestar atenção, na sua frente estava uma pessoa bem mais alta do que ela, a encarando de cima com um olhar confuso. O alvo da pancada era na verdade um jovem com traje elegante em tons escuros, possuía uma silhueta bem definida e ombros largos, sua pele era pálida, os cabelos eram curtos, e tinham uma tonalidade loiro escuro. A aura que ele passava não era simpática, era fria, e sua expressão parecia praticamente expulsar a garota dali.
— Mil perdões, lorde, senhor, alteza... Vou indo — disse Layla, saindo apressada sem olhar para trás.
Por fim, ela chegou. Um palanque alto, uma arquibancada mais afastada, e várias cadeiras distribuídas no auditório. Lá estavam convidados de todas as partes do continente, alguns acompanhados por parentes, e até mesmo criados. O local já estava cheio, as poucas cadeiras vazias estavam mais ao fundo, quase todos os candidatos deveriam estar presentes, faltando uns poucos retardatários como a própria Layla. Todos pareciam estar em um clima de novidade, e vários núcleos de conversa aconteciam.
Se esgueirando pelo fundo da sala, ela puxou uma cadeira, evitando ao máximo encarar qualquer pessoa depois do evento constrangedor que tinha acabado de passar. Ela se acomodou aos poucos, tentando se abaixar um pouco para não chamar atenção.
O clima de repente é quebrado pela presença de uma pessoa que sobe ao palanque. Uma humanoide muito pequena, contudo com uma presença grandiosa que a faz ser notada, uma gnoma, contudo não apenas isso, de sua cabeça um par de longos chifres de antílope se projetam, que juntamente com seu tom de pele mais arroxeado deixa claro que ela era uma sombria, uma abraçada pela Sombra. Com uma postura rígida, ela caminha até a bancada, a cada passo luzes de estrela acendiam no teto que começava a simular o céu noturno. Duas luas começaram a dançar magicamente no manto da noite, a pequena lua Lapis com um brilho tímido, e a grande lua Varmah que toma toda a atenção para si. Antes dela chegar, um funcionário corre para colocar um banquinho, caso contrário não seria possível ver ela no palanque. Seu olhar mortal sela o silêncio no ambiente.
A gnoma, nada mais é do que a polêmica Reitora Lavínia, seu mandato na UAO teria sido repleto de incidentes estranhos, e algumas denúncias, porém nenhuma investigação foi levantada. Ela encara o ambiente por longos segundos, mesmo ao fundo, Layla sente como se estivesse sendo julgada por aqueles olhos amarelados. A reitora posiciona um pequeno porquinho da índia em cima da bancada, ela levanta a mão, e o animalzinho abre a boca emitindo um brilho. E então ela começa a falar, sua voz ecoa por todo salão, como se fosse amplificada pelo porquinho.
— Estimados alunos, e famílias. É uma honra tê-los por aqui. Todos vocês são convidados para ter a oportunidade de estudar as poderosas artes do conhecimento com grandes mestres. Devo alertar que tal oportunidade não é apenas uma honra, mas também uma grande responsabilidade. Hoje, vocês não só serão recebidos, como também serão selecionados. Enquanto reitora, apenas permitirei que os mais aptos estudem conosco. Aqueles que forem selecionados hoje farão parte da futura turma 345. Agora, passarei a palavra para o paraninfo da turma.
Finalizando o discurso, a reitora chama então ao palanque um enorme kishin vestindo um kimono cerimonial de Tatsumari. Ele caminha até a bancada com passos pesados, fazendo a plateia se sentir pequena em comparação a si. E então, sem a necessidade de se conectar ao porquinho amplificador, ele inicia seu discurso.
— É uma grande honra ter a oportunidade de presenciar o início da jornada de tantos jovens promissores. Eu sou Takahashi Jun, serei tutor de muitos vocês na grandiosa jornada que vem a frente. Aqui vocês aprenderão mais do que magia, aqui vocês aprenderão o caminho de lendas do passado, e talvez criem novos caminhos para aqueles que virão — o kishin para por um momento, observando a plateia que o encara silenciosamente. Esperando ansiosos para ver o que mais está para acontecer. — Há muitos talentos aqui com certeza, na cerimônia de amanhã veremos aqueles que triunfarem.
O homem então sai, se posicionando ao lado da bancada. Para a qual a reitora retorna, prosseguindo com a cerimônia.
— Ao aceitar o convite, todos que vieram concordaram com os termos, não nos responsabilizamos por nada que aconteça durante a seleção. Então para evitar questões burocráticas mais tarde, peço para que todos que não concordam com os termos, que se retirem. Aqueles que desejam continuar sigam Haroldo, o golem até o local da atividade.
A plateia continuou muda por um tempo. Quem iria desistir logo ali? Talvez fosse uma brincadeira da reitora. O golem de madeira responsável pela entrada passou pelas laterais do auditório, chamando atenção para que todos o seguissem.
Layla permaneceu quieta, escutando os comentários das pessoas por perto antes de se levantar. As palavras da reitora a tocaram fundo, talvez ela não fosse boa o bastante, afinal havia tantas crianças ali. No fim, resolveu se levantar, afinal não tinha ido tão longe para desistir.
Várias crianças se despedem dos parentes antes de seguirem pelo prédio. Deveria ter cerca de cem por ali, todas de legados tão distintos, algumas de famílias nobres. Os elfos, como sempre maioria, apesar de jovens já começavam a apresentar características das cortes de seus pais. A maioria ali parecia ter uma boa condição financeira, e mal se via elfos sem cortes no meio da multidão.
O golem Haroldo os levou pelos corredores daquele prédio principal. Em outros andares, estudantes mais velhos observavam a caminhada dos calouros com curiosidade, e um ar de provocação.
🌑🌓🌕
O grupo maior foi então dividido em grupos menores, e alocados em salas naquele bloco principal. Layla ficou logo no primeiro grupo formado.
Quase vinte crianças entraram na sala vazia, com várias cadeiras, e uma mesa central. Ficava um clima silencioso enquanto esperavam mais instruções. Para a surpresa da garota, duas pessoas conhecidas estavam na mesma sala que ela. A M'Bo do cemitério, agora vestindo uma blusa e um short mais casuais, porém mantendo a faixa vermelha prendendo o cabelo. E para sua não tão boa surpresa, o garoto nobre com quem havia esbarrado mais cedo. Nenhum dos dois parecia ter dado atenção para sua presença.
Após alguns instantes de espera, chega um elfo adulto. Sua pele bronzeada, um cabelo cacheado, e seus traços fortes revelavam que ele se tratava de um elfo da corte do verão. Ostentava tatuagens nos braços, escondidas por um jaleco branco impecável. Ele caminhou despreocupadamente até a mesa sem fazer questão de olhar para a turma. Debaixo do seu braço estava uma pilha de papéis amassados.
— Certo... Então, esse é o grande dia de vocês. Beleza gurizada, vou aplicar agora a prova escrita, assim que vocês terminarem eu já corrijo. Sou o professor Rakim, e serei responsável pela aplicação da primeira atividade. Não vou tirar nenhuma dúvida sobre a prova, respondam o que vocês acharem que tem que colocar. Depois dos resultados vamos conversar um pouco. — comentou ele, de forma displicente enquanto organizava os papéis, e colocando-os em cima da mesa de cada um dos presentes — Ah, e não esqueçam de colocar seus nomes, eu preciso saber quem escreveu o que, não adianta tentar colar, as folhas estão encantadas só quem escreveu nelas consegue ler.
A folha continha somente três perguntas. 'Como o Arcanum se apresenta no mundo físico?', 'Quais os tipos de conjuração mais comuns?', e por fim 'Como acender uma vela?'. As duas primeiras perguntas eram muito simples, contudo a última Layla pensou se estaria incompleta, ou se tratava de uma questão pegadinha. Ela poderia simplesmente responder dizendo que acenderia com um isqueiro, só que pelo contexto dificilmente seria isso. Optando pelo seguro, e conhecendo a teoria da magia, descreveu os comandos básicos para se convocar uma chama do Arcanum.
A prova não pareceu demorar quase nada. Em menos de uma hora, o professor mais uma vez se dirigiu à turma.
— E então galera. Já acabaram? Já deu mais do que tempo necessário, vamos agilizar isso, tenho mais o que fazer.
Ele então caminhou até a criança mais à direita na cadeira da frente da sala.
— Certo, me diz aí. O que você colocou — perguntou para um pequeno menino que estava completamente despreparado para isso.
O garoto possuía uma aparência mais comum de gnomo suas características animais já começavam a aparecer de forma leve. Sendo suas características mais marcante um par de orelhinhas caninas no lugar de orelhas normais, e um rabinho vermelho que saia de sua bermuda. Ele se desesperou por um instante, quase deixando o material cair.
— Oh professor. Eu não terminei ainda, você não falou quanto tempo tinha e tudo mais, então eu tava pensando ainda...
— Tanto faz, só me responde. Pode improvisar agora também, só não fica calado — respondeu o elfo impaciente.
— Tá bom. É o seguinte. A magia, ela se manifesta no mundo de muitas maneiras, ela faz as coisas acontecerem de forma mágica, tipo quando chove...
— Pelo amor da Arquiteta, chega. Você não estudou o básico do básico antes de vir aqui?
O pequeno gnomo se sentiu intimidado por um instante. Claramente desconfortável com a situação.
— Eu nunca estudei sobre magia, senhor. Eu recebi o convite, e não dizia que precisava.
— Certo, então o que você colocou nas outras.
— Os tipos de conjuração mais comuns são conjuração de fogo, conjuração de água...
— Esquece essa também, colocou o que na última? — interrompeu mais uma vez.
As orelhas, e a cauda do pequeno gnomo se abaixaram enquanto ele pensava numa resposta decente. Layla sentia pena dele, e torcia para que suas respostas estivessem boas o bastante.
— Eu acenderia a vela com fogo, senhor...
O professor simplesmente ficou em silêncio, e começou a caminhar, recolhendo as respostas dos outros alunos. A maioria parecia possuir um conhecimento interessante, poucos demonstravam confusão ou erros graves. Alguns grupos cochichavam entre si, alguns até mesmo dando risada enquanto olhavam para o gnomo.
De aluno em aluno, chegou a vez de Layla. Que prontamente se levantou e respondeu de forma automática como havia ensaiado na sua cabeça, temendo gaguejar ou falar alguma gafe.
— O Arcanum se manifesta no mundo material na forma do céu noturno, ao olharmos pro céu podemos ver o plano da magia. Quando dormimos...
— Tá bom, entendi. Pode ir para a próxima.
Layla não se intimidou com a resposta, ele também tinha cortado outros alunos antes.
— Os tipos de conjuração mais comuns são a magia hermética, pelo estudo de runas e ligações. A magia divina, originada da fé do usuário. A magia inata, invocada pela personalidade, ou pela inspiração do conjurador. E a magia natural...
— Correto, agora a última.
— Utilizando o padrão de evocação...
— Não, eu não quero saber como fazer uma magia de fogo. Eu quero saber como você acenderia uma vela — interrompeu ele, não só olhando para ela, mas também para o resto da turma.
— Perdão professor... Eu acho que não entendi...
— Você citou magia de evocação, agora me diga. Você consegue invocar chamas? — ele então, colocou a mão em uma bolsa de couro pequena amarrada a cintura, de lá removeu uma vela simples e a colocou em cima da cadeira de Layla — Não adianta de nada entender a teoria se você não faz a prática... Tivemos todos os tipos de respostas aqui, desde pessoas que não tinham a menor ideia do que estavam falando. Até verbetes inteiros copiados de livros. Garotos, entendam que magia não é só palavras confusas, e runas de poder.
O professor então removeu da bolsa uma vela menor, juntamente com um prato de ferro para servir de apoio. Colocando-os em cima da mesa no centro da sala. Com um gesto de suas mãos, uma luz vermelha irradiou, e imediatamente o pavio da vela começou a queimar.
— A mesma coisa pode ser feita de várias formas. Agora, vocês têm dez minutos para acender aquela outra vela, caso contrário, todos vocês estarão desqualificados.
Um burburinho tomou conta da sala. Todos pareciam confusos com a afirmação, a prova escrita foi cancelada? Agora era uma prova prática? Isso era justo? Apesar dos protestos, o professor continuou impassível na cadeira, ignorando as reclamações.
Os alunos se reuniram ao redor da vela que estava com Layla. Eles vinham com teorias, e idéias que logo eram desmentidas pelos outros. Até que o garoto nobre do incidente do corredor tomou a frente.
— Acredito que possamos usar alguma reação, só não tenho certeza se temos o que é necessário — ele então colocou a mão no cabelo puxando alguns fios, e colocando eles juntos na palma da mão. Uma pequena energia pareceu erradicar, e algo nos fios mudou — Tentarei criar chamas com eletricidade estática.
Com dois fios na mão, ele começou a esfregar um no outro. Após alguma insistência, aqueles que prestaram muita atenção podiam jurar que viram uma fagulha crepitar. O professor observando a tentativa de longe comentou.
— Boa ideia garoto. Mas não vai funcionar, você precisaria de algum produto químico mais reagente para causar uma combustão. E mesmo que você tentasse criar algo agora, você não conseguiria a tempo.
O jovem pareceu frustrado. Observando melhor, Layla pode notar pequenas presas saindo da boca dele. A aparência de uma pessoa não viva, ele era muito provavelmente um Sanguir, um legado que ela nunca havia visto de perto.
A pequena turma continuou o debate por alguns instantes. O nervosismo impedia ela de dar qualquer opinião, não que tivesse a resposta para o problema. Eles não possuíam nenhuma ferramenta útil para isso, nem ao menos galhos e pedras, ou mesmo a luz do sol. Então se concentrou, pensando em uma ideia ousada, ela conhecia a teoria, talvez com um pouco de esforço ela conseguisse replicar o encantamento. Erguendo umas das mãos, ela começou a entoar palavras complicadas em um idioma ancestral, e sua mente começou a se distanciar da realidade.
Vendo a tentativa da jovem, o professor pareceu assustado. Os colegas não perceberam e continuaram conversando.
— Cuidado, isso é perigoso! — gritou o professor. Porém já era tarde demais.
Ela se viu em um mar estrelado, e à sua frente, uma massa de chamas em um caos elemental. Com muito esforço, buscou chamar o fogo para si.
A mão direita da garota emitiu um brilho alaranjado. Os mais atentos saíram da frente por reflexo antes que uma pequena labareda aparecesse. A mão dela começou a arder em chamas, fazendo-a gritar e sacudir os braços em desespero. O professor se aproximou, tirou rapidamente uma varinha do jaleco, invocando um jato de água para apagar as chamas.
— Você por acaso é idiota? Você sabe o quanto isso foi perigoso? — gritava o elfo — Você teve sorte que só queimou as mãos, você poderia ter se incendiado. Ou pior, poderia ter usado poder demais e queimado os outros.
Layla apenas segurava as lágrimas, a dor da queimadura nublou totalmente seu pensamento. Ela queria mostrar que também era capaz de algo, que aquele era o seu lugar. A M'bo do cemitério se aproximou, ela havia ficado quieta durante boa parte do processo. Com um brilho solar, ela usou a mesma magia do dia anterior, agora para curar a queimadura. A ardência se intensificou por alguns segundos até vir o alívio, Layla não se conteve, deixando cair algumas lágrimas de dor.
— O machucado sarou. Infelizmente não consegui fazer mais que isso, você vai ficar com cicatriz...
A elfa continuou a chorar, enquanto olhava para sua mão direita que agora ostentava uma tonalidade diferente, e uma pele mais fragilizada no local da queimadura.
— Certo, acho que é o bastante, vamos terminar a atividade por aqui... — comentou o responsável pela prova.
Durante a confusão, o gnomo de orelhas caninas pegou a vela, e caminhou até a mesa. E em um ato de audácia, acendeu a vela deles com a chama da vela do professor.
— Pronto... agora ninguém precisa ser eliminado — ele erguia a vela para o alto com orgulho
A incredulidade calou todos na sala. Ninguém tinha a menor ideia do que pensar. O elfo do verão foi a frente, encarando seriamente o gnomo, que também olhava para ele.
— Certo. Vocês podem passar para a outra etapa — disse ele, quebrando o ar de seriedade, e voltando a falar se forma despreocupada — eu dei meus termos, não esperava que alguém fosse ter essa ousadia. Mas é exatamente isso que queremos de alunos na UAO.
Todos naquele momento estavam de pé, olhando para o aplicador da prova. Não era possível que isso fosse sério. E então, ele prosseguiu.
— Espero que entendam. Nem toda magia vem do conhecimento, e mesmo aqueles que a estudam não precisam fazer tudo do zero. Muitos caminhos já estão descobertos, basta ter fé em quem veio antes e tentar replicar seus métodos — Com um movimento rápido, de suas mãos, as duas velas se apagaram — Não são aqueles que ficam sentados pensando que fazem as descobertas, são aqueles que põe a realidade à prova. Pensem nisso, tenham mais ousadia. O único que respondeu a última pergunta corretamente foi o que menos entendia de magia, uma vela se acende com fogo. Estão liberados, esperem no corredor, que Haroldo virá levá-los.
Saindo da sala, o burburinho começou. Algumas crianças já pareciam estar mais próximas e conversavam sobre o teste, alguns falavam mal do professor, e criticavam o gnomo pelo atrevimento. Até que começaram os comentários sobre o acidente.
— Essa garota, aposto que ela só queria aparecer. Que tentativa patética. Olha só pra ela, nem parece que tem dinheiro para comprar um livro de magia, onde ela aprendeu aquelas coisas? Esse lugar deve estar caindo aos pedaços para deixar gente assim entrar — comentava um grupo de elfos mais jovens, sem se importar se estavam sendo ouvidos.
Os sentimentos de Layla estavam prestes a transbordar. Ela sentia que definitivamente não deveria estar ali, ela não tinha talento nenhum, e logo na seleção já virou motivo de piada da turma. Segurava com força sua pequena mão que agora estava marcada para sempre, enquanto pensava se deveria desistir do seu sonho.
— Calem a boca, vocês não tem direito de criticar ninguém — uma voz irritada quebrou a conversa. Fazendo Layla abrir os olhos. O Sanguir encarava o grupinho com desprezo — Pelo menos ela tentou, não ficou conversando lorota esperando outra pessoa resolver o problema.
A conversa cessou, o grupo não tentou retrucar ele e alguns se afastaram, como se evitassem conflito. Layla não sabia se deveria falar alguma coisa, apenas ficou parada no canto, evitando encarar alguém. Ao seu lado, percebeu que estava a M'bo da faixa vermelha, também encostada na parede, ela não parecia querer conversar, mas de certa forma era uma companhia. O gnomo também estava por perto, como se quisesse manter distância da panelinha. No fundo, sentiu um alívio, talvez não estivesse tão excluída como pensou.
🌑🌓🌕
Seu Haroldo guiou todos os grupos para fora do prédio administrativo. Era possível expressões diversas nas crianças, felicidade, irritação, tristeza, descontentamento. Algumas até mesmo foram embora antes da segunda fase, diminuindo um pouco o grupo inicial. Os restantes foram conduzidos até uma praça a céu aberto. Lá era possível ver os outros prédios da universidade, com suas arquiteturas estranhas de utilidade desconhecida. Como também um grande lago que terminava em um bosque ao lado de uma montanha com uma cachoeira. O local era conhecido como a Praça do Divino Encontro, um decágono regular com uma estátua em cada ponta. Cada uma das estátuas era uma representação fiel das aparências conhecidas das deusas.
Naquele espaço, uma gnoma com traços de algum tipo de roedor organizava os grupos em um grande círculo. Diferente da diretora que possuía um ar mais altivo, essa falava de forma mais leve e amigável.
— Olá queridos. Sou a mestra Lucinda. Serei a responsável pela segunda tarefa, será bem simples então não precisam ficar ansiosos. Vocês deverão passar a noite no bosque próximo a montanha, quando saírem conversarei com vocês em grupos, e vocês deverão me responder o que é magia. A pergunta pode ser respondida da forma que acharem melhor, vocês serão julgados por essa e pela outra atividade. Caso se saiam bem, serão matriculados.
— Devemos montar grupos? — perguntou uma voz perdida na multidão.
— Sim. O bosque pode ter algumas surpresas, então é bom que vocês se unam, não só por isso estudiosos devem trabalhar juntos para realizar grandes descobertas. Trabalho em equipe é algo que vocês devem desenvolver desde cedo. Mais alguma pergunta fofinhos? Nessa atividade, seus desejos deverão guiar seus caminhos...
Assim que as instruções terminaram de ser passadas, os funcionários da universidade guiaram as crianças até próximo do bosque, passando pela lateral do grande lago. Grupos de alunos começaram a conversar entre si, muitos já tinham alguma afinidade pela atividade anterior e acabaram formando times. Ao chegar na entrada do bosque, vários grupos já estavam montados. Os únicos que não possuíam nenhuma grupo eram um Sanguir com uma aura de nobreza, uma elfa sem corte mal vestida, uma m'bo calada que não tinha conversado com absolutamente ninguém, e um gnomo com orelhas e rabo de chacal tão mal vestido quanto a elfa. A única coisa que os quatro compartilhavam, era o fato de que ninguém se importou de os convidar para algum time. Então, o gnomo tomou a frente.
— Querem se juntar? Meu nome é Marcos. Vocês parecem ser bem inteligentes, se alguma coisa acontecer no bosque, eu protejo vocês. Mas depois vocês vão me ajudar a responder aquela pergunta — disse ele, esboçando confiança em cada espaço dos seus fantásticos noventa centímetros de altura.
O Sanguir olhou para ele de cima para baixo, pensando por um momento.
— Aceito sua proposta. Mas não preciso de proteção, trabalharemos juntos, apenas peço que sigam minhas recomendações.
— Peraí, quem disse que você é o líder? — questionou o gnomo, fulminando o garoto com o olhar.
— Eu não disse que sou o líder. Apenas acho que devemos ter algum tipo de organização, estou me oferecendo para organizar o grupo.
Layla pensou se isso não seria a mesma coisa que liderar, porém preferiu acompanhar a conversa quieta.
— Ah bom, então tudo bem — continuou o gnomo — Certo, qual o nome de vocês? Eu já me apresentei.
— Meu nome é Henryk — respondeu o Sanguir.
— Meu nome é Layla... — disse a elfa, um tanto quanto tímida.
— Kaliana — falou a m'bo que estava calada até agora.
— Muito bem, Henry, Lay, Kali — o gnomo não parecia ter nem um pouco de vergonha em apelidar pessoas que havia acabado de conhecer — Vamos mostrar para esses almofadinhas que seremos os melhores nesse teste.
E assim, o grupo passou pelas primeiras árvores do bosque. Cada um com sua própria carga de confiança. Layla observava os companheiros com curiosidade, ela não conseguia entender o motivo de Henry não ter sido chamado por ninguém já que os mais ricos formavam grupos entre si.
A sombra das árvores ocultava a luz, e quanto mais adentravam o bosque, menor o grupo parecia ao lado das imensas árvores. Até que do ponto de vista de quem observava de fora, os pequenos desapareceram na escuridão. Mas nem mesmo ela, seria capaz de ocultar o brilho daqueles quatro.
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