Aquele do baile capenga

Todos estavam animados na volta para casa daquela quinta-feira. A semana inteira foi recheada de panfletos, conversas altas sobre roupas e pares e anúncios sobre os preparativos para o Primeiro Baile Anual de Verão. Como uma instituição de médio porte, e pouca verba, fazer grandes eventos não era do feitio da escola de Jeongguk, mas nos últimos anos os alunos têm reclamado tanto e massivamente, que a nova diretora decidiu adotar uma das diversas condições para melhora da interação entre o corpo discente: um baile.

Um tema, roupas bonitas, músicas legais e, claro, tudo supervisionado pelos professores. Para os alunos, principalmente aqueles que entravam na fase da adolescência, já era melhor do que nada. Logo, essa agitação toda tomou conta do lugar e de todos que tinham idade para participar do tal baile, ou seja, todos aqueles a partir de 12 anos. Sentindo-se aliviado por não ser proibido a fazer algo legal, mas inseguro em como ir para um baile — atividade que nunca fez antes —, Jeongguk mexia-se inquieto enquanto Jimin, Jin e ele paravam em frente a sua casa.

— Mãe! — ele gritou, esperando a mulher de traços bonitos aparecer para abrir o portão. Ela ainda achava graça em como as coisas eram, o tempo havia passado muito rápido.

Assim que Jihye apareceu e os três puderam entrar, começou uma chuva de frases animada.

“Oi, tia Jeon!”

“Está bonita hoje, tia Jeon.”

“O tio Jeon tá bem?”

“Precisa de ajuda, tia Jeon?”

Era realmente animado receber os melhores amigos de Jeongguk em casa, ela pensava.

A mulher de quase quarenta anos já havia vivido muito para entender que tocar no nome de Namjoon era um assunto delicado. Desde que o filho começara a andar com os irmãos Park, o nome do primeiro melhor amigo que o garoto já teve na vida nunca mais foi citado. Festas de fim de ano, feriados, aniversários... nada. Era quase como se tal amizade nunca tivesse existido. Ela ainda tinha contato com Kim Mina, agora eram não só colegas de trabalho como melhores amigas e dividiam tarefas no mesmo setor da empresa onde se conheceram há pouco mais de dez anos. Falavam sobre o afastamento dos filhos vez ou outra, e já até tentaram situações para os reaproximar, porém todas as duas vezes foram infrutíferas. Ali, entenderam que não deviam mais se intrometer.

Após responder todas as perguntas dos meninos, oferecer o almoço e aceitar a ajuda para limpar a louça suja, ela resolveu tocar em um assunto que Mina conversou consigo no dia anterior enquanto almoçavam juntas.

— Ei, mocinho — disse assim que viu os três saindo da cozinho rumo ao quarto de Jeongguk. — Que história é essa de baile que você não me contou?

— Como você…? Ah, Mina — a mãe assentiu. Jimin e Jin o encararam. — Eu não contei porque eu não sei se vou. Todo mundo tá falando de ir em par, igual aqueles filmes legais, mas eu não tenho nenhum e nem sei convidar ninguém pra ser o meu.

— Mas você não precisa de um par pra se divertir, filho. Pode ir com os seus amigos, não é? — Ela desviou o olhar para os dois garotos, buscando suporte.

— O Jin vai com uma garota e eu não pretendo chamar ninguém, então se quiser podemos ir juntos.

Jeongguk não se sentia seguro com isso. Já tinha 12 anos e era bem inteligente, então entendia sobre como as pessoas veriam os dois garotos juntos. Nunca sentiria vergonha de estar com Jimin, se fosse o caso, mas a situação toda já envolvia muitos elementos novos, ele não se sentia confiante. Ainda assim, se limitou a dizer que iria pensar no assunto.

Então liberados para ir ao quarto, Jeongguk, Jimin e Jin passaram a tarde finalizando as lições de casa, e com Jin contando sobre como chamou a garota para ser seu par. Park Seokjin era mais velho que Jimin por três anos, ou seja, o garoto estava no primeiro ano do ensino médio e as coisas funcionavam diferente para ele de como funcionavam para os dois meninos do sétimo ano. A pressão de chamar alguém, a quase obrigatoriedade de ver um par ser formado por uma menina e um menino. Jin já tinha pincelado por vezes distintas sobre isso com o irmão, e menos vezes ainda com Jeongguk, mas como o mais velho e ainda assim mais próximo da idade deles do que os pais, entendia que era mais fácil a conversa fluir.

Por isso, após muitas risadas, lanches, piadas e três lições de casa impecavelmente finalizadas, Jeongguk decidiu que iria com Jimin ao baile. Como um par. Jimin era um de seus melhores amigos e estar acompanhado de uma pessoa tão incrível seria uma honra. Em sua visão, era muito melhor do que ir com qualquer garota chata da sua sala. Pelo menos ele sabia que o recém-loiro o animaria e não se importaria se ele dançasse de um jeito engraçado. Não havia porquê ficar envergonhado disso.

Então no sábado, às cinco horas da tarde, estavam Jeongguk e Jimin devidamente arrumados e juntos de Jin e Jisoo, a garota que além de ser o par do mais velho também era secretamente apaixonada por ele. Park Sungwoon achou melhor levá-los e garantiu que buscaria o quarteto mais tarde. Felizes por terem até às dez da noite fora de casa, entraram no colégio. A área que seria usada para a festa era o anfiteatro, um espaço de muito orgulho para todos e grande o suficiente para ser usado em qualquer tipo de comemoração escolar.

Seguindo o estilo “chegar primeiro é coisa de desesperados”, estavam ali uma hora após o baile começar e ainda assim podia-se dizer que o lugar estava mais cheio do que esperavam. A música tocando era animada, mas não o suficiente para fazer todo mundo dançar, por isso muitos corpos balançavam de um lado para o outro nas cadeiras e nos cantos do local. Os professores estavam vestidos como se os próprios fossem dançar no baile e tinham um apito consigo para chamar atenção caso algo acontecesse — o que todos esperavam não ter de usar em momento algum daquela noite.

O tema do baile era — totalmente clichê — “O Mundo dos Sonhos”, por isso tudo estava banhado em cores suaves, com muito glitter e arco-íris. Jeongguk riu da decoração e Jimin começou a listar mil e um temas melhores do que aquele. Jin e Jisoo logo se afastaram dos dois, procurando um lugar para sentar e comida para comer.

Jeongguk havia esquecido de muita coisa nos últimos anos, até mesmo sobre quais outras pessoas poderiam aparecer no baile. O tópico "Namjoon" era deixado constantemente guardado em uma gaveta escura e escondida no fundo de sua mente, mas momentos como esse, onde é impossível negar a presença do mais velho, sempre aconteciam. Com muita dificuldade desviou o olhar da imagem bonita e sorridente que encontrou do outro lado da pista de dança.

Percebendo a situação, Jimin começou a distrair o amigo. Comeram, encontraram a mesa que Jin e Jisoo estavam sentados e pouco depois acompanharam o casal para a pista de dança. O loiro era um ótimo dançarino e fazia Jeongguk seguir todos os seus passos, mesmo que o garoto ainda não fosse tão habilidoso quanto ele. A situação era extremamente divertida. Com o tópico que evitava a todo custo bem distante de seus pensamentos, pôde se divertir de verdade.

As músicas foram passando, o lugar enchendo, o som dentro do anfiteatro ficando cada vez mais alto e também descontrolado. Sem saber quanto tempo havia passado dançando, Jeongguk deixou Jimin na pista e foi atrás de uma bebida. Era incrível como o amigo parecia ligado no 220W. Apesar de estar tão suado quanto ele, não parava nunca e toda música era a sua música, o que o tornava a ganhar mais energia para dançar como se aquela fosse a última noite de sua vida.

Na mesa de bebidas com apenas duas opções, Jeongguk sentia-se no Paraíso. Passou ali mais tempo do que considerava educado, e arrependeu-se assim que se distanciou. Em pé atrás de si, suado e com as mãos no bolso da calça jeans, estava Kim Namjoon. Os olhares se encontraram e era como se toda a mágoa mal resolvida atiçasse seu pequeno coração. Pelo seu próprio bem, preferiu passar reto para evitar qualquer situação constrangedora, mas foi detido pelo outro.

— Oi.

Não havia o que responder. Ele tentou novamente continuar o seu caminho de volta à pista, mas Namjoon estava obstinado em ter a sua atenção.

— Jeongguk, a gente pode conversar?

— Não. — respondeu prontamente. Aquela não era uma boa noite, e haveria alguma?, para reabrir feridas.

Já haviam se passado pouco mais de dois anos desde o último contato que tiveram. Ficaram muito estranhos um com o outro e era melhor não tentar mais nada para não criar ódio entre os dois. Por enquanto só havia mágoa e era melhor deixar que continuasse a ser só isso.

— Por fa-

— Ei! ㅡ Uma voz animada surgiu. — Você demorou tanto pra voltar que eu pensei que tinha caído dentro da jarra de suco.

Jimin estava ofegante, com o rosto vermelho e os cabelos completamente bagunçados. O amigo era bonito e encantava a todos, mesmo sem saber como lidar com tal atenção. Por isso, ficou desconcertado assim que percebeu quem estava junto do moreno. Sentiu-se acuado, mas lembrou de como o amigo ficava quando o assunto era o ex-melhor amigo, então passou o braço por sobre os ombros dele e deixou um sorriso ainda maior tomar conta de seu rosto.

— Jeon Jeongguk, estão solicitando a sua presença na pista de dança.

— Quem? — respondeu com os olhos ainda em Namjoon, que tinha os olhos estreitados sobre a figura de Jimin.

— Eu! Vamos! — E rebocando o corpo magrelo, Jimin afastou-os do outro.

— Obrigado — Jeongguk disse um tempo depois, entre a troca de uma canção agitada para uma mais suave. Os corpos precisavam descansar antes de uma nova rodada de batidas agitadas e sintetizadores.

— Ei, sou seu amigo. Sempre que precisar, vou estar aqui pra te salvar. E sinceramente, aquele cara ainda te deixa mal.

Jeongguk concordou com um mero aceno.

Nenhum dos dois queria voltar para a mesa, onde Jin e Jisoo estavam mergulhados em uma conversa — e um mundo — só deles, então Jimin colocou os braço ao redor do tronco do amigo e deixou que Jeongguk fizesse o mesmo consigo, e assim seguiram o compasso lento e melódico da canção.

— Você acha que alguém vai falar alguma coisa? — Jeongguk perguntou, deixando o olhar vagar ao redor deles por alguns segundos.

— Não sei. — Jimin deu de ombros. — E de verdade, eu nem ligo. Somos amigos e só estamos dançando. Ninguém ia falar nada se fossem duas garotas, porque já estão acostumados a verem meninas trocarem toques físicos em público sem nenhuma segunda intenção. Acho que já passou da hora da gente fazer o mesmo sem receber olhares tortos.

— Uau, você pensa mesmo sobre isso.

— Eu penso muito sobre muita coisa. Principalmente sobre as pessoas pararem de ser idiotas umas com as outras.

Os corpos continuaram seguindo o ritmo e a intimidade entre eles era confortável. Jeongguk sentia-se aliviado por ter os irmãos Park tomando conta de si. Pouco mais de dois anos atrás, quando lanchou com ambos pela primeira vez, sentiu-se tímido, mas nunca acuado. Eles fizeram questão de incluí-lo em todos os assuntos e questionavam sobre seus gostos de forma genuína. Ele gostava de ser escutado e ter um lugar que pertencia a ele, e entender que o tinha. A sensação de não estar deslocado, atrapalhando ou qualquer característica semelhante era libertadora e ele entendeu ali que talvez a única amizade que tinha antes, já não era mais para ser sua.

Era chato, magoava e ele passou a ser evitado por Namjoon, então entendeu que era melhor ter Jimin e Jin agora, que o entendiam e com quem ele surpreendentemente se sentia confortável, a esperar por uma melhora na amizade que mantinha com Namjoon. Nada disso foi posto em palavras, é claro, era apenas uma criança de 10 anos, mas os sentimentos não mentiam.

A noite passou e muita coisa ao redor deles aconteceu. Alguns alunos do último anos brigaram, outros foram colocados para fora da festa por "comportamento suspeito" e até mesmo um beijo entre o casal da noite aconteceu. Jimin e Jeongguk fingiram que não viram, mas não deixariam de comentar sobre isso o dia inteiro na segunda-feira.

Ao fim da festa, quando haviam corpos cansados demais para dançar qualquer coisa e os professores aproveitando a situação tomaram conta da pista, fazendo músicas de muito antes de qualquer aluno ter nascido tocarem nas grandes caixas de som, uma figura alta e deslocada apareceu diante da mesa deles. Os quatro emudeceram, e Jeongguk sentia-se aborrecido.

— O que você quer?

— Falar com você — Namjoon respondeu, deixando os olhos caíram sobre os outros três por poucos segundos.

— Por favor, eu não quero falar com você. Não somos nem mais amigos.

— Exatamente por isso quero falar com você.

Jeongguk estava em conflito. Não queria conversar com Namjoon, mas ao mesmo tempo queria sim. Achava uma eterna agonia nunca terem dito que a amizade acabou, simplesmente se afastaram e viveram os dias como se nunca tivessem compartilhado um laço significativo. Sabia que podiam achar bobagem, mas para ele era importante colocar um ponto final nas coisas, afinal de que outra forma ele entenderia que acabou e lidaria com os seus sentimentos?

Virou a cabeça para Jimin e procurou ali uma resposta, uma sugestão, qualquer coisa que o ajudasse a entender o que fazer. O amigo demorou o olhar sobre Namjoon, que lhe devolveu o ato. Nunca se soube o que aconteceu ali, naquele combate silencioso e distante, mas Jimin tornou a olhar Jeongguk e colocou a mão no ombro dele, aproximando seus corpos.

— Você ainda confia nele? — sussurrou.

— Não sei se ainda conheço ele… — Jimin analisou as feições do amigo.

— Se você tá com dúvidas, acho que é melhor ele falar aqui, então. Qualquer coisa, estamos aqui pra dar suporte. Se vocês ficarem sozinhos, pode ser mais desconfortável.

A conversa durou segundos, e Namjoon permanecia como uma estátua em frente a mesa deles.

— O que quiser dizer, pode dizer aqui.

Jeongguk não lembrava de já ter tido tanta coragem antes, e sentia-se orgulhoso. A timidez sempre tirou o melhor de si, então faíscas como essa eram sempre lembradas.

Namjoon respirou fundo, lançou olhares para a mesa uma última vez e grudou a atenção em Jeongguk até sua última palavra:

— Desculpa por antes. Eu sempre gostei muito da sua amizade, mas eu precisava dos meus novos amigos também e eu não sabia lidar com a sua timidez. Desculpa não te ajudar com isso, eu não sei o que é ser tímido e não saber se aproximar das pessoas. Mas você também precisa entender que eu não tinha como ser tudo pra você. Éramos só amigos, e aquilo era o que eu podia ser. — Bateu os dedos nervosamente na coxa direita, sugou mais ar e continuou: — Eu fiquei muito bravo com você por muito tempo, e depois eu fiquei chateado. Eu não queria ter deixado de ser seu amigo. A gente se conhece desde bebês, é estranho não estar mais com você… E eu não vou falar pra você ser meu amigo de novo, eu nem sei como você se sente com tudo isso, sabe, tipo… o quanto você ficou mal, e como você se sente agora, mas… se você puder repensar em pelo menos não me odiar mais.

Jeongguk sentia-se desconfortável em não desviar do olhar, mas se forçou a continuar ali, firme.

— Hm, era isso que eu tinha pra dizer.

Namjoon virou de costas e foi andando para longe, talvez para junto do seu grupo de amigos. Jeongguk não raciocinou o que estava fazendo, só entendeu quando já havia levantado e estava com a mão agarrada na camisa do outro.

— Eu ainda não me sinto bem, sua amizade sempre foi tudo pra mim. Você era meu amigo e eu te transformei no meu mundo. Entendo agora que não foi uma situação legal; nos machucamos por nada no fim das contas. Eu queria que a gente tivesse conversado… Mas a gente era criança também, não sei se dá pra exigir muito…

— Ainda somos crianças, Jeongguk — Namjoon disse, ainda de costas. Era estranho dizer o nome em voz alta depois de tanto tempo.

— Você entendeu o que eu quis dizer, Namjoon — respondeu, um sorriso minúsculo brincando no canto dos lábios.

A cabeça do mais velho balançou, concordando. Jeongguk soltou o tecido e voltou para a mesa. Ele não pôde ver, mas Namjoon voltou-se para olhá-lo e os olhos brilharam em esperança. Amava os amigos que tinha conquistado com o passar dos anos escolares, mas sentia falta de Jeongguk, ninguém o conhecia como o garoto tímido de ideias extraordinárias. Namjoon nunca entendeu como era isso, não conseguir se conectar minimamente com outras pessoas, fazer amizade para si era tão fácil quanto respirar, então depois de muito conversar com a mãe e com o amigo mais próximo hoje em dia, entendeu onde estava o erro que cometeram anos antes.

Mas tudo bem. Desde que eles entendessem e estivessem dispostos a reviver e consertar aquela amizade — ele estava — tudo ficaria bem.

🐨🐰

Esse capítulo e o próximo são os maiores da história e eu espero que essa mudança seja vista como positiva 👉🏼👈🏼
Inclusive, esse é o penúltimo capítulo! Ou seja, ainda essa semana Pequenas Epopeias acaba, e eu bem queria já ter uma nova shortfic pra substituir o buraquinho que ela vai deixar, mas até o momento nenhum plot, e motivação, foram o suficiente pra fazer isso acontecer. Mas muito muito muito obrigada a quem interage de alguma forma na história, saibam que vcs tem um lugar muito especial no meu coração 🥺
Beijinhos e até sexta!

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