Sujeito de Sorte
O velhote sentava-se com um sorriso de lado e uma lerdeza adquirida pelo tempo, seus olhos rodaram o ambiente antes de se dirigirem a mim, com uma aparência alegre e uma história dissimulada entre os dentes.
— Se me lembro bem, ele era um voluntário, sujeito de bom coração era o que dizia de si mesmo. A gente sabe que humildade não era seu maior dom, mas vivíamos intrigados. Como um voluntário podia andar com tanto ouro pendurado, um sapatinho exibido a brilhoso e terno de malandro? Um dia Jandira e eu fomos tirar a prova, trabalhávamos mais de dez horas por dia, os meninos tudo jogado em casa, eu dizia à Cristiano Antônio "estuda pra ser malandro engomado por que de farrapo já basta a gente", não que nós ensinassemos coisa ruim, minha velha sempre foi de muito respeito, sabe? No bairro não havia ninguém que duvidasse desse seu caráte-
— Vô, a história.
— Estou contando — disse, recordando de onde havia parado —, então nós acabamos numa praça, no meio de uma gente considerável, o sujeito não tinha avisado nada de nada, apenas que poderíamos ver como era sortudo e bem aventurado. Não passava do meio dia, devia ser domingo por que não tínhamos ido à igreja e Jandira dizia o tempo todo que nada justificava não estarmos lá, mesmo que ela tivesse tanta curiosidade quanto eu. Afinal, se ser voluntário daria dinheiro, precisávamos ver com nossos próprios olhos. Seu Arnaldo nos viu de longe, chegou todo contente, limpo e com um cigarro na orelha. "O segredo é atender ao chamado!", ele falou e, logo em seguida, se virou para o locutor na nossa frente.
Quando o homem pediu que Arnaldo fosse gentil e desse uns trocados à sorte, ele tirou logo um bolo de notas, daquelas que você nunca acha que vai ver. Achamos que era louco, estávamos no começo da vida e éramos tão ingênuos quanto o recém nascido que havíamos deixado em casa, imagina quando vimos o patife voltar com um sorriso no rosto e dinheiro saltando entre os bolsos? Voltamos rápido pra casa. Até ele aparecer no domingo seguinte, no próximo e no próximo. Os jogos eram diferentes, as pessoas que os aplicavam também, mas o sem vergonha sempre ganhava, "era mesmo um sujeito de sorte", achávamos.
Num dia ele nos deu dinheiro e disse exatamente no que deveríamos apostar, minha mulher quase desmaiou ao voltar com o dobro do que ele havia emprestado, e como a boa pessoa que era, nos deu a quantia inteira como um presente de casamento atrasado.
— Não acredito que vocês caíram nessa. — digo, permitindo que leves risadas se façam presente.
— Pareciamos grandes sortudos e nos aproveitamos da dádiva da ignorância até o último segundo. Só descobrimos meses depois de já termos seguido Arnaldo de cima à baixo, que estávamos num esquema que ninguém fez questão de nos apresentar, não dava mais pra fazer vista grossa, naquele momento fazíamos quase uma aposta por dia de grande quantia, o que levantava o humor das pessoas em volta e abria várias carteiras. Mas as coisas tinham melhorado muito em casa também, os meninos iam a escola bem vestidos, dei uma cirurgia para a sogra e dentes novos à minha mãe. Ali, vê? — Vô Firmino aponta para uma arcada dentária dourada emoldurada em cima da estante. Concordo com a cabeça mesmo achando isso estranho e esquisito. — Tiramos na cremação, mas era uma das coisas que mãe mais gostava, saia na rua exibindo os dentes de ouro. Na época até comprei um terno colorido também, completamente diferente do terno de enterro. — suspiro alto, suplicando facialmente que ele termine logo a história. — Ah, sim. Arnaldo não era o tipo de pessoa que parece inteligente, muito pelo contrário, apesar de um tratante sempre era pego no ato, acredito que só as canela fina que lhe permitiam fugir dos guarda. Enfim, quando descobrimos que tinha coisa errada, voltamos a rotina, trabalho de segunda a sábado e igreja nos domingos. A polícia nos interrogou duas vezes, havíamos participado de mais jogos do que eu me lembrava, e assim como nós, os golpistas também tinham sumido. Não acharam dinheiro na nossa casa e conseguimos convencê-los que éramos apenas viciados em apostas que usavam o dinheiro das quentinhas. Por sorte as crianças estavam nos avós e o dinheiro dentro do estofado das bonecas de pano que Jandira fizera. Éramos ingênuos no começo, mas ficamos astutos na hora do perigo.
Em pouco tempo as bonecas estavam magras e o fluxo de dinheiro na casa, também. Arnaldo não demorou a aparecer, estava numa situação muito parecida, no início fomos relutantes, pecando pela moral, até percebemos que nosso maior arrependimento era o de não ter tirado mais dinheiro. Logo conseguimos abrir o empreendimento da família, a maior casa de apostas do estado, Jandira foi nosso senso de moral, mantendo tudo justo no meio ilegal da coisa, Arnaldo fornecia as ideias, sempre foi um malandro de qualidade e eu fui, por muito tempo, o voluntário de bom coração da companhia, por assim dizer.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top