Capítulo 1
As nuvens estavam espalhadas pelo céu de forma que quase não se via seu azul, e os ventos começavam a se tornar frios com a proximidade do outono.
- Eu deveria ter pego um casaco. - Eduardo murmurou para si, tentando se aconchegar na fina camisa de manga longa.
Ele encarou as duas lápides a sua frente mais uma vez, ouvindo o farfalhar das folhas ao seu redor. As margaridas que ele acabara de colocar ali pareciam combinar com o local. Sim, combinava com eles.
Eduardo suspirou, criando coragem para ir embora e percorrer o longo caminho até sua casa.
- Tenho que ir agora. Cuidem um do outro. Fique perto da mãe, sabe que ela não gosta do frio, pai. - disse com um fio de esperança de que aqueles dois pudessem o escutar. E sabia que se pudessem responder, a mãe o repreenderia por não ter vindo com uma roupa quente.
Sorriu ao pensar nisso. Mas como em todas as vezes era um sorriso triste, repleto de saudade.
Pondo as mãos nos bolsos da calça, ele caminhou pela rua de paralelepípedos coberta por folhas que cada vez mais caíam de suas árvores.
Era um dia lindo, mesmo nublado e frio ele se sentia fisicamente confortável. Mas não se podia dizer o mesmo do seu coração, aquele aperto no peito ainda prevalecia.
Sacou o celular com a intenção de chamar um táxi, mesmo não tenho interesse algum em voltar para a casa. Ninguém mais o esperava, era um silêncio completo. Ao menos nas ruas o som dos motores o distraía.
Parado esperando pelo taxista, ele pôde sentir que alguém o observava. Ele estava sozinho na calçada em frente ao cemitério, e isso lhe causou arrepior por não saber o que o encarava. Até que ouviu um fino miado, e ao olhar para o chão encontrou um gato tricolor, com as machas alaranjadas quase em um tom de marrom graças a sujeira espessa. Os olhinhos estavam úmidos e com pequenas gosmas amareladas em seus cantos. A barriguinha avantajada mostrava que alguns filhotinhos estavam ali. Quando ela miou mais uma vez, ele se abaixou e estendeu a mão para ela. Farejou um pouco seus dedos estendidos e logo aceitou o carinho.
Com a chegada do carro, ela ficou encarando Eduardo se afastar, se esforçando para manter os olhinhos abertos.
- Não me olhe assim, droga! - ele a disse cabisbaixo.
- Acho que ela quer vir com você. - o motorista comentou animado. - Não me importo de sujar o carro, pegue ela logo!
Deixando a hesitação de lado, ele segurou a fraca gatinha nos braços e entrou no carro.
Parando um pouco antes de sua casa, Eduardo comprou ração e as demais coisas necessárias para sua nova amiga.
Ele sequer precisou acalmá-la ao chegarem, a gatinha já se sentiu em casa. Estava finalmente protegida do frio. Com algodão ele limpou os olhos dela, e com um lenço o restante do corpo, imaginando que lavá-la pela primeira vez estando grávida poderia causar estresse.
Ele a ofereceu a caminha que acabara de comprar, a gata o encarou até subir no sofá e se acomodar lá.
- Eu gastei dinheiro com isso, sabia? - ele disse, e ela o direcionou um olhar claro de que não havia pedido aquilo.
Colocou ração no pote recém comprado e admirou a pequena se empanturrar o mais rápido que conseguia.
Pensando em uma solução para ela não infestar o sofá com pulgas até que ele pudesse limpá-la totalmente, resolveu ir até o mercadinho mais próximo para buscar uma caixa. Ela iria preferir isso ao sofá, assim ele esperava.
Com a caixa em mãos, Eduardo a preparou com lençóis, e para sua sorte a gatinha adorou.
- Ótimo. Caso os filhotinhos forem vir, fique aí. Posso conseguir outra caixa pra você, mas um novo sofá seria um pouco complicado. - ele conversava com ela, acariciando sua pelagem densa. Não se conheciam nem há um dia, e a felina já ronronava e se inclinava pedindo por mais carinho. - Como você deveria se chamar?
Ele pensou em diversos nomes, com os mais variados e tocantes significados, mas olhando para ela havia algo que chamava sua atenção capaz de anular todos esses pensamentos.
- Você parece uma coxinha. - ele disse, observando a gata se acomodar ainda mais. - É assim que vou chamar você!
Com mais um miado e mais um carinho, ele a deixou descansar e se pôs a preparar o jantar.
Do lado de fora a chuva caía, proporcionando a ele a melodia perfeita para cozinhar. Enquanto andava de um lado para o outro para pegar ingredientes, ele sentiu algo felpudo se enroscar entre suas pernas.
Olhando para baixo, os olhinhos verdes imediatamente encontraram os seus.
- Olá, Coxinha. Não está com sono? - ele perguntou calmamente para a gata, como se a mesma pudesse o responder. - Eu pediria sua ajuda com o jantar, mas não gosto da ideia dos seus pelinhos caindo na minha comida!
Com o jantar pronto ele já estava se preparando para comer em silêncio mais uma vez, mas o ronronar da gatinha quebrava o clima melancólico e o deixava um pouco mais confortável.
- Você é uma boa companhia no fim das contas. - disse, se lembrando de que quase não a trouxera com ele.
Enquanto a noite caía ele aprontou a nova caixinha de areia e deixou em um lugar de frente para a caminha que a felina escolheu, e começou a aprontar sua própria cama.
Deitado, ele finalmente deixou que as lágrimas rolassem, em uma correnteza que aparentava não ter fim. O luto finalmente se tornando real. A ficha de que eles agora estavam mortos começou a cair. Já se fazia uma semana, e ainda não parecia real. Eles eram tão cheios de vida, como ele nunca conseguiu ser.
No escuro, ele soluçava imerso na solidão. Até que sentiu patinhas pisarem em sua barriga, andando em círculos. A gata o amassou um pouco antes de se deitar sobre ele, os filhotes em sua barriga a faziam pesar mais do que se esperava.
Eduardo se manteve imóvel pelo o que aparentou ser uma eternidade. Sentindo a respiração lenta e calma da criaturinha em cima de si, ele finalmente aceitou o agrado.
Os olhos inchados pelo choro começaram a ficar pesados e mesmo com o enorme vazio no peito, ele caiu em sono profundo.
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