🌻SEIS🌻
Emma
Era sábado, e marquei de me encontrar com Eliza na praça, pois ela queria me contar uma "novidade". Admito que fiquei até com um pouco de medo depois de ela ter dito isso, pois qualquer coisa que vem da Eliza é uma grande surpresa.
Eu tinha que ir a minha psicóloga também, mas isso seria apenas mais tarde, então daria tempo suficiente.
Vesti uma saia com estampa florida, e uma blusa regata branca, colocando tênis da mesma cor logo em seguida. Prendi meu cabelo em um rabo de cavalo, com os fios voando na leve brisa que saía de fora da janela do meu quarto e entrava discretamente pelo corredor, deixando à mostra as partículas de pó do chão, com raios solares batendo de leve, e os deixando ali, pairando no ar.
Depois que nos mudamos para cá, meus pais têm trabalhado on-line, minha mãe é advogada, então era mais fácil de se conduzir quando um cliente precisava dela, desde que seje por perto. Então eu já estava acostumada quando de repente ela não estava em casa ou precisava sair urgente.
Já meu pai, é arquiteto, então ele normalmente ficava no escritório da nossa antiga casa fazendo seus projetos por meio digital, e levava para o papel depois. Agora que nessa casa não tem escritório, ele fica sentado à mesa da cozinha, que fica o dia todo cheio de papéis, lápis, réguas, fotografias, compassos e principalmente o notebook, que sempre está conectado ao fio do carregador.
A rua estava calma, como sempre, e logo quando fui me aproximando da praça, já podia ver uma menina sentada em um dos bancos perto da fonte, que jorrava água cristalina e limpa.
Eliza acenou para mim, se afastando para eu poder me sentar.
— Oi! E aí? O que você queria me contar?
Ela sorriu para mim, e depois soltou um gritinho:
— Noah me deu seu número de telefone! — Me encarando, ficou esperando eu dizer alguma coisa, mas quando eu ia falar, ela me interrompeu de novo: — E não é só isso! Ele disse que hoje à noite iria pegar o carro dos pais dele escondido e dirigir comigo no banco do carona! — Ela deu um sorriso tão largo que parecia que os dentes dela iam pular pra fora de sua boca.
— Nossa Eliza! Isso é demais! Eu... — E ela me interrompeu novamente:
— E também não é só isso!! Eu disse que só ia junto se todos nós fôssemos também!
Dessa vez eu arregalei meus olhos, me perguntando o que ela quis dizer com "nós".
— Eliza...Como assim "nós"?
— Eu, você, Logan, Jasmine e os gêmeos!! Ora...quem mais seria? Minha mãe e minha avó que não são!!— Ela começou a rir, mas mantive minha cara séria.
Okay, eu tenho que começar a me enturmar, mas assim? De madrugada no carro de um cara dois anos mais velho que nós? E além disso, o que eles iriam dizer se me vissem com um tubo de álcool em gel nas mãos, ou me remexendo toda hora no carro por estar desconfortável?
Eliza estranhou minha expressão, e indagou:
— O que foi? Não gostou da idéia?
— Bom, seria divertido se eu não tivesse essa porcaria de TOC. — Suspirei fundo, e quando menos percebi, Eliza tinha colocado sua mão na minha, respondendo calmamente:
— Emma...Me desculpe, não queria te preocupar, se não quiser ir, tudo bem, mas eu não vou se você não for! Em vez disso, vou jogar pedrinhas em sua janela até você abrir e ficarmos conversando até ao amanhecer sobre coisas idiotas. — Okay, admito que não pude conter um sorriso.
Eu não queria estragar a noite incrível da Eliza e do nosso grupo, e antes que pudesse dizer sim, me lembrei que Logan também estaria lá, ou seja, mais um motivo para eu aceitar esse convite.
Confirmei positivamente com a cabeça, e ela me deu um abraço tão forte, que quase derrubou nós duas no chão.
Logan
— Logan! Venha almoçar! — Minha mãe gritou, e eu desci as escadas escorregando pelo corrimão.
Eu e meu pai nos sentamos à mesa, ele colocando vinho numa taça, e eu, suco de maracujá num copo. Pois é, eles me disseram que eu poderia tomar bebidas alcoólicas só depois dos dezoito anos.
Claro que, as vezes os gêmeos me traziam uma taça meio cheia de vinho quando eu ia à casa deles, pois seus pais deixavam, e eu tomava, mas sem exagero, apenas para não passar vontade.
Minha mãe tirou do forno sua famosa lasanha de queijo com berinjela, que ela sempre fazia a cada um domingo do mês. Da geladeira tirou uma tigela com cenoura, picles e batata, colocando sobre a mesa, em conjunto com os talheres e pratos.
Assim que ela se sentou, começamos a comer. Meus pais conversado sobre coisas de trabalho, e eu pensando sobre a conversa que tive no telefone com Eliza.
Ela dissera que hoje à noite Noah iria jogar pedrinhas em sua janela para que ela pudesse descer discretamente e entrar dentro do carro (que por sinal era dos pais dele), e ir nos buscar, um por um.
Estava tão animado, pois Emma também estaria lá, o que significa que eu estaria com ela durante uma noite inteira!
Assim que terminamos o almoço, subi para o meu quarto, fechando a porta atrás de mim e me jogando na cama. Talvez se eu cochilasse um pouco acalmaria meus nervos que estavam ansiosos.
Emma
Assim que voltei para casa, meus pais estavam me esperando para me levarem ao consultório.
Quando chegamos, eles se sentaram nas cadeiras da recepção, e a senhora recepcionista me cumprimentou, enquanto isso fui caminhando nos inúmeros corredores até achar a sala número quatro.
Bati de leve na porta, até que Susan a abriu, dizendo:
— Emma! Tudo bem com você? Como tem andado?
— Ah, eu vou bem! — Entrando na sala, me sentei na poltrona, e perguntei à ela, por educação: — E a senhora?
— Oh, eu vou bem, obrigada por perguntar, mas o foco aqui é você. — Ela caminhou até o filtro de água, e pegou um copo de plástico. — Bom, e o seus remédios? Estão acabando? Você está tendo algum ataque de pânico recentemente ou falta de ar? — Dando alguns goles, ela me encarou.
Poxa, eram tantas perguntas!
Já tive vários ataques de pânico, por conta de lugares muito sujos ou alguém estar me pressionando para escolher algo muito importante ou para fazer algo.
Era uma segunda-feira de fevereiro, e o meu primeiro dia de aula da 1° série.
Haviam várias crianças, meninas com saias cinzas e brancas, a maioria com tranças e laços no cabelo. Os meninos, com franja caída sobre a testa, detalhes cinzas no uniforme e listras brancas na camiseta.
Eu estava animada para o meu primeiro dia de aula, claro, eu já sabia que tinha TOC, mas não estava tão sério assim, apenas estava se iniciando, e meus pais pensavam que isso era apenas temporário, que eu iria conseguir resolver isso.
Pois é, estavam enganados.
Eles deram aquele beijinho molhado em minha testa e me deixaram na sala de aula.
Entrando, me sentei na carteira, que, ainda bem, estava completamente limpa. A professora começou a explicar que teríamos que cantar uma música antes do início das aulas, mas ela queria que um de nós escolhesse.
E adivinha? Isso mesmo.
Ela apontou diretamente para mim, com suas unhas perfeitamente pintadas de vermelho escarlate, e citou meu nome à turma.
— Emma, pode escolher uma das músicas?
Mostrou-as com uma régua os desenhos de duas músicas, e a sala inteira me encarava, dizendo: "Escolhe a primeira!" ou, "Escolhe a segunda!".
Toda pressão estava sobre mim, todas as vozes, as falas repetidas, as pessoas.
Até que eu não aguentei, e saí correndo da sala. Passei pelos corredores, pelos alunos de outras salas, e me agachei, começando a chorar e com a respiração pesada. Claro, eu era uma criança na época.
A vice-diretora ligou para os meus pais, que me vieram buscar imediatamente, com um os lábios contraídos.
Eles disseram que estava tudo bem, mas não estava. Não para mim.
Foi a partir daí que comecei a ter aulas em casa, com professores particulares, e meus pais tomarem mais atitudes em relação ao TOC.
Susan continuou me encarando, com aqueles olhos verdes bem escuros na direção dos meus.
— Bom, meus remédios estão sim acabando, e não, por enquanto ainda não tive nenhum ataque recentemente, nenhum transtorno. Meu último ataque foi à quatro meses atrás, quando um carro espirrou água suja da calçada nas minhas pernas, pois estava chovendo.
— Oh, certo. Vou aumentar as doses de seus remédios, está bem? — Ela foi até sua mesa e começou a escrever as receitas no papel. — Vamos começar a tratar desses transtornos a partir de semana que vem, então, até lá tente não ter nenhum ataque de pânico. — Ela se levantou, e continuou: — O carregamento chega hoje, vou mandar enviar alguns desses remédios para seu endereço, okay?
— Está bem, senhora.
— Ora, por favor, me chame de Susan! Você pode contar comigo para qualquer coisa. Escutou Emma? Qualquer coisa. — Ela sorriu para mim, e eu retribui o sorriso
— Claro, Susan!
Assim que o horário da consulta acabou, fui para a recepção, onde encontrei meus pais.
—Emma! Como foi? — Meu pai perguntou, fechando uma revista e a colocando em cima da mesinha de vidro.
Minha mãe fez o mesmo, e eu respondi:
— Foi legal. — Levantei os ombros, com um sorriso de lado, e acenando com a cabeça para irmos.
Nos despedimos da senhora recepcionista e fomos embora.
Logan
A noite caiu, deixando nítido a neblina que vinha dos bosques mais altos das colinas atrás do lago, acompanhado de nuvens negras, carregadas de chuva.
Eu amava quando chovia, pois deixava ainda mais refrescante o ar e o cheiro fresco de terra molhada.
Já sentindo frio, coloquei um moletom cinza e um tênis, calça iria continuar com aquela mesmo. Ia dar 23:00, horário em que meus pais se preparavam para ir dormirem.
Me joguei na cama, e me cobri com o cobertor até a cabeça, quando minha mãe abriu a porta para conferir se estava dormindo.
Ouvi a porta se fechar atrás de mim, e como meus pais tinham o sono pesado, podia colocar música nas alturas que eles não iriam escutar, além disso, eles colocavam um som tranquilizante para dormirem, como sons de pássaros ou cachoeiras.
Só por precaução, peguei uma almofada e coloquei embaixo das cobertas.
Escutei o som de um carro parando em frente a minha janela, e quando olhei lá embaixo, estavam os gêmeos no banco de trás, Jasmine no do meio, e Eliza na frente, com Noah no volante. Onde está a Emma?
Eliza fez um sinal para que eu descesse, e obedeci.
Já tinha planejado deixar a escada encostada na minha janela, e foi o que fiz: abri a janela e desci por ela.
Me aproximando deles, perguntei meio aborrecido:
— Cadê a Emma?
Jasmine deu um sorriso sarcástico, e respondeu:
— Ela pegou uma gripe e não pode vir.
Arregalei meus olhos, e falei desesperado:
— O quê?!!! Não! Sem ela eu não irei!!
Todos do carro riram, e Christian balbuciou com rapidez:
— É brincadeira cara, anda logo, vamos lá buscar ela!
Dei um suspiro de alívio, e entrei.
Emma
Assim que meus pais dormiram, desci as escadas lentamente, pois não queria acordar nem eles nem a Candy.
Mas isso deu meio errado, pois Candy havia acordado para uma "necessidade" e rosnou para mim.
— Candy!! Quieta! Sou eu, Emma!! — Cochichei, alto o bastante para ela se dar conta e voltar para sua caminha.
Os pneus do carro derraparam no asfalto, e quando fui abrir a porta, percebi que estava trancada, e eu não ia me atrever a fazer barulho com as chaves penduradas no gancho.
Pensei rápido, e abri a tranca da janela da cozinha, e saí pelos fundos.
Logan acenava para mim dentro do carro, e acenei de volta.
Me aproximando mais um pouco, ele abriu a porta do carro e entrei.
Oh céus, que loucura eu estava fazendo naquela noite?
— Onde vamos? — Perguntei.
— Estava pensando de irmos até o morro dente-de-leão. — Respondeu Noah.
Franzi o cenho, e Jasmine começou a explicar:
— Esse morro se chama dente-de-leão porque toda primavera a brisa leve da montanha acaba tirando seus felpos, alguns até voam inteiros, e a paisagem se torna maravilhosa. — Ela ligou seu celular e confirmou as horas. Depois o desligou e guardou de volta em seu bolso.
Eu assenti com a cabeça, e fiquei pensando que quando a primavera chegar, iria ser uma bela vista para observar com alguém.
Já estávamos quase chegando no morro dente-de-leão, quando começou a trovejar. Todos fizeram uma careta, e Nathan começou a reclamar:
— Ah, que droga! Hoje não foi nosso dia de sorte...
Noah parou o carro perto do morro, e todos nós ficamos duvidando se íamos ou não descer, pois já estava garoando.
Logan ficou pensativo olhando pela janela, até que:
— Quer saber? Que se dane! Não sou feito de açúcar, aliás, nenhum de nós somos! — Ele abriu a porta do carro, e caminhou pra fora, agitando os braços para cima.
Sorrimos entre nós, e todos começaram a descer, menos eu.
Eu posso ficar doente, Emma! Não! Você não vai...É, acho que vou sim.
Fiquei com um olhar triste, e todos correram de mãos dadas para cima do morro, mas Logan parou no meio do caminho e deu meia volta.
Emma, ele vai te convidar pra sair na chuva! Não aceita...e se eu aceitar?
Ele estendeu sua mão para mim, e me convidou:
— Vem comigo, Emma.
Espantei minhas pragas como se fossem nuvens flutuando sobre o ar, e recuando de vez em quando, acabei aceitando.
Suas mãos quentes tocaram nas minhas, geladas, esquentando meu corpo imediatamente.
Ele me puxou para perto de si, e eu sorri, com ele sorrindo junto.
Ele começou a me rodopiar pela chuva, fazendo eu dar sorrisos largos e prazerosos, estávamos praticamente dançando na chuva.
Quanto mais eu chegava perto dele, mais eu me sentia feliz, e esquecia todo o resto.
Respeitando meus passos, e até eu me acostumar a ficar tanto tempo na chuva, Logan foi delicadamente me puxando para subirmos, até que começamos a correr morro acima.
Dei um grito de alegria como um "uhul!!!" E ele fez o mesmo.
Foi tão fantástico! Corremos pela chuva, pelas poças de água que iam se formando ao redor do gramado, e o cheiro da terra molhada pairava no ar.
Quando chegamos no topo, todos estavam agrupados, principalmente Noah e Eliza, que estavam abraçados um com o outro.
Observei Noah cochichar algo em seu ouvido, e os dois foram correndo para o carro, acendidos como uma vela em chamas.
Logan, por outro lado me levou até a ponta, e me mostrou a vista lá embaixo, era linda, mas a que estava ao meu lado, era mais linda ainda.
Meu Deus, o que está acontecendo comigo?
Ele me abraçou, e ficamos ali, abraçados, olhando a vista lá embaixo, ambos com sorrisos estampados no rosto, e a única coisa que importava naquele momento, era ter sua presença comigo.
Ele me entendia, se importava comigo, e o mais importante: não forçava a barra, ele deixava as coisas funcionarem no seu tempo.
Acho que estava realmente amando o Logan, não gostando, nem sentindo uma queda, mas sim amando ele.
Eu poderia beijar ele naquele momento, se eu fosse uma garota normal, se eu não tivesse transtornos que eu chamo de pragas.
No fundo, por mais que eu estivesse amando estar com ele, essas pragas ainda reclamavam por eu estar na chuva, e eu tentava escondê-las.
Ele olhou para mim, e como se estivesse lendo minha mente, falou:
— Vamos embaixo de uma árvore, Eliza e Noah estão usando o carro para negócios pessoais ultra-secretos.
Eu ri de um jeito alegre, e fomos nos esconder da chuva num ipê gigantesco, e muito lindo por sinal, mesmo com todas as suas flores nascendo molhadas.
Assim que nos sentamos debaixo dele, Logan adicionou uma frase que eu não esperava ouvir:
— Eu vou te ajudar. Vamos superar esse seu TOC juntos. Amanhã passo na sua casa com uma coisa, pode ser?
Meus olhos se encheram de brilho, e se encontraram com os dele, que também estavam cheios de esperança e determinação.
— Claro! Juntos. — Apertei seu corpo mais junto ao meu, e ficamos ali, observando as gotas cristalinas de chuva, pingando e caindo nos inúmeros dentes-de-leão que ainda não voaram.
Capítulo 6 concluído ✔
Capítulo 7 ⬇️
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