🌻PRÓLOGO🌻

   Emma

 O som da cidade era sempre a mesma coisa. Motores sendo ligados, pessoas andando apressadas para os seus trabalhos, vendedores gritando e oferecendo suas mercadorias. Sempre assim.

 Era o meu pai que estava dirigindo, comigo no banco do carona, vendo o meu próprio reflexo no vidro do carro, enquanto observava o movimento. Ele balbuciou algumas palavras que não deram pra entender muito bem, mas tinha certeza de que era um xingamento, pois estávamos presos no enorme trânsito que se seguia de pouco em pouco.

  — É querida, parece que vamos chegar atrasados. — ele bufou ao falar, e logo em seguida, continuou a reclamar do trânsito.

 — Bom, que diferença faz, não é? Essa visita a psicóloga toda semana não está ajudando em nada. — Eu disse, diminuindo um pouco minha voz no fim da frase.

 Sempre levava comigo um tubo de álcool em gel, nunca se sabe o que pode acontecer. Eu posso tocar na mão de alguém, na maçaneta de uma porta, ou bactérias podem acabar de alguma forma vindo pra mim.

 Abri o tubo, e passei um pouco nas minhas mãos, e um pouco mais nos meus braços. Aí pensei "por que não passar no rosto?", então peguei uma gota e passei, massageando minhas bochechas, meu queixo, e até meu nariz.

Meu pai, com o trânsito parado, olhou para o que eu estava fazendo, e indagou:

 — Você precisa mesmo fazer isso? Quero dizer...não é exagero?

— Pai...por favor. — Respondi, cansada com tudo aquilo.

 — Está bem! Não toco mais no assunto. — Falou meu pai.

 É horrível ter TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo), pois você nunca sabe quando um pensamento intrometido vai aparecer e dizer para você fazer tal coisa. Como passar álcool em gel na cara.

 As pessoas acham estranho, esse TOC, e eu não julgo elas, pois eu também acho estranho. Eu não queria ter que ir toda semana a minha psicóloga, só para ela dizer " Vai ficar tudo bem querida, agora, apenas tente pensar em outra coisa sem ser limpeza..." pra ela é muito fácil falar, mas pra mim, é muito mais difícil agir.

Quando o trânsito finalmente começou a circular, eu guardei o tubo de álcool em gel no porta luvas, e me encostei no banco do carro. Dei um leve suspiro, e fiquei olhando novamente meu reflexo no vidro, esperando até eu chegar em minha psicóloga.

Meu pai parou o carro em frente ao consultório, onde tinha uma porta de vidro, com um banner não muito chamativo, escrito "Psicóloga Mary, ajudando na mentalidade". Engraçado que a maioria das mulheres de 40 anos que eu conheci se chamam Mary.

 — Ligue para mim quando acabar, eu venho te buscar enquanto sua mãe faz compras. — Enquanto meu pai dizia isso, se ajeitava no banco, ele sempre faz isso quando está cansado.

— Está bem pai — Dei um beijo em sua testa, e me virei para o consultório.

Abri a porta de vidro e entrei.

Lá era um lugar gelado, pois tinha ar condicionado, mas sempre deixavam no máximo, não sei por quê, mas era assim.

 A recepcionista, já me conhecia e estava acostumada em me ver ali. Me aproximei do balcão, e disse, num tom como de costume:

 — Olá Becky!

Becky era uma mulher jovem ainda, tinha 21 anos, sua pele era branca como as nuvens, e tinha cabelo ruivo. Seus cabelos estavam soltos, e davam volume aos seus ombros que estavam nus, por causa da regata que ela vestia.

Ela estava lendo uma revista, pelo que parecia de moda, pois seu sonho era ser estilista. Trabalhava ali como recepcionista apenas para pagar sua faculdade.

 Ela levantou os olhos, e abriu um largo sorriso, dizendo:

— Olá Emma! Mary está te esperando, pensamos que você não viria. — Ela fechou a revista, e colocou em cima da mesa, me encarando ainda com um sorriso no rosto.

 — Ah, ficamos presos no trânsito, por isso me atrasei. — Eu suspirei fundo, e continuei — Bom, é melhor eu ir então. Mary deve estar achando que não estou aqui. Até mais Becky!

 Ela acenou com a cabeça um "adeus", e voltou a ler focada sua revista de moda.

Eu atravessei o pequeno corredor até a sala número 5, onde a porta estava levemente aberta. Bati na mesma e terminei de abri-lá, fechando logo em seguida.

Mary estava debruçada em sua mesa escrevendo um papel ou seja lá o que for. Quando me viu, guardou a caneta rapidamente, e por algum motivo desconhecido, dobrou o papel de um jeito rústico, colocando-o na gaveta da escrivaninha.

— Ah, olá Emma! Eu não tinha visto você aí. Por favor, sente-se. — Exclamou Mary, se ajeitando na poltrona.

Fiz o que ela pediu, me sentando na cadeira almofadada, como sempre fazia.

Eu a encarei, esperando que ela dissesse alguma coisa, mas em vez disso ela respirou fundo, pegou sua garrafa de água e tomou um gole bem longo.

O silêncio reinava naquela sala minúscula, além do sons da cidade e dos goles de água.

 Até que não aguentei, e perguntei, meio tímida no tom de voz:

— Hum...algum problema, Mary?

 Ela parou de beber água, afastou a garrafa da boca e tampou a mesma, colocando-a na mesa.

 Mary tinha os cabelos grisalhos, e um corpo mediano, mas suas mãos eram leves e delicadas como uma pluma.

 — Olhe Emma, quero que você seja sincera comigo agora, está bem? — Ela estava olhando fixamente nos meus olhos, e percebi que era algo sério.

 — Está bem. Vou ser sincera. —  Bom, era a única coisa que eu podia dizer.

Ela abriu os lábios para dizer algo, mas a frase não saiu. Em vez disso, ela foi até a escrivaninha e pegou o papel que estava escrevendo até eu chegar.

Ela ficou dobrando e desdobrando o papel, enquanto falava:

— Emma, os tratamentos e conversas que estou fazendo com você, estão surtindo resultado?

 Pensei um pouco antes de responder, pois não queria magoa-lá. A verdade era que se ela chama uma conversa sobre limpeza, e eu enfiando  minhas mãos na terra como um "teste ante TOC" de tratamentos, não. Não estão surtindo resultado.

 — Olhe, não quero magoar a senhora doutora, mas não estão, infelizmente. — Desviei o olhar dela assim que terminei de dizer a frase.

  Ouvi ela respirar fundo, e logo em seguida disse:

 — Será que teria como você ligar aos seus pais pedindo que eles venham até aqui? Gostaria de falar com eles. — Falou Mary, com rapidez.

 — Ah, bom, está bem. Eu ligo para eles. — De novo, o que mais eu poderia dizer?

Eu me levantei da cadeira, e saí rapidamente da sala.

Atravessei o corredor, e fui para a recepção, onde tinha bancos para eu me sentar. Lá eu poderia ligar para eles.

 Becky não estava mais lá, acho que era o horário de almoço dela.

Procurei nos contatos o número do meu pai. Apertei no " ligar", e começou a chamar.

Quando foi no terceiro toque, ele atendeu:

 — Emma! Já acabou? Foi tão rápido dessa vez! — Ele falava alto demais, mas não o julgo, pois ouvia várias vozes atrás dele, que deveriam ser das pessoas que estavam no mercado.

— Bom, na verdade Mary quer que você e a mamãe venham até aqui.

 Ouvi um cochicho do outro lado da linha, e logo em seguida meu pai respondeu:

 — Está bem, estamos indo aí. Chegamos em dez minutos.

  Eu ia falar "okay", mas meu pai já tinha desligado.

Se passaram exatos 10 minutos, até que eles chegaram.

 Minha mãe estava vestida com um simples, mas elegante vestido florido, e era loira assim como eu. Já os seus olhos eram de um tom acastanhado bem claro, quase mel.

Meu pai, estava com com uma calça meio larga, meio justa, com uma camiseta comum de gola alta. Seu cabelo era castanho claro, com algumas pontas grisalhas, e seus olhos eram iguais aos meus, verdes profundos.

— Você sabe o que ela queria conosco Emma? — Perguntou minha mãe.

  — Não. — Respondi — Não sei. Ela apenas disse para telefonar para vocês e pedir para que venham até aqui.

 Neste momento, Becky apareceu, com um cookie de chocolate na boca, e em suas mãos um copo de café do Starbucks.

Ela olhou para nós, e depois, com a boca cheia de cookies balbuciou:

 — Ah! Mary me avisou — Ela deu uma parada para engolir o cookie — Que vocês viriam. Podem ir até lá.

 Meus pais deram "oi" para Rebeca, e depois nós três fomos até a sala.

 Mary imediatamente abriu a porta e pediu para nos sentarmos.

Eu me sentei na mesma cadeira almofadada em que havia sentado no começo, e meus pais ao meu lado.

Agora, Mary estava mais calma, e água da sua garrafa havia acabado.

— Bom, pra começar, eu perguntei a Emma se os tratamentos e conversas comigo estavam surtindo efeito. Ela, com sinceridade, me respondeu que não. E eu concordo com ela. TOC é uma coisa a ser levada mais a fundo. — Ela deu uma pausa, e encarou os meus pais, que disseram:

 — Aonde você quer chegar com isso Mary? — Para ser exata, foi minha mãe quem perguntou.

 Mary estendeu o papel para minha mãe, que começou a ler. Eu estiquei o pescoço para ver o que estava escrito, e pelo que parecia, era um endereço em São Francisco. Para que Mary iria dar um endereço de São Francisco para nós, se moramos em Los Angeles? Comecei a ficar pensativa.

 — Bom, eu queria que Emma fizesse um tratamento mais profundo, com conversas mais profundas. Mas infelizmente não temos um psicólogo que mexa com isso aqui. Minha prima, Susan, também é psicóloga e já trabalhou com alguns casos de TOC, e eu quero mesmo ajudar Emma, mas pra isso requer esforço. Ela entende mais desse assunto do que eu, pois Emma foi a primeira paciente minha que tem TOC, e estou vendo que não dou conta disso. — Ela olhou para mim por um instante, e continuou — Não vai ser por muito tempo, apenas por um ano e meio, já que estamos em junho. Eu vou devolver todo o dinheiro que vocês gastaram nas consultas da Emma como forma de pagamento do aluguel dessa casa em São Francisco, e tudo ficará bem. Eu prometo que minha prima é de confiança.

 Eu não sabia como estava reagindo à aquilo tudo. Me mudar pra uma nova cidade pode diferenciar muita coisa.

 Meus pais me encararam, e perguntaram:

— Eu achei uma ótima idéia Emma. E você? Se não quiser, nós entendemos, essa é uma escolha sua.

 Eu estava tonta. Meus pensamentos estavam todos misturados, olhe, você se vira porque a escolha é sua... —  as vozes ecoavam na minha cabeça, formando-se um novelo de lã, fios soltos enroscando-se uns nos outros... — eu deva ir, ou talvez não! E se você pegar uma doença no meio do caminho através do ar gelado? Você vai ficar resfriada, mas talvez eu não fique não é? Mas se você dizer sim, pelo menos sua nova psicóloga vai tratar dessas doenças, mas eu não estou doente!

 — Tá, eu quero. — Eu falei rápido demais, antes que mais pensamentos, que eu chamo de pragas, viessem à tona.

 Meus pais sorriram para mim, e eu sorri pra eles, como retribuição de sorrisos.

 — Está bem. Concordamos, Mary. — Acenou meu pai, apertando a mão de Mary como um acordo.

 — Que ótimo! Estou tão contente que isso irá fazer bem a Emma! Quando vai ser a mudança? — Perguntou minha mãe.

— Amanhã de manhã o caminhão já está na porta da casa de vocês. Se desejarem, é claro. — respondeu Mary.

 Nós concordamos uns com os outros, e demos adeus a minha antiga psicóloga.

 Passamos pela recepção, e contamos tudo a Rebeca, que ficou triste com a nossa partida. Ela me deu um abraço, e acenou quando fomos embora.

Dentro do carro, pensei como seria São Francisco, como seria minha nova casa, e o mais importante, como eu ficaria em relação aos meus pensamentos.

 Meu pai começou a dirigir, e fomos para casa arrumar nossas malas.

   Prólogo concluído ✔
     Capítulo 01  ️⬇️
  

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