Capítulo 5 - Encoberto

Era uma escolha difícil, entre tantas, primeiro tinha de definir como queria se divertir, se queria uma presa fácil ou se iria atrás de uma mais difícil, não, foi fácil demais da última vez agora queria um pouco mais de emoção.

Um gotejar começou a cair de uma caixa sobre uma mesa.

Droga.

Estava tão absorto em quem seria o próximo que se esqueceu de se livrar da última evidência, aquela caixa pequena na mesa era como um de seus troféus, ele gostava de guardar lembranças, pequenas lembranças que eram fáceis de esconder.

Se aproximou da caixa na mesa e a acariciou como se fosse um pequeno animal, pegou uma sacola escura e colocou a caixa, depois colocou em uma mochila e saiu da casa que ficava dentro de uma chácara longe da cidade, entrou no carro jogando a mochila de lado e ligou saindo pelo portão automático enquanto assoviava animadamente.

Não encontrou ninguém pelo caminho que fez entrando mais fundo na mata seguindo pela pequena estradinha de terra, chegando numa distância que considerou segura, ele saiu do seu Ford Scort cinza quase novo, tinha comprado dois anos depois do lançamento, não se preocupou em trancar a porta, voltaria logo.

Estava com a mochila na mão, entrou através da mata, sabia que aquele caminho ia dar em um córrego relativamente fundo que desembocava na represa, já conseguia ouvir a água correndo, não demorou para encontrar o córrego, olhando ao redor, se abaixou e tirou o saco preto da mochila com a caixa dentro.

Admirando mais uma vez, jogou o saco na água com um suspiro. Era sempre triste se desfazer deles, quando os matava, sentia que absorvia uma parte da vítima para si, como se se tornassem um único ser e quando se desfazia da carne, parecia se desfazer de uma parte de si mesmo, mas infelizmente, sabia que era preciso, não podia ser egoísta a esse ponto e guardar lembranças tão grandes.

Pegou algo do bolso enquanto via a sacola com a caixa afundar e ser arrastada pela correnteza, eram suas chaves, e nelas um chaveiro com pequenos cubos brancos em sequência em uma corrente, cada um com uma letra formando um nome. Acariciou em sua mão as lembranças que guardava de suas vítimas, tão discretas que ninguém perceberia que o que deveria ser um simples chaveiro de plástico, era na verdade feito de osso humano.

Com uma última visão do córrego, virou as costas e seguiu de volta para o carro. Quando chegou viu que um homem o rondava, se aproximou com cautela.

"Posso ajudar?"

O homem, era um senhor gordo com aparência de alguém que não conseguia correr sequer dois metros, nem que sua vida dependesse disso.

"Ahh, desculpe o carro é seu?"

"Sim, é meu."

Saiu da mata e ficou ao lado do carro.

"Um Ford, gosto desse carro, fiquei sabendo que logo vão lançar outro. Como se precisássemos de mais modelos de carros, não é?"

Riu consigo mesmo.

"Nunca te vi por aqui."

"Ah, é, eu não sou daqui, estava só passando."

"E resolveu entrar na mata?"

Perguntou desconfiado, a ânsia de voar para cima do homem quase o consumiu, sabia que se o matasse ali demoraria muito para alguém achar o corpo, isso se achassem, mas olhando melhor ia dar muito trabalho, então suspirou e fez aquela expressão confiável que faziam todos acreditarem nele.

"Sim, é, eu tive que vir para longe me desfazer do corpo da gatinha da minha filha, alguns moleques jogaram veneno no quintal e ela comeu, tive que vir antes dela ver, ela gostava muito, sabe."

O homem pareceu comprar a desculpa.

"É sei como é, uns infelizes mataram o cachorro do meu moleque semana passada. Você enterrou?"

"Sim, claro."

"É por que não é bom jogar no rio, ele vai parar na represa, enterrar é sempre melhor também para os animais não acharem."

"Foi a minha primeira vez, mas acho que fiz certo."

O homem assentiu e olhou para o céu.

"Bem, parece que vai chover, vou indo. Boa sorte com sua filha."

"Obrigado, talvez eu tenha que arranjar outro gatinho antes que ela descubra, mas tudo bem."

Entrou no carro e manobrou, acenou sorridente assim que passou pelo homem que caminhava lentamente pela rua de terra, ao passar sua expressão mudou drasticamente, odiava quando se metiam em seus assuntos, olhou através do espelho retrovisor, talvez teria uma diversão imprevista aquela noite.

***

Estava cada vez mais frio, seu corpo gelava até os ossos, sentia-se como se nunca mais fosse sentir o calor novamente, imagens começavam a surgir em sua mente, lembranças piscavam como flashes, se esforçava para visualiza-las mais claramente, mas tudo estava borrado demais.

Um som de arranhar foi ficando cada vez mais alto vindo de perto dos seus joelhos, agora não aguentava mais ficar naquela posição, tinha de tentar se mexer, com toda a força que conseguiu reunir, girou o corpo para conseguir olhar para cima.

Descobriu duas coisas com o movimento, primeira, seus pés não estavam amarrados juntos com suas mãos, o que era ótimo, segunda, o maldito poço estava fechado com uma tampa de pedra envolta em lodo que parecia pesada demais, somente uma fresta jogava um pouco de uma fraca luz para dentro.

Respirou com dificuldade dobrando os joelhos para frente do corpo, o movimento pareceu aliviar e machucar na mesma medida, aliviar por mudar de posição, machucar pelo arranhar da pele exposta no chão, percebeu que as roupas que usava não favorecia a situação, era uma bermuda e regata, ótimo, só para ajudar.

Tudo bem, tudo bem, você consegue, vamos lá, inspirou e expirou algumas vezes para tomar coragem, então com um grande esforço tentou passar as penas amarradas pelos braços a fim de tira-los das costas e conseguir ficar em uma posição melhor para poder pensar no que faria.

Na terceira tentativa estava exausto, todo arranhado e ainda mais embolado, do que antes, seus olhos queimavam por dentro, sentia que poderia começar a chorar a qualquer momento, mas se recusava a ceder, se recusava a desistir, não, você consegue, vamos, vamos, em uma última tentativa conseguiu mover as mãos para frente, agora suas costas estavam finalmente retas, mas não em um terreno plano, sentia pedras e outras coisas cutucando de forma desagradável, mas ainda assim, estava muito mais aliviado.

No mesmo instante que sentia a alegria do triunfo, também o atingiu uma ponta de pânico, assim que encarou a parede, ainda deitado, e percebeu que o arranhar que ouviu antes cessou e a sua frente, pequenos olhos vermelhos, brilhantes e famintos o encararam. 

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