Capítulo 14 - Convencida

Então aquele era o coração, sentia ele bater apressadamente, via o peito da garota subir e descer enquanto encarava seus olhos negros, ele a achava bonita, com cabelos escuros volumosos e a pele parda com aquela pigmentação exótica. Esperou ela se acalmar e repetiu as palavras.

"Preciso de você. Não fuja. Por favor."

Ela arregalou os olhos, mas não gritou ou se moveu, ainda no chão, ele agachou para ficar na altura de seus olhos.

"Eu... eu... você... eu passei através de você!"

Ele conseguiu sorrir, um sorriso sem graça.

"Bem, essa é uma das vantagens, ou não, em ser um espírito."

"Um o quê?!"

Ela se afastou um pouco mais rastejando pelo chão.

"Espere, não tenha medo, eu não vou te machucar, só quero sua ajuda, você é a única que pode me ajudar. Por favor."

"Por que eu deveria acreditar em você?"

"Por que só você pode. Eu não sei bem como tudo isso aconteceu, nem sei como eu sei exatamente, mas sei que só você pode me ajudar, de alguma forma só você."

Ele parecia miserável.

"Por favor, deixe-me pelo menos explicar."

Mesmo desconfiada, Helena reuniu toda a sua coragem, levantou e encarou o estranho, ele também ficou de pé, era uma cabeça mais alto e seus ombros largos faziam Helena se sentir intimidada, um frio anormal a rodeava e a fez tremer. Ele percebeu.

"Desculpe pelo frio, parece que não posso evitar."

Deu de ombros.

"O que você quer exatamente?"

Helena disse quase alto demais. Ele pareceu suspirar.

"Bem, para ser bem claro, eu preciso de você para me ajudar a voltar."

"Voltar? Dos mortos? É isso que você quer dizer?"

"É difícil de explicar."

"Tenta. Eu já estou falando com um fantasma, não vejo como você pode dizer um absurdo ainda maior."

Ele parecia cansado, sua forma parecia tremeluzir cada vez mais.

"Tem algo a ver com a forma que eu morri, eu fui sequestrado e lembro que eu lutei com ele, e consegui machucá-lo, mas... ele me empurrou e eu cai em um poço, acho que ele pensou que eu morri na queda... e acredite, eu desejei ter morrido."

Ele parecia miserável.

"Lembro que supliquei por minha vida, para qualquer um que pudesse ouvir, eu apelei que aquele não fosse meu fim e meu pedido foi atendido, a morte veio até mim e disse que me daria uma chance, que meu espírito vagaria até encontrar quem pudesse me salvar."

Seu olhar pareceu vagar pelo vazio.

"Eu não sei quanto tempo passou ou onde eu estava, mas quando te encontrei eu senti algo me puxando para você, assim como ela me disse. Senti seu coração pulsando e me chamando."

Tudo aquilo soava ridículo para Helena, mas ela estava conversando com um fantasma afinal. Não sabia de onde vinha esse sentimento, mas sentia que podia confiar nele, era como se algo a atraísse para ele também.

Helena bufou, como se desistisse.

"Certo, tudo bem, e se, hipoteticamente, eu acreditar em você? O que exatamente você quer de mim?"

Ele parecia um pouco mais feliz com a resposta dela.

"Ela me disse que a forma de voltar é me ligando com um coração bom, onde este pode reconstruir o que foi perdido de forma tão violenta. Será... que você pode confiar em mim e me ajudar?"

Helena queria dizer que não, algo no fundo do seu peito queria correr para longe, em contrapartida, ela se sentia atraída, e algo a fazia querer confiar nele, ajudar, mesmo que aquela história fosse absurda demais para acreditar, mas em um ponto ela tinha que admitir, se ele fosse lhe causar mal, já poderia ter feito, o que ele ganharia em esperar para me machucar depois? Pensava Helena.

"Tudo bem por enquanto, até eu pensar melhor em tudo isso."

"Bem, isso já é o suficiente para mim."

Ele sorriu de uma forma que Helena ficou sem graça, então ela perguntou.

"Já que você precisa do meu coração, posso saber seu nome?"

Ele fez uma expressão confusa por um momento, como se não se lembrasse do próprio nome, depois de um pequeno tempo sorriu.

"David."

"Prazer David, eu sou Helena."

***

Não tinha o costume de tomar chá, mas tinha de admitir que aquelas circunstâncias eram especiais, Helena encarava David sentado do outro lado da mesa, mesmo a xícara quente não conseguia aquece-la perante a presença, aparentemente, gélida dele.

Ele parecia esperar pacientemente, deixando ela à vontade para pensar por quanto tempo precisasse. Ao ouvir um som de carro estacionando, Helena lembro de Alan e pareceu alarmada.

"Alan, ele vai te ver aqui."

"Acredito que não, só você pode me ver."

"Tem certeza?"

"Bem, de qualquer forma, saberemos em breve."

A maçaneta girou abrindo a porta, Alan entrou despreocupado, segurava algumas sacolas de mercado, Helena não se moveu, estava tensa. Ele entrou na cozinha passando por David sem o ver, colocou as sacolas na mesa.

"Desculpe o atraso, tive que resolver umas coisas no trabalho, e aí, como foi o dia?"

David tinha levantado e estava em pé apoiado no armário ao lado de Alan, ele olhava com um meio sorriso e braços cruzados. Helena o encarava.

"Foi... bom."

Alan guardava as coisas na geladeira, quando virou observou a xícara que sua mãe costumava usar.

"Chá? Pensei que você não gostasse muito."

"É que hoje tava meio frio e resolvi tomar algo quente."

"Entendo, realmente está um tanto frio aqui."

Alan teve um arrepio assim que David passou por ele seguindo em direção ao quarto de Helena.

"Bem, ah, tenho que estudar, já terminei aqui, e também já comi... então, boa noite."

Helena saiu apresada ouvindo a resposta "boa noite" de Alan quando já estava perto do seu quarto, ela entrou e fechou a porta, David olhava sua pequena prateleira de livros.

"Tudo bem, pra isso funcionar vamos ter que ter algumas regras."

Ela sentou na cama. David se virou curioso.

"Regras?"

"Sim, mas primeiro quero saber, era você antes? Que estava me observando?"

Ele se sentou na cama um pouco afastado dela.

"Sim, no começo é difícil se comunicar, eu estava aprendendo ainda, por isso, os sussurros e aparições. Desculpe se te assustei."

"Tudo bem. E como funciona essa ligação?"

Seu olhar estava distante quando ele respondeu.

"Existe um ritual, mas antes só basta que você permita, a ligação é como... ligar duas vidas, você tem que escolher me salvar, você tem que permitir que nossas vidas se conectem"

Voltou seu olhar para Helena.

"Se conectem... de que forma? Eu posso morrer se algo der errado?"

"Não, nada pode acontecer com você, exceto... exceto quando eles notarem."

"Eles?"

David tinha uma expressão sombria.

"Eles são como os guardas do submundo, a morte me alertou sobre eles, me disse que eles impedem que as almas voltem para o mundo dos vivos. E bem, se eu me ligar a você, eles sentirão e virão atrás de mim achando que eu sou uma alma fugitiva que está roubando sua vida."

Helena absorvia tudo que ele dizia.

"Certo, e o que faremos quando eles vierem?"

Ela tinha uma expressão esquisita. David a encarou e sorriu,

"Eu sinto muito, isso parece loucura não é? A morte ter me ajudado, os guardas do submundo, nem eu mesmo consigo acreditar em tudo que estou dizendo, desculpe."

Helena sorriu compreensiva.

"Bem, pode ser loucura, mas existem muitas coisas nesse mundo que não conhecemos, muitos segredos guardados na escuridão, por mais difícil que seja acreditar, aparentemente, está acontecendo."

Ela fez uma expressão exagerada de preocupação.

"Ou eu fiquei louca de vez."

"É uma possibilidade."

Os dois riram.

"Certo, se eles vierem, tem algo que podemos fazer para expulsá-los, tipo aqueles filmes com desenhos de giz e tal, quando acontecer, eu te explico como faremos."

Helena assentiu.

"E sobre a ligação, quanto tempo levaria?"

"Hum, algum tempo, não é um processo rápido, mesmo você permitindo, levaria um bom tempo para reconstituir o que foi perdido."

"Certo, regras então, bem sobre desaparecer..."

"Vou ficar sempre a vista, certo?"

"Exato, nada de ficar invisível por aí me olhando, se é que me entende. Gosto da minha privacidade e quero confiar que você não vai abusar dessas suas habilidades."

"Sempre a vista. Palavra de escoteiro."

Helena riu.

"Tá bom. Próxima, é uma pergunta também, você não pode dominar corpos, não é?"

David pareceu pensar.

"Não sei, nunca tentei."

"Então não tente."

"Pode deixar. Mais alguma coisa?"

Helena pensou.

"Por enquanto é isso, se pensar em mais alguma coisa te aviso... ah, falando nisso, você vai ficar, tipo, sempre aqui?"

"Você quer dizer, perto de você?"

"É, acho que sim, você não tem nenhum lugar pra ir, quero dizer, quando não estiver aqui, pra onde você vai?"

David parecia realmente confuso agora, um pouco assustado, sua voz soou baixa.

"Eu... realmente não sei, é complicado, o tempo para mim é diferente de alguma forma, eu não existo no mesmo plano que você e não tenho certeza do que depende a minha existência, acredito que é uma ótima pergunta, mas não sei se tenho a resposta agora."

Ela sentiu pena por ele, afinal, estar ligado a alguém que você não conhecia, sem poder sair ou fazer as suas vontades, parecia cruel.

"Não tem problema, não precisa responder. Mas se quiser falar com você, como vou te chamar?"

"Bem, só me chamar que eu venho, acho que é assim que funciona."

"Certo."

Helena bocejou, foi um dia realmente longo, louco e confuso, ela só queria agora deitar em sua cama e esquecer tudo que tinha acontecido, com a esperança de que iria acordar amanhã e tudo teria desaparecido.

Sentiu-se mal por David ao ter esse pensamento, mas não conseguiu evitar, toda aquela situação ia acabar lhe dando uma ulcera.

"Você parece cansada. Eu vou sair e deixar você descansar e pensar sobre tudo. Vou ficar por perto, e não se preocupe que não entrarei enquanto você estiver dormindo."

Helena assentiu, ele seguiu para porta e virou uma última vez para Helena antes de sair.

"Amanhã conversaremos melhor e se você permitir, começaremos a ligação."

David se foi desaparecendo pela sua porta, ela então se aconchegou debaixo das cobertas e tentou dormir enquanto somente um pensamento cruzava sua mente isso é loucura, loucura, loucura, onde está com a cabeça, Helena?

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