Skiff


O passado Retorna



Chegamos, rapaz. — Anunciou Jack Pintado, ainda com o remo nas mãos.

Skiff assentiu em silêncio para o homem e pulou para fora do barco.

Seus pés ficaram encharcados dentro das botas com a água que ainda vinha quase em seus joelhos, mas ele não se importou; na verdade já não estava se importando com nada depois que recebera a notícia da morte de Rikkar.

Sua alma estava corroída, esfacelada e mastigada pela dor. Dentro de si ainda havia uma ponta de esperança de que tudo não passasse apenas de um engano, ou um plano para algum propósito específico.

Mas se era assim, por que sentia aquela dor tão excruciante dentro de si, um persistente desespero que tomava conta do seu coração? Ele lutava contra a ideia de acreditar, mas em seu íntimo sabia, Rikkar estava morto.

Pintado deixara o rapaz exatamente no lugar em que ele pedira. Era uma pequena enseada ao sul do castelo Brunne, onde somente um alto rochedo o separava do mar. Um dos poucos lugares onde os batedores nas muralhas não tinham ampla visão; e nesse lugar, cinquenta metros abaixo dos besteiros, Skiff teria que caminhar com cautela por quase uma hora; ainda assim, era o meio mais seguro de atravessar as muralhas.

A fina faixa de areia e pedregulhos dificultava qualquer incursão de tropas unificadas por ali, e o paredão rochoso que separava o antigo castelo Brunne da pequena enseada era tão alto, íngreme e bem protegido, que não valia a pena ser escalado. Contudo, havia ali uma antiga passagem desativada, que só quem já teve acesso às partes inferiores do castelo poderia conhecer, e foi exatamente naquele ponto que o corajoso rapaz se aventurou.

Ele ajeitou um pouco o capuz escuro que cobria sua cabeça, olhou para o céu estrelado com tristeza e depois seguiu sem se despedir de Pintado; mas pôde ouvir o som do barco sendo puxado para água novamente.

Agora era só a luz do luar, areias e rochas, e um triste e desolado rapaz que havia perdido o medo de morrer.

Por ali caminhou firmemente, sempre mantendo uma distância segura entre ele e as muralhas. Precisava não ser alvejado antes que pudesse ser útil de alguma forma para a causa, ainda que não pudesse mais ver sentido algum em tudo aquilo.

Nos pensamentos a imagem de Rikkar aparecia constantemente sem sua permissão. Ele não conseguia segurar o choro que vinha sem pedir licença a todo momento, mas tinha que manter a calma, tinha que manter-se firme para conseguir chegar ao outro lado, e para isso precisaria deixar de agir como um tolo apaixonado, lamentando um amor que nunca viveria.

Quando chegou em frente à entrada das galerias desativadas, que por vezes usou sem que ninguém desconfiasse, teve que sacar a pequena espada que carregava para cortar a imensa vegetação que a encobria.

Ainda que soubessem haver por ali uma entrada esquecida, teriam que ter muita sorte para encontrá-la por detrás de toda aquela vegetação que há anos a escondia.

Além das densas e espinhosas trepadeiras que se interpunham à sua frente, Skiff também teria que enfrentar o breu absoluto ali dentro, já que optou não trazer nenhum fogo para não chamar atenção, além de ter que usar ao máximo sua memória para trilhar o caminho que fizera por incontáveis vezes.

Após abrir caminho e ser arranhado em boa parte do corpo pela barreira de espinhos, ele enfim conseguiu encostar na parede, e assim foi tateando na direção que achava ser a correta. Ratos passavam por cima de suas botas, guinchando arredios por terem um intruso em sua casa. Skiff só esperava não ter nada pior, como cobras e escorpiões por exemplo. Tateando e avançando lentamente junto às paredes, depois de um longo tempo ele enfim agradeceu aos Antigos, quando uma tênue luz que vinha do teto apareceu à sua frente, trazendo a esperança de tirá-lo logo dali. Ele parou em baixo da luz e olhou para cima, agora só restava subir a velha escada cravada na parede, que por tantas vezes o ajudou a sair e entrar pelas muralhas.

Então o jovem e triste rapaz pôs uma mão na barra de ferro para se certificar de que ainda era segura, depois colocou um pé e o apoiou. Logo seu corpo inteiro estava suspenso na escada, evidenciando que ainda se mantinha firme. Ele subiu lentamente até que chegou ao tampão de ferro acima dele, por onde passava alguma luz da lua pelas finas frestas. Skiff apoiou uma mão e forçou o tampão a fim de tirá-lo de lá, mas ele sequer se moveu.

Com os dois pés apoiados na escada, ele liberou as duas mãos e as colocou no tampão, aplicando toda força que tinha, porém, nem sinal de que se moveria.

Mesmo quando era criança, Skiff conseguia afastar o tampão sem muitas dificuldades, mas agora, muitos anos depois, algo havia mudado.

Ele começou a bater na esperança de que alguém ouvisse. Fez isso por um bom tempo, até que decidiu chamar:

— EI! ALGUÉM AÍ!

Ele batia e gritava abaixo do tampão com todas as forças, mas ninguém respondia.

Até que se cansou e decidiu descer para recuperar as forças.

Agora estava de volta ao chão, novamente à mercê dos ratos e sabe-se lá mais o quê.

Ele esperou sua respiração voltar ao normal e já se preparava para subir novamente, foi quando ouviu vozes longínquas.

— Você está ficando louco! Está vendo inimigos em tudo o que é lugar!

Skiff teve que se esforçar para ouvir o som, pois além de estar longe, a pessoa ainda parecia sussurrar. Ele decidiu correr o risco.

— AQUI EM BAIXO! SOU SKIFF, PERTENÇO À ORDEM!

Acima de Skiff, ninguém respondeu, então ele gritou outra vez:

— POR FAVOR! SOU STEVE KIFFER, PERTENÇO À ORDEM, ABRAM O TAMPÃO!

Como ainda não houve resposta, Skiff decidiu subir para ficar mais próximo da entrada e fazer sua voz ser ouvida.

Ele subiu apressadamente os degraus e quando estava prestes a tocar o tampão para chamar atenção, uma espada foi introduzida pelas aberturas, passando próximo a cabeça dele e fazendo um leve corte em seu ombro.

Com o susto, Skiff se soltou da escada e caiu no chão.

— Arrrrrrff...

Já no chão, ele tentava puxar o ar que fugira de seus pulmões. Passados alguns segundos, com muito esforço ele conseguiu apoiar as mãos no chão e se colocou de joelhos. Respirava com dificuldade, mas tinha que tentar de novo. Então sem mais se importar com o que poderia acontecer, ele gritou novamente:

— E-EU SOU DA ORDEM!

— VAMOS JOGAR ÓLEO QUENTE EM CIMA DE VOCÊ, MALDITO UNIFICADO!

Skiff se apoiou na escada e pôs-se de pé novamente. Ele encheu o pulmão com todo o ar que podia e respondeu com insistência:

— MEU NOME É SKIFF! PROTEGIDO DE LORDE AUGUST! CHAME ALGUÉM DA ORDEM E PODERÃO CONFIRMAR MINHA INFORMAÇÃO!

Por um momento não houve resposta, mas então outra voz falou:

— Eu sou da Ordem, conheci Skiff, e sei que ele está morto!

Skiff respirou fundo mais uma vez.

— Se eu não sou quem digo que sou, como saberia que o acesso para a entrada da sala subterrânea de treinos no castelo Redmond fica atrás de uma estante na sala de leituras de Lorde August?

Após um breve silêncio, Skiff ouviu alguns cochichos acima, mas não conseguiu entender o que diziam.

— Espere aqui, eu já volto. — Disse a voz que conversava com Skiff.

Depois de quase uma hora na escuridão, Skiff pôde ouvir muitos passos vindo em direção ao tampão.

Ele me enganou, vai derramar óleo quente e me matar!

O rapaz começou a descer desesperado rumo ao chão, até que uma voz inconfundível falou:

— Quem está aí?

— LENNA! — Skiff gritou.

— Skiff? É você mesmo?

— Sim Lenna, sou eu! Fui sequestrado quando estava retornando ao castelo há alguns meses, depois de ter entregue todas as mensagens, como Lorde August me mandou, mas agora retornei!

Depois de alguns momentos, o garoto pôde ouvir um som seco como se alguém estivesse cortando ferro, em seguida o tampão foi aberto, deixando enfim toda a luz da lua passar para as galerias esquecidas.

— Suba bem devagar, Skiff. — Lenna ordenou.

Quando Skiff saiu do buraco, percebeu que pelo menos vinte espadas estavam apontadas para ele.

— Está sozinho? — Ela perguntou.

— Sim, Lenna. Não creio que alguém mais saiba deste lugar. Ele já estava desativado muitos anos mesmo antes de eu nascer. Só fiquei surpreso de estar trancado.

— Foi Hover. Assim que tomamos a cidade e começamos a reconstruir as muralhas, ele também mandou selar todas as entradas de bueiros, até mesmo aquelas inativas. Mas isso não importa agora, venha me dar um abraço! Pensávamos que estava morto. Estou tão feliz em te ver!

Skiff sacudiu a poeira de suas roupas, abraçou a ruiva fortemente, e em seguida chorou.

— Você já soube, não é?... — Ela perguntou com voz triste e ainda abraçada a ele.

— Não é justo, Lenna... Não é justo...

— Eu sei, Skiff... Eu sei... — Lenna se desvencilhou dele e o olhou nos olhos. — Muitas coisas aconteceram, e todas serão explicadas em breve, mas há mais uma coisa que você precisa saber... E tem que ser agora. — Lenna pôde sentir a dor do rapaz, e não queria que ele passasse por mais um trauma em outra ocasião, se tinha que doer, que doesse logo de uma vez. — Skiff, sinto tanto por dizer isso agora... Mas Lorde August também morreu.

Skiff baixou a cabeça e enxugou as lágrimas. Sabia que a morte do ancião não era algo difícil de ter acontecido. Não havia dúvidas que também ficara triste com a notícia, mas em algum lugar de seu coração, apenas agradeceu por ela ter lhe dito logo de uma vez.

August Redmond era um homem muito avançado em idade e com uma doença que o afligia há anos. Com certeza lamentaria a morte daquele que o abrigou e o protegeu por tanto tempo em uma outra ocasião, mas não seria agora, havia um audacioso plano em curso e ele tinha que ser colocado em prática o quanto antes.

— Talvez não me tenha restado muitas lágrimas para chorar por meu mentor nesse momento... Mas chegará o dia em que todos os nossos heróis receberão as devidas homenagens... Por hora, preciso falar com o novo rei... Presumo eu que ele seria Derick Lancaster, estou certo?

— Derick de Brunne. — Lenna corrigiu. — Rikkar o colocou novamente na linha sucessória logo depois de ser coroado rei.

— Ele foi coroado... — Skiff fechou os olhos e fez uma breve pausa. — E-Eu não estava aqui... — A tristeza ameaçava tomá-lo outra vez, mas ele sabia que teria que se segurar, não era hora para aquilo, precisava participar o plano de Tim Baker a Derick. — Lenna, não estou em Beymuth sozinho. Tem uma grande frota de navios ancorados fora da baía, e estão todos a nosso favor; e apenas aguardam um sinal para entrar em ação.

Lenna surpreendeu-se ao ouvir aquilo.

— O que exatamente isso significa?

— Lenna, me perdoe, mas é melhor que eu diga tudo de uma vez na frente do rei, lá todos ficarão sabendo do que se trata.

Lenna assentiu e não mais questionou, apenas decidiu que o rei deveria julgar o que o rapaz tinha a dizer.

— Venha Skiff, preciso levá-lo a Derick o quanto antes. A cidade inteira se tornou um grande acampamento militar, mas por sorte a tenda real está aos pés do Morro dos Gêmeos, levará quase uma hora de cavalgada, temos que nos apressar.

Skiff assentiu e eles começaram andar.

Os cavalos haviam sido amarrados na rua, fora do beco onde se encontrava o bueiro, então Lenna montou no seu e ofereceu sua garupa para o rapaz subir, e assim partiram em disparada para dentro da cidade.

Quando chegaram no alto do morro que Lenna havia falado, Skiff percebeu que ela não havia mentido. Mesmo na penumbra da noite, ele pôde ver as centenas de tendas espalhadas até onde a vista alcançava, e no interior de cada uma delas havia uma lamparina acesa.

O grupo adentrou o acampamento e parou em frente a uma das maiores tendas. Acima dela uma bandeira amarela com o desenho de duas espadas tremulava com o vento noturno.

Foi então que Skiff viu vários cavaleiros com armaduras amarelas na entrada. Ao descer do cavalo, logo reconheceu Novath Longstrider, Aruel Carmout, Timothy Cury e alguns soldados da Ordem, que, aparentemente haviam sido elevados a cavaleiros reais.

— Pelos antigos! É mesmo Skiff que eu vejo? — Perguntou Novath com expressão de espanto. — Pensávamos que estava morto, garoto!

— Não estou, Novath, não totalmente.

— Bom saber que está vivo, Skiff! — Saudou-o Aruel com sua áspera voz. — Você trará novo ânimo a todos!

— Também fico feliz, Aruel. — Skiff respondeu sem emoção.

— Venha Skiff, preciso levá-lo ao rei. — Lenna chamou a atenção dele.

Skiff interrompeu as saudações e a acompanhou tenda à dentro.

Derick estava sentado ao fundo, vestido com roupas pretas de veludo e bebendo o que parecia ser uma sopa.

Seus cabelos estavam mais curtos que qualquer outra vez que Skiff lembrasse, e sua expressão era serena e comedida, mas foi impossível não notar a tristeza.

À direita de Derick estava Jay, o jovem soldado que claramente havia chegado a cavaleiro real.

Poderia ser eu ali ao lado de Rikkar...

Ao lado de Jay estava Dennis Pennant, que ao que tudo indicava havia mudado de ideia.

Do lado esquerdo, Jansen Hover e Zathar Dovant mantinham-se no mais completo silêncio, como se apenas vigiassem qualquer ação em torno de Derick, mas ao verem Skiff entrar se voltaram para ele e sorriram.

— É mesmo você, garoto? Pensávamos que havia morrido! — Sor Jansen foi o primeiro a saudá-lo.

Skiff foi até ele e deu um abraço apertado.

— Estou parcialmente vivo, sor...

Hover compreendeu e somente sorriu com tristeza em resposta.

O próximo a saudá-lo foi Dennis.

— Fico tão feliz em te ver bem, Skiff. Se não fosse sua coragem ao me entregar aquela mensagem de forma tão efusiva, eu nunca teria tomado consciência do quanto estava sendo um idiota, e não impediria o plano dos Meyer em matar toda a Ordem naquela reunião. Você é um herói, rapaz!

— Somos gratos pelo que fez, Skiff.

A voz aveludada de Zathar chamou sua atenção, enquanto ele processava a informação da traição dos Meyer, que de alguma forma não o surpreendia.

Todas aquelas informações eram novas para Skiff, e de alguma forma sentia-se feliz por poder ter ajudado ainda que um pouco a causa de Rikkar.

— Parece que Rikkar conseguiu convencê-lo a ajudar, Lorde Zathar. — o rapaz estendeu a mão para o homem.

— Ele não precisou, Skiff, a causa de Rikkar de Brunne também era minha causa. — Zathar respondeu com um singelo sorriso.

— Agora é Dominante Zathar, Skiff... — Derick se pronunciava pela primeira vez. — O rei deixou de lado o que estava comendo e levantou-se para abraçar o rapaz. — Por onde andou, garoto?... Você não sabe a falta que fez aqui.

— Deri... Vossa majestade... — Skiff se corrigiu. — Fui sequestrado por corvos do mar assim que entreguei a última mensagem a Lorde Pennant, e depois fui vendido em Skalun como um escravo, onde permaneci até agora.

— Sente-se comigo, Skiff, e por favor, me chame apenas de Derick enquanto estivermos entre amigos, que é o que somos.

Skiff assentiu e os dois se sentaram.

— Acho que não deve mais ser novidade para você que perdemos as pessoas mais importantes para todos nós. Perdas irreparáveis e incalculáveis. E isso nos trouxe até este momento, em que de fato não sei que decisão tomar. Não nasci para ser rei. Nasci para cantar, lutar e servir, mas agora encontro-me nessa situação; e quem sabe os Antigos não o trouxeram de volta para me ajudar.

— Sim, vossa... Derick... A dor pelas perdas estão me consumindo por dentro, como creio que também a todos vocês. Não deve ter sido nada fácil passar por tudo o que vêm passando e no final ainda perder aqueles por quem lutávamos. Mas estou aqui justamente para trazer resposta ao seu dilema.

— O que isso quer dizer, Skiff? — Derick perguntou com visível curiosidade.

— Quero dizer que neste exato momento, enquanto falamos, uma frota de oitenta e quatro navios de corvos está em alto mar, apenas esperando um sinal para atacar os soldados unificados que estão na praia.

Todos arregalaram os olhos e se olharam sem entender nada do que ele falava.

— Como isso é possível, Skiff? — Perguntou Derick? — Você nos disse que foi levado cativo pelos Corvos e vendido como escravo, e agora afirma que há uma frota deles dispostos a lutar por nossa causa?

— Malakar Jones. — Skiff disse secamente.

— O que significa o nome desse traidor em meio a tudo isso, Skiff? Até onde sabemos ele morreu nas montanhas geladas. — Interveio Hover.

— Antes que eu possa contar exatamente como é o plano, preciso dar algumas informações importantes sobre tudo o que vivi nesses últimos meses... Informações que irão deixá-los estupefatos e ao mesmo tempo com muita raiva.

— Então diga de uma vez, Skiff, não nos mate com essa ansiedade! — Adiantou-se Zathar.

Skiff ajeitou-se um pouco na cadeira em que havia se sentado e encarou cada rosto ali dentro.

— Malakar Jones não morreu.

— O que está dizendo?! — Derick perguntou com espanto.

— Sei que todos imaginavam que Malakar havia morrido nas montanhas, mas a verdade é que ele está vivo. Consumido pela vergonha de seus atos na unificação, ele se entregou como escravo para que pudesse ter uma morte minimamente digna nas arenas de Skalun. Mas o fato é que ele sobreviveu todos esses anos por não encontrar alguém à sua altura, e agora é um dos que estão na Baía esperando para atacar ao nosso comando. — Skiff viu bocas abertas, olhos sobressaltados, expressões desconcertadas, e um momentâneo silêncio prestes a ser quebrado.

— Pelos Antigos, Skiff... Como isso seria possível? Você tem certeza do que está falando? — Derick perguntou ainda com a boca entreaberta.

— Tenho sim. — Skiff confirmou. — Vivi ao lado dele como escravo por todo esse tempo.

— O que você quis dizer com um dos que estão à espera? — Lenna interveio antes que Skiff respondesse.

O rapaz apertou os lábios com desconforto. Sabia que assim como Malakar Jones, ninguém perdoaria Tim Baker depois que ouvissem o que ele havia feito, mas não tinha opção, precisava falar tudo de uma vez. Então voltou-se exclusivamente para o rei.

— Meu re... Derick, Além de Jones, Tim Baker também está vivo... e ele foi um dos principais responsáveis pela morte das milhares de pessoas inocentes em Beymuth na unificação... — de repente ele fez uma breve pausa. — E também pela morte de Reston de Brunne e seus filhos. No dia em que os exércitos invadiram a cidade, foi ele quem abriu os portões para os unificados, e fez isso por dinheiro.

Derick levantou-se com uma expressão de fúria no rosto.

— Você está nos dizendo que o homem que jurou fidelidade até a morte ao meu irmão, que tinha o dever de protegê-lo, que era meu amigo e que eu tanto admirava, está vivo e foi o responsável pela queda de Beymuth e pela morte de todos aqueles a quem amávamos?

— Sim. — Skiff respondeu de uma vez.

— E também está afirmando que a nossa salvação são esses dois traidores que abandonaram seu rei para morrer? É isso, Skiff? — Zathar interveio olhando diretamente nos olhos de Skiff. Sua expressão transitava entre a tristeza e a raiva. — Está me dizendo que se não fosse esse homem, todas as pessoas ainda poderiam estar vivas? A família real ainda poderia estar viva? R-Riudar... — naquele momento ele mordeu os lábios com ainda mais raiva. — Poderia estar vivo?

Skiff olhou com compaixão para o alto Dominante Bérniff. Sabia que não havia palavras a serem ditas, sabia exatamente qual era o sentimento que estava passando em seu coração naquele momento, por isso preferiu olhar diretamente para Derick e responder:

— Meu senhor... — ele levantou-se. — Não há desculpas para o que fizeram. Sei que no tempo oportuno a justiça deve encontrá-los e eles bem sabem disso, e até estão de acordo, mas posso afirmar que ambos estão arrependidos desde o ocorrido e buscaram a morte como punição durante todos esses anos. Entretanto, eles retornaram para ajudar, e agora estão dispostos a pagarem por seus erros. — Skiff se aprumou para parecer mais firme. — Escute-me senhor. Neste momento eles são a única ajuda que temos para vingar a morte de Rikkar e honrar tudo o que Lorde August fez por todos nós. Terminados estes eventos e o nosso lado vencendo a guerra, sou o primeiro a exigir justiça pelo que fizeram, pois também perdi pessoas que amava na unificação, mas agora precisamos da ajuda deles, e posso afirmar que ambos morreriam hoje mesmo tentando fazer cumprir o que se comprometeram a fazer: tomar de volta as águas de Beymuth para o rei deles, independente de quem ele seja!

Derick, ainda de olhos arregalados, não respondeu, apenas mordeu os lábios e se sentou.

— Skiff... — Lenna chamou a atenção do garoto. — o que nos garante que eles não nos trairão de novo?

— Entendo sua preocupação, Lenna, e não a julgo por isso. O que posso dizer além das minhas distantes lembranças sobre Tim Baker, quando eu ainda era apenas uma criança assustada, é que não o conheço tão bem. Entretanto, convivi um bom tempo com Malakar e posso afirmar que a vergonha e a culpa o consomem todos os dias desde os fatídicos eventos. Tudo o que ele queria era morrer com alguma honra, mas desde que soube da existência de Rikkar, seu único objetivo foi lutar por ele.

— Mas Rikkar está morto. Por quem ele lutará agora? — Derick falou sem emoção na voz.

— Por isso estou aqui, Derick. — Disse o rapaz. — Minha missão era confirmar o que já desconfiávamos; que na... Ausência de Rikkar, você tivesse assumido o trono.

— Não sou o rei de fato, Skiff, não desejo o cargo, nunca desejei, apenas o assumi por não ter outro que pudesse fazê-lo. Mas se por um milagre ou algo parecido viermos a vencer, a única coisa que não abro mão, é de cortar a cabeça dos dois como justiça por todos os mortos. Eles estão de acordo com isso?

Skiff baixou o olhar.

— Eu vi Tim Baker ser espancado por Ronnar até quase morrer, mas ele sequer se moveu. Era como se soubesse que a justiça um dia o encontraria, e ainda assim decidiu aceitar seu destino. Malakar também buscou a morte, mas por muito tempo ela fugiu dele, então eu lhe digo, meu rei: eles estão sim preparados para enfrentarem suas punições.

— Ronnar também está com vocês, Skiff? — Derick perguntou meio espantado.

— Sim. Ele havia sido capturado por Mikar II em Kimuth, mas foi libertado por Salazhar Mouth. E só estamos aqui agora por que Ronnar foi o responsável pela fuga de Malakar e seus homens, e isso me inclui.

— Então Salazhar não estava mentindo quando disse que ajudaria. Estou surpreso com isso, já que o conhecia muito bem quando integrava a cavalaria real. — Disse Hover.

— Concordo com seu pensamento, Sor. Ronnar me contou tudo o que aconteceu em Kimuth, e assim como ele, também digo que não há como saber quais são as reais intenções daquele homem. E quanto a espada régia, que ele prometeu ajudar a encontrar, não chegou nem perto de nos entregar.

— A espada... — Derick divagou. — Talvez ela não seja mais tão importante quanto achávamos que seria afinal. Lorde August e Rikkar conseguiram trazer o povo para o nosso lado. Contudo, fica a pergunta: onde ela poderia estar?

— Não sei dizer, Derick. — Skiff Respondeu. — Mas devo afirmar que a espada Régia me parece ser bem mais que apenas uma arma muito antiga, como todos teimam em pensar. Tenho em minha posse livros muito raros que contam relatos extraordinários sobre ela, sobre os Brunne e sobre outras armas milenares que supostamente tinham o mesmo poder de comandar exércitos lendários. E o fato de Salazhar ter se recusado a não fugir com Ronnar assim que o libertou, tem me deixado com uma pulga atrás da orelha desde então.

De repente Derick sentou-se novamente.

— Não sei o que pensar sobre tudo isso, Skiff. É muita informação para digerir, mas confesso que a espada não é o maior dos nossos problemas no momento. Estamos sitiados por esses malditos e agora fico sabendo que a única ajuda que temos vem de dois traidores... Não sei o que fazer.

— Meu rei. — Todos se voltaram para voz juvenil à direita de Derick. — Se me permite falar, não sei se confio nas pessoas que Skiff citou, mas com certeza confio nele, assim como lorde August confiava.

Todos encararam Jay com surpresa, já que o rapaz não era muito de falar, mas ninguém ousou contestar seus argumentos.

Derick suspirou, passou as mãos pelos curtos cabelos em um claro sinal de embaraço, mas depois falou:

— Você tem toda razão, Jay. No tempo oportuno levarei justiça a eles pelo que fizeram a Beymuth e à minha família, — naquele momento Derick olhou para Zathar, que estava em silêncio e com uma expressão de raiva. — mas por hora, vou confiar no julgamento de Skiff. — O rei sorriu para o jovem cavaleiro loiro. — Vou acabar tornando-o meu conselheiro.

— Servi-lo já me basta, meu rei.

Todos emitiram um singelo sorriso para o rapaz.

— Então diga-me, Skiff... — Derick voltava-se novamente para o jovem. — Como se dará este plano elaborado pelo traidor Tim Baker?

— Quantos soldados temos ao nosso favor, majestade?

— Rikkar havia dividido as forças em duas frentes: sendo o exército Bérniff e os Beymutitas que se juntaram a nós, defensores dos portões oeste, enquanto a cavalaria Bérniff e a Ordem, seriam os atalaias do portão sul, ou seja, o porto, onde por acaso estamos bem próximos agora. Se juntássemos todas as forças em uma só, talvez chegássemos a um total de quinze mil homens, porém, fatiados como estamos, talvez haja cerca de três mil aqui conosco e o restante se aglomera na entrada principal, onde se concentra o grande poderio dos Unificados.

— Quantos unificados desembarcaram nas praias beymutitas?

— No mínimo doze mil. Fora as máquinas de guerra, capazes de pôr abaixo qualquer muralha. — Respondeu Derick.

— Então não haveria tempo hábil para deslocar todos para este lado da cidade... — Skiff disse em uma voz introspectiva, como se não o estivessem ouvindo. — Entretanto, se o que Baker planejou der certo, os números irão se igualar em pouco tempo.

— E o que Baker pretende fazer, Skiff, conte de uma vez. — Derick exigiu saber.

— Contaremos com o fator surpresa e a escuridão da noite. Será muito arriscado e terá que ser muito bem orquestrado, mas o plano consiste em sitiar os malditos nas praias por todos os lados. Eles nem saberão o que os atingiu. — as pessoas na tenda olhavam para Skiff com total atenção, e pareciam não entender muito bem o que ele estava dizendo. — A parte de vocês será abrir os portões e atacar no momento certo. Mas tudo terá que acontecer ainda esta noite. Baker precisa saber que ainda há um motivo pelo qual lutar. Quanto a mim, precisarei da tocha mais forte que puderem me arranjar.

— E quando saberemos qual será o momento certo, Skiff? — Lenna perguntou.

— Quando começarem a ouvir aqueles desgraçados gritarem. — O rapaz respondeu.

Todos na tenda olharam para Derick a fim de saber qual seria sua resposta, até que depois de algum tempo ele olhou para Jay.

— Vá atrás de uma tocha, Jay.

Sem perder tempo, o jovem cavaleiro saiu apressadamente da tenda real.



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