Ronnar
Ladra
Quando Ronnar abriu os olhos naquela manhã, sentiu-se estranho de uma forma como nunca sentiu. Acordar outra vez naquela cidade era algo que pensava jamais fazer até o fim dos seus dias. Notava outra vez como o clima ali era diferente, como a arquitetura tinha seus próprios traços e como as pessoas eram mais introspectivas. Como podia ter esquecido totalmente o modo de vida de seus próprios compatriotas?
Ronnar era um filho de Kimuth, descendente de uma geração honorável naquela cidade: os lendários Kharbrook, que muitos diziam ser realmente descendentes de gigantes. Como poderia estar se sentindo tão deslocado ali?
Era fato que ele não queria ter voltado. Preferiria ter ido a qualquer outra cidade ao invés daquela.
O lugar nunca lhe trouxe grandes alegrias até onde lembrava, e tudo havia piorado muito depois das mortes de seus pais e de seu irmão. A verdade era que tudo de bom que ele já havia vivenciado fora em Beymuth, onde teve muitos anos de alegria servindo a um rei em quem ele acreditava, e ao lado de sua esposa e filha, as quais ele amava mais que tudo.
Voltar àquela cidade, além dos traumas do passado, também trazia à memória o fato de que ali estava a maldita família Noutmander, do homem que ordenou a traição à cidade mãe e foi responsável direto pelo estupro e morte de sua mulher e filha.
Ronnar sabia que não seria nada fácil realizar sua missão naquele lugar. Não tinha ideia de qual seria sua reação no momento em que tivesse que colocar aquele asqueroso manto azul dos Noutmander em suas costas.
O que a Ordem estava lhe pedindo talvez fosse demais para ele suportar, mas em algum lugar dentro de si, também sabia que teria que engolir toda sua raiva e amargura por um bem maior.
Afinal, a vingança não era só sua. Não havia sido só ele naquela guerra a perder pessoas que amava. Outros também perderam esposas, filhas, pais, mães e amigos; pessoas a quem amavam e respeitavam.
Beymuth hoje era apenas um rascunho da magnífica cidade que fora um dia.
Não havia sido apenas as vidas, o alimento e os recursos que os unificados haviam levado dos beymutitas; além de tudo isso eles também haviam levado a alegria de viver, o orgulho, a paz, e sobretudo, a esperança.
Esperança... Ronnar permitiu-se sonhar.
O que ele realmente estava fazendo naquele lugar onde jamais desejou voltar?
Talvez a tentativa de levar de volta um pouco de esperança ao castigado povo Beymutita fosse sua real missão afinal. Além de seu ódio e desejo de vingança, o que restara para ele senão tentar reparar um pouco da injustiça imposta àquele sofrido povo?
Dentro de si lutava contra esses sentimentos de desalento e amargor, pois de alguma forma sabia que sua vida tinha que ter algum propósito além de sua vingança pessoal. Ninguém poderia viver o resto da vida apenas se deixando consumir por tais sentimentos.
Sabia que estava ali para tentar fazer sua parte no plano que a Ordem lhe incumbira, tentar recuperar a lendária espada régia para que um pouco de alegria voltasse para sua amada Cidade Mãe, mas ainda assim, o sentimento de estranheza e repulsa por aquele lugar jamais se afastavam de seus pensamentos.
Muitos anos haviam se passado desde que partira de sua terra natal, e apesar de ter nascido ali, tudo agora lhe parecia novo em seu retorno: As roupas, os gestos mais contidos de seus conterrâneos, o modo mais introspectivo de falarem.
Ele mesmo já havia sido assim, mas esquecera totalmente. De certa forma sentia como se nunca tivesse pisado naquele lugar antes. Não conseguia compreender como esquecera tão facilmente a terra em que nasceu, mas o fato é que esquecera.
Quando a Ordem se reuniu a fim de decidir quem iria para qual lugar à procura da espada, Ronnar esquivou-se rapidamente de Kimuth, mas Lorde Redmond sempre soube ser muito persuasivo quando queria, e ele acabou convencendo o relutante soldado do contrário.
O idoso dissera que Ronnar tinha assuntos inacabados em sua terra natal e que deveria enfrentá-los de frente.
E ele estava certo. Era bem verdade que Ronnar havia perdido a maioria de seus parentes, mas ainda havia uma irmã que o amava; e de certa forma se culpava por praticamente tê-la abandonado naquele lugar. Não fossem as raras visitas de Rondah à Beymuth, seriam mais de vinte anos sem vê-la, e ele sabia o quanto aquilo a magoava. Não que os Kharbrook fossem assim tão sentimentais, mas o laço com sua irmã era a última ligação de sangue que tinha com alguém e ele sabia disso.
Quando Ronnar chegou a Beymuth, ainda jovem, trabalhou por um tempo nos portos e nos navios, carregando e descarregando toda sorte de materiais que eles traziam de outras terras.
Mas ao notarem seu imenso porte físico, rapidamente começaram a lhe arranjar lutas no cais, e por esse motivo, sempre apostavam nele; e com razão, já que Ronnar lutou por mais de um ano e nunca perdeu. Até que um dia enfrentou um rígido Filho do Sol, que praticamente se equiparava a ele em força e estatura. A luta durou horas e não houve vencedor. E então, dessa forma bem inusitada, os dois homens acabaram se tornando amigos e entraram juntos para a guarda da cidade. Lutaram na guerra contra os durushitas pela Baía do Naufrágio, na incursão dos homens de gelo, que de tempos em tempos surgiam do mar lunar a fim de saquear a encosta beymutita, ajudaram a suprimir a rebelião do Lorde Adam Kent nos limites de Beymuth, que queria a todo custo tornar suas terras independentes dos Brunne, entre tantas outras pelejas. Ambos retornaram vivos de todas as missões que lhes foram impostas, e muitos anos depois Ronnar conheceu o amor, e por ele deixou o exército.
No reinado Brunne as guerras eram raras e ele precisou retornar apenas mais algumas vezes depois que saiu, mas seu valente amigo do sol continuou a servir o rei, galgando seu espaço até se tornar Comandante da Cavalaria Real Brunne; Malakar Jones foi o homem mais honrado que Ronnar conheceu, e o único erro que cometeu em toda sua vida manchou para sempre sua virtuosa história de sucesso. Mas apesar de o amigo ter fraquejado no momento mais decisivo e manchado sua história, Ronnar havia ficado muito triste com a sua morte.
Relembrando o passado e não imaginando o que o futuro lhe reservava, com certa lentidão Ronnar sentou-se na cama. Ele olhou pela janela o brilhante céu azul que agora trazia uma grata claridade para o seu quarto. Em seguida mergulhou as mãos na água do vaso ao lado da cama e lavou o rosto para tentar afastar o sono de vez. Já era hora de começar a enfrentar seus demônios do passado e seguir em frente. Ele não estava ali para se tornar parte daquele lugar afinal, estava de volta por que tinha algo a realizar; tentar encontrar o mais breve possível a lendária espada Régia. E esperava que isso acontecesse o quanto antes, para que pudesse enfim retornar à cidade que tanto amava.
Passados alguns dias naquela cidade, Ronnar não lembrava de dormir tão bem assim há muito tempo.
Talvez conseguir enfim assimilar um pouco melhor seu real propósito ali o tenha ajudado a ficar mais tranquilo.
Por um breve momento lembrou de sua infância com os irmãos, quando dividiam uma enorme cama de palha, não tão confortável quanto a que deitava agora, mas ainda assim, cheia de amor e cumplicidade. Lembrar daquilo o fez se sentir bem.
Quando enfim levantou, notou que seu cavalo já estava pronto e selado. Natt, o esperto garoto cavalariço que vivia à porta da hospedaria, e a quem ele havia se afeiçoado, vinha cuidando disso nos últimos dias.
Ronnar desceu ao salão comum e comeu. Depois partiu para o portão sul para mais um dia de trabalho como um soldado da guarda Sul de Kimuth. Seu turno hoje seria de dia; o que estava odiando ainda mais, já que todos o veriam usando o nefasto manto azul da cidade.
Ele atravessou a praça do Unificador, desceu as íngremes ruas feitas com pedras encaixadas, até que chegou ao portão sul. E enquanto desmontava de seu imenso e arisco mangalarga, ele a viu.
— EI VOCÊ!!! SUUUUA LADRAZINHA!!
E lá estava a magricela e maltrapilha menina que o havia roubado alguns dias antes. Quando enfim acabou de descer do cavalo, foi ao encontro dela bufando de raiva.
— VOLTE AQUI SOLDADO! ONDE PENSA QUE VAI? — gritou seu superior ao ver que ele se afastava do quartel.
Ronnar não deu ouvidos ao homem e correu atrás da menina assim que ela partiu em disparada.
A garota até podia ser pequena e magricela, mas era muito mais rápida que o imenso e desajeitado grandalhão.
Ela correu por becos estreitos, atravessou casas por dentro e por cima delas, saltou por sobre bancas que vendiam frutas, e tudo sem nunca olhar para trás. Parecia conhecer o terreno em que estava como a palma da sua mão.
Ronnar nunca chegava a perdê-la de vista, mas seu fôlego já estava quase no fim, e foi aí que ela sumiu em um beco escuro e deserto. De súbito ele também parou.
Começou a procurá-la por todos os lugares, mas parecia não haver ninguém ali além dele.
E então, uma caixa de madeira caiu no chão fazendo um enorme barulho.
Foi nesse momento que ele a viu novamente. Estava no fim do beco estreito, centralizada entre as vielas.
Ele foi andando lentamente na direção dela, que estranhamente não correu, e ao se aproximar falou com firmeza:
— Devolva meu dinheiro agora sua peste, ou arrancarei essas suas orelhas! — Ela permaneceu calada.
Ronnar estendeu o braço na direção da menina, e quando estava prestes a alcançá-la, uma pequena bolsa com som de moedas voou de um dos becos escuros. Ele agarrou a bolsa no ar meio assustado, e quando olhou na direção de onde ela veio, notou que havia um redondo homem com um capuz cinza escondido entre as sombras, então rapidamente sacou seu machado e rugiu:
— Quem é você?
O homem misterioso olhou para a menina e falou com uma voz macia:
— Aqui está, querida, seus serviços não mais serão necessários. — Assim que acabou de falar, jogou uma moeda dourada para a garota, que a pegou no ar e em seguida sumiu beco a dentro.
Depois o homem voltou-se para Ronnar e abaixou o capuz.
— Não Faria mal a um antigo amigo... não é?
Ronnar torceu os lábios com indiferença.
— Nunca fomos amigos, Salazhar Mouth...
— Está enganado quanto a isso, se não fosse, não estaria aqui, você sabe disso. Mas pretendo mudar essa má impressão.
— Já me perguntava quanto tempo levaria para me encontrar. — Ronnar disse calmamente enquanto guardava o machado.
— Todas as coisas têm hora e lugar certo para acontecer. — Depois de falar, o redondo homem sorriu e começou a andar. — Venha comigo, temos muito a conversar.
Como que por hábito, Ronnar pôs a mão no machado, olhou em volta para se certificar que estava tudo bem, e em seguida sumiu beco a dentro com o misterioso homem.
Q
uando Ronnar abriu os olhos naquela manhã, sentiu-se estranho de uma forma como nunca sentiu. Acordar outra vez naquela cidade era algo que pensava jamais fazer até o fim dos seus dias. Notava outra vez como o clima ali era diferente, como a arquitetura tinha seus próprios traços e como as pessoas eram mais introspectivas. Como podia ter esquecido totalmente o modo de vida de seus próprios compatriotas?
Ronnar era um filho de Kimuth, descendente de uma geração honorável naquela cidade: os lendários Kharbrook, que muitos diziam ser realmente descendentes de gigantes. Como poderia estar se sentindo tão deslocado ali?
Era fato que ele não queria ter voltado. Preferiria ter ido a qualquer outra cidade ao invés daquela.
O lugar nunca lhe trouxe grandes alegrias até onde lembrava, e tudo havia piorado muito depois das mortes de seus pais e de seu irmão. A verdade era que tudo de bom que ele já havia vivenciado fora em Beymuth, onde teve muitos anos de alegria servindo a um rei em quem ele acreditava, e ao lado de sua esposa e filha, as quais ele amava mais que tudo.
Voltar àquela cidade, além dos traumas do passado, também trazia à memória o fato de que ali estava a maldita família Noutmander, do homem que ordenou a traição à cidade mãe e foi responsável direto pelo estupro e morte de sua mulher e filha.
Ronnar sabia que não seria nada fácil realizar sua missão naquele lugar. Não tinha ideia de qual seria sua reação no momento em que tivesse que colocar aquele asqueroso manto azul dos Noutmander em suas costas.
O que a Ordem estava lhe pedindo talvez fosse demais para ele suportar, mas em algum lugar dentro de si, também sabia que teria que engolir toda sua raiva e amargura por um bem maior.
Afinal, a vingança não era só sua. Não havia sido só ele naquela guerra a perder pessoas que amava. Outros também perderam esposas, filhas, pais, mães e amigos; pessoas a quem amavam e respeitavam.
Beymuth hoje era apenas um rascunho da magnífica cidade que fora um dia.
Não havia sido apenas as vidas, o alimento e os recursos que os unificados haviam levado dos beymutitas; além de tudo isso eles também haviam levado a alegria de viver, o orgulho, a paz, e sobretudo, a esperança.
Esperança... Ronnar permitiu-se sonhar.
O que ele realmente estava fazendo naquele lugar onde jamais desejou voltar?
Talvez a tentativa de levar de volta um pouco de esperança ao castigado povo Beymutita fosse sua real missão afinal. Além de seu ódio e desejo de vingança, o que restara para ele senão tentar reparar um pouco da injustiça imposta àquele sofrido povo?
Dentro de si lutava contra esses sentimentos de desalento e amargor, pois de alguma forma sabia que sua vida tinha que ter algum propósito além de sua vingança pessoal. Ninguém poderia viver o resto da vida apenas se deixando consumir por tais sentimentos.
Sabia que estava ali para tentar fazer sua parte no plano que a Ordem lhe incumbira, tentar recuperar a lendária espada régia para que um pouco de alegria voltasse para sua amada Cidade Mãe, mas ainda assim, o sentimento de estranheza e repulsa por aquele lugar jamais se afastavam de seus pensamentos.
Muitos anos haviam se passado desde que partira de sua terra natal, e apesar de ter nascido ali, tudo agora lhe parecia novo em seu retorno: As roupas, os gestos mais contidos de seus conterrâneos, o modo mais introspectivo de falarem.
Ele mesmo já havia sido assim, mas esquecera totalmente. De certa forma sentia como se nunca tivesse pisado naquele lugar antes. Não conseguia compreender como esquecera tão facilmente a terra em que nasceu, mas o fato é que esquecera.
Quando a Ordem se reuniu a fim de decidir quem iria para qual lugar à procura da espada, Ronnar esquivou-se rapidamente de Kimuth, mas Lorde Redmond sempre soube ser muito persuasivo quando queria, e ele acabou convencendo o relutante soldado do contrário.
O idoso dissera que Ronnar tinha assuntos inacabados em sua terra natal e que deveria enfrentá-los de frente.
E ele estava certo. Era bem verdade que Ronnar havia perdido a maioria de seus parentes, mas ainda havia uma irmã que o amava; e de certa forma se culpava por praticamente tê-la abandonado naquele lugar. Não fossem as raras visitas de Rondah à Beymuth, seriam mais de vinte anos sem vê-la, e ele sabia o quanto aquilo a magoava. Não que os Kharbrook fossem assim tão sentimentais, mas o laço com sua irmã era a última ligação de sangue que tinha com alguém e ele sabia disso.
Quando Ronnar chegou a Beymuth, ainda jovem, trabalhou por um tempo nos portos e nos navios, carregando e descarregando toda sorte de materiais que eles traziam de outras terras.
Mas ao notarem seu imenso porte físico, rapidamente começaram a lhe arranjar lutas no cais, e por esse motivo, sempre apostavam nele; e com razão, já que Ronnar lutou por mais de um ano e nunca perdeu. Até que um dia enfrentou um rígido Filho do Sol, que praticamente se equiparava a ele em força e estatura. A luta durou horas e não houve vencedor. E então, dessa forma bem inusitada, os dois homens acabaram se tornando amigos e entraram juntos para a guarda da cidade. Lutaram na guerra contra os durushitas pela Baía do Naufrágio, na incursão dos homens de gelo, que de tempos em tempos surgiam do mar lunar a fim de saquear a encosta beymutita, ajudaram a suprimir a rebelião do Lorde Adam Kent nos limites de Beymuth, que queria a todo custo tornar suas terras independentes dos Brunne, entre tantas outras pelejas. Ambos retornaram vivos de todas as missões que lhes foram impostas, e muitos anos depois Ronnar conheceu o amor, e por ele deixou o exército.
No reinado Brunne as guerras eram raras e ele precisou retornar apenas mais algumas vezes depois que saiu, mas seu valente amigo do sol continuou a servir o rei, galgando seu espaço até se tornar Comandante da Cavalaria Real Brunne; Malakar Jones foi o homem mais honrado que Ronnar conheceu, e o único erro que cometeu em toda sua vida manchou para sempre sua virtuosa história de sucesso. Mas apesar de o amigo ter fraquejado no momento mais decisivo e manchado sua história, Ronnar havia ficado muito triste com a sua morte.
Relembrando o passado e não imaginando o que o futuro lhe reservava, com certa lentidão Ronnar sentou-se na cama. Ele olhou pela janela o brilhante céu azul que agora trazia uma grata claridade para o seu quarto. Em seguida mergulhou as mãos na água do vaso ao lado da cama e lavou o rosto para tentar afastar o sono de vez. Já era hora de começar a enfrentar seus demônios do passado e seguir em frente. Ele não estava ali para se tornar parte daquele lugar afinal, estava de volta por que tinha algo a realizar; tentar encontrar o mais breve possível a lendária espada Régia. E esperava que isso acontecesse o quanto antes, para que pudesse enfim retornar à cidade que tanto amava.
Passados alguns dias naquela cidade, Ronnar não lembrava de dormir tão bem assim há muito tempo.
Talvez conseguir enfim assimilar um pouco melhor seu real propósito ali o tenha ajudado a ficar mais tranquilo.
Por um breve momento lembrou de sua infância com os irmãos, quando dividiam uma enorme cama de palha, não tão confortável quanto a que deitava agora, mas ainda assim, cheia de amor e cumplicidade. Lembrar daquilo o fez se sentir bem.
Quando enfim levantou, notou que seu cavalo já estava pronto e selado. Natt, o esperto garoto cavalariço que vivia à porta da hospedaria, e a quem ele havia se afeiçoado, vinha cuidando disso nos últimos dias.
Ronnar desceu ao salão comum e comeu. Depois partiu para o portão sul para mais um dia de trabalho como um soldado da guarda Sul de Kimuth. Seu turno hoje seria de dia; o que estava odiando ainda mais, já que todos o veriam usando o nefasto manto azul da cidade.
Ele atravessou a praça do Unificador, desceu as íngremes ruas feitas com pedras encaixadas, até que chegou ao portão sul. E enquanto desmontava de seu imenso e arisco mangalarga, ele a viu.
— EI VOCÊ!!! SUUUUA LADRAZINHA!!
E lá estava a magricela e maltrapilha menina que o havia roubado alguns dias antes. Quando enfim acabou de descer do cavalo, foi ao encontro dela bufando de raiva.
— VOLTE AQUI SOLDADO! ONDE PENSA QUE VAI? — gritou seu superior ao ver que ele se afastava do quartel.
Ronnar não deu ouvidos ao homem e correu atrás da menina assim que ela partiu em disparada.
A garota até podia ser pequena e magricela, mas era muito mais rápida que o imenso e desajeitado grandalhão.
Ela correu por becos estreitos, atravessou casas por dentro e por cima delas, saltou por sobre bancas que vendiam frutas, e tudo sem nunca olhar para trás. Parecia conhecer o terreno em que estava como a palma da sua mão.
Ronnar nunca chegava a perdê-la de vista, mas seu fôlego já estava quase no fim, e foi aí que ela sumiu em um beco escuro e deserto. De súbito ele também parou.
Começou a procurá-la por todos os lugares, mas parecia não haver ninguém ali além dele.
E então, uma caixa de madeira caiu no chão fazendo um enorme barulho.
Foi nesse momento que ele a viu novamente. Estava no fim do beco estreito, centralizada entre as vielas.
Ele foi andando lentamente na direção dela, que estranhamente não correu, e ao se aproximar falou com firmeza:
— Devolva meu dinheiro agora sua peste, ou arrancarei essas suas orelhas! — Ela permaneceu calada.
Ronnar estendeu o braço na direção da menina, e quando estava prestes a alcançá-la, uma pequena bolsa com som de moedas voou de um dos becos escuros. Ele agarrou a bolsa no ar meio assustado, e quando olhou na direção de onde ela veio, notou que havia um redondo homem com um capuz cinza escondido entre as sombras, então rapidamente sacou seu machado e rugiu:
— Quem é você?
O homem misterioso olhou para a menina e falou com uma voz macia:
— Aqui está, querida, seus serviços não mais serão necessários. — Assim que acabou de falar, jogou uma moeda dourada para a garota, que a pegou no ar e em seguida sumiu beco a dentro.
Depois o homem voltou-se para Ronnar e abaixou o capuz.
— Não Faria mal a um antigo amigo... não é?
Ronnar torceu os lábios com indiferença.
— Nunca fomos amigos, Salazhar Mouth...
— Está enganado quanto a isso, se não fosse, não estaria aqui, você sabe disso. Mas pretendo mudar essa má impressão.
— Já me perguntava quanto tempo levaria para me encontrar. — Ronnar disse calmamente enquanto guardava o machado.
— Todas as coisas têm hora e lugar certo para acontecer. — Depois de falar, o redondo homem sorriu e começou a andar. — Venha comigo, temos muito a conversar.
Como que por hábito, Ronnar pôs a mão no machado, olhou em volta para se certificar que estava tudo bem, e em seguida sumiu beco a dentro com o misterioso homem.
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