Menestrel



Menestrel?



A estalagem Cabeça de Baleia estava bem animada aquela noite. Conhecida como uma das mais caras e bem frequentadas de Beruhim, a enorme cabeça empalhada do animal marítimo que dava nome ao lugar, fora estrategicamente colocada acima da famosa estalagem para que todos a pudessem ver de longe, o que tornava fácil sua localização para todos aqueles que a procuravam. Ali a maioria dos marinheiros vinha beber, cantar e gastar o pouco que ganhavam quando desciam dos navios, algumas prostitutas andavam para lá e para cá a procura de algumas moedas, e, esporadicamente clientes não habituais adentravam as portas a fim de conhecer o famoso lugar, e por fim, acabarem descobrindo que a fama era imensamente injustificada, como o próprio Menestrel acabara descobrindo por conta própria.

Há vários dias o beymutita estava naquela cidade, sondando-a e tentando encontrar qualquer meio de se aproximar dos portões de Nêmenas K'leut, o Dominante de Beruhim. Contudo, durante a tempestade que assolara o Donzela Sombria, seu pequeno saco marrom contendo as moedas douradas que a Ordem o havia dado para auxiliar em sua missão, havia caído no mar, e o fato vinha sendo um duro golpe para o homem. Ele sabia que ouro abria portas, mas também sabia que a falta dele as fechava, por isso agora vivia o dilema diário de apenas conseguir sobreviver até que alguma oportunidade real se apresentasse para que de alguma forma ele pudesse avançar em seus reais objetivos naquele lugar.

Por dias ele perambulou de taverna em taverna, procurando ganhar algumas moedas para apenas comer e beber, mas no momento que aparecia nas portas e os donos percebiam que ele era beymutita, simplesmente o expulsavam. Aquela atitude para com os nascidos na antiga Cidade Mãe agora era comum nos outros territórios depois da unificação. Havia muito preconceito envolvido por conta da miséria que agora assolava o lugar, mas ele sabia que o real motivo era o medo de os associarem a qualquer revolta que pudesse acontecer em Beymuth, caso algo assim realmente viesse a se concretizar. Até que há uma semana havia chegado ao peculiar lugar com a enorme cabeça do animal acima. Por conta de suas últimas experiências nos outros lugares que havia ido, ele achou que ali também não conseguiria adentrar, ainda mais por já conhecer a fama de ser um lugar caro, mas para sua surpresa, diferentemente dos outros, o Cabeça de Baleia era comandado por uma mulher, e com ela o Menestrel pelo menos teve a chance de mostrar seu talento antes de ser simplesmente barrado na entrada, como fizeram todos os outros proprietários. O fato o acabou fornecendo a chance de poder estar ali todas as noites.

E agora, encostado no extenso balcão de madeira do Cabeça de Baleia, onde a esguia mulher loira com cabelos engordurados servia a todos, ele repousava seu alaúde sobre um dos pés e observava tudo ao seu redor. Naquela noite ninguém o havia chamado para cantar, e em seus pensamentos lutava com a ideia de gastar as poucas moedas que tinha com uma caneca de cerveja.

— E então Willy, fraco hoje? — de repente a mulher do outro lado do balcão o tirou de seu estado contemplativo.

— Nunca tive tantos pedidos! — ele respondeu sorrindo. — Se você considerar ostras, moedas enferrujadas e peixe salgado como pagamento.

— E não se esqueça das prostitutas, se bem me lembro, algumas delas já ofereceram seus serviços em troca de algumas notas de seu instrumento e de sua bela voz. — a mulher, que era a proprietária do lugar, tinha por volta de quarenta anos e possuía muitas sardas no rosto. Por trás do balcão ela sorria de cabeça baixa enquanto falava e enchia uma caneca de vinho.

— É verdade... não nos esqueçamos das nossas belas prestadoras de serviços amorosos, claro. — ele concordou com ela.

— Já falei diversas vezes que você merecia estar cantando diretamente para o próprio Dominante, não conheço ninguém em Beruhim que tenha sequer um terço do seu talento, mas como bem sabemos: a vida não é justa, não é mesmo? — assim que acabou de falar, a mulher entregou a caneca cheia para o homem bêbado que esperava do outro lado do balcão.

— Sim Merina, a vida realmente não é justa... Mas já aprendi há muito tempo que, se quisermos alguma justiça... temos nós mesmos que fazê-la acontecer.

— Tome. — de repente a mulher colocou uma caneca de cerveja à frente dele. — Bebamos a isso!

— Nada me deixaria mais feliz Merina, mas infelizmente...

— O quê? Achou que seria de graça? — ela ergueu uma sobrancelha e fez uma expressão séria. — Vai ter que cantar A Queda do Cão Louco novamente pra mim assim que eu fechar. — ao finalizar ela sorriu.

Ele também sorriu e pegou a caneca.

— Justo.

De repente um certo alvoroço foi ouvido na entrada do Cabeça de Baleia, e quando Menestrel olhou, viu três homens adentrarem o lugar. O que vinha à frente usava um bonito sobretudo verde e tinha um olhar soberbo, enquanto os que o acompanhavam vinham abraçados, cantando alto e com uma garrafa quase vazia nas mãos.

— Mulher, quero cerveja, e pra comer...

— Aqui só servimos carne de baleia, senhor. Assada, cozida, frita em sua própria banha, como quiser, mas só servimos baleia. — Merina interrompeu o homem com sobretudo verde antes que ele concluísse.

O homem olhou para ela com uma expressão de nojo.

— Para mim apenas cerveja, para esses dois aqui, sirva esse troço aí.

— São oito moedas de bronze, senhor; quatro pela carne, quatro pelas cervejas.

De repente o homem olhou de canto de olho para o menestrel e o analisou dos pés à cabeça.

— Bem frequentado... Sei... — ele deixou as palavras escaparem pelos lábios, mas logo em seguida olhou para frente e pagou a alta quantia sem reclamar. Em seguida pegou sua cerveja e foi procurar uma mesa. Logo depois os bêbados que o acompanhavam também pegaram seus pedidos e foram sentar ao lado dele.

Assim que haviam saído, Merina falou:

— E esse aí? De onde surgiu? Você viu quanta arrogância? Nem sequer me cumprimentou.

Enquanto tudo acontecia, Menestrel apenas se mantinha em silêncio analisando o homem, mas agora voltava-se para Merina.

— Nunca o viu por aqui?

— Os outros dois são soldados, já os expulsei daqui algumas vezes quando estavam no mesmo estado que estão agora, mas o esnobe bonitinho não conheço. — Merina falou e abaixou-se para pegar uma garrafa de água-rubra embaixo do balcão. — Você até que parece com ele, sabia? Os mesmos olhos verdes... Mesmo tom de pele e cabelo... Se você aparasse esse longo cabelo e essa enorme barba que o faz parecer com um mendigo, até poderia passar por alguém esnobe, como aquele ali. — de repente ela encarou o menestrel com um olhar curioso. — Será que ele também sabe cantar? — ela finalizou com uma gargalhada.

— Praticamente gêmeos... Só não tenho o dinheiro. — ele forçou-se a sorrir para a mulher, e logo depois bebeu o primeiro gole de sua cerveja.

Depois daquilo Merina voltou a atender seus clientes, enquanto Menestrel recusava seguidamente os vários pedidos dos homens e mulheres para que dedilhasse seu alaúde. Por algum motivo sentia que sua apresentação de hoje teria de ser exclusiva para o homem do sobretudo verde. E quando a noite já havia avançado e ele já não achava mais que isso aconteceria, de repente o homem levantou a mão e o chamou. Sem pensar duas vezes, o beymutita enfim pegou seu alaúde, colocou em suas costas e foi até ele.

— Sabe cantar?

— Alguns dizem que sim, meu senhor.

— Cante para mim. — Ordenou o homem sem sequer se apresentar novamente.

Desde que o homem havia chegado Menestrel notara pela forma como ele se vestia, que não poderia ser apenas mais um marujo. De fato nenhum marujo teria dinheiro para comprar um sobretudo como aquele, com inúmeros botões de pérolas e gravuras bordadas a mão. Também usava calças pretas e belas botas pretas muito limpas. Em sua mão todos os dedos tinham anéis, e no pescoço inúmeros cordões dourados.

— Com todo o prazer, senhor, só lhe custará uma moeda de prata. — Menestrel sorriu para ele.

Sem hesitar, o homem colocou a mão em um dos bolsos escondidos dentro do casaco e puxou a moeda, para logo em seguida jogá-la sobre a mesa, surpreendendo o menestrel, que achou que ele não pagaria.

— Alguma preferência por música, senhor?

— Uma que não me mate de tédio já está bom.

Menestrel percebeu que arrogância que o homem emanava parecia lhe ser algo natural, então não o contestou, apenas puxou o alaúde de suas costas, o colocou à sua frente e começou a cantar A Morte do Cavalo Branco. De repente todo o burburinho dentro do Cabeça de Baleia cessou, e agora todos ouviam com atenção aquela voz que inundava o ambiente. No mesmo momento em que acabou a canção, uma efusiva salva de palmas foi ouvida.

— Não é de todo ruim. — o esnobe homem comentou de forma desdenhosa. — Pois muito bem, menestrel, tenho uma proposta para você. — de repente ele olhou para os bêbados ao seu lado com pouco interesse. — Cheguei esta manhã em Beruhim depois de muitos dias dentro de um navio, e estava querendo conhecer um pouco melhor a cidade antes de prosseguir viagem amanhã, quando conhecerei o Dominante Nêmenas K'leut pessoalmente. Contudo, um tal Benaffar Binn mandou esses dois idiotas para me encontrar e me acompanhar até lá, mas como pode ver, eles não são exatamente a melhor companhia que encontrei até agora. Duvido até que saibam onde estão.

— C-Calma láaaa! Coooomo não somos boas companhias? Mas é claro que sooomos! Não é, Merina? — um deles falou com a voz totalmente embargada, enquanto balançava a caneca no ar, tentando chamar a atenção da mulher atrás do balcão, que sequer percebeu o aceno.

O outro homem, que parecia ainda mais bêbado que seu companheiro, sequer conseguia entender o que se passava ali, então simplesmente levantou-se e se agarrou a uma das prostitutas que passava por ele.

— Está vendo? Inúteis! — Disse o homem com sobretudo verde. Enfim... Estava pensando em ir a um tal Flor Preciosa e pensei em trazê-lo comigo para animar minha noite, o que acha? Lhe darei mais três moedas de prata, pois já percebi que não tem onde cair morto. — ele finalizou fazendo uma expressão de desdém enquanto olhava para a roupa desgastada do menestrel.

Muitos já haviam convidado o menestrel para cantar naquela noite, mas nenhum pedido fora tão irrecusável quanto o daquele enigmático homem que dizia que conheceria o Dominante de Beruhim pessoalmente.

O beymutita sorriu com desfaçatez antes de responder. Estava odiando a imensa arrogância do homem, pois lembrava-lhe um dos coletores de impostos enviados todos os meses para sangrar ainda mais o sofrido povo da Cidade Mãe. Os coletores iam de tempos em tempos a Beymuth recolher os tributos e garantir que os antigos Lordes não juntassem dinheiro para contratar um exército. Menestrel já havia visto a maioria deles por lá, e sabia que nunca voltavam de mãos vazias. Apesar de não ter certeza se aquele homem era realmente um coletor, dava para ver que também tinha muito dinheiro, a julgar pela quantidade de bebida que pagava para todos que o abordavam no Cabeça de Baleia.

Menestrel não tinha nada a perder, e de alguma forma sentia que aquela poderia ser sua melhor oportunidade até ali.

— Ao flor preciosa então! — Ele enfim aceitou.

Quando saíram da estalagem, o homem com sobretudo verde mandou um garoto rechonchudo buscar os cavalos.

— Dois, senhor? Mas foi me dito que eram três! — Questionou o menino ao perceber que teria de retornar para o estábulo com um dos três cavalos que trazia pelas correias.

— Não me questione! Quer passar um tempo nas celas escuras, seu moleque miserável? Sou o um emissário do Dominante de Bérniff! Obedeça logo! —Disse o arrogante homem com desprezo no olhar, revelando agora seu lugar de origem e sua posição de autoridade.

Saber daquele fato tornava tudo mais interessante para Menestrel.

— N-Não senhor! Farei o que pede! —Em seguida o garoto partiu levando o outro cavalo.

O emissário montou. Logo em seguida Menestrel fez o mesmo, e depois partiram.

Quando chegaram ao flor preciosa, o beymutita percebeu que ainda não tinha conhecido uma casa de prazer como aquela. Havia lindas mulheres de todas as cores, etnias, tamanhos e idades, e assim que entraram o emissário gritou:

— QUEREMOS O LUGAR SÓ PARA NÓS!!!

Um homem magro, de cabelos loiros e encaracolados, veio recebê-los.

— Pode pagar por essa extravagância, senhor?

O Bérniff colocou a mão no bolso e a puxou de volta com um punhado de moedas prateadas. Em seguida entregou ao cafetão.

— É o suficiente? — Perguntou com arrogância.

O dono da casa do prazer deu uma boa olhada para o conteúdo na mão do homem e falou:

— Perfeitamente, senhor. — Depois esvaziou o lugar para que ficasse apenas ele, o menestrel e as mulheres.

— MÚSICA, CANTOR!!! — Gritou o Bérniff.

Menestrel sentou-se em uma almofada e começou a tocar, e ao som de música, abundância de mulheres e de vinho, a noite foi passando rapidamente.

Os homens que acompanhavam o emissário haviam ficado para trás, e agora só ele, o menestrel e muitas mulheres estavam no lugar.

O arrogante homem, percebendo que também já estava muito bêbado, falou:

— Tome sua prata, menestrel, preciso ir dormir. — ele levantou-se cambaleante.

— Não quer que eu o acompanhe até onde está hospedado? A cidade é muito perigosa.

— Eles que tentem! Sou um emissário de Bérniff! — repetia o fato como se aquilo fosse salvá-lo de qualquer um que lhe quisesse fazer mal.

— Não sou nenhum soldado, mas pelo menos posso lhe fazer companhia até chegar em segurança em sua casa, é melhor que nada.

— Humpf! Aqueles dois idiotas é que deveriam fazer minha segurança até amanhã, mas tudo o que queriam era beber! — o homem começou a falar. — Os dois inúteis chegaram mais cedo em meus portões já naquele estado. Enfim, relatarei o fato ao Dominante assim que possível e eles serão punidos! Então vamos indo se quiser me acompanhar, mas não vou mais lhe dar dinheiro!

Os dois saíram da casa de prazer, subiram em seus cavalos e partiram. Depois de algum tempo de cavalgada chegaram a uma bela casa no alto de uma colina com muros altos e portões de ferro.

O homem de casaco verde bateu no portão e um idoso veio recebê-lo.

— Que bom que voltou, senhor! A casa está preparada para acomodá-lo agora, como exigiu.

— Abra o portão, velho. — Disse o emissário ignorando a saudação do idoso.

— Onde estão Jack e Solon, senhor? — o velho perguntou olhando para o menestrel.

— Aqueles dois bêbados idiotas que deveriam ser minha escolta? Ah... Estão no Cabeça de Baleia bebendo. Isso se já não estiverem dormindo por cima das mesas uma hora dessas.

O velho coçou a barba rala com certa irritação.

— Ahhh... Aqueles imbecis são bem capazes disso mesmo. — Após o comentário, o idoso enfim abriu o portão.

— Sei, sei, sei... — Disse o coletor já o atravessando com visível impaciência com o velho.

— Voltarei para o meu casebre nos fundos da mansão, senhor. Se precisar de mim é só chamar. — Quando o idoso já estava partindo, se lembrou de algo. — Ah! Aqui está a chave. Como iriam entrar afinal? Hehehe!

O emissário pegou a chave da mão do homem com ignorância.

— Dê-me aqui, velho, e suma logo da minha frente! — O idoso baixou o olhar com certa tristeza e enfim partiu.

Os dois homens entraram na casa. Estava um pouco escura, então o emissário logo tratou de acender algumas lamparinas.

Ele foi de quarto em quarto como se estivesse escolhendo o melhor para ele mesmo e em seguida voltou até o beymutita.

— Pois muito bem, menestrel, já estou em segurança, pode ir embora.

Menestrel olhou lentamente em volta e disse:

— Bela casa. É sua?

O emissário tirou o sobretudo verde, o pendurou no cabide e se sentou em uma cadeira com ar cansado.

— O tal Benaffar Binn a reservou para mim até que o Dominante volte de sua caçada, mas depois devo ficar no castelo, o que acho estar mais à minha altura. — Mas por que a pergunta? Não está pensando em me roubar, está?

— Não se preocupe, não sou ladrão.

— Enfim, já pode ir, vá logo!

— Sim, claro que sim, já irei, mas será que poderia pelo menos saber seu nome, senhor? Para que eu possa agradecer adequadamente meu nobre benfeitor.

— Tudo bem, estou de bom humor hoje, vou lhe dar esse privilégio de conhecer alguém importante. Chamo-me Soren Davenport, sou emissário do Dominante Ermeneu Dovant, de Bérniff... — Ao se apresentar formalmente, o homem sorriu largamente, revelando em sua boca um vistoso dente de ouro.

— Então é de Bérniff... — Anuiu o Menestrel de forma contemplativa fingindo já não saber do fato. — O que faz tão longe de casa, Lorde Davenport? Se me permite perguntar.

— Não sou Lorde, cantor, mas como realmente estou de bom humor, permitirei fazer mais essa pergunta, e vou responder, contudo, essa será a última! Depois vá de uma vez! — O homem sorriu denotando algum sarcasmo. — Não vim para as comemorações da unificação, se é o que está pensando. Tenho negócios a tratar com o próprio Dominante. Mas e você, como se chama afinal? — surpreendentemente ele estendeu a conversa.

Menestrel demorou-se em responder. O nome Willy McCarthy, que vinha usando há algum tempo, havia se tornado um pouco conhecido na cidade, então decidiu não o utilizar novamente.

— Chamo-me Menestrel, muito prazer. — Ele mentiu, depois se levantou e se curvou para o bérniff, que exalava a soberba que somente alguns daquele território sabiam emitir.

— Um menestrel que se chama Menestrel, que ridículo!

— Nomes são perigosos, senhor, saber sobre eles pode trazer consequências ruins às vezes.

— Na verdade não importa seu nome. Sou um emissário de Bérniff e...

— O senhor já disse isso. — Menestrel o cortou enquanto o encarava com olhar sombrio.

O belo território de Bérniff era rico em caça, plantações de feijões, soja, milho, nabos, e tantos outros cereais e vegetais. Além de serem os únicos reprodutores dos mais famosos cavalos de todo o continente, os cavalos do vento. Seus abundantes campos se perdiam de vista, assim como suas florestas e montanhas, que de tão altas pareciam tocar os céus, e os intrépidos cavalos que ali existiam, não existiam em nenhum outro território. Por esse motivo, há eras tinham a maior cavalaria de Valanthar, a tão conhecida cavalaria Bérniff. Os bérniff eram altos, bonitos e muito similares em características físicas com o povo beymutita. As duas cidades eram muito próximas e também as únicas que se interligavam por terra. Tinham um ótimo relacionamento comercial e boa parte dos alimentos que chegavam a Beymuth vinham de Bérniff.

O até então governante Ermeneu Dovant, era conhecido como o mais fiel dos vassalos territoriais do rei Reston de Brunne, mas isso não o impediu de estar na batalha dos campos azuis com sua monstruosa cavalaria, traindo aquele a quem ele jurara honrar e defender.

Ermeneu Dovant era o Dominante que Menestrel mais odiava. Teria ido para Bérniff de bom grado ao invés de Beruhim, mas esse ódio provavelmente o atrapalharia em sua missão; então a Ordem o mandou para outro território à procura da espada.

— Não está mesmo pensando em me roubar, não é, Menestrel?

O beymutita sorriu.

— Não se preocupe, senhor emissário, já disse que não. — Ele ondou até uma outra cadeira onde apoiou seu alaúde, mas não se sentou. — Estou um pouco intrigado... — Disse enquanto mexia no braço do instrumento com displicência. — A noite inteira estou me perguntando... Qual seria sua missão como emissário? Não deve ser muito importante, já que não trouxe sua própria escolta, mas ainda assim continuo curioso.

O homem estranhou a pergunta.

— E o que importa a você o que deixo ou não deixo de fazer em Beruhim, cantor? Minha paciência já se esgotou! — ele foi em direção à porta e apontou para ela. — Xô! Vá embora!

— Perdoe minha impulsiva curiosidade. Só estava aqui pensando se não poderia fazer uma bela canção com o tema em questão, se quisesse me dizer, é claro.

De repente Soren Davenport sorriu com desprezo para o menestrel.

— É de Beymuth, não é, Menestrel? Havia percebido na conversa com a estalajadeira, mas agora posso confirmar pelo modo de falar.

— Sou sim, que bom que percebeu...

— Apesar de tudo, nossos povos até que são parecidos, não acha? Você mesmo, até parece um pouco comigo! — O desprezo na voz do homem era visível enquanto falava. — Pena que aquele lugar miserável foi esquecido pelos Antigos, não é? Um dia vocês até foram nossos senhores... e olhe agora, cantam para nós por algumas moedas! — Ele riu alto.

Menestrel estava com muita raiva, mas não deixou transparecer.

— Diga-me de uma vez senhor Davenport, que negócios Bérniff tem com Beruhim para que um tão importante emissário viaje sozinho para cá?

Soren espantou-se com a insistência da pergunta.

— Não é da sua conta, cantor, já está perguntando demais, vá embora de uma vez ou vou chamar mais guardas!

Menestrel o ignorou.

— Quer saber de uma coisa, senhor emissário... Você tem toda razão, somos bem parecidos, eu só não tenho sua arrogância... mas posso interpretá-la.

O Bérniff arregalou os olhos.

— O que quer dizer com isso???

Quando o homem voltou seu olhar para as mãos do menestrel, percebeu que elas já seguravam longas adagas. O terror tomou conta de seu rosto.

— O-O que pensa que está fazendo, seu menestrel de merda?!! Se você tentar me machucar não escapará com vida!! Virão me buscar amanhã ao meio dia!!! Eles saberão!!!

— Quem? Aqueles homens que você conheceu hoje e que já chegaram totalmente bêbados?

— S-Sim, eles virão me buscar amanhã e me conhecem! — O homem repetiu com a voz trêmula.

O cantor com as longas adagas andou lentamente até o Bérniff e em um tom sombrio falou:

— Eu sei que eles virão...

Soren começou a chorar em desespero.

— Por favor, não faça isso!!! E-Eu conto! Eu conto! Só vim entregar uma mensagem de Ermeneu Dovant. N-Na verdade não sei do que se trata! T-Tem uma carta no meu casaco. — o homem com as adagas nada falou, então o bérniff voltou a suplicar: — Tenho ouro, pegue! Só poupe minha vida... Por favor Menestrel...

De repente o beymutita o olhou com uma fúria ainda não demonstrada até então.

— Meu nome não é Menestrel, seu maldito... meu nome é DERICK LANCASTER!!! E RIKKAR DE BRUNNE ASCENDERÁ AO TRONO!

O rosto do emissário empalideceu.

— N-Não pode ser... Isso não é possível... V-Você não pode ser o irmão de Reston de Brunne! Ele está morto!!! Na batalha dos campos azuis! Todos sabem!!!

— Pareço morto para você?... — A voz de Derick Lancaster era como uma faca afiada atravessando os ouvidos do homem.

Houve um momento de silêncio entre eles, até que o golpe veio, limpo e rápido, cortando o emissário tão profundamente na garganta que ele nem teve chance de se defender.

O homem colocou as duas mãos no lugar do ferimento para tentar parar o sangramento. Seus olhos estavam arregalados e emanavam desespero enquanto ele ainda tentava falar, mas só jatos de sangue saíam por entre os dedos, depois de alguns momentos, caiu e morreu com os olhos abertos.

Derick Lancaster foi até o sobretudo e encontrou a carta. Ele deu uma longa olhada por toda sua extensão e depois a guardou. Logo em seguida vestiu o sobretudo, assim como os anéis, os cordões, as calças e as botas que retirou do cadáver.

Com uma de suas longas e afiadas adagas ele cortou seus compridos cabelos castanhos e fez a barba em frente a um espelho, e admirou-se de como apenas o aparar dos pelos poderia mudar tanto uma pessoa. Então depois de algum tempo olhando seu reflexo, disse com voz sombria e monocórdia:

— Muito prazer, meu senhor Dominante, chamo-me... Soren Davenport.



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