Menestrel
O Menestrel: Parte 2
Enquanto o monstruoso navio negro se aproximava do que restara do esfacelado Donzela Sombria, a apreensão entre os tripulantes só aumentava, mas de uma forma inexplicável o misterioso menestrel mantinha-se sereno como uma brisa matinal. O homem observava tudo com total atenção e no mais absoluto silêncio e, se sentia algum medo com a perigosa situação, não demonstrava qualquer sinal.
— Quantos são? — Ele perguntou ao capitão.
— Não sei ao certo, Menestrel... — Taric respondeu sem jamais tirar os olhos da outra embarcação que se aproximava. — Contei entre setenta e oitenta, mas pode haver mais, deve haver mais. É um navio para no mínimo cem tripulantes.
A preocupação era notória na voz do capitão, e o menestrel ainda não tinha visto o sorridente lesinense com uma expressão tão séria quanto aquela, nem mesmo depois da terrível tempestade que havia arrasado seu adorado navio, ou mesmo a traição de Grabb.
— Quantos homens temos? — o menestrel perguntou a Taric quebrando o momentâneo silêncio.
— Por quê a pergunta? — o capitão virou-se para o homem com uma sobrancelha erguida. — Não está achando que teríamos alguma chance de enfrentá-los nessas condições, está?
— Só acho que devemos estar preparados para tudo. — O cantor respondeu de forma serena.
Taric parecia refletir sobre a pergunta.
— Bem... — ele passou a mão em sua longa barba cinzenta — Acho que temos uns cinquenta em condições de se defender... isso se contarmos com quatro garotos por volta dos doze ou treze anos que ainda cheiram a leite. — De repente Taric encarou o menestrel com um certo olhar de decepção. Havia se afeiçoado ao homem e a sua bela voz, e percebia que dele emanava certa coragem, mas era sabido que a arma de um menestrel era sua voz e não sua perícia em lutar; e por isso não acreditava haver nele habilidades que os ajudassem em uma eventual batalha. — E também há você meu bom amigo, que presumo não ser nenhum exímio espadachim, sem ofensa.
— ESTÃO PRÓXIMOS!!! — Gritou o marujo já descendo do único mastro ainda em pé.
— Não ofendeu. — Respondeu o menestrel com um meio sorriso. — Tentemos o diálogo primeiramente, mas só estou dizendo que não devemos nos furtar a qualquer possibilidade. Quanto a mim, já mostrei que sou um ótimo cantor, se a coisa ficar muito feia, pego meu alaúde e canto uma canção. — Ele tentava quebrar a tensão que já dominava o rosto de Taric, mas o homem não sorriu como o esperado.
— Imaginei que isso pudesse acontecer. Roguei à Cobra Mãe que não permitisse tal situação, mas parece que ela não me ouviu desta vez... Ahhh! Que ela carregue esses malditos para as profundezas!
— Não perca a fé ainda, capitão. Talvez eles nem se interessem pela gente. Afinal, o que temos para oferecer? — O cantor falou na esperança de acalmar o lesinense, mas também desejava que de alguma forma aquilo fosse verdade.
— Talvez você tenha razão sobre isso, rapaz, mas talvez também tenha razão sobre nos prepararmos. Corvos não são exatamente conhecidos por sua bondade para como os necessitados em alto mar. Uma coisa eu digo, se quiserem minha vida... terão que tomá-la! — O capitão deu uma última olhada para o que restava de seu navio, e em seguida voltou-se com o peito estufado para seus homens. Parecia ter sido contagiado pela altivez do menestrel, e agora tentava passar alguma confiança para o caso de o pior vir a acontecer. — PREPAREM-SE, HOMENS!!!
Os que ainda tinham espadas desembainharam-nas com certo receio, o restante armou-se com pedaços de madeira ou qualquer coisa útil que encontravam pelo caminho.
— Talvez possamos negociar! — Interveio Grabb, com a voz assustada ainda em cima da prancha.
— Com o que negociaríamos, traidor? Você sabe muito bem que toda nossa mercadoria foi perdida. — O capitão respondeu sem dar-lhe muita atenção.
— Temos passageiros a bordo, vamos entregá-los como oferta de paz, pode ser que nos poupem! — insistiu Grabb, como se ainda fizesse parte da tripulação, como se ainda fosse o segundo em comando e tivesse voz ativa.
— Não... — Interveio o menestrel em tom sombrio.
— Cale a boca, traidor! Você tem a honra de um rato, e por isso morrerá de uma forma ou de outra! Pelas nossas mãos ou pela dos Corvos! — Vociferou o capitão em apoio ao menestrel.
— Ninguém aqui quer morrer! Não devemos lutar contra eles, não é mesmo, homens?! — Insistiu o condenado, tentando angariar apoio de seus antigos companheiros.
O capitão olhou com desprezo para o pequeno homem e disse:
— Se chegarmos a tal ponto, Grabb, morreremos lutando como homens, e não como covardes, que é o que você é!
Um grande murmúrio se espalhou rapidamente pelo convés acerca da infame ideia de negociar os passageiros, mas o menestrel continuava a observar o lento avançar do grande navio negro. Até que momentos depois o murmúrio foi quebrado por uma voz áspera e rouca vinda da sinistra e imponente embarcação:
— Ora ora ora... O que temos aqui?... Este não é o famoso Donzela Sombria? Ou deveria dizer... Donzela Quebrada?
As gargalhadas ecoaram em uníssono vindas do navio dos Corvos.
O homem que falava estava encostado ao lado de uma feia carranca em formato de monstro marinho na proa do navio inimigo e parecia não ter mais que trinta anos, contudo, claramente era ele quem comandava a embarcação.
Bem jovem para um capitão. Observou Taric.
O homem usava roupas de couro endurecido com placas de metal que lhe proporcionavam certa proteção. Na cabeça um meio elmo redondo com dois longos chifres côncavos o destacava dos demais; que se trajavam semelhantemente ao seu capitão, a não ser pela falta do meio elmo com chifres.
— Quem comanda aqui? — O homem com chifres perguntou.
— Eu!! — Respondeu Taric dando um passo à frente.
— ERRADO!!! ERA VOCÊ! AGORA SOU EU QUEM COMANDA!!! — Bradou o homem com meio elmo. — Quanto a vocês aí nessa banheira velha, lhes darei três opções! — Houve um longo silêncio antes que ele continuasse. — Opção um: Rendam-se agora, entreguem toda mercadoria que ainda tiverem e mataremos apenas dez dos seus. Afinal, meus homens já estão há algum tempo sem matar e isso os deixa gordos e preguiçosos.
— DEIXE-NOS MATAR A TODOS!!!
Alguém gritou de dentro do navio negro.
Houve grande alvoroço entre os tripulantes do Donzela Sombria com aquelas ameaças. Os marujos se olhavam indecisos sem saberem o que fazer. Taric mantinha a mão sobre o cabo da espada em sua bainha, mas a maléfica ideia de Grabb a cerca de entregar os passageiros pareceu desestabilizar seus homens.
— QUIETOS!! — Gritou o corvo de dentro do outro navio. — OPÇÃO DOIS: Resistam! Aí mataremos a metade de vocês e levaremos o restante como escravos para serem vendidos em Skalun. Não é a viagem que mais gosto de fazer, mas nestes tempos de marés baixas... — O homem sorriu dando de ombros e revelando alguns dentes marrons e quebrados em sua boca.
Os homens a bordo do Donzela Sombria pareciam cada vez mais nervosos com as ameaças, e olhavam uns para os outros como se buscassem algum tipo de consenso sobre o que deveriam fazer.
— OPÇÃO TRÊS!
— TEMOS UMA MULHER!!
Quando todos perceberam, Grabb vinha arrastando uma jovem passageira pelos cabelos. Com o total clima de medo e apreensão que dominou os marujos do Donzela, todos acabaram esquecendo a pequena ratazana branca na prancha, e ele aproveitou para dar sua cartada de desespero. Talvez esperasse que o capitão do outro navio o favorecesse de alguma forma com aquela oferenda desesperada.
— Solte-a agora e cale a boca seu maldito, ou cortarei mais que apenas um dedo antes de enfim jogá-lo aos tubarões! — Disse Taric com fúria no olhar.
Sem perder tempo, Menestrel andou até Grabb e o acertou bem no meio do rosto com seu alaúde, deixando todos a bordo com olhares perplexos. A atitude foi rápida e precisa, pois os marujos poderiam fraquejar e aderir ao plano do homem se ele continuasse a falar.
Com o impacto da pancada, o antigo imediato soltou a mulher e caiu no convés com o rosto sangrando e lamentando o ocorrido.
— Quem é este aí que sabe usar o alaúde de uma forma tão interessante? É mesmo um menestrel? — Debochou o homem com elmo de chifres, e todos em seu navio riram com ele. — Talvez eu não o mate, menestrel, gosto de uma boa música, se cantar bem é claro... — De repente ele fixou o olhar na jovem caída — Uma mulher... E já causando tantos problemas? — Ele riu com ar de escárnio. — É um bom começo, mas não resolve a situação, você apanhou à toa, baixinho.
Do chão, Grabb arregalou os olhos com pavor ao perceber que seu plano não havia dado certo.
— Como ia dizendo antes de ser interrompido... OPÇÃO TRÊS: Matamos a todos e queimamos o que restou do navio de vocês. Mas como sou um homem de coração mole... — Ele juntou as mãos sobre o peito em um claro gesto de escárnio e sorriu maliciosamente antes de continuar. — Deem-nos a mulher agora e talvez eu os deixe escolher uma das opções. — Após concluir, sorriu largamente, revelando por fim todo o seu sorriso amarelo.
O medo passeava no rosto de cada homem no convés do Donzela, menos no do Menestrel, que continuava observando tudo com atenção, até que decidiu falar:
— SENHORES!!! — Ele bradou chamando a atenção para si. — Não percebem o que está acontecendo? Não há opções aqui. Morte ou escravidão é o que nos espera! — As palavras do menestrel não pareceram trazer qualquer alento aos homens, mas talvez fosse essa mesmo a intenção.
Aqueles castigados marujos no convés do Donzela Sombria, apesar de já terem se defendido algumas vezes, não eram tão experimentados como corvos do mar; os tão conhecidos ladrões e escravizadores que atuavam há séculos no mar dos deuses. Pelo contrário, os homens do Donzela eram apenas marinheiros com contratos curtos, que embarcavam e desembarcavam mercadorias em cada porto que chegavam. Não bastasse isso, ainda estavam em menor número e com fome. Entretanto, aquele era um momento decisivo em suas vidas, e elas dependeriam tão somente de suas poucas forças e alguma atitude, quesito este que Menestrel tentava impor goela abaixo de cada um ali.
Ainda no chão, Grabb perguntou com voz esganiçada e em um tom desesperado:
— O que sugere que façamos, cantor? Que cantemos pra eles?
O menestrel o ignorou o comentário e se dirigiu ao capitão do outro navio.
— Sei quem são vocês. — falou não dando muita importância para as ameaças do homem que usava elmo com chifres.
— E o que acha que sabe? — O capitão do Terror Negro parecia curioso quanto às palavras do homem com o alaúde.
Naquele momento todos olhavam diretamente para o menestrel.
— No porto de Beymuth não se fala de outra coisa senão do famigerado Terror Negro, que foi tomado traiçoeiramente por um tal Chifres de Touro, que presumo ser este que nos faz ameaças.
— Este é o T-Terror Negro? Mas nós sempre fugimos de suas rotas! — Disse Grabb em tom desesperado.
— Eu ouvi falar do ocorrido... — Taric respondeu como se não houvesse ninguém ali. — Mas achei ser apenas mais uma das muitas histórias dos marujos bêbados. Estamos à deriva há trinta e nove dias, sendo levados para onde as ondas bem quiserem, quais as chances do pior navio dos corvos nos encontrar? Santa Cobra Mãe...
— Este de fato é o Terror Negro, — Interveio o menestrel. — Mas longe de ser sua verdadeira tripulação.
Naquele momento os homens do Donzela olharam para ele.
Enfim havia conseguido a atenção que queria.
— Os verdadeiros corvos, aqueles com quem realmente deveríamos nos preocupar, abandonaram este navio em lealdade ao falecido capitão. O que vejo aqui senhores, não é uma tripulação experimentada... — Ele olhou para o outro navio e apontou com o dedo em riste. — O que vejo aqui são cinquenta escravos remadores, doze garotos inexperientes que fariam bem em não atravessarem para cá, e não mais que trinta marinheiros traidores prestes a encontrar a morte! Por que acham que eles simplesmente ainda não invadiram? Eles têm medo de enfrentar verdadeiros homens aqui no nosso lado! Ao meu ver, meus amigos... — Novamente o menestrel voltou-se para os homens do Donzela. — A vantagem aqui é nossa!
Um silêncio momentâneo instalou-se entre todos, até ser quebrado por um grande som de mais gargalhadas vindas do Terror Negro.
— Mudei de ideia, menestrel. — Chifres de Touro ajeitou o meio elmo em sua cabeça antes de concluir, como se estivesse se preparando para lutar. — Acho que vou matá-lo afinal.
— CHEGA!!! — Gritou Taric com o peito estufado. — Já fui um Corvo do Mar um dia, garoto! Antes mesmo de você ser alimentado pela cabra que o pariu. Reconheço um blefe quando vejo um. Se pisar neste convés, será última coisa que fará! — Depois de falar, o robusto homem puxou novamente sua grande cimitarra com tal desenvoltura que surpreendeu a todos.
O corvo com meio elmo observou o capitão Taric um pouco mais, até que ergueu uma das mãos e um de seus marujos veio até ele com um enorme machado de duas mãos.
— Opção três então... — Ele pressionou a arma entre os dedos. — Pois bem, se é assim que querem... — Ele ergueu no ar a enorme arma antes de concluir. —ATACAR!!!
Houve um grande brado vindo do Terror Negro e logo em seguida dezenas de ganchos foram lançados para dentro do outro navio.
Os marujos do Donzela rapidamente iam cortando os que podiam, mas não estavam sendo rápidos o suficiente, pois em pouco tempo os navios já estavam emparelhados e uma grande batalha estava por começar.
— Fique perto de mim, Menestrel. Taric falou procurando o homem, mas quando se virou, o encontrou abaixado sobre seu alaúde, e pôde ver quando ele em um rápido movimento manipulou o braço do instrumento para traz, revelando um compartimento secreto, de onde duas longas adagas saltaram para fora. Eram um pouco maiores que punhais e um pouco menores que espadas curtas. Ele pôs uma em cada mão e partiu para o ataque deixando embasbacado o roliço capitão.
Uma frenética luta já havia começado no convés, e por algum motivo ainda não havia sido notada a presença do menestrel. Talvez por não o julgarem digno de ser enfrentado, e isso lhe deu a vantagem que queria.
Sua primeira vítima foi um jovem tolo e inexperiente em busca de fama e glória, que já pulava para dentro do Donzela com euforia no olhar. Com um golpe transversal limpo e fluido, o homem cortou sua garganta, fazendo-o sufocar com o próprio sangue.
Em outro rápido movimento o cantor conseguiu desviar-se a tempo antes de receber um golpe de espada na altura da cabeça.
O revide foi instantâneo e inesperado para o seu agressor, que não teve sequer a chance de fugir do contra ataque, pois o menestrel o acertou com uma das adagas em seu pescoço e logo em seguida cravou a outra em sua costela.
O misterioso homem movia-se como um bailarino e fixava o olhar na presa como um tigre.
Para ele, os sons, gritos e tilintares de espadas pareciam uma bela sinfonia, onde ele era o maestro regendo seus letais instrumentos da morte.
Depois de se livrar de mais dois oponentes à sua frente, observou que o capitão Taric estava em uma árdua luta com um homem bem mais jovem, e claramente estava perdendo a batalha.
O menestrel chegou pela lateral do corvo e enfiou umas das adagas em sua costela, até que o homem perdeu as forças e desistiu da luta.
A batalha avançava rapidamente e os mortos iam crescendo em números. Suas lâminas, já banhadas em sangue, refletiam a pouca luz ali existente.
Rios jorravam vermelhos pelo convés do Donzela escorrendo em direção ao mar.
A carnificina parecia que não teria fim tão cedo, mas o menestrel sabia que aquilo tinha que acabar o quanto antes. Se a luta se estendesse por muito tempo, os homens logo perderiam o ânimo diante do maior número apresentado pelo inimigo.
Ele havia jogado todas as fichas quando incitou os marujos àquela situação. Se pelo menos metade dos rumores que ouvira no porto acerca do Terror Negro fosse realmente verdade, bastava matar o homem certo para que o restante dos corvos perdesse a coragem; e foi nisso que ele apostou quando instigou Chifres de Touro a invadir o navio.
Tenho que cortar a cabeça.
Com suas armas em punho, o menestrel avançou rasgando homens pelo convés a fim de chegar ao Chifres de Touro; e ele o encontrou com o longo machado de duas mãos abrindo ao meio um dos marujos do Donzela.
— CHIFRUDO!!! — Ele gritou chamando sua atenção. — Não queria que eu cantasse para você? Venha, vou mostrar-lhe uma canção bem especial!
Chifres de Touro viu o menestrel e apontou o grande machado na direção dele somente com uma das mãos.
— Estava à sua procura, cantor! Ou seja, lá quem for você! Venha, vou lhe ensinar a se pôr no seu lugar!
O homem partiu com fúria e desferiu um potente golpe com as duas mãos para cima do menestrel, o fazendo saltar bem longe.
O próximo golpe veio pelo meio e o ágil homem tentou defendê-lo com as adagas cruzadas, mas foi lançado ainda mais longe com o impacto.
O corvo do mar lançava lhe repetidos golpes potentes, e o menestrel tentava apará-los com as armas, mas não estava obtendo sucesso. Seus braços começavam a doer com cada novo impacto aparado com suas pequenas armas.
Tenho que encontrar outra maneira.
E ele tinha razão. Quando estava frente a frente com chifres de touro, percebeu que o homem era bem mais alto que ele e tinha uma força descomunal nos braços. Sabia que não poderia manter a luta por muito mais tempo se o oponente continuasse a desferir seus fortes golpes, foi então que mudou de estratégia.
Ele desviou do próximo golpe, e do outro, e do outro, e de mais outro; tantos quanto pôde desviar.
— Lute seu covarde! Venha!! Vou enfiar esses seus espetinhos no seu cu de bailarina!
Após proferir as ofensas, Chifres de Touro já arfava de cansaço, ainda assim seguia golpeando ferozmente.
Menestrel também seguia com sua dança muito bem coreografada desviando a cada novo golpe. Começava a achar que o homem jamais se cansaria golpeando daquela forma. Entretanto, os braços dele se demoraram um pouco mais no chão antes que pudesse erguer seu pesado machado novamente depois do último ataque. Talvez aquela brecha fosse o melhor que pudesse arranjar; a oportunidade que tanto esperava, e quem sabe a única.
Ao baixar sua longa e pesada arma, Chifres de Touro expôs um pouco da pele do pescoço, entre o couro endurecido e o meio elmo com chifres. E foi lá que o ágil homem o acertou, enfiando uma das adagas até somente o cabo ficar visível.
Chifres de Touro, em desespero largou seu enorme machado, caiu de joelhos e pôs as mãos no ferimento, tentando em vão estancar os jatos de sangue que jorravam sem parar.
O menestrel abaixou-se e pegou o machado rapidamente.
O homem ajoelhado à sua frente o olhou com olhos vermelhos de sangue e ar de súplica e medo. Ele tirou uma das mãos do ferimento e a levantou como se tentasse impedir o golpe que estava por vir. Sua atitude já não era tão ameaçadora quanto antes, e sua expressão era como a de alguém prestes a chorar.
Todos sentem medo.
O movimento horizontal foi rápido, forte e limpo, decepando tanto a mão quanto a cabeça do homem, que rolou pelo convés.
O menestrel largou o machado, andou até a cabeça, abaixou-se e a pegou. Depois a ergueu bem alto e gritou:
— ACABOU!!!
Ao verem aquela grotesca cena, todos pararam de lutar e se voltaram para o menestrel.
E como ele previu, os primeiros a largarem as armas foram os escravos. Alguns deles começaram a pular de volta para o Terror Negro de tanto medo.
Em seguida os marujos mais jovens também largaram suas armas, e logo após, os marujos experientes começaram a trocar olhares indecisos entre si.
Quando o primeiro dos marujos enfim largou a arma, aos poucos o restante também o fez.
— AAAHHHH!!! — Gritaram todos os que ainda estavam vivos no Donzela Sombria, e em seguida foram pegar as armas caídas dos seus oponentes.
Vendo que a situação já estava controlada, o menestrel largou a cabeça no convés, abaixou-se junto ao seu alaúde, lentamente limpou suas armas e em seguida as pôs de volta no compartimento secreto de seu instrumento.
A cena que havia deixado atrás de si era muito pior que todos os males que a tempestade havia causado.
Capitão Taric Monderout foi na direção dele com o rosto estático e estupefato, o olhando fixamente meio sem acreditar em tudo o que havia visto.
— Quem é você, rapaz? De verdade. E não minta pra mim.
Ainda ajoelhado, o menestrel olhou para Taric com o rosto meio encoberto por sangue, sorriu com seu já habitual meio sorriso, que agora estava vermelho e respondeu:
— Apenas um menestrel, meu querido capitão... — Ele se ergueu e encarou o homem olho no olho antes de concluir. — Agora temos nossa saída deste lugar.
Taric Monderout tentou responder, mas a perplexidade parecia ter engolido suas palavras.
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