Derick


Verdade ou Mentira



Ocharco fedorento e inundado de lama, aliado a densa vegetação rasteira, tornavam arrastados os já cadenciados passos de Marec Benneton. Em meio aos sombrios e robustos eucaliptos que permeavam seu caminho, o homem caminhava sozinho há mais de uma hora, e a cada passo que dava começava a se perguntar se realmente havia tomado uma boa decisão ao aceitar aquele tão perigoso convite.

Apesar de não passar do meio dia, ali, embaixo daquelas altas árvores frondosas, sob suas soturnas e angustiantes sombras, uma tênue escuridão, misturada com um impertinente mormaço o envolvia por completo, tornando o claro dia quando ali chegou, em um inesperado anoitecer, fazendo-o acender a tocha deixada à beira da praia para que ele usasse; como recomendado na mensagem

Grilos cantavam por todos os lados, pássaros batiam suas asas nas copas das árvores, sapos coaxavam à beira de um sinistro lago mais ao fundo, e em sua mente alguma cobra venenosa a picaria a qualquer momento; um sentimento de total impotência ante àquele perigoso lugar começava a dominá-lo. E não era para menos, à oeste de Kimuth, os Pântanos Abandonados não tinham aquele nome à toa. Era um lugar inóspito e inabitado, onde somente os mais necessitados humanos se arriscariam a morar.

Contudo, era o lugar perfeito para não ser encontrado, se esse fosse o objetivo, e no caso de Salazhar Mouth, não havia nada que ele quisesse mais naquele momento.

Marec não sabia ao certo o que estava fazendo ali. Não tinha certeza se ainda acreditava nas promessas do astuto homem, e lutava contra a ideia de matá-lo e entregar sua cabeça aos unificados, para quem sabe, ganhar a simpatia de Benaffar Binn, que no seu entender, era quem estava à frente de tudo o que estava acontecendo. Mas ao refletir sobre a questão, decidira que ao menos iria ouvir Salazhar, pois apesar de tudo, até ali ele não havia falhado com sua palavra. Prometera que o tiraria da função de um simples soldado e o alçaria a capitão, e ele cumpriu; assim como também financiou a compra de especiarias para que começasse a negociar no porto, como fazia sua família no passado. Definitivamente devia ao homem pelo menos a chance de explicar tudo o que estava acontecendo.

Marec havia amarrado um lenço preto em volta do rosto a fim de se proteger dos insetos, deixando somente seus olhos livres para poder enxergar. Não tinha vindo de armadura, mas por baixo do gibão azul havia uma cota de malha leve e resistente. Na cintura carregava uma espada curta e nas costas uma faca bem afiada. Esperava não encontrar qualquer cilada ali, mas seu espírito militar sempre o compelia a estar alerta em todas as situações.

Não acreditava que o sorridente e pacato Salazhar o atraísse até ali apenas para lhe fazer mal, talvez apenas quisesse algum tipo de ajuda para fugir para mais longe ou algo assim, já que os Pântanos Abandonados ainda se mantinham nos limites de Kimuth, e aquilo era bem perigoso para o homem mais procurado de Valanthar naquele momento.

Benneton não sabia dizer ao certo o porquê do tal Binn querer tanto colocar as mãos em Salazhar, chegando ao ponto de até oferecer uma bela quantia para quem o trouxesse com vida.

Marec desconfiava que tinha a ver com Ronnar Kharbrook, mas algo lhe dizia que havia mais por trás de tudo o que estava acontecendo. O fato era que somente saberia do que se tratava quando o encontrasse pessoalmente, se é que realmente o encontraria.

Só pode ser ali...

Marec pensou ao enxergar a peculiar pedra escura que lembrava um homem de braços abertos onde a mensagem dizia para ele esperar, o lugar era conhecido como O Homem do Pântano.

Ele parou há alguns metros de distância e observou em todas as direções, até que concluiu que não havia ninguém. Então aproximou-se um pouco mais da pedra e perguntou em um tom não muito alto:

— você está aqui, Mouth? — Não houve resposta, o que o fez perguntar outra vez: — Salazhar, onde está você?

— Bem ao seu lado.

A inesperada resposta da macia voz de Salazhar Mouth o fez pular para trás assustado e já com a mão na espada.

— Pelos Antigos, homem! Quer me matar do coração? Há quanto tempo estava aí?

Salazhar sorriu.

— Estive com você o tempo todo, desde que desceu do barco. Realmente não achei que viria sozinho, mas não estou surpreso, sei que és um homem corajoso. — Concluiu com um de seus habituais sorrisos maliciosos.

Marec observou Salazhar dos pés à cabeça. O homem vestia uma túnica verde musgo e um capuz feito com folhas entrelaçadas, e os pés estavam descalços para não fazer qualquer barulho. A olhos menos atentos seria impossível notar aquela criatura num lugar como aquele. Não era de se admirar que Benneton não o tivesse visto.

— E por que não se revelou para mim há mais tempo? Achei que estivesse perdido.

— Passar despercebido é o meu negócio. Além do mais, só queria ter certeza de que havia vindo sozinho.

— Não confia mais em mim?

— Ora, Marec... Não sejamos tolos... Nossa relação nunca foi baseada em confiança, pelo contrário, só nos ajudamos por que ambos esperávamos receber algo em troca. Graças a mim, você alcançou um patamar mais elevado e reouve boa parte do que sua família perdeu no passado, enquanto eu não obtive nada em troca.

— Você nunca foi muito claro quanto às suas pretensões, e quanto a mim, não sou ingrato com quem me ajuda, mas a verdade é que não alcancei tudo aquilo que queria, e acho bem improvável que agora alcance, já que nossa melhor aposta acabou sendo assassinada dentro de seu próprio castelo. O que me faz perguntar: como você ainda acha que conseguirá cumprir o que prometeu?

— Em algum momento aquela criatura acabaria morrendo... E quanto ao seu cargo de general, só depende de você. Nem tudo está perdido.

— O que quer dizer?

— Venha comigo, quero lhe apresentar alguém e lhe mostrar algo. — Após falar, Salazhar pôs-se a andar. — Você não vem?

Marec Benneton viu que não tinha outra alternativa a não ser seguir o misterioso homem.

Algum tempo depois, ambos se encontravam em frente a uma precária cabana meio escondida entre juncos e lama. Mouth seguiu à frente pisando exatamente nos lugares onde existia tábuas de madeira submersas pela água escura.

Benneton foi atrás do homem, colocando seus pés com todo o cuidado em cada uma das tábuas. Em pouco tempo ambos estavam diante da entrada do lugar.

— Deixe que eu falo. — Disse Mouth.

Mesmo sem entender o que se passava, Marec assentiu.

Salazhar abriu a porta e uma tênue luz de lamparina escapou lá de dentro, e depois de alguns instantes ele chamou o capitão kimutita.

Ao adentrar, Benneton viu que ao fundo do lugar havia uma figura sinistra sentada em uma cadeira com grandes rodas de madeira. Era um ser atarracado e inerte, e ao primeiro olhar parecia estar morto.

— Quem é esse aí? Ou era?... — perguntou esperando uma confirmação de seus pensamentos.

Salazhar andou até a figura no final da cabana e se ajoelhou ao lado dela. Em seguida olhou diretamente nos olhos de Benneton e disse:

— Venha aqui, quero que conheça Salazhar Mouth.

O capitão arregalou os olhos.

— Do que está falando, homem? Ficou louco de vez?

De repente, o ser na cadeira, como se tivesse voltado a vida, olhou para Salazhar e falou:

— Você não disse que ele ia cooperar?

A voz do homem era arrastada e calma, e um forte pigarro a tornava assustadora.

Está vivo...

De repente Mouth levantou-se.

— Marec, este é meu irmão gêmeo, Salazhar Mouth... O verdadeiro.

— Como assim o verdadeiro? — o capitão perguntou com os olhos sobressaltados — Se ele é o verdadeiro Salazhar Mouth, quem é você afinal?

O misterioso homem que Benneton sempre achou ser Salazhar Mouth, olhou para a criatura na cadeira e depois olhou de volta para o capitão.

— Eu sou Ellanor Mouth... Mas para você, que é meu amigo, pode ser apenas Ellan...

O kimutita ficou em silêncio, como se estivesse absorvendo toda aquela informação. Não sabia o que pensar sobre o que estava se passando ali à sua frente, e seu olhar de incredulidade parecia que anunciaria sua próxima fala:

— Isso é algum tipo de piada? Alguma brincadeira sem graça apenas para me tirar do sério? Não está dizendo que me trouxe aqui no meio desse pântano cheio de insetos, cobras, crocodilos, e sabe-se lá mais o quê, apenas para me falar algo assim sem sentido, está? Qual o propósito nisso, Salazhar?

— Realmente precisamos dele? —Perguntou o homem decrépito cravado na cadeira, como se Marec nem estivesse ali. Sua voz saíra como uma lufada de ar arranhando sua garganta, mas o capitão entendeu perfeitamente a indagação.

— Sim, irmão. — Respondeu Ellan sem olhar para o homem na cadeira. — Mas não se preocupe, ele também precisa de nós.

— Então é mesmo verdade? São realmente irmãos gêmeos?

— Já disse que sim. — Respondeu Ellan.

— E por que não consigo notar a semelhança? — Marec tinha um quase imperceptível sorriso sarcástico ao fazer a pergunta.

— Ela fez isso comigo... — Disse o verdadeiro Salazhar de sua cadeira.

— Quem fez o quê com você? —Perguntou Marec com a sobrancelha arqueada.

— Aquela maldita cidade. — Respondeu Salazhar. — Mas ela irá pagar.

— Do que ele está falando, Sala... Quer dizer, Ellan; isso é tão esquisito.

Ellan se levantou.

— Um dia meu irmão foi um orgulhoso cavaleiro brunista, assim como você tem orgulho de servir Kimuth, meu querido amigo. Ele serviu aquela cidade com todo amor e devoção que podia, mas quando nossa amada mãe estava muito doente e prestes a morrer, ele foi até o quartel a fim de pedir uma audiência com o importante general Malakar Jones, para falar sobre o assunto e pedir algum tipo de ajuda, mas por alguma desculpa qualquer, ele sequer conseguiu ser recebido. Então, vendo-se sem recursos para poder contratar um curador e ajudar nossa mãe, vendeu seu cavalo do vento por um bom preço, e acabou colocando um mestiço no lugar... Meu irmão não conseguiu ser recebido pelo importante general quando mais precisou, mas como já imaginava, o assunto sobre o cavalo acabou chegando aos ouvidos de Malakar Jones, que agora tinha tempo para punir um ladrão... Meu irmão foi expulso da cavalaria e jogado em uma cela escura por um longo tempo. Então, ao sair de lá, ele tentou novamente falar com Jones para explicar tudo o que havia acontecido, mas quando o homem soube que o tinham libertado, logo mandou prendê-lo novamente. Contudo, ao invés de apenas fazerem cumprir a palavra de Jones, dessa vez seus homens o espancaram até quase morrer. Graças a Ronnar Kharbrook ele sobreviveu, como pode ver, mas já não era mais o mesmo. Lhe tiraram os movimentos das pernas, entortaram sua coluna, tiraram sua dignidade e futuro... O que está vendo hoje, meu amigo, não é mais meu irmão, como ele costumava ser, agora o que está vendo são fragmentos de um filho que apenas tentou ajudar sua mãe moribunda e recebeu destruição em troca.

— Pela Cidade Mãe... — Marec olhou para Salazhar ao ouvir o sussurro que saía de sua boca. — Foi o que os meus ex-companheiros falaram depois que terminaram de fazer isso comigo... Pela Cidade Mãe...

Marec não tinha palavras depois de ouvir tudo aquilo, então apenas permaneceu em silêncio.

— Sei que você não deve estar dando a mínima pra tudo o que te contei aqui hoje, Marec Benneton, e talvez até esteja certo. Você é o tipo do homem que bem seria capaz de vender a própria mãe a um bordel se ele pagasse bem. — Nesse momento o capitão kimutita mordeu os lábios e apertou o cabo de sua espada, mas por algum motivo não a tirou de lá. — Contudo, acho que isso deve ser encarado como uma qualidade, creio eu; já que sei bem o que é capaz de fazer para alcançar seus objetivos.

— Meus objetivos podem estar mudando nesse momento, Ellan Mouth... Não pense que me conhece assim tão bem.

Ellan sorriu.

— Acha mesmo que não considerei a possibilidade de você vir aqui e me levar diretamente a Benaffar Binn? Sim, claro que poderia fazer isso, mas e depois? Pegaria suas... Sei lá... Quanto acha que ele te daria?...

— Cem moedas de ouro... — Marec respondeu em tom sombrio.

— Sim, ouvi falar... Uma bela quantia, eu admito... Mas isso aplacaria sua sede pelo poder? Ou traria ressarcimento contra os Finley por tudo que te roubaram?

Naquele momento Marec desfez a carranca e tirou a mão do cabo da espada.

— Você tem pouco tempo de me convencer do contrário.

— Ah sim... O intimidador capitão kimutita... — Mouth sorriu. — Pois bem, uma parte do que disse que ia fazer por você, já fiz, agora falta a outra. — Nesse momento Salazhar Mouth tirou de dentro de seu roupão encardido, um peculiar objeto que emitia fracas luzes multicoloridas e que dançavam por toda sua superfície em movimentos aleatórios.

— Pelos Antigos! Então foi você que o roubou?

— Para a Fé Antiga era apenas um objeto de veneração, algo que eles acham que os próprios Antigos lhes deixaram... Mas eu acredito que isso é uma chave, uma chave que abrirá portas que nunca mais poderão ser fechadas... Portas de poder.

— Eu já sabia que estava me arriscando ao vir aqui, pois você é o homem mais procurado de Kimuth, mas agora isso... Você roubou o símbolo máximo da Fé Antiga... És realmente louco! Quando souberem disso não será só em Kimuth que será procurado, mas sim em toda Valanthar e também em Dohan!

— Não se preocupe com isso, Marec, se você não contar, eu também não vou. Aqueles fanáticos sempre a tiveram em seu poder e nunca a utilizaram, agora eu lhe darei um propósito melhor.

— Mas afinal de contas, que porta de poder essa "chave" abriria?

— Essa é a grande questão... — Disse Ellan Mouth enquanto se dirigia até a cama de palha para pegar algo comprido envolto em um pano. Em seguida ele desembrulhou o que havia lá dentro, e logo os olhos de Marec Benneton sobressaltaram ao ver que era a lendária espada régia.

— Então ela estava em sua posse todo esse tempo? Você apenas estava jogando conosco?

— Na verdade a obtive há pouco tempo, mas isso não vem ao caso. O que precisa saber é que essa arma não é apenas uma espada sem fio, feita de um material desconhecido e de pouca utilidade quando o assunto é uma luta, como todos sempre pensaram. Na verdade acredito que ela nunca foi uma arma em sua essência, e sim um receptáculo para o que realmente a faz funcionar. — Com a espada na mão, Ellan Mouth foi até o irmão, pegou o objeto brilhante e o encaixou numa pequena abertura no cabo da arma. Naquele momento a espada se acendeu como se fosse uma tocha; a tocha mais brilhante que qualquer homem já houvesse visto. Todo o ambiente dentro da cabana se iluminou como se fosse o mais claro dia. Então Marec pôs uma mão sobre os olhos e fitou os irmãos, podendo enfim notar a semelhança entre eles. Apesar da carne no rosto de Salazar Mouth ter recuado para dentro de sua face e seu olhar ser frio e cruel, diferentemente de seu irmão, era inegável a semelhança entre ambos. — As lendas são um monte de baboseiras Marec Benneton, nisso sempre concordei com você. Elas apenas são criadas para aumentar os feitos dos homens, que na maioria das vezes não são tão grandes quanto os fazem parecer. — Ellan dizia enquanto a espada tremia e brilhava em suas mãos. — O que acredito que Mércino Liann fez no passado, foi apenas ver o óbvio que ninguém viu: ele de alguma forma conseguiu retirar o dispositivo que a ligava, fazendo assim que ela apenas se desligasse. — Marec permanecia atônito diante de todos aqueles estranhos eventos que aconteciam à sua frente. — Uma coisa tenho que concordar com a história. — continuou Ellan. — O poder corrompe, causa inveja e até atrito entre os mais chegados irmãos. Isso eu acho que realmente deve ter acontecido com os lendários Brunne. Mas o fato é que ao remover o objeto de seu lugar original, Liann acabou com a fonte do seu poder, e está claro que ele não devolveu ao seu dono, pelo contrário, de alguma forma este objeto acabou indo parar nas mãos daqueles fanáticos, que esperam há séculos que os Antigos retornem dos céus e se tornem os eternos reis da terra; como disse: fanáticos.

— Não está me dizendo que agora também acredita em toda aquela baboseira de exército de pedra, está? O que você realmente pensa que é esse objeto? O que acha que vai conseguir? — Perguntou Marec.

Ellanor sorriu.

— Quer saber de uma grande verdade, Marec Benneton? Até onde me lembro, eu sempre fui a pessoa mais cética e pragmática que tenho notícia, e quando me envolvi nessa arriscada trama de roubar a espada, eu tinha um único objetivo: devolvê-la ao homem que me contratou para fazer isso.

— De que homem está falando? Quem te contratou para roubar a espada?

— O homem que matou seu Dominante, o homem a quem ninguém nunca deu importância, o que atua nas sombras há muito tempo, e talvez, o homem mais poderoso de Valanthar... Benaffar Binn. — Ellan fez uma breve pausa. Parecia querer ouvir o que Marec pensava sobre tudo aquilo, mas o homem não falou, apenas manteve se em silêncio e com uma expressão de quem ainda estava digerindo tudo o que acabara de ouvir. — Não faz diferença agora, há muito tempo decidi que não a entregaria a ele. — Salazhar sorriu. — Foi então que me surgiu outra ideia, uma ideia que meu irmão não gostou de maneira nenhuma. Mas por um tempo eu o fiz enxergar que era o melhor a se fazer. Eu entregaria a espada a Rikkar de Brunne para ganhar seu favor. Todos sabem que um Brunne tem mais direito de reinar que qualquer outro, sobretudo acima dos traidores que trouxeram o caos para Valanthar. Eu nunca tive dúvidas que se o garoto tivesse a espada, ele ganharia essa guerra sem tantas dificuldades, pois é fato que ela é objeto de adoração de todo valantariano. Assim eu seria muito bem recompensado por ter ajudado o rei a retomar seu trono, e por consequência teria o suficiente para viver muito bem com meu irmão até o fim dos meus dias.

— E por que ainda o vejo aqui, em um pântano fedorento e com seu irmão aleijado?

Salazhar sorriu.

— Por que meu irmão, meu amado irmão aleijado, sempre teve mais visão que eu, e me fez acreditar que todos queriam a espada pelo mesmo motivo: por que ela tem poder. Mas não apenas o poder de inspirar, e sim um poder real, um poder há muito escondido, e que meu irmão aleijado me fez acreditar quando insistiu que eu roubasse essa antiga joia que aqueles fanáticos jamais souberam o que realmente era. E quando unimos a joia a espada pela primeira vez, nós vimos, sentimos, possuímos... Havia poder ali. Um poder real, há muito adormecido, mas que agora estava ao nosso alcance. Foi então que nossos planos mudaram outra vez. Eu não a entregaria àquele sorrateiro homem, eu não a entregaria ao garoto Brunne... Definitivamente não. Eu agora a manteria no mesmo lugar em que está, eu a manteria conosco, para que juntos, eu e meu irmão aleijado, descobríssemos do que ela realmente era capaz. E o que vier acontecer depois disso, poderá ser uma verdadeira frustração e perda de tempo, ou a glória, para nós e para aqueles que estiverem ao nosso lado.

— O que essa espada e esse objeto fazem afinal além de brilhar? Acredita mesmo que irá levantar do chão um exército de pedra para massacrar a humanidade?

— Não pretendo massacrar ninguém, meu amigo, pelo contrário, pretendo apenas tornar o mundo um pouco melhor. Como você mesmo viu, Já temos uma pequena amostra do que essa espada é capaz, quanto ao seu real poder, só quando chegarmos lá saberemos.

— Lá onde? — Ao fazer a pergunta, o kimutita enfim se deu conta que a espada trepidava constantemente e parecia apontar em uma mesma direção. Sul...

— Partimos amanhã para Truski. A espada quer nos levar a algum lugar, quer nos mostrar alguma coisa, então não podemos mais nos demorar aqui, apenas precisava vê-lo antes de partir.

— Afinal de contas, por que me trouxe aqui? Já conheci seu irmão e vi que têm uma espada brilhante, mas como ela vai nos ajudar de alguma maneira? Talvez o melhor para mim seja realmente levá-lo a Benaffar Binn. Pode até ser que tenha razão em dizer que o que vou ganhar não seja muito, mas é mais concreto que seu bonito brinquedo luminoso. — Após falar, Marec Benneton sacou sua espada e foi em direção a Ellan Mouth. — Venha comigo por bem, não quero machucá-lo.

Contudo, antes de Marec alcançá-lo, Ellan andou para trás e ficou bem próximo ao seu irmão, que ao contrário dele, tinha uma expressão furiosa no rosto; e como se a espada tivesse respondido ao impulso do homem na cadeira, sua ponta foi em direção ao chão, fazendo tudo embaixo de seus pés trepidar e em seguida tremer, causando um grande espanto em Marec Benneton.

Ellanor olhou maravilhado para a espada. Era como se ainda não tivesse visto aquilo acontecer.

— Está vendo, capitão? Há poder nesta espada, mas o que realmente é e como se faz para dominá-lo, só quando chegarmos ao nosso destino saberemos.

Outra vez Marec guardava sua arma.

— E acha que vai conseguir descobrir? — ele perguntou ainda com uma expressão assustada.

— Tenho certeza.

— E depois, vai destruir de vez Beymuth e todos que viverem lá, como seu irmão parece querer?

Ellan olhou para Salazhar.

— Meu irmão terá sua vingança, mas não a custo de vidas inocentes. Todos aqueles que de alguma forma tiveram envolvido com o que aconteceu com ele, pagarão. Mas meu real intuito é restaurar a ordem das coisas, destituir os déspotas de seus tronos e dar mais igualdade ao povo, para que mães, pais ou filhos não tenham que sofrer as consequências da desigualdade entre as classes. Só quero um mundo melhor.

Naquele momento Marec Benneton não pôde deixar de perceber que o olhar de Salazar Mouth continuava tão cruel como quando chegou.

— Entendi... Então você quer se tornar o rei do mundo, apenas repetindo o que todo homem tende a fazer quando alcança o poder. Eu não o culpo, afinal, como você mesmo disse: o poder corrompe, e pra mim está claro que você já foi corrompido por ele, mesmo ainda não o tendo alcançado. Mas o que o faz pensar que não posso pegar essa arma eu mesmo e ir até Truski para fazer isso?

— Ah, Marec Benneton... Eu não o escolhi por acaso. Claro que estava ciente de quem você era desde a nossa primeira conversa, mas também deduzi que saberia quem sou.

— E quem você é?

— Ninguém em especial, mas com certeza não sou um tolo. — Após falar, Ellan Mouth assobiou. Foi quando pelo menos uma dezena de homens muito bem camuflados apareceu de diversos lugares diferentes fora da cabana. — O chamei aqui por um único motivo, Benneton... Preciso que tome Kimuth e a guarde para mim. Quando voltar, derrubarei todas as muralhas em todos os territórios e os tornarei apenas um só, o maior domínio já existente. Mas ainda assim precisarei de homens confiáveis para me ajudar a governar em todos os lugares. Isso evitará milhares de mortes Inocentes, e você ainda alcançará um lugar bem mais alto que apenas comandar o exército kimutita.

Marec olhou com cautela em todas as direções antes de responder.

— Homens confiáveis? Acho que já está bem claro que não confiamos um no outro.

— Confio no poder que posso te oferecer, e confio ainda mais no meu poder de tirá-lo de você, caso venha precisar.

— Você apenas quer um capacho.

— Poderia ter escolhido qualquer outro, mas escolhi você, assim como escolhi Ronnar Kharbrook, apesar de meus planos não terem dado certo com ele. Não quero massacrar os povos, Marec, quero retornar e encontrar todos os portões abertos, mas infelizmente não consegui fazer isso em Beymuth, então preciso que me ajude a não ter que cometer atrocidades aqui em Kimuth. Agora entende por que o escolhi? — Benneton não respondeu. — O escolhi por um motivo: sei exatamente o que você quer.

Marec fez uma breve pausa antes de responder.

— E se eu não fizer o que está pedindo?

— A decisão é sua. Você pode vir a se tornar o próximo administrador de Kimuth ao nosso serviço, ou apenas mais um corpo no caminho do progresso. De qualquer forma a decisão é sua.

Marec ficou pensativo por um momento, e no final apenas disse:

Ainda que eu considerasse uma loucura dessas, como eu faria para dominar a cidade?

— Você não precisa dominar a cidade, só precisa dominar o castelo.

— Ainda assim não seria fácil. Há dezenas de soldados dentro daqueles muros.

— Em breve não serão muitos. Logo eles partirão para a guerra e precisarão de cada braço para segurar uma arma. Você tem centenas de soldados fiéis a você, não seria algo tão difícil. Além do mais, não seria para sempre, seria somente até eu voltar a Valanthar.

Marec torceu os lábios em um gesto de apreensão, mas não respondeu nem sim nem não.

— Tenho permissão para ir?

— Sempre teve.

O capitão kimutita se virou sem nada mais falar e começou a andar para longe daquele lugar, mas antes de enfim sair dali, não pôde deixar de notar uma última vez o olhar cruel do sinistro homem cravado na cadeira.



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