Derick



Pequeno Problema



Havia mulheres com singelos vestidos cinzas andando para lá e para cá dentro do amplo quarto requintado. Todas realizavam diversos afazeres que iam desde varrer o aveludado carpete marrom que encobria todo o chão, a bater com pequenas tábuas de madeiras nas pesadas cortinas pretas a fim de lhes tirarem a poeira.

Aquela sonora agitação já se estendia há um bom tempo, mas ainda assim, mesmo com todo aquele movimento dentro das quatro paredes, incrivelmente Derick Lancaster recusava-se a acordar.

O peso de toda responsabilidade, receio, dever e honra, parecia ter se juntado ao forte vinho da noite anterior, que o derrubou para além do que um dia podia imaginar.

Ainda que não admitisse, sabia que seu corpo ansiava por aquele longo descanso, mesmo que fosse uma imprudência por estar totalmente desprevenido em território hostil. Contudo, todo aquele aconchego embaixo das cobertas estava prestes a acabar, pois mal sabia que naquele momento entrava no quarto mais duas serviçais, essas, exclusivamente treinadas na arte de ajudar seus mestres a se recomporem.

Concisas e silenciosas, as obstinadas mulheres começaram sem rodeios a fazer o trabalho que lhes fora imputado.

Foi quando enfim Derick sentiu um leve puxão na barra de suas calças, e então pôde notar que havia uma delas tirando suas roupas sem qualquer aviso, aquilo o pegou desprevenido e em um salto ele levantou resmungando:

— Ahhh... Minha cabeça... Quem são vocês?... O-O que estão fazendo?

Ele não imaginava que acordaria com tamanha ressaca. Estava acostumado a beber vinho por toda sua vida, mas definitivamente aquele que lhe serviram na noite passada o derrubou como um nocaute.

As mulheres arregalaram os olhos assustadas com a reação dele.

— O D-Dominante o aguarda senhor, precisamos prepará-lo o quanto antes para que o encontre. — Disse a que estava tentando trocar suas calças, notadamente envergonhada por ter sido pega durante o ato.

Derick levou as mãos à nuca e fechou os olhos com uma expressão de desconforto.

— Maldito Benaffar... o desgraçado me enganou com aquele vinho doce. — Sussurrou para si mesmo.

Alheias aos murmúrios do homem, as mulheres decidiram se aproximar a fim de continuarem seu trabalho, mas ele ergueu a mão e as interrompeu.

— Não se preocupem, posso me vestir sozinho, se não se importam.

— São ordens, meu senhor, temos que fazer, senão seremos punidas.

Derick sentou-se na cama. Sua cabeça girava tanto que ele nem sabia por onde andava o restante de suas roupas. Até que concluiu que não teria condições de se vestir sozinho e nem queria causar qualquer problema às mulheres, por isso fez uma expressão desconcertada e disse:

— Tudo bem então, façam seu trabalho.

Depois que elas terminaram de vesti-lo, ele se levantou e caminhou cambaleante até a porta. Sua cabeça ainda girava e seus passos teimavam em se alinhar, mas havia um compromisso com o Dominante de Beruhim e decidira que estaria lá a qualquer custo.

Assim que pegou na maçaneta e abriu a porta, sentiu vertigem, pois notou que o quarto estava a muitos metros do chão. Ele deu um passo nervoso para trás e se escorou nas paredes; só então pareceu perceber os dois guardas com mantos negros do lado de fora.

Perguntou a si mesmo se haviam acabado de chegar ou se estavam ali a noite toda o vigiando para que não fugisse.

A julgar pela insinuação que Benaffar Binn havia feito sobre a esposa de Ermeneu Dovant na outra noite, a segunda opção parecia ser a mais plausível.

Ainda escorado à parede, Derick lançou um sorriso tímido e disse:

— Bom dia, senhores!

Os guardas sequer o olharam, e um deles apenas virou-se para a esquerda e começou a andar. O Beymutita entendeu que o devia seguir e foi exatamente o que fez, mas sempre com uma das mãos tocando a parede só por segurança, enquanto o outro soldado o acompanhava bem de perto.

A luz do sol refletia brilhante no gramado úmido quando se aproximaram do pátio do castelo, e ele observou mais ao fundo que havia uma área toda de madeira, com inúmeras figuras de homens com lanças entalhadas nas pilastras, e no centro do lugar, havia uma mesa com uma enormidade de pratos diferentes.

Ao chegarem lá, Derick notou que uma meia mureta branca servia de base para as colunas, que além de serem de madeira, também eram trabalhadas em estilo truskini. Elas sustentavam o teto cônico coberto por pequenas telhas pretas.

Mais abaixo, no piso inferior, dezenas de imensos vasos com plantas vermelhas pontiagudas alinhavam-se com perfeição nos caminhos que entrecortavam um dos belos e imensos jardins do castelo da conquista.

O lugar inteiro era muito bonito e aconchegante, e apenas Nêmenas K'leut e Benaffar Binn estavam sentados lá, mas em todo o entorno havia pelo menos uma dúzia de guardas em pé com enormes lanças.

O Dominante usava um tipo de colete de couro fervido, ornado com tiras de metal brilhante. Seus cabelos brancos, geralmente soltos e desgrenhados, agora haviam sido presos por um elástico no alto de sua cabeça, e Derick percebeu que na raiz ainda existia uns poucos fios pretos resistindo ao tempo. Por um momento nem parecia ser o mesmo homem que conhecera no primeiro dia. Ele encarou Derick com um sutil sorriso no rosto e fez um aceno para que se sentasse.

O Beymutita aproximou-se, curvou-se e sentou-se meio cambaleante.

— Estou vendo que Benaffar fez uma nova vítima! — O Dominante falou emitindo sons, que Derick não conseguiu distinguir se eram risos ou rugidos. — Há anos tento vencer este homem em seu próprio jogo, rapaz, e confesso que já desisti. Hahaha! Mas diga-me, conseguistes dormir bem?

Binn também sorriu, assim como o Dominante, mas de forma mais contida.

A verdade era que dormir não havia sido problema para Derick, mas o acordar estava sendo infernal. Entretanto, ele apenas limitou-se a dizer:

— Perfeitamente, meu senhor.

— Tome isto. — Disse o Dominante, de uma forma que mais parecia uma ordem que uma gentileza.

Derick pegou a taça que lhe foi oferecida e olhou desconfiado para o seu interior. Havia uma espécie de líquido marrom meio viscoso que sem dúvida não sabia a origem. Ele olhou para o Dominante, depois para o líquido novamente, e então bebeu em uma só vez.

O gosto era tão ruim que a careta foi inevitável, mas depois de alguns segundos a ressaca do vinho inexplicavelmente tinha ido embora.

— Pelos Antigos! Como não temos isso em Bérniff?

Binn, que até agora mantinha-se calado, adiantou-se em responder:

— É por que não há doshí em Valanthar, ele vem de Dohan, e custa muito caro, mas esse foi me dado como presente por um amigo lesinense.

— Obrigado por compartilhar comigo, meu senhor. — Derick reverenciou Binn.

— O queremos sóbrio para a conversa que teremos... E também alimentado. Coma, temos bastante comida. — Disse Binn.

E de fato tinham. Era uma infinidade de alimentos, que iam desde frutas a assados, mas Derick optou por pegar um pedaço de um bolo marrom e uma caneca de um suco vermelho que estava em uma jarra. Com toda certeza ele não sabia do que era feito o bolo nem o suco, mas estava por descobrir.

Ele comeu um pedaço da guloseima e bebeu um pouco do líquido vermelho, depois fechou os olhos e suspirou.

— Nunca comi nada tão gostoso! Do que são feitos?

— Não percamos tempo falando sobre comidas, rapaz. Nosso tempo é muito importante. — Interveio K'leut, contrariando o que Binn acabara de falar.

Derick entendeu o recado e pôs a comida na mesa.

— Creio que meu amigo Benaffar teve uma longa conversa com você na outra noite, não é isso senhor Davenport? — O Dominante começou a falar e Derick concordou em silêncio. — Fico feliz em saber. E com certeza está curioso para saber qual resposta deverá levar ao seu Dominante, não é?

— Sim, estou.

Derick estava ficando nervoso com aquela conversa.

— Com certeza deve estar se perguntando o que realmente está acontecendo, não é?

— Sim, com certeza estou, meu senhor.

— Pois bem... Já tínhamos uma resposta para enviar àquele monte de lixo, mas para sua sorte não a enviaremos.

— Continuo não entendendo, senhor.

— A grande verdade é que Ermeneu sempre quis me matar, e essa suposta união de forças que ele vinha tentando me propor enviando pessoas diferentes aqui, nada mais era que uma débil tentativa de criar uma oportunidade. Não é isso, senhor "emissário"?

Nesse momento Derick agitou-se em sua cadeira.

— Não acredito que meu Dominante faria algo assim! Ainda mais sem motivos!

— Ah... Mas ele tem motivos... ou pelo menos acha que tem.

Derick ficou confuso com aquela resposta. Achou que talvez tivesse a ver com a insinuação de Binn na noite passada, mas não dava para ter certeza.

— Não estou aqui para matá-lo, meu senhor, isso posso garantir!

— Está sim. Ou pelo menos o outro homem estava, o verdadeiro emissário.

Aquela última fala fez o coração de Derick disparar.

— Como assim o verdadeiro emi...

— Ora cale-se, homem! Já sabemos quem você é. Achou mesmo que ninguém descobriria?

— Como assim? O que está acontecendo?

Àquela altura os sentidos de Derick já estavam todos em alerta, mas manteve a compostura e olhou discretamente em volta do lugar procurando uma saída, caso precisasse, mas só viu soldados e grandes lanças no seu entorno.

De repente Benaffar Binn olhou para os soldados e fez um leve assentir com a cabeça. Então dois deles seguraram Derick pelos braços.

— Está acontecendo algum equívoco! Por que estão atacando um emissário de paz?

O Dominante sorriu

— Não precisa mais fingir, Menestrel... sabemos quem você é.

Derick arregalou os olhos com espanto e seu coração bateu ainda mais descompassado.

— O-O que isso significa? Não sei nada sobre menestréis!

— Tragam-no! — O Dominante ordenou para alguém ao fundo.

Quando Derick olhou para o lado, percebeu que um guarda vinha em direção à mesa acompanhado pelo pequeno bufão, que manquejava ao longo do trajeto.

— Do que se trata tudo isso? — Derick exigiu saber.

O Dominante olhou para o bufão de cima a baixo.

— Você tem certeza sobre tudo o que nos contou, criatura miserável? Realmente é esse o homem?

— Shinnn, shhenhor. — O bufão respondeu com uma voz muito embargada.

— Do que está falando, criatura? De onde eu poderia conhecê-lo? — Derick o encarou tentando intimidá-lo.

O bufão cambaleou lentamente até bem próximo de Derick e o olhou dos pés à cabeça.

— Ele cortou oshh cabeloshhh shhhenhor... Mashhh não há dúvidashhh... Eshhhte é o meneshhhtrel!

— Este homem mente! Nunca o vi em toda minha vida!

Como ele sabe quem eu sou?

Momentos depois, os dois soldados que ficaram responsáveis por acompanhar o verdadeiro Soren Davenport no dia em que ele havia chegado, e que escoltaram Derick até o castelo da Conquista, entraram; e um deles vinha segurando um alaúde nas mãos.

Ao ver os homens e o objeto, Derick ficou branco como um fantasma.

— É este? — O Dominante perguntou olhando para o bufão.

O pequeno homem foi até o objeto, o olhou longamente e disse:

— Não há dúvidashhh, meu shhhenhor. Ashh armashh eshhtão nashh lateraishh.

Estranhamente Benaffar Binn somente observava tudo em silêncio.

O Dominante olhou para um dos guardas com lanças e fez um aceno. O homem foi até o alaúde, abaixou-se e começou a procurar, até que percebeu pequenas fissuras nas laterais do instrumento. Ele tentou de todas as formas abri-las, mas não conseguiu.

— Se estiver mentindo pra mim, criatura desprezível, farei coisas muito piores que seu último algoz! — O Dominante prometeu.

— Dê-me Aqui. — O pequeno homem tomou o instrumento das mãos do soldado, o apoiou entre as pernas e forçou o braço com todas as forças para trás, até que um barulho de tranca se abrindo foi ouvido, então dois pequenos relevos se fizeram nas laterais do instrumento e ele puxou as longas adagas bem devagar.

O Dominante se levantou, limpou a boca com um pano e andou até o bufão.

— Dê-me. — Ele ordenou, e prontamente o bufão obedeceu. Então Nêmenas K'leut ergueu as armas e as observou com atenção. — Belos instrumentos, de fato! — Em seguida andou até os soldados que haviam sido designados para a guarda pessoal de Soren Davenport. — Me digam como isto é possível? Como vocês beberam com um homem a noite inteira e não perceberam no outro dia que esse homem aqui não era o mesmo da noite anterior?

— M-Meu meu senhor! N-Nós nã- não...

— CALEM-SE! — Rosnou K'leut. — Só quero que me respondam uma coisa: o quão parecido era o enviado de Ermeneu Dovant e esse tal Menestrel aqui em minha frente?

Os homens tremiam como varas verdes ante ao Dominante, e um deles já havia se urinado.

— E-Eles são muito parecidos, meu senhor. — Disse o que tinha se urinado.

— Hum... isso é interessante... Vocês até que serviram bem a um propósito...

K'leut sorriu e começou a andar na frente dos homens de forma descontraída olhando para as armas, fato este que pareceu dar mais tranquilidade aos soldados displicentes.

Eles se entreolharam um pouco desconcertados, e Derick até pôde notar um tímido sorriso começando a se desenhar em seus rostos. Mas subitamente Nêmenas K'leut virou-se para eles e os golpeou de baixo para cima com as duas longas adagas, perfurando com brutalidade suas mandíbulas até que novamente elas reapareceram vermelhas no alto das cabeças.

Todos olharam a cena com horror, menos Benaffar Binn, que parecia alheio ao fato.

Logo após os assassinatos, o Dominante puxou as armas de volta, as deu a um de seus soldado e depois voltou-se para Derick.

— E então, senhor Davenport... Menestrel... Ou seja lá qual for o seu nome. Diga-me, o que acha que um Dominante deveria fazer à um assassino que se infiltra em seu castelo para o matar?

Derick não soube onde encontrou tranquilidade naquele momento, contudo, ele levantou o olhar e respondeu com imensa frieza

— Não estou aqui para matá-lo, senhor Dominante, se fosse esse meu objetivo... — Ele fez uma breve pausa, e ao concluir já não falava mais como o emproado emissário. — estaria morto...

Naquele momento Benaffar também se levantou.

— Veja o olhar dele, Nêmenas, é o olhar de quem está disposto a fazer qualquer coisa para sobreviver... Acho que ele pode ser o homem certo afinal.

— Parece que você realmente tem sorte, senhor Menestrel. O plano original foi um pouco modificado, mas acho que ainda posso usá-lo para enviar minha resposta àquele saco de merdas Bérniff. — O Dominante falou.

Antes que Derick pudesse dizer qualquer coisa, Benaffar Binn ordenou:

— Soltem-no!

Os homens prontamente obedeceram.

— Ele é perigoso, shhhenhor, deve matá-lo agora! — Adiantou-se o pequeno bufão.

— Fique calado, criatura, você já cumpriu seu papel, agora pode sair! — O Dominante o repreendeu.

— Não entende, shhenhor? Ele shhozinho matou vinte homenshh! O shhenhor corre muito perigo! Mate-o!

Novamente Derick tentava lembrar-se de onde conhecia aquele pequeno homem, mas não recordava.

— Eu decidirei o futuro dele, não você, criatura desprezível. —Alertou-o o Dominante.

Era visível o olhar de decepção do pequeno bufão com aquela resposta, mas ele não era idiota, então mudou de assunto.

— Pelo menoshh terei o que me prometeu, meu shhenhor?

O Dominante torceu os lábios e revirou os olhos demonstrando estar cansado da conversa com o pequeno homem.

— Dei minha palavra, e a palavra de um Dominante é a lei! — De repente ele virou-se para Benaffar. — Binn, liberte esta criatura e providencie um navio a ele.

Benaffar assentiu e o pequeno bufão sorriu maliciosamente.

Aquele fato pareceu acender uma luz na mente de Derick.

— Um navio? Para que precisaria de um Navio? Quem é você?

O bufão voltou-se para ele.

— Um dia eu fui um imediato... — naquele momento o pequeno homem tirou uma das luvas brancas e mostrou a mão com apenas quatro dedos. — mashh você deshhtruiu minha vida! Agora eu shherei um capitão! Quem shhabe eu não o encontro por aí, Menestrel...

Então Derick arregalou os olhos e confirmou sua desconfiança.

— Grabb???

Ele encarava o pequeno homem boquiaberto, mas não queria acreditar. Seria mesmo aquela criatura fanha e deformada, o asqueroso, traidor e antigo imediato de Taric Monderout? Como aquilo seria possível? Como ele havia conseguido sobreviver ao carniceiro Mastiff e suas masmorras? E principalmente, como havia escapado das decapitações em praça pública endereçadas a todos os homens do Terror Negro?

O olhar do pequeno homem encheu-se de ira antes de responder.

— Grabb não exishhte maishh! Sou apenashh o que reshhtou dele depoishh que vochhes me entregaram àquele maldito Mashhtiff! Arrrghh!!! Vochhê não fazhh ideia pelo o que eu tive que pashhar, shheu maldito! Por caushha de vochhê e dashh shhuashh mentirashh! Mashh agora vochhê terá o que merechhe e eu eshhtarei lá no dia em que vochhê morrer!

— Já disse que não irei matá-lo... — O Dominante falou jogando um balde de água fria nos planos de Grabb.

— Mashh shhenhor, ele matou vinte homenhh shhozinho, eu vi com meushh próprioshh olhoshh! É muito perigojo mantê-lo aqui! — Ele repetia.

Na verdade haviam sido oito, mas não fazia mal nenhum o Dominante acreditar naquela mentira, já que o fato fazia Derick parecer ainda mais perigoso, e K'leut aparentemente gostava daquilo.

— Ora cale-se!!! Antes que eu me arrependa e o deixe como um bufão para sempre!

Grabb baixou o olhar imediatamente ao ouvir a repreensão de Nêmenas K'leut.

— Shhim shhenhor... — Depois começou a sair do pátio.

— Bufão... — O Dominante o chamou em um tom sinistro.

O pequeno virou-se e respondeu:

— Shhim shhenhor!

— Fui muito complacente com você e deve valorizar isso, mas quero que saiba que, se algum dia você sequer pensar em contar para alguém algo sobre o que viu aqui... O entregarei pessoalmente à Mastiff para que ele termine o trabalho.

O pequeno homem arregalou os olhos e tremeu aterrorizado.

— N-Nunca contarei shhenhor! Nunca! — Depois de falar foi embora com toda pressa.

K'leut voltou-se para Derick.

— Sente-se, rapaz... Temos que conversar.

Derick o olhou com desconfiança, mas depois sentou. Logo em seguida Benaffar Binn e o Dominante também sentaram.

— O que fez com o verdadeiro emissário de Ermeneu Dovant? — Binn perguntou, mas Derick manteve-se em silêncio. — Acho que agora já não importa, não é mesmo? — O homem concluiu.

K'leut encarou Derick com o dedo em riste.

— Vou lhe fazer uma pergunta, rapaz, e quero que pense bem nas respostas que irá me dar.

— Pode perguntar, senhor, serei sincero. — Derick respondeu olhando fixamente nos olhos do homem.

— Diga-me quem é você de verdade e o que veio fazer aqui. E lembre-se... sua vida depende das respostas.

Derick havia elaborado um ótimo plano antes de tudo vir por água abaixo: Matar o enfadonho Soren Davenport, assumir seu lugar e infiltrar-se nos domínios de Nêmenas K'leut para procurar a Espada Régia e depois sair dali sem ser pego, mas tudo havia dado errado por causa de um erro cometido: não ter matado o maldito Grabb quando teve a chance.

Agora encontrava-se em uma situação muito perigosa e tinha que pensar em alguma coisa rapidamente, então fez o que sabia fazer muito bem.

— Meu nome é Endos, sou um lutador de Skalun e fugi de um Condutis há alguns meses. Meu plano era simplesmente viver disfarçado como um menestrel até o resto da minha vida para não ser descoberto pelo Punho de Aço, mas quando percebi a semelhança entre mim e aquele emissário esnobe, não resisti; roubei sua carta, o matei e assumi sua identidade. Como havia dito, senhor, eu não queria matá-lo, apenas pensei que seria uma boa oportunidade para ganhar algum ouro.

Benaffar e o Dominante se entreolharam.

Derick não tinha certeza se os homens haviam acreditado no que acabara de contar, e na verdade achou que eles nem se importavam, contudo, foi a melhor história em que pensou naquele momento.

— Ainda pode ganhar, Endos... — Benaffar falou achando que acenderia alguma chama de ganância em Derick, mas ele estava muito enganado quanto aos reais propósitos do homem à sua frente.

— Como?

— É muito simples: como desconfiávamos que esse tal emissário na verdade viria para tentar assassinar Nêmenas, nós simplesmente lhe ofereceríamos o triplo do que lhe foi proposto para que mudasse seu alvo. Contudo, depois de tudo o que aconteceu, e, levando em consideração sua grande perícia, atestada por aquela criaturazinha amargurada, e também sua dita aparência com o tal emissário Bérniff, decidimos que queremos que você vá pessoalmente à Ermeneu Dovant e lhe dê a resposta do Dominante de Beruhim sobre o "apoio" que ele deseja. Se realmente for tão parecido com o enviado, como os homens no chão disseram ser, então poderá chegar bem próximo do maldito antes mesmo que ele possa perceber a diferença.

Depois de haver conhecido pessoalmente o verdadeiro emissário Bérniff, Derick duvidava muito que ele fosse realmente um assassino, e duvidava mais ainda que aquele plano louco pudesse dar certo, mas tinha plena convicção de que não estava em condições de contra argumentar, então só lhe restava dizer:

— Talvez possa dar certo... E qual resposta devo entregar de sua parte?

Na verdade Derick já sabia que a resposta era assassinar Ermeneu Dovant, e a pergunta não passava de uma mera formalidade, mas achou mais prudente deixar algum deles falar.

Os dois homens se olharam antes de responder, e o Beymutita achou que a resposta viria do Dominante, mas foi Benaffar quem falou:

— A resposta que queremos que entregue, Endos... é uma de suas adagas no coração do maldito! Faça isso e terá ouro como nunca teve em toda sua vida, e também terras aqui em Beruhim. Ou não faça e fique mendigando pelas ruas até morrer... Todavia, a decisão é sua. Descanse essa noite, mas pela manhã quererei a resposta, pois logo depois partirá, para Bérniff ou para onde quiser, garanto que não o impediremos. Recomendo que aceite o ouro, Endos...

Após falarem tudo o que queriam, os dois homens apenas se viraram e partiram sem nada mais dizer, deixando Derick sozinho à mesa com ainda oito soldados armados em seu entorno. Ao final de tudo aquilo, incrivelmente o beymutita ainda estava vivo. Não sabia exatamente o que havia se passado ali, contudo, agradeceu aos Antigos e voltou a comer. E enquanto comia pensou:

Até amanhã é tempo suficiente para que eu procure a espada e parta daqui o quanto antes... E quem sabe até possa encontrar Grabb por um desses corredores...



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