Prólogo

O calor da fogueira me envolvia com a mesma intensidade que a chama da paixão queimava dentro de mim. Demorei a entender meus próprios sentimentos, mas agora não restavam mais dúvidas: eu estava diante da pessoa certa, meu único e verdadeiro amor. O som das palmas que ecoavam ao nosso redor fazia meu coração disparar a cada passo dado dentro daquele círculo, onde éramos os únicos em seu interior. Uma mistura de ansiedade e apreensão me deixava um pouco insegura, mas não iria recuar. Não depois de tudo que passamos e tudo o que enfrentamos para finalmente nos tornamos um só.

Fechei meus olhos e sorri, deixando que o som do violino me envolvesse, enquanto aquela melodia entrava pelos meus ouvidos conduzindo meus passos. As labaredas alaranjadas misturadas com tons de azul iluminavam o bordado do babado da minha roupa vermelha, que agora parecia ainda mais viva enquanto eu rodopiava fazendo gestos graciosos. Não importa quantas pessoas estivessem ali, minha dança era para ele; o homem, que por merecimento fez moradia em minha existência. Seus olhos me acompanhavam como se o tempo tivesse parado, e o brilho que via neles era um combustível para minhas emoções, eu o amava e finalmente seria sua. Agora e pelo resto da vida.

— Você é meu — sussurrei com um sorriso travesso, que, para minha surpresa, ele retribuiu de forma tímida, abaixando a cabeça e balançando. Em seguida, correu o olhar pelo meu corpo até que seus olhos encontrassem os meus, e ali, palavras não se faziam necessárias.

Tendo a lua cheia como testemunha, tirei a rosa vermelha do cabelo, ela era o símbolo do amor que por tanto tempo cultivei em meu coração, mesmo que não tenha me dado conta disso. Levei-a até meus lábios e a beijei, sorri e a entreguei em sua mão; como se aquela for delicada transmitisse todo o sentimento que as palavras jamais conseguiriam traduzir. Ele a pegou e, como se estivesse hipnotizado, a beijou, mantendo seu olhar fixo no meu. Um olhar profundo que me causou um misto e alegria e nervosismo.

— Você também é minha — ele sorriu, colocando a rosa em meu cabelo novamente — Toda minha.

— Sua, inteiramente — declarei, dançando à sua volta.

— Vou te amar de todas as formas possíveis. Todos os dias, como se fosse o primeiro.

— Te quero de todas as formas possíveis — respondi, sentindo o corpo queimar em um fogo incontrolável.

— Seu eternamente minha vida.

— Sua eternamente meu amor...

***

A viagem a bordo da carruagem, chamada vida, é repleta de surpresas e armadilhas. O roteiro inclui paradas que podem tanto ser curtas como longas, nos campos floridos entre o amor e a paixão, o carinho, o apego. Dependendo do caminho que escolhemos, podemos tropeçar na avalanche de desejos e na luxúria, que, às vezes, nos leva ao abismo da desilusão. Eu passei por todos esses e mais uma infinidade de outros sentimentos, que me marcaram profundamente, mas antes de começar a contar a minha história, deixe-me me apresentar: meu nome é Natacha, mas os mais íntimos costumam me chamar de Nat. 

Nasci e cresci em Curimatã do Norte, uma pequena cidade do interior do estado do Amazonas, em uma comunidade cigana que se formou nas terras de uma fazenda à beira da floresta. Ah, mas ciganos não são aqueles que andam soltos pelo mundo? Não. Nem todos os clãs são nômades, isso era mais comum no passado, com o tempo alguns grupos resolveram firmar moradia; como aconteceu com o nosso. E por falar em clã, o nosso tentava ao máximo seguir os costumes e manter as tradições, mas com a influência da tecnologia e a convivência com pessoas da cidade, isso acabou se tornando um grande desafio.

Até os quinze anos, eu vivia em um sistema rígido e estava tudo bem, pois não tive a oportunidade de conhecer a fundo outra realidade. Mas, ao passar uma temporada no interior do estado do Paraná, na cidade de Foz do Iguaçu, minha vida mudou radicalmente. Morei por quatro anos em uma vila na hidrelétrica de Itaipu com meus padrinhos: o tio Juan, que trabalhava na usina, e a tia e Íris, irmã caçula de minha mãe, que acabara de ter seu primeiro filho. 

Ela se esforçava para manter vivas algumas de nossas tradições, mas, em meio a tantas mudanças, a vida que tínhamos se distanciava bastante da essência de uma comunidade cigana, o que me fez, por várias vezes, questionar sobre nossos costumes, bem como o que era certo e errado. Iniciando assim, um conflito interno que mudou a minha vida.

Eu tinha plena consciência da importância de honrar minhas raízes, mas a modernidade me instigava a cruzar aquela linha e experimentar coisas novas, o que, mais tarde, me levou a tomar atitudes impulsivamente, me causando problemas. O certo e o errado agora brigavam dentro de mim, e a liberdade de ser quem eu queria, se chocava com a realidade de ser quem eu era, além da responsabilidade de manter minhas raízes e atender as expectativas de quem queriam que eu fosse. Em resumo, eu precisava buscar o equilíbrio e encontrar uma forma de trilhar o meu caminho, sem que isso significasse me desviar do legado de minha cultura.

Minha trajetória na cidade não foi nada fácil. Algumas pessoas não entendiam meus costumes, e, devido à conduta errada de alguns dos nossos, sendo verdadeiros ou falsos, infelizmente, o povo cigano acabou não visto com bons olhos por uma boa parte da sociedade, que nos trata com indiferença, hostilidade, e preconceito disfarçado de medo. Mas enfim, o ser humano faz isso até entre os iguais; imagine entre aqueles que julgam "diferentes"! Por falar em diferenças, logo que cheguei, tive que guardar minhas vestes típicas e aprender a me arrumar como uma gadjí, como chamamos as mulheres que não são ciganas. Foi a solução que encontramos para facilitar um pouco a nossa convivência na comunidade, e, mesmo assim, enfrentei preconceito em algumas ocasiões.

Certa vez, ao ir até a escolinha buscar meu primo, uma criança se desesperou ao me ver. Segundo uma testemunha, a mãe disse a garotinha que ciganos roubam criancinhas. Me senti ofendida, mas não quis confrontar aquela mulher, que me olhou com indiferença e atravessou a rua arrastando a criança, que estava aos prantos. 

Naquele momento, eu sequer consegui reagir, engoli o choro e segui meu trajeto que pareceu mais longo do que de costume. É verdade que nem todos são assim, mas, infelizmente, ainda existe uma parcela significativa da população que mantém esse tipo de atitude. Além de lidarmos com as dificuldades de adaptação ao meio em que vivemos, também lidamos com o desafio de combater estigmas e preconceitos que persistem na sociedade.

Foram tempos complicados, mas consegui me adaptar e, de certa forma, foi bom viver aquela experiência. No entanto, como eu já esperava, tive que voltar às minhas origens, e foi aí que minha vida virou de cabeça para baixo. Quando finalmente me encaixei em algum lugar, tive que aprender a conciliar os conflitos da vivência do mundo moderno com a rigidez da realidade do círculo fechado ao qual pertenço. Isso seria mais fácil se eu tivesse um pouquinho mais de juízo e menos de impulsividade. Como vocês podem ver, a vida dessa cigana sempre foi um montanha-russa de emoções.

Agora que me apresentei, quero contar como o destino me pregou uma bela de peça no campo amoroso, embaralhando as cartas da minha vida, me forçando a fazer uma escolha difícil. 

A escolha entre a razão e o coração.

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