Capítulo 16 Só pela misericórdia divina

Apesar do momento de vulnerabilidade que presenciei na casa de Ian, ter tomado café da manhã com ele me fez muito bem. Senti falta da nossa aproximação, foram quatro longos anos onde muita coisa aconteceu e agora nada mais era como antes. Se eu não tivesse ido até aquela clareira na noite em que cheguei, se não tivesse me encontrado com Samuel, talvez não estaria nesse embaraço de agora, pois, o Ian era a pessoa perfeita para mim.

Ele despertava sentimentos que me desafiavam, além de representar a continuidade de um legado que jamais me afastaria de minhas origens. No entanto, meu coração confuso não conseguia dizer não ao sentimento que crescia por Samuel, o meu fruto proibido, que a cada encontro secreto me proporcionava sensações completamente novas, como a louca vontade de cruzar a linha do certo e o errado, a sensação de liberdade de poder ser quem eu queria, mas, ao mesmo tempo, o desejo pelo desconhecido que trazia consigo o peso da culpa e os conflitos que me atormentavam.

A razão gritava dentro de mim como um alerta sobre as consequências de minhas escolhas, que poderiam não apenas desonrar minha família, minhas tradições, mas me separar de tudo o que conhecia. O coração ansiava pela liberdade de poder amar, se entregar, viver tudo o de mais intenso que a vida poderia me dar, contando com ajuda da impulsividade que batia de frente com os surtos da minha consciência. 

Será possível cultivar no coração paixão e amor por duas pessoas distintas ao mesmo tempo? Hoje eu entendo o peso da minha dúvida, mas naquela época era imatura, não sabia nada da vida, tudo aquilo era muito novo para mim, o que me fez passar por muitos perrengues até aprender a tomar as rédeas da minha vida.

***

Cumprindo o combinado, Ivan nos deixou na escadaria de entrada da sede e foi para o trabalho. Era estranho estar ali, as lembranças daquela discussão com a Brenda vieram à tona me causando um sentimento de inferioridade, afinal, era assim que me sentia quando enfrentava o veneno chamado preconceito.

— Que lugar lindo — disse Ariane me trazendo de volta a realidade.

— É sim — concordei subindo os degraus. — Eu me lembro dos tempos de criança quando corríamos soltos por aqui.

— O tempo passa muito rápido, não é Nat?

— Demais.

Suspirei profundamente ao me lembrar de Pérola sorrindo enquanto subia e descia pulando degrau. Ela era uma menina alegre, tinha um sorriso largo que se destacava em sua pele amarronzada. Seus longos cabelos lisos eram tão pretos que pareciam pintados, os olhos passeavam entre o castanho e o mel. Aos quinze anos já tinha corpo de mulher com belas curvas e apesar de sua estatura alta, seus traços extremamente delicados eram seu maior charme. Pérola era uma mistura de seus irmãos, misteriosa, feito Ian, e brincalhona como o caçula Ivan. Era vaidosa, usava joias chamativas, flores no cabelo, sua alegria era contagiosa e sua voz tão linda como um coral de anjos, ela sempre nos emocionava com suas cantorias ao som do violino de seu irmão. Seu sonho era ser uma cantora famosa um dia.

"O que aconteceu contigo, garota?", questionei em pensamentos, enquanto a imagem daquela cigana brincando de modelo na escadaria daquela casa era exibida em minha mente.

Aquela casa me trazia muitas recordações, cada visita era como uma oportunidade de viajar ao passado e reviver momentos incríveis que marcaram minha vida.

— É ela?

A voz de Ariane me fez voltar minha atenção para a porta de entrada, onde avistei a figura da mulher pequena de vestido florido, pele alva e cabelos dourados, feito fios de ouro reluzentes. Dona Virgínea não se parecia em nada com os filhos, era baixinha e bem magra, se não fosse pelas marcas de expressão em sua pele e os fios de cabelo branco destacando-se na raiz, seria facilmente confundida com uma menina.

— Natacha, como você está linda! — ela veio apressada e me abraçou.

— Obrigada — falei com o rosto corado.

— E você deve ser a Ariane, o Alejandro me disse que era uma moça muito bonita, e ele tinha razão. É um homem de sorte — ela repetiu o gesto com a loira de cabelos cacheados, olhos escuros e rosto de boneca.

— O seu Augusto está melhor? — perguntei.

— O Geraldo foi com ele até o médico, meu irmão Juliano está com eles.

— O tio Ju está aí? — perguntei animada. — A Daia veio?

— Não, ele veio com o William.

— Que legal!

— Juliano é meu irmão — ela explicou a Ariane, que nos olhava confusa. — Ele tem uma companhia de rodeio e vive viajando, fazia mais de dois anos que não aparecia por aqui.

— O Wil é primo do Ian — expliquei. — Quando estava no sul me lembro de ter visto pela televisão que ele é o atual campeão brasileiro de rodeios.

— Exatamente — concordou dona Virgínea nos conduzindo para dentro. — Há quem não acredita em destino, mas as engrenagens de nossas vidas funcionam tão perfeitas que fica difícil não crer. A mãe do Wil é irmã da Carmencita, uma cigana que foi banida por se envolver com um rapaz não cigano. E olha onde foram parar, na fazenda do meu irmão, lá no interior de São Paulo.

— Como não acreditar em destino depois de uma história dessas? — perguntou Ariane com um sorriso.

Dona Virgínea nos convidou para tomarmos um suco natural de frutas com bolo de cenoura e cobertura de chocolate que Soraia havia feito e fez questão de que minha irmã se sentasse conosco para conversarmos. Ela sempre teve um carinho muito grande por todos, mas com minha família era um pouco mais devido à ligação de meu avô com seu sogro Augusto. Ariane estava encantada com aquela mulher que apesar de bem sucedida, era humilde e nos tratou por igual, assim como tratou minha irmã que era sua funcionária.

— O Samuel está com os amigos na piscina, será que o Alejandro se importaria de vocês se juntarem a eles? — a patroa perguntou quando passamos pelo jardim.

Fiz uma parada brusca ao avistar a Brenda aos risos na piscina com Samuel, ela estava montada em seus ombros brincando de luta com a Bruna, que estava nos ombros de Robson, o jovem que me tratou bem da outra vez. Karen conversava com Ângela, o inconveniente do Alex e uma garota que não conhecia, do lado de fora. Eu não costumava ser ciumenta, mas ver a Bruna tão à vontade com Brenda me deixou chateada, e a intimidade entre Samuca e aquela garota me deixou muito irritada.

— Dona Virgínea, o seu Geraldo está no telefone — avisou, Marta, a diarista.

— Eu já volto meninas — disse ela se afastando.

— Eu vou voltar para meus afazeres — disse Soraia caminhando pelo corredor de roseiras, antes de fazer uma parada brusca e me encarar. — Vigia cigana.

Ela retomou seu caminho, mas nem precisava daquela recomendação, eu jamais me juntaria a eles na piscina, e nem era pelo gesso no pé, mesmo com a benção da patroa isso me causaria uma encrenca desnecessária.

— Elas ficam tão à vontade se agarrando quase nuas com os caras, é estranho, não é?

— Para eles é normal — comentei tentando controlar o ciúme que só crescia dentro de mim.

Nos sentamos em um quiosque próximo de onde estavam e fiquei observando a interação entre eles. Samuel não me viu e confesso que fiquei com ciúme por vê-lo tão íntimo de Brenda, principalmente por saber que já haviam tido um envolvimento antes. Meu pai sempre dizia, que respeito é mais sobre o que o outro faz em nossa ausência do que na presença em si, e aquela cena me doeu mais do que esperava.

Ficamos ali, invisíveis, por alguns instantes; foi pouco tempo, mas foi o suficiente para que meu ciúme se transformasse em sentimento de culpa e frustração. Ele estava solto, alegre, parecia uma criança em dia de festa. Fiquei frustrada por saber que, sendo cigana, nunca poderia ter aqueles momentos ao seu lado, não da forma como estavam brincando e, pelo visto, ele curtia muito aqueles momentos.

— Não quer se juntar a nós? — perguntou Karen, se aproximando.

Ela estava de biquíni, mas não era tão pequeno quanto o de Brenda e da outra moça que depois descobri se tratar de Bárbara, sua irmã, que, aliás, pelo que soube era apaixonada pelo Ian.

— Não posso — apontei para o gesso.

— Ah, o piso molhado.

— Você não foi mais fazer aula de bordado — comentei. — Eu queria te encontrar para pedir desculpas.

— Tudo bem, Nat — disse ela se sentando ao meu lado. — Eu fiquei chateada aquele dia, mas a Bruna me explicou sua situação.

— Você e o Ivan se entenderam?

— Quem dera.

— Poxa, Karen, ele gosta tanto de você.

— Meus pais são separados, Nat, sou menor, a guarda está com minha mãe, mas meu progenitor soube do meu envolvimento com um cigano e não aprovou.

— Isso não me surpreende — lamentei.

— Ele é advogado e tem dinheiro, amigos influentes, minha mãe tem medo de que me leve daqui e que a prejudique de alguma forma — Karen soltou um suspiro profundo. — Ela me fez prometer que não me aproximaria mais do Ivan.

— E ele sabe disso?

— Não tive coragem de falar — ela murmurou limpando a lágrima que se formava em seus olhos.

— Ele pensa que não gosta mais dele.

— Me desculpa me meter, mas qual a sua idade? — perguntou Ariane.

— Eu fiz dezesseis mês passado. Sei que a cultura cigana já seria considerada adulta, mas não é bem assim que a coisa funciona no mundo das leis.

— E você o ama?

— O suficiente para me tornar uma cigana e poder ficar com ele.

— Que triste isso, os dois se gostam e não podem ficar juntos — Ariane franziu o cenho com uma expressão pesarosa.

— Realmente — concordei. — O Ivan é um rapaz de bem, trabalhador, aposto que se não fosse cigano seu pai aceitaria.

— Sim, ele disse que me deixa namorar, mas casamento só depois de atingir a maioridade, ou terminar os estudos. E como os ciganos não namoram... — ela deu de ombros.

— As gatas não vão tomar banho de piscina? — perguntou Alex, se aproximando com uma cerveja na mão.

— Não — respondi ríspida ao me lembrar de como me tratou da última vez.

— E essa gatinha?

— Eu? — Ariane o olhou com as bochechas rosadas.

— Eu nunca vi uma cigana tão linda — ele sorriu tocando uma mecha de cabelo da cigana, que se encolheu.

— Não me toque, por favor.

— Que linda parece um bichinho acuado — ele sorriu acariciando seu rosto, que ela virou instantaneamente. — Eu não mordo princesa.

— Cara, você é surdo? — balancei a cabeça irritada, depois de dar um tapa em sua mão.

— Está com ciúmes, morena? — ele espalmou as duas mãos sobre a mesa, inclinando o corpo ao ponto de ficar com o rosto que ficou muito perto do meu.

— Sai daqui idiota! — Karen interveio a nosso favor.

— Foi um prazer conhecê-la, bonequinha — ele sorriu pegando desta vez em sua mão, que ela recolheu.

Puxei Ariane pelo braço pensando em sair dali, mas não deu tempo, a confusão já estava formada...

— Não precisa tocar nela para conversar, meu amigo!

A voz do Alejandro chamou não só a nossa atenção, como a dos jovens que brincavam na piscina.

— Alê? — os olhos de Ariane que já eram grandes ficaram ainda maiores ao vê-lo se aproximar ao lado de Ian.

— Eu só estava cumprimentando a moça — Alex levantou as mãos em sinal de rendição.

— A moça é minha noiva, e não quero que volte a tocá-la.

Alejandro cruzou os braços à sua frente, eu nunca o vi tão sério. Ian se posicionou ao seu lado, também com um semblante sério, Samuel veio com os demais, mas ninguém disse nada.

— Foi mal, cara, eu não sabia que ela era comprometida.

— Ela é, e mesmo que não fosse, você não pode chegar tocando em uma garota sem o consentimento dela.

— Ok, eu já entendi — Alex sorriu se afastando. — Prazer em revê-la, Nat.

— Natacha, o nome dela é Natacha.

— Sua noiva também? — ele perguntou sem olhar para trás.

— Não, minha irmã é noiva do Ian.

Todos os olhares se voltaram para mim, que senti as pernas falharem.

— Noiva? — Bruna perguntou.

— Ele ainda não... — tentei falar, mas a voz de Alê se sobressaiu sobre a minha.

— Sim, noiva, e irão se casar em breve — afirmou, me causando um sentimento chamado, desespero.

— Meus parabéns, Natacha, não esquece de convidar as amigas para o casamento — Bruna saiu apressada.

— Você vem comigo — Alejandro levou Ariane pela mão.

"E agora o que eu faço?", perguntei em pensamento. De um lado estava meu namorado me olhando com uma carranca, e do outro o meu noivo esperando uma reação minha.

— Eu vou...

Nem terminei de falar, saí apressada na mesma direção onde Bruna havia ido.

— Amiga da onça — a ouvi dizer enquanto limpava o rosto caminhando apressada.

— Bruna, por favor, espera!

— Esperar? — ela se virou para me encarar. — Esperar o quê, suas explicações de amiga falsa?

— Eu não sou falsa, não tive culpa dessa confusão. Não do jeito que está pensando.

— Não bastava ter prejudicado o Ivan por conta de seu egoísmo, tinha que envolver o Ian, quer todo mundo pra si, Natacha?

— Você está sendo injusta.

— Injusta? — Bruna sorria ao mesmo tempo que chorava. — Eu fui leal à nossa amizade desde sempre. Te falei que estava apaixonada por ele, eu confiei e me apunhalou pelas costas.

— Mas Bruna, eu...

— Você o quê, droga! Já não está com o Samuel, o que mais você quer!

— Quem te falou que...

— A Brenda me contou — disse ela. — Mais uma informação importante sobre minha "melhor amiga" que fico sabendo pela boca de outra pessoa.

— Bruna, por favor, entenda!

— Eu entendi, você vai se casar com o homem que eu amo. O mesmo que prometeu me ajudar a conquistar, quem sabe não me sobra o papel de madrinha.

— Ele não fez o pedido, Bruna, só manifestou interesse para me ajudar, não me julgue, por favor! — Minha voz já sumia ao fim da frase.

— Julgar? Você não me julga quando diz que eu quero tanto ser cigana que me casaria com o primeiro que pedisse a minha mão?

— Você já se encantou por outros ciganos, Bruna, eu realmente pensei que fosse só... eu não sabia que agora era sério.

— Eu amo o Ian, Natacha, amo de verdade e faria qualquer coisa para ficar com ele. Posso ter errado em pensar que poderia mudá-lo, eu tinha medo das regras rígidas de vocês, mas entendi que se ficasse com ele teria que me submeter a elas.

— Eu te julguei errado, me desculpe — admiti. — Não briga comigo, realmente não sabia que ele iria fazer o que fez.

— Eu me enchi de esperanças quando ele começou a me tratar diferente e agora ficou noivo da minha melhor amiga, isso dói demais — ela dizia em lágrimas.

— Diferente como?

— Ele mudou comigo nos últimos meses, me trata com carinho, me dá atenção, está sempre me olhando de longe. Eu soube até que chamou a atenção de um peão que falou coisas maliciosas sobre mim outro dia.

— O Ian? Tem certeza?

Aquela declaração me causou estranheza, o Ian não era de demonstrações públicas de interesse assim.

— Está vendo como só olha para o próprio umbigo? Você pode envolvê-lo em suas confusões, mas ele demonstrar interesse por mim, é estranho?

— Eu não disse isso, é que...

— Eu era sua amiga, Natacha, te considerava como uma irmã. Esquece o que eu te disse ainda agora, não precisa se dar ao trabalho de me mandar o convite de casamento, não faço questão.

Ela não me deixou explicar, foi saindo apressada me deixando sem rumo.

— Nat, não liga pra ela, está com ciúme — Karen se aproximou e pelo visto havia escutado tudo.

— Eu nem sabia que ele ia fazer isso, fui pega de surpresa — confessei completamente perdida.

— Eu vou lá falar com ela, e você, procure seu irmão antes que o Samuel te encontre primeiro. Ao que me parece, ele estava tendo uma conversa séria com Alex.

— Que confusão, eu não deveria ter vindo!

Saí apressada pelo jardim, eu não queria ser vista. Passei por entre os arbustos e pude ver Samuel e Alex conversando em um canto afastado, os demais estavam na área da piscina provavelmente debatendo sobre o assunto. É claro que se dependesse de mim teria ido embora, mas prometi almoçar com a patroa então mirei uma reta e parti rumo ao escritório na esperança de encontrar meu irmão, mas só encontrei Ian, sentado em sua mesa, pensativo.

— Ele está conversando com Ariane no depósito — murmurou movimentando uma caneta entre os dedos quando perguntei pelo meu irmão.

Fechei a porta atrás de mim e me encostei nela, onde permaneci por alguns segundos em silêncio. Ian olhava para o nada com um semblante indecifrável, não era só eu que me sentia perdida. Corri olhar pelo cômodo, não me lembro de ter entrado ali antes, mas sabia que a mesa ao lado da dele, onde havia um notebook, telefone e demais materiais de escritório era do meu irmão, um móvel de madeira amarelada, acho que era marfim, que ficava do lado direito do cômodo perto da janela, que na ocasião estava com a persiana fechada. 

A mesa do Ian ficava do lado oposto, separada da dele por um armário de arquivo do mesmo material, assim como o restante da mobília, e na parede, quadros com certificados e uma foto grande da fazenda provavelmente tirada por drone, mas a que mais me chamou a atenção era a foto de meu avô Gregório e seu Augusto, abraçados ombro a ombro, sorrindo, tendo a fogueira de fundo como paisagem.

Naquele momento percebi o mal que fazia ao meu povo, mas principalmente ao cigano sentado à minha frente, assim como ao meu irmão. Eles estudaram, trabalharam e conquistaram aquela posição de destaque por merecimento, quem conhece a trajetória cigana pela vida, sabe o tamanho dessa conquista.

Ian, Alejandro e Cristian era quem administrava a empresa, eles trabalhavam juntos, tinha muito mais coisa envolvida do que uma simples parceria de trabalho, tinha uma amizade de anos, uma parceria firmada por nossos avós que uma desonra afetaria consideravelmente, talvez até causasse o rompimento dos laços existentes há muito anos. Me envolver com Samuel era um erro, mas me envolver com Ian também seria, pois ele provavelmente teria que abrir mão de seu trabalho, que era sua vida, para ficar comigo.

— Eu quero que você me rejeite — falei colocando as duas mãos sobre a mesa e o encarando.

— Como é?

Senti o coração acelerar diante do seu olhar de espanto, minha respiração também estava descompassada, aquele dia já começou intenso, e só foi piorando, eu não conseguia pensar direito, só sentia vontade de sumir, desaparecer e não machucar mais ninguém. Não queria mais ter que ver pessoas chorando por minha causa, como vi minha melhor amiga, não queria ver o Ian sofrendo por querer me ajudar, não queria um rompimento de laços do meu povo com a família da fazenda, eu era a raiz do problema e só queria sumir.

— Fica com a Bruna, ela é a melhor opção.

— Não estou entendendo seu comportamento — disse ele, ajeitando sua postura.

— É sério, me rejeita e fica com ela, vai ser melhor para todo mundo.

— Acho que sou bem grandinho para fazer minhas próprias escolhas, Natacha.

— Não se faça de sonso, Ian, você estava demonstrando interesse na Bruna, e sabe que ela retribui.

Ele sorriu incrédulo, então disse:

— De onde tirou isso?

— Eu soube que a trata diferente, teve demonstrações públicas de interesse, até intimidou um rapaz por ciúme — caminhei me sentando no sofá, modelo antigo, que ficava na parede da porta, ao lado de uma mesinha onde havia umas revistas e o armário do café.

— Onde quer chegar com isso, Natacha?

Ele se levantou, e caminhou de um lado para o outro, antes de se encostar na mesa cruzando os braços.

— Ela é minha amiga, Ian.

— E daí?

— E daí que ela te ama, e o mais justo é que fiquem juntos, já que demonstrou interesse, e...

— Eu não demonstrei interesse, ela se confundiu. Isso é mais sério do que eu pensava.

— Não, não é.

Engoli o choro com o coração disparado, eu estava completamente desorientada, já não sabia mais qual argumento usar, só queria convencê-lo a desistir daquela loucura que o prejudicaria muito. Ser banida já não me parecia mais uma ideia tão ruim, eu pagaria sozinha por um erro que era meu, e não afetaria pessoas inocentes.

— Olha o seu estado, qual a necessidade disso? — ele observou minhas mãos trêmulas, pegou um copo de água e me entregou. — Eu me aproximei dela, sim, tive motivos para isso, me preocupo se está bem, mas não é por esse tipo de interesse que está pensando.

— Fica com ela, Ian, eu já estou condenada — insisti, levando o copo até a boca.

— Eu não vou ficar com ela, e ninguém aqui está condenado.

— Não quero perder minha única amiga, você precisa ficar com ela.

— Não, eu não preciso.

— Por favor, Ian.

— Não existe a menor possibilidade de eu ficar com ela porque tenho outra pessoa em meu coração. E mesmo que não tivesse, a Bruna não é uma opção para mim.

— Por quê?

— Porque ela é minha irmã.

— O que disse?

— A Bruna é filha do meu pai.

O dia que já começou movimentado agora estava só pela misericórdia divina.

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