Capítulo 07 Minha rebeldia
Eu estava apreensiva devido aos últimos acontecimentos, era como se a carruagem da minha vida estivesse desgovernada, descendo um morro cheio de armadilhas, e não fazia ideia de como aquela viagem terminaria. Me aproximei da fogueira onde as ciganas dançavam, elas pareciam tão felizes, giravam, balançavam a saia, sorriam e batiam palmas acompanhando a música. Algo que eu também faria se não estivesse me perdendo pelo caminho, e talvez fosse isso que me frustrava.
Troquei olhares de cumplicidade com Ian, que no momento tocava violino, jamais pensei que ele me encobriria em algo tão sério, nem sabia como lhe retribuir aquele favor. Agora eu precisava pensar em uma forma de desencorajar a Bruna para que não continuasse se iludindo, porque pelo visto, conquistar o coração daquele cigano não seria uma tarefa tão fácil, e ao que indicava, em breve trocaria alianças, e não era com ela.
Sentada naquele banco improvisado me pus a pensar em como quando se trata de amor a vida é injusta às vezes. Jade era completamente apaixonada pelo Alejandro, que escolheu Ariane para ser sua companheira.
Ariane, pelo que pude ver, aceitava o seu destino por ser fiel aos costumes, talvez um dia até chegasse a amar meu irmão, pois os dois se entenderam muito bem, mas na minha opinião, nunca chegaria aos pés do amor que Jade sentia por ele. Soraia, cigana, noiva, daria tudo para ter liberdade de escolha, enquanto, Bruna, gadgí, livre, daria tudo para se encaixar em nossa cultura, que convenhamos, é um tanto quanto machista aos olhos de seu povo.
Corações partidos, destinos entrelaçados, a vida adulta não é um mar de rosas como eu pensava, se tivesse a oportunidade de voltar no tempo diria a Natacha, criança, para aproveitar mais e não ter tanta pressa de crescer. As feridas dos adultos não saram com um beijo de mãe.
Aquela noite não dormi, o conflito entre o certo e o errado me consumiam, eu precisava falar com Samuel sobre o que aconteceu, e dizer que não poderíamos continuar nos encontrando. Soraia havia me dito que os patrões sairiam bem cedo para ir até a outra fazenda onde passariam o restante da semana, então decidi que seria uma ótima oportunidade de entrar e sair da sede sem ser vista.
— Você aqui de novo, Natacha? — Soraia balançou a cabeça negativamente ao me ver. — A mãe sabe que veio?
— Não, eu vim escondido.
— Não era para estar pegando os ovos e ajudando a lavar os chiqueiros?
— Eu já peguei os ovos, e o chiqueiro hoje é Ariane e a Luara que estão responsáveis por ele.
— O que está fazendo aqui então?
— Eu vim falar com Samuel, e você vai me ajudar.
— Eu já tenho meus problemas, se alguém te vê aqui seremos duas encrencadas.
— Se não tivesse me levado contigo em seu encontro clandestino eu não estaria nessa enrascada, então você vai, sim, me ajudar.
— Eu só te levei de companhia, não pedi para se envolver com o cara — Soraia revirou os olhos. — Conhece a história do demônio que soltou o cavalo?
— Não e nem quero, só o tempo que está aqui discutindo comigo já servia para eu dizer que quero e ir embora. Vai me ajudar ou não?
— Chantagista — Soraia protestou. — O Samuel está fazendo aula online no escritório da casa, vê se não se mete em encrencas.
Subi as escadas apressada e fui direto ao escritório, a porta estava encostada, então entrei e logo fechei atrás de mim.
— Nat?
Samuel levantou a cabeça e sorriu. Fechou a câmera do notebook e veio em minha direção.
— Eu preciso falar contigo — falei sentindo o rosto esquentar ao vê-lo se aproximando.
— Depois conversamos — ele me puxou pela cintura e me beijou.
Eu até tentei me afastar, mas não consegui, estava prensada entre a parede e um monte de músculos cheio de mãos. Seu beijo era a melhor coisa que experimentei, e sentir seu corpo roçando no meu era uma sensação maravilhosa demais para fugir. Bastou cinco minutos e já havia me esquecido o que fui fazer ali.
— Que saudade — ele dizia beijando meu pescoço. — Que bom que veio eu estava pensando em você.
— Samuel, eu...
— Você é linda, Nat, linda demais — ele calou minha boca com outro beijo.
— Você não era tímido? — empurrei seu peito com as mãos para tentar olhar em seu rosto.
— Eu sou, mas estou tão na sua que é impossível não querer te beijar quando estamos sozinhos. Namora comigo, Nat, em segredo, igual Soraia e meu irmão.
— Mas Samuel, eu...
— Namora comigo, Nat, eu quero muito que seja minha namorada — ele disse em meu ouvido com aquela voz rouca que me causava arrepios, e acabei cedendo ao seu pedido.
— Em segredo?
— Em segredo.
— Será que isso funciona?
— Eu esperei cinco anos por isso, Nat, agora que te tenho em meus braços não vou desistir de você.
— Eu preciso ir — falei sendo espremida em seu abraço.
— Agora não, acabou de chegar.
— É sério, tenho que terminar de pegar os ovos, vim escondido, podem notar minha ausência.
— Encontra comigo hoje a noite?
— Não sei, Samuel.
— Pode confiar em mim, eu jamais te forçaria a fazer algo que não quisesse, só quero poder ficar contigo um pouco — ele pegou minha mão e fez algumas anotações.
— O que está fazendo?
— Meu número, me manda mensagem que vou ao seu encontro.
— A gente não devia...
— Você quer ficar comigo, não quer?
Ah, aquele olhar intenso me desmontava!
— Akana mukav tut le Devlesa.
— O que significa?
— Fique com Deus.
— É linda até em outra língua — disse ele, me beijando pela, sei lá, perdi as contas de quantas vezes foram. E quando deixei o escritório, eu estava toda descabelada, com o coração disparado e a boca inchada de tanto beijar, mas, botar um ponto final naquela loucura que foi o motivo de eu estar ali, não aconteceu.
— Ué, garota, está fazendo o que aqui?
Eu saí daquele cômodo caminhando nas nuvens, mas ao ouvir a voz de Brenda foi como desabar em queda livre.
— Não te devo satisfações.
Andei apressada pelo corredor, eu precisava sair dali o mais rápido possível, precisava pegar os ovos e voltar para casa sem que ninguém percebesse minha saída, e um embate com ela agora, não seria nada bom.
— Você é abusada, hein, ciganinha! — A abençoada me seguiu aos berros.
Eu só tinha que seguir em frente, só precisava sair dali e entrar naquela trilha pelo pasto, a fim de chegar em nossas terras, mas não foi o que fiz, me virei e a encarei com muita raiva.
— Sou cigana, sim, algum problema?
— Tem sim, você precisa saber qual é o seu lugar!
— E qual é o meu lugar?
— Mas o que está acontecendo aqui? — Cristian vinha ao lado de Samuel.
— Essa cigana desavergonhada agora não sai daqui, parece que nunca viu macho na vida!
— Veja lá como fala comigo, idiota!
— Vagabunda!
— Chega, Brenda! — Samuel elevou consideravelmente seu tom de voz.
— Eu vou dar na cara dela!
— Ei, confusão aqui, não! — Cristian entrou em minha frente, enquanto Samuel a repreendia.
— Ela é quem começou, essa selvagem!
— Eu comecei? — bufei irritada. — Você não pode me ver que vem com provocações, continua com isso para ver se não te dou umas porradas!
— Acha que vou rolar no chão por conta de homem, se enxerga garota!
— Se você está brigando por conta de homem, o problema é seu, o meu problema contigo é sobre o modo como vem me tratando. Está falando coisas que não existem, se tiver que esfregar sua cara nessa calçada até que diga a verdade, esse dois não me seguram não, hein!
— Brenda, sai daqui! — Samuel respirava pesado.
— Agora quer que eu vá embora, mas quando está carente me procura, está pensando que sou o quê?
— Não diga bobagens, é você quem vive aqui, eu já disse que não quero!
— É bobagem, Samuel, vamos ver quanto tempo leva até que me chame de volta, porque quando ela não fizer o que eu faço, você vai chamar!
A garota saiu aos prantos, enquanto eu o olhava me segurando para não fazer o mesmo.
— Eu aconselho que conversem em outro lugar — Cristian, falou abaixando o tom de voz.
— Conversar mais o quê?
Desci as escadas, apressada, eu não queria ficar mais um minuto ali.
— Nat, por favor, me escuta!
— Foi um erro achar que poderíamos nos aproximar.
— Natacha, eu não tenho nada com ela, já te disse isso! — ele levou as mãos até a cabeça, transtornado. — Natacha!
— Me deixa!
Corri o mais rápido que pude, e quando olhei para trás, o irmão dele o impedia de me seguir, eu só queria sair dali antes que mais alguém aparecesse e a situação se complicasse.
— Estou farta de ter que passar por esse tipo de coisa — limpei o rosto em vão, as lágrimas insistiam em cair.
Atravessei a cerca do piquete dos cavalos, havia vários animais pastando, eu precisava ser rápida logo notariam que não voltei com os ovos.
— Ele disse que é meu namorado, mas não posso dar o que ele quer, vai ficar carente e acabar correndo para ela. Eu me recuso a passar por isso!
Eu corria, praguejava e chorava, tudo ao mesmo tempo, estava cega de raiva, e foi assim que não vi a égua com filhote em meio aos outros animais. Ela investiu em mim e na tentativa de correr, enfiei o pé no buraco de tatu e caí, por sorte não fui pisoteada.
— Só pode ser praga daquela coisa ruim — falei tentando me levantar, mas meu pé doía demais, não conseguia firmar no chão, e ainda começou a ficar azulado rapidamente. — Socorro!
***
Nem sei por quanto tempo fiquei ali, mas durou uma eternidade. O sol estava escaldante, estava com fome, com sede, com dor, não sabia mais o que fazer, gritava por socorro e ninguém aparecia, foram minutos intermináveis tentando me arrastar naquele pasto até que consegui chegar a sombra de uma árvore.
— Se isso for um castigo para me mostrar que estou agindo errado, eu já entendi, agora por favor, me mandem um socorro, não suporto mais essa dor — murmurei com as costas escorada ao tronco da árvore.
— Nat, o que aconteceu? Está machucada! Pela mãe, Nat, por que não usa seus neurônios para a coisa certa! — disse o Alejandro, descendo do cavalo e vindo em minha direção.
— Me ajuda, está doendo demais!
— O que aconteceu?
— Eu caí — falei tentando me mover, mas a dor não permitiu. — Como me achou aqui?
— A Ariane me ligou dizendo que você não voltou com os ovos, ninguém sabia onde estava.
— Aqui!
Enquanto Alejandro examinava meu pé, Ian se aproximou com o irmão, que também me procurava.
— Ela está machucada? — Ian desceu do cavalo e veio até nós.
— Eu não vi o buraco de tatu, acabei caindo, aí me arrastei até aqui.
— Pelo visto está quebrado, não tenho nada para fazer uma tala — Alejandro me pegou no colo. — Vou te colocar no cavalo, vai doer, mas precisa aguentar, eu tenho que chegar na sede e pegar o carro.
Enquanto eu gemia e chorava de dor, Ian ajudou Alejandro a me colocar no cavalo, e quanto mais ele balançava, mais lágrimas escorriam pelos meus olhos.
— Se puderem avisar a mãe que estou levando ela — orientou Alejandro, saindo apressado comigo que estava aos prantos.
— Está doendo!
— Que droga, Nat, por que não segue as regras?
— Não briga comigo!
— Eu soube de sua briga com a Brenda, se o pai souber, vai...
— Não, ele não pode saber — falei com a voz embargada.
— Você está se enrolando e levando inocentes consigo. Como vai explicar esse tombo tão longe de onde deveria estar?
— Eu não sei — falei em lágrimas. — A Brenda vai contar a dona Virgínea, estou perdida.
— É o preço da rebeldia.
Não é de costume meu povo passar por médicos, temos nossos próprios remédios e rituais de cura. Mas com o passar do tempo e a convivência tão próxima dos costumes da cidade, essa realidade foi mudando, porém, sempre existe um conflito, pois mulheres devem ser atendidas por profissionais do sexo feminino, e isso nem sempre acontece.
Os homens ciganos quase nunca aparecem em um posto de saúde, ou hospital, eles dizem que médico é coisa de mulheres e crianças doentes. As equipes de saúde vêm ao longo dos anos tentando mudar essa realidade, mas sempre esbarram em alguns conflitos relacionados aos costumes e tradições.
Logo que chegamos ao pronto socorro, eu fui rapidamente atendida, e depois de passar pela médica fui encaminhada a uma sala de espera, enquanto Alejandro foi até a recepção preencher uma ficha.
— Eu estou aqui a mais de meia hora e não me chamaram, a cigana chegou e passou na frente, que absurdo! — reclamou uma mulher de meia idade.
— Existe uma escala de prioridades, minha senhora — explicou a profissional.
— Eu pago meus impostos, tenho meus direitos! Exijo respeito!
— Engraçado ela gritar isso, quando não está respeitando a moça — disse um rapaz, que também aguardava por ali. — Quem lhe garante que ela também não paga impostos, dona?
— Por favor, sem tumulto!
Eu já estava desconfortável por conta dos olhares sobre mim, cochichos, expressões desde desconfiadas até de asco, como aquela mulher me olhava; é incrível como o ser humano tem o dom de ser cruel. Se eu chegasse ali vestida como eles, não me olhariam daquela forma, mas como estava com vestimentas ciganas, virei o centro das atenções, teve até uma moça me pedindo para ler sua mão. Sim, isso aconteceu, e de ao menos umas vinte pessoas presentes naquela sala, apenas uma me defendeu, as outras apenas observaram.
— Nat, vão fazer um raio-x para ver se está quebrado e agora vai demorar um pouco — disse Alejandro, vindo com um papel na mão. — O que aconteceu?
— O mesmo de sempre — olhei para a mulher, de cenho franzido. Ela ainda me encarava carrancuda.
O curioso é que meu irmão, que estava de calça, bota e chapéu ganhou olhares de interesse, enquanto eu, de desconfiança, que coisa ridícula.
— É sua esposa? — perguntou uma senhora de idade avançada, que acabara de chegar.
— Minha irmã — Alê respondeu.
— Ela está com dor, poderiam colocar em uma maca.
— Devem estar usando — Alejandro respondeu, me aconchegando em seu peito.
Eu estava em uma cadeira de plástico, desconfortável, e graças a essa senhora, me ofereceram uma cadeira de rodas.
— Obrigada — murmurei agradecida.
— Minha mãe era cigana, ela fugiu com meu pai e nunca mais pode ver a família — disse a senhora de olhos claros e pele alva. — Sou portuguesa, vim ainda criança para o Brasil, nunca conheci meus familiares por parte de mãe.
— Eu sinto muito — disse meu irmão.
— Me desculpe a pergunta, mas como sua mãe superou o desligamento de suas origens?
— Meu pai dizia que ela chorava muito, ficou doente, teve depressão, levou anos e nunca conseguiu superar a separação da família.
— Para nós ciganos a família é o bem mais importante que temos — afirmou Alejandro.
— Sim, minha mãe descansou sem conseguir pedir perdão aos pais.
— Natacha!
— É a sua vez — disse Alejandro. — Com licença.
A senhora acenou com a cabeça e sorriu. Aquela cena ficou marcada em minha mente, assim como seu relato, eu não queria ter que me afastar de minha família, eles eram tudo para mim. Agora eu sofria em silêncio tentando encontrar uma saída para aquele abismo que me consumia.
— Eu nem bem cheguei e já estou dando trabalho daqui a pouco me mandam de volta — resmunguei tentando me sentar na maca e ele me ajudou.
— Ninguém vai te mandar de volta, e tente não dar mais trabalho, ciganinha serelepe.
— Nossa, a quanto tempo não te ouço me chamar assim? — respondi com um sorriso.
— Mas você sempre foi uma serelepe não conseguia ficar parada, parece que tem formigas — respondeu ele, apertando meu nariz.
O profissional que faria o exame era homem, meu irmão tentou argumentar, mas não havia uma mulher para fazer, então ele permaneceu o tempo todo comigo.
— É só aguardar ali nos bancos — disse o jovem, quando Alejandro me ajudava a sentar na cadeira. Naquela altura eu já estava transpassada de dor.
— Nat por tudo o que é mais sagrado, tira ele da sua cabeça, está se arriscando demais.
Eu não esperava ter aquela conversa com meu irmão, mas ele começou do nada me pegando de surpresa.
— É que eu...
— O que aconteceu com você, minha irmã? Sempre seguiu à risca nossos costumes e agora está tão mudada. Não estou te reconhecendo.
— Eu não sei o que aconteceu, acho que aquela Natacha de antes, se perdeu em algum lugar em Foz do Iguaçu e essa que voltou, talvez nem deveria estar aqui — respondi, chateada.
Alejandro me olhava pensativo, eu só queria ir para casa, me jogar em minha cama e apenas existir.
— Você sempre foi uma menina alegre e divertida, adorava fazer amizades, defendia nossos costumes com unhas e dentes. Agora está ausente, age como eles, o que o mundo lá fora fez contigo?
— O mundo lá fora me contaminou.
— Retornar ao caminho certo só depende de você.
— Talvez eu não saiba mais qual é o caminho certo.
— Não entendi.
— Talvez eu queira viver uma vida diferente, viver um amor de verdade, escolhido por mim. Talvez eu queria não ser a sombra de um homem.
— Pelos céus, Nat, isso é mais sério do que eu pensava!
— Me ajuda Alê, estou tão confusa.
— As aulas presenciais irão começar, nosso curso é em tempo integral, logo não vão ficar se vendo, então evite ir até a fazenda.
— O que eu faço com esse sentimento?
— Vai se meter em uma grande encrenca por uma cara que acabou de reencontrar? Bote a mão na consciência Natacha.
— Eu gosto da maneira como ele me trata, o Samuel me entende, me respeita, incentiva, eu sei que nenhum cigano fará isso. Vão me casar com um homem que não amo e esse homem vai ser praticamente meu dono.
— Dono, Natacha? Olhe o que está dizendo!
— Me desculpa, estou nervosa.
— Volte para suas origens antes que seja tarde.
— Você vai contar ao papai, não é?
— Deveria, mas não, eu não farei isso, porque você vai me prometer não mais se encontrar com ele. Sabe que sua rebeldia cairá sobre a mamãe, ela será culpada pela sua falta de juízo. E se for castigada por sua causa eu vou ficar muito bravo com você.
— Acha que eu não penso nisso?
— Então comece agir corretamante, esse sentimento vai te trazer muita dor, e tem coisas que não voltam. Dona Virgínea tem um carinho muito grande pela Brenda, ela sempre fala que é a nora que gostaria de ter, não se iluda. O Samuel não namora ela, mas até onde sei, já foram vistos juntos por mais de uma vez.
— Depois que eu cheguei?
— O que importa? Eu vejo muitas lágrimas e muita dor em seu caminho. Seu futuro é ao lado de um cigano, não vai conseguir fugir.
— E se esse cigano for o causador dessas lágrimas?
— Saberemos quando ele chegar, mas te garanto que o que depender de mim, farei o impossível para que fique bem.
— Natacha!
Mais uma vez fui chamada, e agora recebi a notícia de que quebrei o pé e teria que engessar. Meu irmão me acompanhou em todos os processos, e depois de pegar na farmácia os medicamentos receitados, fomos embora. Agora estávamos a caminho de casa, e apesar dos pesares, foi bom ter passado aquele tempo com ele, que se abriu comigo, como nunca fez antes, e acabei percebendo que tínhamos muito mais coisas em comum do que eu pensava.
— Eu só queria que me entendessem — murmurei olhando o movimento d a rua pela janela do carro.
— Eu sei como se sente, já tive um amor impossível.
— Oi?
— Sinto um carinho muito grande pela Ariane, vou honrá-la até o fim da vida, mas amor mesmo, eu só senti por uma pessoa, e ela me destruiu em mil pedaços — ele disse enquanto dirigia.
— Pera, como assim? — me virei para encará-lo.
— Eu amava a cigana Rubi, ela foi a primeira mulher da minha vida, e sei que nenhuma outra será igual.
— Valha-me a irmã da Jade! — pisquei várias vezes, tentando assimilar aquela informação.
— Sim, ela foi o grande amor da minha vida, me escrevia cartas com palavras apaixonantes, poemas, versos, um mais lindo do que o outro. Foi assim que nos aproximamos e acabamos ficando juntos.
— E por que não a escolheu?
— Eu a escolhi, disse a ela que faria o pedido, mas ela disse que era para esperar o irmão se casar. Eu a vi beijando outro cigano no rio depois disso.
— Quem?
— Não vem ao caso — ele suspirou, com lágrimas nos olhos. — Rubi dava muito trabalho, por isso arrumaram um noivo mais velho e experiente. Aquela cigana era a perdição, Nat, insaciável, afrontosa, não aceitava rédeas. Eu soube que lá na comunidade para onde foi, vive no cabresto pela sogra e o marido, que a botou na linha.
— Por isso nunca retornou para visitar a família — constatei.
— Acredito que sim.
— Eu me lembro que ela não passou na prova do lençol, mas o noivo a aceitou, também me lembro de ouvir que ela se envolveu com um gadjô lá do colégio.
— Não fui o primeiro Nat, mas teria aceitado se ela me fosse fiel. Eu a amei desde moleque, e quando a tive em meus braços a amei ainda mais, muito mais. Ela pulava a janela do meu quarto e dormia comigo, na noite seguinte fazia isso com outro cigano. Rubi brincou comigo enquanto pôde, e toda vez que eu tentava afastá-la, ela dava um jeito de me ter em suas mãos.
— Caramba, meu irmão, eu sinto muito por ter carregado um fardo tão pesado.
— Eu amei aquela cigana de um jeito que parecia amarração, não conseguia olhar para outra menina, ela me tinha a hora que quisesse. Isso foi muito destrutivo, Nat, a mãe descobriu e por isso me arrumaram a Ariane.
— Por isso você não quis a Jade?
— Sim, eu olho para a Jade e me lembro dela.
— Por que permitiu que Jade o beijasse, então?
— Não sei se você se lembra, mas na noite em que Jade me beijou a irmã estava se casando. Eu estava completamente perdido, ela entrou no quarto e me beijou, eu correspondi porque queria encontrar os lábios de Rubi naquele beijo, mas não consegui. Nunca esqueci aquela cigana.
— E como vai ser com Ariane?
— Vou cumprir o meu papel de marido — afirmou sincero. — Ela é linda, me atrai muito, e eu quero ser o melhor companheiro que poderia ter. Só preciso desse tempo para mim, eu estou me preparando para acolhê-la.
Agora eu olhava para meu irmão ainda com mais admiração, ele era um homem incrível, Ariane tirou a sorte grande, ao contrário de Jade que pagou pelo erro da irmã. E sobre minha rebeldia? Ela me rendeu um pé quebrado, trinta dias de molho e um belo de um castigo que não me permitia sair de casa sem supervisão.
Será que conseguiria cumprir sem me meter em encrencas?
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