Capítulo 40 Você sempre esteve lá para mim


A tão esperada conversa entre pai e filhos aconteceu, mas eu não estava presente. O tio, que fez questão de participar, achou que não seria viável, já que poderia acontecer uma briga bem mais séria em família. A princípio, fiquei contrariada, o cara nem me conhecia, sequer chegamos a nos ver pessoalmente e já se envolvia em decisões sobre minha vida, mas depois acabei concordando, a minha presença poderia deixá-los com os ânimos alterados, e isso não seria nada bom. 

O que me chateou foi que ele convenceu o coronel a não contar ao Eduardo sobre o real envolvimento que tive com o irmão na América. O máximo que disseram foi que estivemos muito próximos e que rolou um sentimento quando, na verdade, aconteceu bem mais do que isso. Caio não concordava com aquela postura, o coronel também se mostrou contrário aquela decisão, mas no fim, acabaram cedendo. 

Não que não fossem falar sobre o assunto, mas naquele momento não seria uma boa ideia, o foco era os irmãos se entenderem e tratar a situação de uma forma mais cuidadosa de modo que futuramente pudessem conversar com mais clareza. Talvez as intenções do tio realmente fossem boas, mas não conseguia confiar em sua bondade gratuita, toda aquela influência me deixava apreensiva.

O bom de tudo isso é que o tio foi bem imparcial e fez com que Eduardo entendesse que, independentemente da situação, nem eu, nem o Caio tínhamos culpa. Ele fez com que o Caio entendesse que o irmão também foi uma vítima e o sentimento de traição era legítimo, por hora estava tudo "aparentemente" resolvido. 

Eu queria muito ter participado daquela conversa, gostaria de poder falar sobre como me sentia, mas, infelizmente, não foi possível. No entendo, fiquei aliviada por saber que eles concordaram em conviver pacificamente e respeitar qualquer que fosse a minha decisão. 

Tenho que admitir que a intervenção do tal tio acabou ajudando, visto que o coronel mais uma vez teve que ir para longe, e ele se comprometeu a trabalhar aquela situação da família de modo que não houvesse mais desavenças. O homem tinha definitivamente o poder de persuasão.

— Você está linda — falei para Suelen ao adentrar o camarim minutos antes de sua apresentação.

A loira vestia uma saia preta com fendas que revelavam suas coxas. O top, também preto, era bordado com pedrarias douradas, assim como seu cinto, contrastava com o tom de sua pele branca. Seus logos cabelos caíam pelos ombros, e uma maquiagem marcante destacava o azul de seus olhos, que exibiam um brilho especial. O brilho que se vê nos olhos de quem faz o que realmente ama.

— Estou nervosa — disse ela com as mãos geladas. — O tempo passa, mas sempre é como se fosse a primeira vez.

— Você vai arrasar — segurei em sua mão. — Suba naquele palco e brilhe.

— Obrigada por estar comigo — disse ela, praticando exercícios de respiração.

— O Caio não conseguiu chegar a tempo, mas o Edu veio, Luíza e Cibele também estão aí, estaremos todos naquela plateia torcendo por você, não se esqueça disso.

— É bom ter amigos — ela secou o canto dos olhos com a ponta do dedo.

— Sem chorar, não queremos borrar a maquiagem — falei, antes de lhe dar um último abraço e sair.

Caminhei por aquele corredor com as mãos geladas, eu queria muito que tudo desse certo, a Suelen merecia brilhar, nada poderia dar errado.

— Como ela está? — perguntou Eduardo, quando me sentei ao seu lado na plateia.

— Linda, sexy e nervosa — sorri me ajeitando na cadeira.

— O Beto parou de ligar? — perguntou Cibele.

— Ela não comentou nada sobre isso, acredito que sim — respondi.

— O que esse idiota ainda quer com ela? — Eduardo balançou a cabeça impaciente.

— Ela não toma providências, por medo, e isso não é bom — comentou Luíza.

— Eu soube que tem sido presente na vida dela — comentei, observando a preocupação do loiro a meu lado.

— Me coloquei à disposição para quando precisasse. A Su é orgulhosa, não quer demonstrar fragilidade, mas, no fundo, se sente perdida.

— Você é um cara incrível, Edu — sorri apertando sua mão.

— Ela me ligou algumas vezes, estava com medo, tentei acalmá-la. Saímos para tomar sorvete, outro dia caminhamos no parque quando estava com crise de ansiedade — afirmou, antes de soltar um suspiro profundo. — Queria poder fazer mais por ela.

— Já tem feito bastante sendo o amigo que ela precisa.

— Não quero pressionar, mas sinto que consigo convencê-la a denunciar aquele cara.

— Mas se ela fizer isso, a lei realmente a protege?

— Como assim?

— Vemos tantas notícias de mulheres que fizeram isso e se deram mal.

— Talvez porque só aparece as notícias que dão visibilidade. Existem muitas mulheres que se livraram de relacionamentos abusivos e refizeram suas vidas.

— Isso é verdade, só noticiam coisas ruins.

— A Suelen precisa entender que não está sozinha.

— Uma boa noite!

— Vai começar — disse Cibele preparando o celular para filmar as apresentações.

Era um festival de danças árabes, e a cada nome anunciado sentia um frio diferente na barriga, eu estava nervosa por ela. Estar ali e subir naquele palco era uma verdadeira vitória para Suelen, que estava enfrentando crises de pânico constantes. Sabíamos que a raiz do problema era seu ex-noivo com suas perseguições, mas por mais que insistíssemos, ela se recusava a denunciar. Só nos restava apoiá-la como amigos, e era isso que fazíamos.

— Tem coisa errada — comentou Cibele.

— Está demorando, ela não era uma das primeiras? — questionou Luíza.

— Vou ver se está tudo bem — falei me levantado.

— Vou contigo — disse Eduardo me acompanhando.

Seguimos em direção ao camarim a passos apressados, ela dividiu com mais três meninas que também se apresentariam aquela noite, mas as meninas não só já haviam se apresentado, como já estavam na plateia apreciando as outras apresentações. A porta estava encostada, entrei sozinha, Edu ficou em pé ao lado da porta, impaciente.

— Ela não está aqui — falei ao correr meu olhar pelo comodo.

— Mas também não estava na coxia, aonde ela foi? — perguntou levando o celular até o ouvido. — Não atende, droga!

— A roupa da dança está rasgada — apanhei a peça, que estava jogada no chão.

— O quê? — Eduardo invadiu o cômodo.

— Essa bolsa é dela, está tudo aqui, mas...

— Ela desistiu de se apresentar e saiu com um rapaz — disse uma das bailarinas passando por nós, e pegando um batom que estava sobre a bancada.

— Beto! — falamos em um uníssono antes de correr rumo a saída.

— Se ele fizer alguma coisa a ela...

— Não, a Su não — falei ofegante, correndo por aquele corredor.

O local era grandioso, havia vários ambientes e estava lotado. As meninas procuraram pelos camarins, banheiros e corredores, enquanto eu e Edu fomos até a área externa, onde a encontramos, de roupão, estava encolhida em um canto do estacionamento com um semblante assustado...

— Suelen, o que aconteceu? — perguntei ao me aproximar.

— Ele disse que se subisse no palco, eu... — ela me olhou em lágrimas. — Eu desisti de dançar, quero sumir, acabar com essa dor, não suporto mais isso!

— Su, eu sei que está nervosa, nem seria a hora de falar sobre isso, mas precisa dar um basta nisso — disse Eduardo voltando seu olhar para a marca escura em seu braço e o rosado evidente no branco de seu rosto borrado.

— Se dar uma basta significa denunciar, eu não vou fazer isso, não posso — a loira se encolheu abraçando o próprio corpo.

Eduardo se sentou ao seu lado e a puxou para um abraço apertado, me olhando como se estivesse perdido.

— Eu mesmo vou denunciá-lo — disse o loiro.

— Por favor, não — ela pediu aflita.

— Já passou da hora de tomar providências, e...

— Mandaram para ele uma foto nossa, da noite em que fomos a sorveteria; por isso, está bravo.

— Quem mandou — perguntei.

— Não importa — Edu respondeu irritado. — A garota tem o direito de seguir a vida, se ele está tão incomodado assim, que venha falar comigo.

— Mas eu não fiz nada! — ela se justificou.

— Não tem que dar satisdações de sua vida a ele, entenda isso.

— Não quero ir à delegacia, tenho medo que ele...

— Eu mesmo tomarei providencias — Eduardo afirmou decidido.

— Não — ela agarrou sua camisa. — Ele te mata.

— Que entre na fila.

— Explica a ele, Ana. O Beto anda com gente perigosa, e...

— Eu sou o cara que bota pessoas como ele na cadeia.

— Su, ele é policial, esqueceu?

— Sim, mas...

— Talvez a vida esteja me dando a oportunidade de me redimir — Eduardo me olhou de uma forma intensa. — Dessa vez não.

Suelen o abraçou apertado, e ele retribuiu acariciando seu cabelo enquanto as lágrimas escorriam pelo rosto dela. Foi estranho ver aquela cena, mas, ao mesmo tempo, emocionante; não sei o que faria se estivéssemos sozinhas. 

Nem mesmo a prima conseguiu convencê-la a buscar ajuda. Segundo ela, da última vez, a loira havia desistido antes mesmo de entrar na delegacia, sufocada pelo medo e pela insegurança. A impotência diante daquela situação me deixava angustiada, só quem vive isso na pele, seja em qualquer dos dois lados, sabe como é complicado tomar uma postura.

~♥~

O destino é como um rio de águas profundas e turbulentas, onde, por mais que tentemos nadar contra a corrente, ele sempre nos guia para onde precisamos estar, mesmo que não compreendamos de imediato a direção. Depois daquela noite, muita coisa aconteceu, tanto em minha vida como na de Suelen e dos rapazes. Altos e baixos, confusões, erros, acertos, um turbilhão de emoções, até que finalmente parecia que as coisas começaram a se encaixar. Mas só parecia.

— Aconteceu alguma coisa? — perguntou Caio, abrindo a porta, quando cheguei em sua casa tarde da noite. — Você disse que ia dormir mais cedo?

Não entendo o porquê de nossa mente nos torturar tanto. Já não bastava tudo o que vivi, agora passei a ter pesadelos com o Edu completamente surtado, querendo nos matar ao descobrir que omitimos o meu envolvimento com seu irmão no exterior. O último foi o mais terrível, cheguei a ver o Caio caído com o coronel o abraçando depois de ter levado um tiro... ele estava morrendo.

— Eu precisava te ver, estou com um pressentimento ruim — falei me jogando em seus braços.

— Como assim? — ele retribuiu.

— Não sei, Caio, tenho tido pesadelos, sonhos estranhos e... e tem o Edu.

— O Edu?

— Estou angustiada, sinto um aperto aqui no peito. Não ia conseguir ficar sozinha em casa, acho que vai acontecer alguma coisa.

Eu tremia tentando controlar aquele nervosismo que me dominava, a sensação era muito real. Ele me serviu um suco natural e então fomos até o escritório onde realizava um trabalho; agora mais calma, conseguia ao menos conversar.

— Foi só um sonho ruim, meu anjo.

— Eu não quero mais.

— Não quer mais o quê?

— O Eduardo, não quero mais esconder que nós... Não me sinto bem com isso.

— Eu também não, mas o tio disse que por enquanto é melhor deixar assim.

— O tio não estava lá — afirmei impaciente. — Ele não passou por tudo o que passamos, e também não esteve aqui quando eu e o Edu nos envolvemos. Eu sequer sei quem ele é, por que tenho que aceitar suas decisões sobre minha vida?

— Você não tem que aceitar, e não pense que estou bem com isso. Eu convivo com o Edu nesta casa, sinto como se a cada dia que passa apertasse ainda mais o punhal que cravei em suas costas, mas não sei o que fazer em relação a isso.

— Me sinto perdida, Caio.

— Eu também, Ana, poucas foram às vezes que admiti ter medo na vida, e essa é uma situação que me deixa apavorado porque não sei como ele vai reagir. Não quero perder meu irmão.

— Perder?

— O tio não quer que conte agora, por que tem medo que ele faça uma besteira.

— Que tipo de besteira?

Meu olhar acompanhou o dele em direção à porta...

— Edu?

— Continua, estava interessante — disse ele cruzando os braços a nossa frente. — O que você precisava me contar, Ana clara?

— Talvez seja melhor conversarmos outra hora, você já está nervoso, e... — tentei argumentar, mas ele, não só me interrompeu, como me ignorou de forma ríspida.

— Eu não gosto de rodeios, para você estar aqui a uma hora dessas é porque o assunto é sério. Então qual dos dois vai começar a falar?

— Nós ficamos juntos no Colorado — falei com o coração acelerado.

— Eu não ouvi isso — Eduardo passou a mão pelo cabelo, impaciente. — O que você fez, Caio?

— Fui eu! — intervim. — Eu o pressionei.

— Pressionou?

Ao notar o suspiro profundo do Caio, que balançou a cabeça de olhos fechados, vi que botei tudo a perder...

— Você se aproveitou da situação para levar a Ana para cama, seu animal!

— Caio não queria, eu o provoquei — tentei me aproximar, mas ele fez sinal para que mantivesse distância. — A culpa foi minha, não briga com ele.

— Claro, ele é um garoto inocente — disse Edu, esfregando o rosto com a mão antes de voltar sua atenção para o Caio, que estava de cabeça baixa, com o cotovelo na mesa e as mãos cobrindo o rosto. — Eu esperava tudo de você, menos uma traição dessas.

A decepção na voz do Edu era evidente, enquanto Caio, visivelmente abalado, olhava para o nada como se tentasse buscar uma saída para aquela situação. Talvez minha atitude tivesse criado um abismo impossível de atravessar, mas agora era tarde, a palavra lançada não mais volta.

— Edu, espera!

Corri atrás dele que foi em direção à cozinha, lançou um copo de vidro que se estilhaçou na parede, e saiu rumo ao quintal...

— Eduardo, por favor, me escuta!

— Escutar o quê! — gritou transtornado. — Que enquanto eu estava aqui sem saber de nada, o meu irmão te levava para a cama? Meu pai mentiu para mim, ele, você! Estão me fazendo de idiota todo esse tempo, mas como sou burro!

— Não fala assim — pedi em lágrimas.

— Não grita com ela!

Caio empurrou o irmão, que lhe socou o rosto, fazendo com que caísse sobre uma mesa, que acabou se quebrando.

— Eu te dei cobertura para que conseguisse entrar lá, e você me traiu pelas costas!

— Eu sei que agi errado, mas não tem nada que possa fazer para consertar isso, então me condene por amar quem não devia!

— Por favor, não briguem! — pedi em pânico, dando um passo atrás.

— Judas, é isso que você é! Só não meto uma bala na sua cabeça, porque minha liberdade vale mais do que isso — Eduardo apontou o dedo para o Caio, que limpava o sangue de sua boca, respirando pesado. Era nítido que se segurava para não explodir.

— Esse Judas aqui não escolheu se aproximar dela, você me colocou entre os dois e sabe muito bem disso!

— Confiei em você e a seduziu sabendo que estava comigo! Negue se quiser, mas não tinha esse direito, Caio!

— Eu me encantei por ela no momento em que pisou nessa cidade, e você sequer sabia que existia. Errei quando me aproximei sabendo que estavam se entendendo, errei quando a beijei no momento de fragilidade, e errei quando não te contei que estava viva. Eu já sei que fui um filho da puta, e serei cobrado por isso pelo resto da vida, mas quer que faça o quê? Não tenho como apagar o passado, eu amo essa garota tanto quanto você, inferno! Os donos da razão que me julguem, sou humano, sou falho, nunca disse a ninguém que era santo!

— Não tem justificativa para o que fez.

— E quem disse que quero me justificar? Eu sei o quanto estou errado, mas não posso consertar o passado — Caio tremia e falava ao mesmo tempo. — Me joguei naquele inferno, a resgatei e a primeira coisa que fiz foi entregá-la em seus braços porque sabia que era o certo. Não era só você que sofria, a diferença é que eu tinha que ficar calado, idiota!

— Que raiva de você, cara!

— Tudo que eu não queria era chegar a esse extremo, não quero brigar contigo, mas caralho, estou enterrado nessa merda até o pescoço. Eu não sabia que ela estava no Colorado, fui em busca de um conselho de pai e a encontrei. Não escolhi me aproximar, o pai sabe que fugi o máximo que pude, mas não sou de ferro!

— Pro inferno com seu sentimentalismo!

— Ele se afastou de mim assim que pisamos no Brasil, queria que convivesse contigo a fim de descobrir quem verdadeiramente amava. Não ficamos mais juntos, e...

— Que nobre, meus parabéns — Eduardo sorriu sarcástico.

— É sério, Edu, eu pensei que você estava se entendendo com Suelen, por isso queria...

— Não rolou nada entre nós, mas não foi por falta de oportunidade. Ela é uma menina muito especial, não merecia ficar com um cara que pensava em outra. E você, irmão — disse ele apontando para o Caio. — Essa merda toda não é sobre brigar por uma mulher, eu respeito a decisão dela. É sobre confiança, lealdade, família! Você e o pai me decepcionaram demais.

— Eu estraguei tudo — murmurei balançando a cabeça completamente perdida. — Não devia ter vindo aqui.

Não havia percebido que estava tão próxima da piscina, e enquanto Eduardo saía enfurecido rumo ao corredor lateral da casa, fiz o favor de cair na parte mais profunda...

— Ana!

Meu corpo afundou de uma vez, e quando meus pés não encontraram o chão, revivi aquele pesadelo do passado que tanto me atormentava em meus sonhos. Foi muito rápido, não cheguei a ficar inconsciente, mas durou tempo o suficiente para me afogar, ficando completamente apavorada. Caio pulou atrás de mim, e me retirou da água, me virando de lado enquanto tossia buscando o ar.

— Não me assusta desse jeito — ele dizia me abraçando apertado, quando finalmente consegui respirar direito.

— Foi você — falei em lágrimas, acolhida em seus braços.

— Não, você tropeçou e caiu — ele foi logo se explicando.

— Você é o meu anjo.

— O quê? — ele me olhou surpreso. — Você se lembrou de mim?

— Era sempre esteve lá para mim.

— O que está acontecendo aqui?

Ao ouvir aquela voz grave vinda da cozinha, me assustei. Era como se já tivesse ouvido antes, mas quando o dono dela cruzou a porta, a surpresa foi maior ainda, porque não só reconheci a sua voz, como também o seu rosto...

— Tio, Gera? 

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top