Capítulo 38 Entrando nos eixos
Eu saí daquela cantina completamente desorientada, não esperava ouvir todas aquelas coisas. Realmente pensei em ligar para o loiro esquentadinho, mas fiz o favor de não carregar o celular, e agora estava sem bateria.
— Ótimo! — resmunguei jogando o aparelho na bolsa, enquanto caminhava pela calçada rumo ao meu prédio.
— Boa tarde, Ana — disse o porteiro. — a sua correspondência — me entregou uns envelopes. — Ah, tem visita te esperando.
— Visita? — perguntei, voltando minha atenção para o jardim.
— Eu queria falar contigo.
Meu coração disparou ao ver o Eduardo se aproximando. Definitivamente não era uma boa hora, mas não conseguiria mandá-lo embora. Então, pedi que me acompanhasse até em casa...
— É espaçoso, e bem organizado o apartamento — disse ele quando entramos em casa.
— Pensei que já tivesse vindo aqui — comentei indo em direção à cozinha.
— Na verdade, fui eu quem indicou o apartamento ao Michael, mas nunca... enfim, essa é a primeira vez que entro aqui.
— Aceita um café, ou um suco?
— Um copo de água, por favor — disse ele, se sentando no sofá quando a campainha tocou.
"Não seja o Caio, não seja o Caio!", pedi em pensamento indo atender a porta.
— Ana, o seu Antônio confundiu nossas correspondências, e a Marcela está esperando um documento importante — disse Suelen, me estendendo uns envelopes.
— Então você é a prima da Marcela, mas que mundo pequeno! — comentei surpresa. — Entre, eu vou buscar.
— E você, não vai me cumprimentar, dançarino? — disse ela ao Edu, que a olhou confuso.
— Dançarino, eu?
— Na verdade esse é o Eduardo, irmão do Caio — esclareci. — Essa é a Suelen, minha professora de dança. E acabei de descobrir que é vizinha de corredor, e prima da namorada do Michael.
— Caramba, vocês deveriam usar uma plaquinha de identificação.
— Nunca precisou disso — respondeu ele, com um sorriso tímido.
— Realmente ele confundiu — lhe entreguei os papéis enquanto ela ainda o olhava com espanto. — Eu ia fazer um suco, você aceita?
— Ah, não, eu estou aguardando uma cliente, é uma aula particular e já deve estar chegando — comentou voltando seu olhar para o Edu outra vez. — Caramba, são idênticos, foi um prazer conhecê-lo.
— Igualmente — respondeu pensativo.
— Estamos combinando com o Caio de ir no boliche hoje à noite, o que acha? — perguntou ela, enquanto a acompanhava até a porta. — Se o Eduardo quiser ir também.
— Eu agradeço o convite, mas tenho um compromisso — respondeu ele, sem hesitar.
— Que pena — Suelen sorriu tímida. — E você, nada de furar, está na lista. O Caio disse que ainda faltam dez itens, temos que correr.
— Depois vejo isso — respondi, já imaginando a tensão que viria a seguir.
Quando Suelen deixou o apartamento, passei reto pelo Eduardo, que me olhava confuso, e fui até a cozinha preparar um suco de maracujá para acalmar os nervos. Pelo menos os meus.
— Simpática sua vizinha — disse ele, quando lhe estendi o copo.
— Ela e o Caio, estão ensaiando para uma apresentação de dança, então, ele acabou fazendo amizade com o grupo.
— Ele sempre faz — murmurou. — Do que se trata essa lista?
— Quando estava no Colorado, eu disse que queria realizar algumas coisas quando voltasse ao Brasil.
— Entendi — afirmou, bebericando um gole de suco.
— Como ela está? — arrisquei a perguntar.
— Perturbada — respondeu ele. — A mãe me ligou ainda agora dizendo que ela está com recaída da síndrome do pânico. Tem medo de ficar sozinha, não dorme, tem pesadelos — suspirou desanimado. — Está fora de controle, se continuar assim terão que internar.
Aquela informação, me fez recordar da conversa com Larissa, mas achei melhor não comentar, o clima já estava tenso demais para piorar a situação. Eu sabia que em algum momento teríamos que conversar, mas se dissesse que me preparei, estaria mentindo. Fui pega de surpresa duas vezes em um curto espaço de tempo, e agora estávamos ali, sozinhos, nos encarando em silêncio, até que ele finalmente se manifestou...
— Você consegue me perdoar? — perguntou com a voz embargada.
— Te perdoar?
— Não teve um único dia em que não me culpei por ter te deixado sozinha aquela manhã. Eu fui socorrer a Patrícia, e quando te procurei, você...
— Eu tinha sumido — concluí.
Ele respirou profundamente, e se levantou caminhando de um lado para o outro, enquanto eu o observava tão perdida quanto.
— Me privaram de ficar contigo, eu pedi tanto, implorei tanto, mas não podia. Estive acampado do lado de fora, me recusava a ir embora, eu... Eu nunca soltei a sua mão.
— Eu, sinto muito — suspirei, me sentindo perdida e, ao mesmo tempo, culpada por não me lembrar de momentos tão importantes da minha vida.
— Eu preciso que saiba disso, que entenda o quão difícil foi ficar sem você. Ouvir seu pedido de socorro naquela ligação, e não...
— Tudo bem, Edu, já passou.
— Não, Ana, não passou. Eu fui impedido de ir atrás de você, fiquei preso em casa vigiado pela polícia que me usou para conseguir pistas da quadrilha.
— O Caio me disse que você deu cobertura, e...
— Ele me pediu para despistar a polícia, tinha meios de conseguir chegar até lá, mas não significa que eu tenha ficado feliz com isso. Não significa que não tenha tentado, que não tenha feito de tudo para descobrir seu paradeiro — disse ele buscando o meu olhar. — Se eu não tivesse ajudado, o Caio não teria chegado tão longe e ele sabe disso.
— Ele nunca disse que fez tudo sozinho.
— As atenções estavam sobre mim, e foi a oportunidade perfeita para ele usar a desculpa de querer se vingar, mas cara, eu daria a vida para entrar lá e te levar comigo. Ajudei a bolar todo aquele plano quando percebemos que havia alguém na polícia dificultando as coisas. Eu precisava estar do lado de fora.
— Ele poderia ter morrido — murmurei sentindo um aperto no peito.
— Todos poderíamos, eles estavam preparados para aquele confronto. Perseguiram o meu carro, enquanto Caio estava na fazenda, enfrentei um tiroteio, fui espancado, só não me mataram porque não quiseram.
— Eu não sabia que...
— Tudo bem, eu faria tudo outra vez se fosse preciso. Só sinto por não conseguir botar a mão naqueles caras — Eduardo franziu o cenho, cerrando os punhos.
— Você não é esse cara agressivo, Edu — afirmei limpando o rosto.
— Eu pensei que já tivesse percebido que o Caio tem o coração mais mole do que eu.
— Não é bem assim, eu ouvi coisas muito boas sobre você.
— Estávamos nos aproximando quando a Patrícia veio com a notícia da gravidez e desde então tudo desandou. Essa garota virou uma praga em minha vida, parece que nunca vou ter paz, e nem se trata de botar um ponto final, ela simplesmente não aceita. Me persegue, é cansativo, eu há muito tempo perdi o rumo e nunca mais encontrei.
Não consegui responder, o pouco que tive de contato com ela, eu vi que a garota realmente brota em todos os lugares importunado e não tem limites, tampouco noção de ridículo. Continuamos conversando e ele me revelou que aquela invasão acabou se tornando um verdadeiro massacre. Vítimas inocentes foram executadas pelos capangas, antes deles sumirem na mata, onde foram perseguidos e mortos pela polícia.
Até aquele momento, não havia entendido o motivo de ele ter me deixado ir com o Caio naquele helicóptero, mas agora, sabia que não foi uma questão de escolha. Mesmo que tentasse imaginar o que sentiu naquele momento, jamais conseguiria, e confesso que a consciência pesou consideravelmente.
— Você me esqueceu.
— Me desculpa! — em um impulso o abracei, e por fim, acabamos chorando juntos. — Eu acordei sozinha naquele quarto de hospital. Não sabia o motivo de estar ali, fiquei apavorada.
— Eu pensei que tivesse... ah, Ana, doeu tanto!
— Até chegar aqui, eu não tinha controle algum sobre minha vida. Sinceramente, nem sei se agora tenho, acho que nada mais será como antes.
— Quando tapou meus olhos, e disse que era a mulher da minha vida, foi um choque. Eu te vi ali na minha frente e custei a acreditar, mas quando entendi que me confundiu com ele, foi como ter um punhal cravado em minhas costas, eu...
— Ninguém me disse que eram gêmeos — tentei justificar o injustificável.
— O que exatamente rolou entre vocês no Colorado, Ana?
— Eu não me lembrava de nenhum dos dois, e...
— O Caio não perdeu a memória. Trabalhamos em conjunto para realizar aquela operação, e depois, ele simplesmente...
— O teu irmão é um homem íntegro, e te respeita muito. Isso eu garanto.
— Tão íntegro que participou dessa babaquice, como se meus sentimentos não fizessem a menor diferença. Nem meu pai se importou com o estrago que isso faria.
— Isso não é verdade. Eu sou testemunha de que não estavam felizes com essa situação. Chegaram a brigar, tive que intervir, mas estávamos todos perdidos ali — expliquei. — Seu pai tentou argumentar, e foi afastado do caso. Eu não sei como isso funciona, mas você sabe, Edu.
— Na verdade, eu ainda quero entender o que fizeram, porque, não faz sentido — confessou.
— Eu estava ao lado do Caio quando te ligou. Fui eu quem o impediu de te contar a verdade.
— Eu estava...
— Com ela — completei.
— Eu estava na recepção do hospital tentando encontrar um rumo para minha vida, enquanto me culpava pela Patrícia estar lá dentro depois de uma overdose de medicamentos, que tomou por minha causa — relatou, antes de soltar um suspiro profundo. — Não queria carregar o peso de outra morte nas costas.
"Se ele soubesse o verdadeiro motivo", pensei ao me lembrar mais uma vez da conversa com Larissa.
— E ela disse que foi por sua causa? — perguntei.
— Disse. Eu não tinha mais contato com ela, a evitava em todos os lugares, não atendia suas ligações, fazia um tempo que sequer lhe dirigia a palavra.
— O que te fez mudar de ideia?
— Eu não conseguiria ficar com ela, nem com nenhuma outra enquanto você estivesse aqui dentro — afirmou colocando a mão no peito. — Podem me cobrar, me chantagear, ameaçar, não me importo. Jamais tocaria o corpo de uma mulher pensando em outra. Prefiro ficar sozinho.
— A Patrícia está colhendo os frutos de tudo o que plantou, e pare de se culpar por isso.
— E eu? — perguntou quando seus olhos azuis encontraram os meus. — Minha vida está uma bagunça, estou longe de vencer essa batalha. Que frutos são esses, não me lembro de ter sido tão ruim assim, e ainda tem essa guerra familiar.
— O Caio nunca aceitou o fato de você estar aqui sem saber de nada. Vocês se amam, não deveriam ficar assim brigados.
— O Caio é muito reativo, não pensa nas coisas que fala, e também não se importa com o resultado. Em partes isso é bom, mas cara, não tenho obrigação de ser como ele, e vivo sendo cobrado por isso. Será que é tão difícil de entender que somos duas pessoas completamente diferentes?
O peso daquele sentimento escorreu pelos seus olhos em forma de lágrimas, que eu não esperava ter que enxugar. Agora ele estava a minha frente, frágil, e perdido como um menino assustado em busca de consolo.
— Eu bati nele, Ana, estava cego de raiva, e agora carrego o peso daquela agressão. Já tivemos muitos impasses, mas nunca de chegar as vias de fato, ele sequer reagiu, eu tinha que ter me controlado. Se ele soubesse tudo o que tive que me submeter nessa vida para protegê-lo, se soubesse as batalhas que enfrentei, se soubesse...
— Vocês vão se entender — falei enquanto o abraçava.
Eu sempre fui a garota "frágil" que precisava ser amparada, mas desde que acordei daquele pesadelo. Ver homens fortes desabarem a minha frente, parece que virou minha rotina. Não que isso fosse errado, todos somos seres humanos e temos nossos limites, eu só queria não me sentir culpada por tudo o que vinha acontecendo.
— Existe um vilão em nossas vidas, e enquanto ele não for derrubado, nenhum de nós será feliz.
— Do que está falando, Edu?
— Obrigado por me ouvir, já te aluguei demais — disse ele se levantando.
— Não sei que tipo de batalhas tem enfrentado, mas saiba, que se houver qualquer coisa que eu possa fazer, pode contar comigo.
Aquela conversa foi muito difícil, mas, ainda assim, acabou me saindo melhor do que eu pensava. O Eduardo deixou meu apartamento com um semblante mais leve, e eu fiquei ali remoendo aquela sensação estranha. Ao mesmo tempo que queria lembrar de tudo e entender o que sentia, torcia para que não acontecesse, por medo da escolha difícil que teria que fazer.
~♥~
— Ana, eu tive uns contratempos, e não vou poder te buscar — disse o Caio em uma mensagem de áudio. — Falei com a Suelen e ela vai de carro com as meninas, pode ir com elas, eu encontro vocês no boliche.
"Que tipo de contratempos?", refleti, mandando um sinal de positivo como resposta.
Tomei um banho quente, coloquei uma regata comum na cor preta com estampa de gatinho, short jeans, e tênis. Fiz um rabo de cavalo, e recebi uma aula básica sobre automaquiagem com dicas da Suelen que passou às vinte horas com as meninas, que para variar, estavam eufóricas aquela noite...
— Caio disse que está a caminho do Shopping — comentei colocando o cinto de segurança, enquanto Suelen ajustava o retrovisor do carro.
— Eu não tenho seguro de vida — murmurou Luiza no banco de trás.
— Nossa, agora fiquei magoada — Suelen sorriu enquanto ganhávamos a rua.
— Será que encontro meu futuro marido essa noite? — perguntou Marilza, que estava entre Luiza e Cibele.
— Não encontrando seu ex-namorado, já está no lucro — respondeu Luiza com uma careta engraçada.
— Hoje estou péssima, odeio período menstrual, fico chata e redonda — comentou Cibele encostando a cabeça no ombro de Marilza.
— Chata e redonda, então você vira uma pizza, e pizzas ainda são gostosas — disse Luiza, nos causando risos.
Meu corpo estava ali com elas, mas minha mente trabalhava revisando constantemente as duas conversas difíceis que tive mais cedo. Talvez devesse ter contado ao Edu sobre as declarações da Larissa, mas tive medo de meter os pés pelas mãos, e acabar entrando na mira dos caras.
— Ainda bem que chegamos cedo, está lotado isso aqui — observou Luíza, enquanto se sentava ao meu lado na mesa.
— Eu vi meu ex-namorado, não acredito que aquele traste está com aquela menina feia! — protestou Cibele enciumada.
— Multiplica, senhor! — exclamou Marilza, chamando nossa atenção para Caio, que se aproximava, vestido com uma camisa preta, modelo baby look, calça jeans desbotada e tênis.
Não é exagero dizer que caminhou em câmera lenta com aquele sorriso fofo, olhos brilhantes, e cabelos levemente bagunçados.
— Acho que sua prece foi atendida — disse Luiza quando Eduardo apontou do outro lado vestido igual ao irmão, só que com a camiseta azul.
— Mama mia! — Marilza olhou confusa para um, e depois para o outro, enquanto se aproximavam.
— Alguém precisa de um babador — Suelen deu tapinhas no ombro da garota, enquanto trocava olhares e sorrisos de cumplicidade comigo.
— Que caras são essas, parece que viram um fantasma — Caio sorriu nos cumprimentando com um beijo no rosto.
— Ok, alguém me arruma duas placas de identificação? — Luíza balançou a cabeça confusa.
— Nunca precisamos disso — um uníssono me trouxe lembranças.
— Esse, é o Eduardo, irmão do Caio — apresentei.
— Oi — Eduardo acenou com um sorriso tímido.
— Papai caprichou, hein! — a voz de Cibele se sobressaiu, ganhando nossa atenção. — Ok, o jogo ainda nem começou, e já passei vergonha — tapou o rosto corada.
— Que bom que você veio — murmurei quando Eduardo se sentou à minha frente.
— Eu e o Caio conversamos, e ele pediu que viesse — declarou me deixando surpresa.
— Hum, e se entenderam?
— Um pouco, mas ainda temos muito a conversar — respondeu enquanto o irmão escolhia uma bola para jogar.
— Isso, sim, é uma boa notícia — comentei com um sorriso satisfeito.
— Strike! — Caio comemorou seu feito com uma dancinha engraçada.
— Quer beber alguma coisa? — perguntou Edu.
— No momento, não, obrigado — respondi olhando para Suelen que derrubou somente um pino.
— O irmão não joga? — perguntou Luiza, depois de deixar apenas dois pinos em pé.
— As damas na frente — Eduardo fez um gesto para que eu fosse jogar.
— Essa bola tem que ser pesada assim? — eu ri quando a bola caiu na canaleta, e foi direto para o fundo.
— Ah, moleque! — Marilza comemorou seu strike, logo em seguida do strike do Eduardo.
— O cara que inventou a frase: "Azar no jogo, sorte no amor", nunca me viu jogando boliche — murmurei quando Cibele também fazia o seu Strike.
— Essa frase resume a minha vida — Caio apertou meu queixo ao passar por mim.
— Um ser humano desses, dizer que não tem sorte no amor, me faz perder a fé na humanidade — Suelen sorriu balançando a cabeça. — Que mulher em sã consciência deixa escapar um homem desse. Só pode ser cega, não é possível!
— Então..., talvez ela fosse mesmo, ou tenha um cupido vesgo, atrapalhado — murmurei, o observando a distância.
— Acho que é sua vez — Luiza apontou para mim.
— Ah, eu passo, já fiz vergonha demais por hoje.
— Vai desistir assim, de primeira? — perguntou Eduardo.
— Se a primeira impressão é a que fica, eu acho que sim — dei de ombros.
— Não mesmo, vem comigo! — ele me levou pela mão.
— Edu, é sério, não levo jeito para isso — protestei.
— Esquece o que tem a sua volta, e se concentre no alvo — disse ele, se posicionando atrás de mim.
Sua presença, tão próxima, já abalou meu centro de equilíbrio e, quando sua mão tocou minha cintura, o calor de seu toque em minha pele nua eriçou indiscretamente os pelos de meu corpo todo, entregando meu abalo emocional.
— Está com frio? — perguntou em meu ouvido.
— Não exatamente — sorri tentando me concentrar.
— Química nunca foi um problema entre nós e sabe muito bem disso.
— Se continuar me desconcentrando, vou jogar essa bola em sua cabeça — eu ri ficando corada.
— Hum... então finja que minha cabeça está entre os pinos — disse ele apertando ainda mais minha cintura. — Um strike por um beijo.
— Golpe baixo! — fechei os olhos, e joguei a bola.
— Meus parabéns!
Eu sabia o motivo de seu sorriso quando as luzes da pista se acenderam.
— Outra dessa, nunca mais — voltei para a mesa aos risos.
— Um strike de olhos fechados, meus parabéns — Caio provocou ao passar por mim. — O que o amor não faz.
— Mas eu não fiz nada — respondi, quando Eduardo fazia mais um strike.
— Que homem é esse, meu pai! — Luíza se abanou quando Edu se aproximava com um sorriso no rosto.
— Agora tem uma dívida comigo — disse ele, se sentando ao meu lado. — E eu vou cobrar.
"Estou perdida", pensei, olhando para o Caio que tentava disfarçar seu ciúme, mas eu o conhecia muito bem para saber que sentia. O complicado é que as investidas do Edu mexeram comigo.
Seguimos com as jogadas, e não pude deixar de notar que os irmãos estavam mais soltos um com o outro, agora fazendo brincadeiras e interagindo entre si, o que me trouxe uma sensação de conforto.
— Eu aposto na Ana com o Caio, e na Suelen com o Eduardo — disse Luíza, enquanto os rapazes se afastaram para pegar os pedidos no balcão.
— Que conversa é essa? — perguntou Suelen, já ficando vermelha.
— O Edu é reservado igual a você, e o Caio é mais extrovertido igual a Ana. Então, se for mesmo rolar a aposta, meu palpite é esse — explicou Luíza.
— Pois eu acho que os opostos se atraem — disse Cibele.
— Eu diria que esse é o verdadeiro sentido do tanto faz — Marilza deu de ombros.
— Eu só queria entender, quando foi que decidiram nos desencalhar — Suelen balançou a cabeça descontraída.
— Então é isso, Suelen! Você some, não atende minhas ligações, está escrito palhaço em minha testa? — disse um rapaz branco, de cabelos curtos, descoloridos e barba desenhada se aproximando da mesa.
— Beto? — Suelen se levantou imediatamente com um olhar de espanto, e fizemos automaticamente o mesmo gesto.
Ele colocou as duas mãos sobre a mesa, e se inclinou com os olhos semicerrados...
— Chega de brincar de gato e rato.
— Beto, por favor, eu te peço. Vá embora — pediu a loira com a voz embargada ao mesmo tempo que fazia um sinal para que não nos envolvêssemos.
— Vou, sim, e você vai comigo — estendeu a mão para ela, que deu um passo atrás.
— Eu não vou a lugar nenhum, com você.
— Não vou falar outra vez, Suelen! — o rapaz alterou seu tom de voz, mas ao perceber que havia chamado a atenção de algumas pessoas que estavam próximas, acabou baixando novamente. — Está brincando com fogo, polaca.
— Vai me agredir de novo? — sua pergunta saiu quase como um sussurro, acompanhado de um olhar de pânico.
— Eu perdi a cabeça, mas já te pedi desculpas — afirmou impaciente passando a mão pelo cabelo. — Vamos parar com isso, não somos crianças.
— Eu te disse que precisava de um tempo, mas você me persegue, e...
— Precisava de um tempo? — o rapaz sorriu inconformado. — Conheceu a burguesia e pensa que é um deles. De repente, a casa simples que te acolheu não é mais suficiente? O homem que te amou e te cuidou todo esse tempo, não te serve mais?
— Está me ofendendo — Suelen franziu o cenho sob olhares espantados. — Eu sempre trabalhei, sempre te ajudei nas despesas, e sabe disso. Se fugi de casa, foi porque não suportava mais o teu ciúme.
— Eu te disse que não me importo por você dançar, mas ficar se apresentando quase pelada, Suelen? Virei motivo de piada, lá no bairro, por conta do seu comportamento.
— O meu comportamento? O fato de usar um figurino sensual em apresentações não faz de mim uma pessoa libertina.
— Os caras mexendo contigo na minha frente, Suelen. Você dançando daquele jeito, não tenho sangue de barata, pô!
— Não pode me culpar pelo comportamento alheio. Escolhi essa profissão e não vou abdicar só porque os caras que se dizem seus amigos não sabem se colocar no lugar deles.
— Eu não quero minha mulher se exibindo em cima de um palco, para um bando de barbado ficar mexendo com ela.
— Então arrume uma que aceite viver nas suas condições, e seja feliz.
— Está me desafiando, polaca? — meu coração disparou quando ele a segurou pelos braços, forçando a encará-lo.
— Algum problema aqui, amigo? — perguntou Caio, se aproximando, pela honra e glória, ao lado do irmão.
— Vim buscar minha mulher, isso seria um problema? — respondeu o jovem colocando as mãos no bolso.
— A partir do momento em que ela disse que não quer ir, e você está tentando obrigar, se torna, sim, um problema — afirmou Eduardo cruzando os braços à sua frente.
— Você vem comigo, Suelen? — o rapaz estendeu a mão novamente.
— Não, eu não vou.
— Eu vou repetir; você vem comigo, Suelen? — perguntou dando um passo à frente, o que a fez se encolher abraçando o próprio corpo com as mãos.
— Ela disse que não vai, você é surdo! — Caio se colocou entre eles.
— E você, quem é?
— Alguém que não curtiu nem um pouco a maneira como falou com ela. — Caio franziu o cenho, colocando as mãos para trás.
— Eu falo como quiser, a mulher é minha, seu babaca.
— Não na minha presença — Caio deu um passo à frente, mas o irmão colocou a mão em seu peito, fazendo sinal de negativo com a cabeça.
— Não existe mais nada entre nós, Beto. Por que não aceita que acabou? — disse Suelen em um murmúrio abafado.
— Está me traindo com esse play boy, polaca?
— Amigo, vamos dar uma volta! — Eduardo arrastou praticamente o rapaz pelo braço, encerrando aquela discussão.
— Me desculpem, eu sinto muito, não queria estragar o passeio de vocês — Suelen se lamentou em lágrimas.
Caio se sentou ao lado da loira e a acolheu em um abraço apertado, que ela não recusou.
— Não tem que se desculpar, somos seus amigos, e estamos aqui para o que precisar — falou enquanto acariciava seu cabelo.
— É sério que ele batia em você? — perguntou Luíza.
— Foram duas vezes — respondeu a garota ainda em lágrimas. — Por isso eu saí de casa.
— E pelo que entendi, você sofreu violência doméstica, e não denunciou — afirmou Caio.
— Quando me agrediu a primeira vez, eu quase chamei a polícia.
— Quase? — perguntou Luíza.
— Ele me pediu perdão, disse que estava arrependido, e ia mudar. Só que acabou fazendo de novo, não consigo mais confiar, tenho medo de suas explosões.
— Os direitos dele terminam onde começam os seus. E quanto antes entender isso, mais rápido vai sair dessa situação abusiva — afirmou Caio.
— Eu tinha quinze anos quando saí de casa para morar com o Beto.
— Quinze? — Cibele perguntou espantada. — Com essa idade, eu nunca nem tinha beijado na boca.
— Eu também não — afirmou Suelen. — Ficamos juntos na festa surpresa que uma amiga fez para mim, lá na comunidade.
— E como suportou ficar com ele tanto tempo? — perguntou Luíza. — Não me leve a mal, mas ele me parece ser muito pegajoso.
— Ele não era — Suelen olhou para as próprias mãos e franziu o cenho. — Era muito carinhoso, e me passava uma sensação de proteção. Eu morava com uma tia e sofria muito devido ao meu tio ser alcoólatra — disse ela voltando sua atenção para o Caio. — Fui morar com ele dois meses depois, porque achei que fosse ter paz.
— Você fugiu mesmo de casa? — perguntou Marilza.
— Foram dois anos incríveis, ele era carinhoso, me apoiava em tudo, me entendia como ninguém. Ciumento sempre foi, mas nunca vi isso como um problema, achei que com o tempo mudaria — ela correu seu olhar por todos nós, respirou profundamente, então continuou. — Danço desde criança, mas bastou me tornar professora, e começar a me apresentar profissionalmente para ele surtar.
— O ciúme é um veneno — disse Cibele.
— Desde que me bateu, eu não consegui mais ficar a vontade com ele. Não se trata da dança, nem de querer ser quem não sou, eu só não quero mais fingir que está tudo bem, quando não está. Quando me toca, a única coisa que sinto, é desconforto.
— Eu me sentiria um lixo se uma mulher se deitasse comigo por obrigação — afirmou Caio.
— Eu também — concordou Eduardo, se juntando a nós.
— Ah, vocês dois devem ter um problema muito sério com rejeição! — Luíza sorriu com uma careta engraçada.
— As aparências enganam — Caio não precisou me olhar para que eu soubesse do que falava.
— Essa questão deve ser resolvida com calma. Ele pensa que existe algo entre você, e o Caio, e atribui sua "mudança" a influência dele. Eu até que tentei convencê-lo do contrário, mas está irredutível — afirmou Eduardo.
— Ele é assim, desconfia de todo homem que se aproxima — afirmou Suelen.
— Isso é preocupante — refletiu Caio.
— Fui bem sincero com ele sobre as consequências dessas atitudes. Pedi que tirasse um tempo para esfriar a cabeça até que possam conversar, e resolver essa situação de maneira que ninguém saia prejudicado.
— Que pesadelo, talvez seja melhor aceitar meu destino de uma vez, e parar de ficar sonhando acordada.
— Não tem que aceitar coisa alguma, não vivemos no século passado, onde as mulheres satisfaziam seus companheiros por uma obrigação imposta pela sociedade — disse Eduardo. — Você tem todo o direito de ser feliz.
— Não sei o que fazer, preciso de uma direção para minha vida, ou vou enlouquecer.
— Se ele pensa que a Su está com o Caio, logo vai desistir — disse Marilza.
— Verdade — concordou Cibele.
— Ajuda ela, Caio — incentivou Luíza.
— Eu não me importo com o que ele pensa — Caio se manifestou. — Perto de mim, homem não bate em mulher, e se fizer, não sai inteiro para contar a história.
Agora, para complicar a situação, as meninas tentavam convencer Caio a iniciar um namoro de mentira para proteger Suelen.
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