Capítulo 24 Tempo de recomeçar

Acordei bastante assustada enquanto ainda delirava com um ambiente barulhento de choros, gritos, e muito sofrimento. Vozes ruins discutiam entre si, enquanto o pavor crescia dentro de mim com aquela sensação de abandono, como se realmente não houvesse esperanças.

— Ana, se acalme, foi só um sonho ruim! — Michael me acolheu em seu abraço enquanto me debatia.

— Aquele lugar é um inferno, os homens abusam das meninas que choram pedindo socorro. Eles batem, machucam, eu ouvia tudo, sei que não é um sonho, eu sei! — desabafei aos prantos. — Fui torturada, diziam que não ia mais sair de lá eu... e se vierem atrás de mim?

— Isso não vai acontecer, meu anjo, você está segura agora — afirmou enquanto ainda me protegia em seus braços.

— Tinha um garoto, Nil, eu não sei quem é, mas ele me chamava de princesa. Quem é ele, Michael?

— Eu não sei, Ana — Michael respondeu confuso.

— Nil, era como chamavam o filho caçula do homem, que até então, é apontado como chefe da quadrilha que investigamos — explicou o coronel que chegava naquele instante acompanhado de meu pai.

— Chamavam? — perguntei receosa.

— Ele foi baleado pelo próprio irmão no dia do confronto — disse o coronel sem cerimônia. — Infelizmente não resistiu.

Ouvir aquela informação me causou uma sensação pesarosa que acabou com meu dia. Eu não fazia ideia de quem era o rapaz, mas saber que pode ter estado comigo, e não teve a mesma chance, abalou minhas estruturas.

— São pessoas muito ruins — afirmei tentando recordar de mais alguma coisa que fizesse sentido.

— Tomamos conhecimento, de que o rapaz tinha deficiência intelectual, e foi criado a vida toda em cativeiro — explicou o coronel. — A casa era completamente isolada, a estrada de difícil acesso, o caminho mais rápido é pelo rio. Fizeram um esquema muito bem arquitetado.

— O que me impressiona, é existir essa propriedade há tanto tempo, e não terem descoberto — disse meu pai.

— São terras da união, as pessoas se apossam, constroem e ficam por lá. O local foi tão bem-planejado, que nunca gerou suspeitas.

— E o que seria, terra da união? — perguntei curiosa.

— Terras do governo, nem deveria existir moradia ali, porque é uma área de preservação ambiental. Mas já foi tudo demolido, e reforçamos a fiscalização na região — disse o coronel.

— E nenhuma das testemunhas conseguiu dar uma pista que levasse a esse ser maligno, que comete essas atrocidades?

— Você disse ao meu filho ainda no helicóptero, que precisava falar comigo porque tinha um recado muito importante sobre o chefe da quadrilha.

— Recado de quem?

— Da mãe do garoto.

— E não contei a ele do que se tratava?

— Não, você apagou antes.

— Ah, que ótimo, eu vivo falando pelos cotovelos, e a única vez que deveria abrir a boca, resolvi desfalecer!

— De todas as testemunhas, sobreviventes, você foi a única que esteve com o chefe. Entende agora a razão de ser tão importante para nós?

— Desmemoriada?

— Em algum momento as lembranças virão, é por isso que precisamos estar sempre revisando esse assunto.

— A mãe do Nil, ela...

— Ela levou um tiro, e não resistiu.

— Rubens, esse nome me assusta — falei ao me lembrar.

— Foi ele quem atirou em você — afirmou o coronel. — Mas também não sobreviveu. A mãe do garoto descarregou uma pistola automática no meliante.

— É errado eu dizer que fiquei feliz com essa notícia?

— Eu não queria ficar te torturando com isso, mas pode surgir uma informação importante — explicou o coronel. — Por isso temos que falar abertamente.

— Me dói só de imaginar as atrocidades que presenciou naquele lugar — o murmúrio do Michael, saiu carregado de rancor.

~♥~

Minha memória estava clareando aos poucos, mas não posso dizer que me sentia bem com isso. Tive muito medo de perder a lucidez como algumas testemunhas, e sinceramente, cheguei bem perto. Ter uma rede de apoio, foi crucial para conseguir suportar aquela fase, pois sem eles, com toda a certeza do mundo teria me entregado a depressão.

Em relação à cirurgia, não houve nenhuma intercorrência. E como já estava acostumada a viver no escuro, não foi muito difícil ficar com aquele curativo, mas confesso que a ansiedade era bem grande. Principalmente aquela manhã quando era chegada a hora da verdade. Meu pai e meu irmão pareciam mais ansiosos do que eu, e pelo cheiro de rosas em todos os cantos; não seria novidade se não tivessem levado a floricultura toda para aquele quarto de hospital.

— Está pronta? — perguntou o médico.

— Para ser sincera, estou com medo — respondi insegura.

— Estamos aqui contigo, meu anjo, confia que vai dar tudo certo — Michael até tentou disfarçar sua ansiedade, mas eu conhecia muito bem sem tom de voz, e sabia que estava tão inquieto quanto eu.

— A Kiese tirará a faixa, mas eu quero que continue de olhos fechados, tudo bem?

— Tudo bem — respondi insegura.

— Se sentir uma ardência ao abrir os olhos, é normal. Mantenha a calma, abra e feche quantas vezes for necessário, até que alivie — orientou o médico enquanto a enfermeira retirava a faixa. — Provavelmente virão imagens desfocadas, mas com o tempo ficarão mais nítidas.

— Está tremendo — observou meu pai.

Eu sorri sentindo o coração ainda disparado. Busquei pela mão do meu irmão, que prontamente me entendeu e apertou com sutileza, causando uma sensação de segurança. Sempre foi assim, e agora não tinha como ser diferente.

— Sempre juntos, minha irmã.

— Sempre juntos, meu irmão.

— Abra os olhos, bem devagar — orientou o médico.

Estava muito insegura, passei a vida toda imaginando como seria se conseguisse fazer a cirurgia, e agora estava prestes a receber a resposta que tanto queria. Será que o meu milagre finalmente chegou?

— Abra os olhos, Ana Clara — insistiu o médico.

— Está ardendo — falei ao fazer a primeira tentativa frustrada. Além de não ver nada, ainda senti um desconforto assustador.

Respirei profundamente, e repeti esse gesto mais algumas vezes, enquanto me acostumava com aquela sensação, até que foi se estabilizando.

— O desconforto é normal, feche, e abra os olhos quantas vezes for preciso — a voz calma do médico com aquele sotaque carregado ecoava pelos meus ouvidos, enquanto eu tentava controlar o nervosismo.

— Eu vou conseguir — murmurei mais para mim mesma, do que para eles.

— Abra os olhos, filha — pediu meu pai.

Se tentasse explicar o sentimento, não conseguiria, porque ainda não inventaram palavras suficientes para traduzir a grandiosidade do que foi aquele momento em minha vida. Realmente estava tudo desfocado, mas após alguns instantes, o mundo foi se revelando de uma forma lenta, mas muito especial. O que antes era apenas vultos, agora tinha formas, e cores, tudo tão lindo e delicado, que por mais que eu tivesse sonhado e tentado imaginar; ali ao vivo e a cores, superava todas as minhas expectativas.

Olhei ao meu lado, e vi meu irmão com um sorriso fofo segurando minha mão. Ele me observava em silêncio enquanto algo escorria pelos seus olhos, que ao tocar percebi que eram lágrimas. Não demorou muito até que as minhas também caíssem.

— Fale alguma coisa, estou ansioso — Michael soltou minha mão e estalou os dedos, sempre fazia isso quando estava tenso.

— Eu consigo te ver, Michael, seu rosto é... nossa como você é lindo!

Acariciei o rosto do meu irmão, que sorria e chorava ao mesmo tempo, antes de pular em seus braços para uma comemoração que esperei a vida inteira para acontecer.

— Meus parabéns, você venceu minha pequena — Michael murmurou me apertando em seu abraço.

— Isso mesmo, você venceu, filha, olha aí o seu milagre! — Meu pai se juntou a nossa comemoração.

— Gente, meu pai é um gato! — falei causando risos. — Que incrível, o Michael é a sua versão em um modelo mais jovem.

No momento não sabia como descrever ao certo sua aparência, mas meu pai era alto; grisalho; olhos negros; barba e cabelos impecáveis, e físico bem definido em roupas sociais, que sem dúvidas, o deixavam muito elegante. Da última vez que toquei o rosto do Michael, ainda era lisinho, mas agora, uma barba bem desenhada estampava aquela pele clara, que admirei com um sorriso satisfeito. Alguns fios de cabelos brancos já começavam a dar sinal de vida em meio aos castanhos, mas isso não o impedia de ter seu charme em conjunto com suas roupas casuais.

Em minha volta, havia várias pessoas que em meio a oscilação do foco, demorei a identificar. O doutor com seus olhinhos puxados foi o primeiro; a enfermeira Kiese que era a única mulher ali presente, estava ao seu lado se desmanchando em lágrimas, e por fim, vi um senhor de porte elegante, e olhos lindos que mais tarde descobri ser azuis, em pé me observando emocionado.

— O senhor, quem é?

— Coronel Arlindo. Não se assuste, eu sou feio, mas não mordo — disse ele com um sorriso tímido.

— Se o filho for lindo igual ao pai, estou bem de namorado — murmurei, cansando uma crise coletiva de risos.

— Fico lisonjeado pelo elogio, vindo de uma moça tão linda.

— Caramba, eu já falei que esse é o dia mais incrível da minha vida? — comemorei eufórica. — Não que eu me lembre de muitos, mas... é maravilhoso poder ver o rosto das pessoas que ficaram ao meu lado durante todo esse tempo.

— Um mundo de descobertas te aguarda do lado de fora dessas paredes — disse o médico. — E fico feliz de ter feito parte disso.

— Não vejo a hora de poder começar essa aventura.

— Terá muito tempo para fazer isso, mas agora preciso que use esses óculos, ajudará com o reflexo da luz. Não queremos forçar, pode sentir dores intensas caso aconteça.

— É tudo tão lindo — falei ao me levantar.

Caminhei pelo quarto analisando cada detalhe ainda relutante em acreditar que aquilo era real. Toquei os móveis, a parede, cada objeto me perguntando o que era, e sua serventia, enquanto era observada por olhares atentos.

— Essas rosas, são vermelhas? — perguntei alcançando um botão.

— Sim, e aquelas são brancas — respondeu Michael se aproximando. — As folhas são verdes.

— Do outro lado da escuridão, o mundo é tão perfeito — comentei ao observar a cama; a cadeira; a porta, até a lâmpada. Eu não queria deixar passar nenhum detalhe.

A princípio tocava tudo de olhos fechados, e depois, abria para diferenciar. Parecia uma criança conhecendo seus brinquedos, enquanto sorria querendo congelar aquele momento. Aqueles olhares emocionados, que antes eram apenas vozes, agora ganharam rostos e formas, e o mais incrível, é que eram várias pessoas com características diferentes. Eu nunca me atentei a esse detalhe, pois para mim; eram todos iguais.

— Só de pensar que não vou mais sofrer preconceito, isso tudo já valeu a pena — comentei com lágrimas nos olhos.

— Se lembrou de alguma coisa, Ana? — perguntou Michael.

— Coisas de minha infância, mas ficou no passado, porque agora vai ser tudo diferente.

— Isso mesmo, Ana, não é fácil, mas tudo será superado. Uma vida nova te espera lá fora a partir de hoje — disse o médico.

— Doutor, eu jamais conseguirei retribuir a maravilha que fez em minha vida, não tem dinheiro que pague essa emoção. Que essas mãos, sejam abençoadas, para que mais pessoas como eu, possam ver as cores do mundo, porque isso é incrível.

— O teu sorriso já pagou essa conta — respondeu. — Agora tudo será um aprendizado, vai aprender a conhecer as cores, as formas, um passo por vez, e sua vida será muito diferente. Vamos te preparar para poder voltar para casa, e ter uma vida absolutamente normal.

— Eu vou voltar para casa, Michael, vamos ter nossa vida de volta — murmurei apertando sua mão.

— É tudo o que mais quero. Pode até não se lembrar, mas prometi em nossa última conversa tirar um tempo para nós, e cumprirei. Quero te levar no jardim botânico, no bosque, em todos os lugares que quiser, e assistiremos todos aqueles filmes melosos que você adora.

— O da meia de abelhinha — falei saudosa.

— Esse eu ainda não vi, mas dizem que é muito bom.

— Não foi contigo?

Foi estranha aquela sensação, eu tinha certeza de que "vimos" juntos esse filme, mas não insisti.

— É bom ter você de volta, caçulinha.

— É bom poder voltar para casa, Michael — respondi com lágrimas nos olhos.

— Acho que meu trabalho está chegando ao fim, e confesso que sentirei sua falta — disse o doutor.

— O meu também — acrescentou Kiese.

— Você vai me deixar? — perguntei sentindo um nó se formar na garganta.

— Já cumpri minha missão, agora tenho que retornar para minha terra.

— Eu nunca vou te esquecer, Kiese, contigo pude sentir um pouco do que é ter uma mãe.

— E eu, do que é ter uma filha.

O clima era de emoção, e não estava preparada para essa nova realidade. Em alguns dias estaria de alta, e tudo o que vivi naquele espaço de tempo, se tornaria apenas uma lembrança, e com minha memória danificada, teria que mais uma vez recomeçar do zero. Eu chorei abraçada a Kiese, quando me dei por conta de que iríamos no separar, mas sabia que aquele laço de amizade que formamos, jamais se quebraria. 

O médico orientou sobre os cuidados, agora que teria que me acostumar com a claridade, e por pelo menos uns dois dias, não era recomendado sair daquele quarto que permaneceria a meia luz até que fosse seguro enfrentar novos desafios.

— Estou muito feliz por você, minha filha — disse meu pai me abraçando. — Agora sua vida vai mudar, não tenha dúvidas disso.

— Pena que os rapazes não podem te ver assim, minha irmã. Eles sofreram tanto, mereciam essa alegria.

— Isso realmente me dói — disse o coronel. — Mas não depende só de mim.

— Não me lembro deles, mas se são tão importantes em minha vida, queria muito poder encontrá-los — comentei.

— Não sabemos se estão sendo vigiados, e um vacilo, pode te colocar na mira da facção novamente — explicou o coronel. — Temos que ser cautelosos, e por mais que pareça injusto, no momento é o mais certo a se fazer.

— O senhor é um homem de bem, coronel, só tenho a agradecer por tudo o que tem feito por mim.

— Na minha profissão, nem sempre consigo tomar decisões de acordo com o que meu coração deseja, e essa, está sendo uma batalha de fogo. Sei o preço que vou pagar, mas não posso arriscar sua vida.

O coronel deixou o quarto visivelmente abalado. Realmente teria uma batalha bem difícil pela frente, e só o tempo traria as respostas que tanto precisávamos.

— É Ana, o que te espera nessa nova vida? — refleti quando o quarto mais movimentado do hospital, finalmente ficou em silêncio.

Ao me despir para tomar banho, pude me ver pela primeira vez em um espelho. Meus olhos de jabuticaba brilharam com aquela imagem, que, aliás, lembrava muito meu irmão, só que em uma versão mais delicada. Meus cabelos castanhos, ondulados, mediam pouco abaixo da altura do ombro, e minha pele clara estava marcada por manchas escuras, que depois descobri serem olheiras.

Por um instante me perguntei se os homens, nus, também eram assim, mas olhando melhor, entendi que minhas formas eram mais arredondadas, e possuía curvas que não vi em meu irmão, nem nos demais. Eu ri com meus próprios pensamentos curiosos, ao me lembrar de que tinha um namorado, e que sequer sabia como ele era. Agora eu queria muito encontrar essa pessoa.

~♥~

Dois dias depois, fui liberada para dar uma volta no jardim. Eu não tinha noção do tamanho daquele lugar, era um complexo gigantesco, aonde pessoas de todos os tipos caminhavam apressadas por um labirinto de corredores, rampas, e escadas que pareciam não ter fim. Pela primeira vez entrei em um elevador e confesso que foi meio sufocante, mas logo já estávamos em outro labirinto de corredores e pessoas apressadas. 

Fiz uma parada para abraçar uma criança pelo caminho, não imaginava que seriam tão fofas. E quando finalmente ganhamos o lado de fora, pude contemplar a visão de um jardim bastante diversificado, eram tantas cores diferentes que nunca imaginei que existiam. E aqueles prédios gigantes, como alguém tão pequeno consegue construir aquilo?

Caminhei descalça pelo gramado, enquanto observava as árvores, e, caramba, como são lindas! Sentir com as mãos, dá para fazer uma ideia de como o criador é perfeito em suas criações, mas poder ver com os olhos, é contemplar a beleza do amor que ele colocou em cada detalhe. Sentei-me à beira de uma fonte que ficava no centro do jardim embaixo de uma grande árvore. Ali havia peixes coloridos que meu irmão disse serem sagrados para os japoneses, mas, na minha opinião, deveriam ser para toda a humanidade.

— Precisamos conversar — Michael se sentou ao meu lado quando meu pai se aproximou com o coronel. Agora sempre apareciam juntos no horário de visitas, pelo visto, se tornaram amigos.

— Devo me preocupar? — perguntei insegura.

— Minha linda, o pai precisa retornar a Alemanha, o trabalho acumulou, e tem coisas que só eu posso resolver.

— Eu vou te ver de novo? — perguntei segurando sua mão.

— Por certo que sim, eu não quero ficar longe de você por tanto tempo.

— Peguei apenas quinze dias de férias, e preciso retornar ao trabalho — explicou Michael.

— Isso significa, que vamos para casa?

— Não exatamente.

— Por que não, Michael?

Inevitavelmente meu coração disparou, e as lágrimas logo se formaram nos olhos.

— Terá alta do hospital, mas ainda precisa ficar um tempo por aqui, não só pela sua segurança, mas também por conta do tratamento. O doutor preferiu não arriscar. — disse o coronel.

— Não posso ficar em um lugar onde não conheço ninguém, eu sequer falo inglês. Explica isso para eles, Michael.

— Para te receber de volta, terei que fazer algumas mudanças que foram recomendadas — explicou Michael.

— Vai me deixar aqui sozinha? — perguntei aflita.

— Temos que ser discretos, minha irmã. Eu sei que é difícil aceitar essa situação, mas é pelo seu bem, por favor, não fique assim.

— Onde vou ficar quado sair do hospital? Já é ruim demais não entender o que as pessoas dizem, não quero ficar com estranhos.

— O sistema de proteção à testemunha te dará todo o suporte, inclusive, já tem um quarto de hotel reservado aqui perto com toda a rede de apoio que precisa. Mas se me permite a ousadia, eu gostaria que tivesse um pouco mais conforto e liberdade, então, pensei que talvez pudesse ficar em minha casa — disse o coronel. — É o mínimo que posso fazer, depois de tudo o que fez pelos meus filhos.

— Já me tiraram tanta coisa, por que não posso ficar com meu irmão? — perguntei em lágrimas.

— Logo estaremos juntos, Ana — Michael me abraçou.

— Eu não quero ficar aqui — murmurei escondendo meu rosto em seu peito.

— É por pouco tempo, Ana, logo as coisas se resolvem e poderá voltar a sua rotina — explicou o coronel. — Se a insegurança for por minha causa, fique tranquila, eu quase não fico lá. Atualmente divido meu tempo entre a Pensilvânia, e Madri por contra do trabalho, mas tenho um casal de amigos que cuida de tudo por lá, e vão te receber com muito carinho.

— O que sinto pelo senhor, é gratidão, nunca insegurança. Esteve todo esse tempo ao meu lado, seus filhos salvaram a minha vida. Seria até injusto da minha parte, se agisse dessa maneira, eu só não quero dar trabalho.

— Estou tentando resolver essa questão também, eles precisam saber que acordou — respondeu ele.

— Isso, sim, é uma prova de fogo — comentei.

— Se dependesse só de mim, estariam aqui agora, aliás, desde o primeiro dia, porque eu sei que é isso que iam preferir, mas cumpro ordens.

— Te entendo perfeitamente — murmurei pensativa.

— Fico mais tranquilo por saber que estará bem cuidada, deixarei um cartão para usar. Vamos providenciar um celular também para podermos conversar, só tome cuidado, não crie redes sociais — orientou meu pai.

— Pai, eu nem sei mexer com essas coisas — eu ri.

— Inclusive filha, nas férias, eu gostaria que fosse passar um tempo comigo. Gostará de conhecer a Kiara.

— Não sei se estou preparada psicologicamente para conviver com uma madrasta — comentei enciumada.

— Então fico aliviado, porque não te arrumei uma — meu pai sorriu. — Kiara, é minha cachorrinha cocker.

— Ah, eu vou amar conhecer a Kiara! Caramba, América e agora Alemanha, estou ficando viajada!

— Ela estará em boas mãos, podem ficar tranquilos, mandarei limparem a casa, e providenciar as passagens de avião.

— Eu ouvi a palavra, avião? — franzi o cenho.

— A casa fica no Colorado, é um pouco distante, e lá estará protegida enquanto se recupera em paz — explicou.

— Ninguém me disse que teria que sair do chão — murmurei aflita.

Eu sabia que em algum momento receberia alta, só não imaginava que seria impedida de voltar para casa. Não sou boa em disfarçar quando algo não me agrada, e aquele clima de despedidas, estava acabando comigo. Tudo o que eu mais queria era ter minha vida de volta, mas, que vida, se eu sequer me lembrava de uma boa parte dela?

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