Capítulo 18 Alvo fácil

ESTE CAPÍTULO PODE CONTER GATILHO RELACIONADO A SEQUESTRO, ASSIM COMO OS PRÓXIMOS QUE ESTAREI SINALIZANDO. CASO SE SINTA DESCONFORTÁVEL, PODE PULAR.

Aquela noite fui contemplada com vários pesadelos, e por conta disso, não consegui dormir em meu quarto. Michael me acolheu como sempre fazia desde os tempos de criança, quando acordava com medo e corria para sua cama. 

Por diversas vezes, ao acordar assustada, ele me apertou em seu abraço de maneira que me sentisse segura. No entanto, confesso que o que mais me marcou aquela noite, foi uma das vezes em que acordei com o som de seus soluços. Sim, ele estava chorando enquanto eu dormia, e aquela cena me tocou profundamente. 

Meu irmão sempre zelou pela minha segurança, e ali naquela selva de pedras, as coisas estavam meio complicadas. Sua rotina o impedia de passar mais tempo comigo e isso era algo do qual ele se cobrava muito. Por várias vezes me pediu perdão por sua ausência, e aquela noite murmurou por mais de uma vez esse pedido. Mal sabe ele, que também chorei escondido.

— Tem certeza de que ficará bem? — perguntou ao me deixar na universidade no dia seguinte.

— Não ia conseguir ficar em casa, ao menos aqui ocupo minha cabeça.

— Que tal se tirássemos a tarde para dar uma volta no bosque?

— Não quero que se prejudique no trabalho por minha causa — murmurei, me sentindo culpada, percebendo sua inquietude.

— Esse é o problema. Tenho trabalhado demais e não sobra tempo para te dar atenção — respondeu. — Pensei que conseguiria, mas perco muito tempo no trânsito entre essas idas e vindas, e por fim... Não, Ana, tenho que mudar essa realidade.

— Eu realmente não queria que se sentisse pressionado — murmurei caminhando ao seu lado.

— Eu não dormi essa noite, tinha medo de acordar e não te ver — Michael soltou um suspiro profundo. — Você é o combustível que me move, minha irmã, e a ideia de não te ter por perto é assustadora.

— Seremos dois velhinhos caducos de bengala pela vida, esqueceu? — sorri ao me lembrar de quando prometemos isso um ao outro.

— A vida passa muito rápido, perdemos tempo tentando se adaptar as regras da sociedade, trabalho, compromissos, e acabamos negligenciando o que é verdadeiramente importante. Não quero olhar para trás e ver que poderia ter aproveitado mais o tempo contigo. Me perdoa por ser tão ausente?

— Michael, está me assustando — falei confusa. — Isso é uma despedida?

— Não, eu só, senti no coração que precisava te dizer essas coisas. Deve ser pelo susto de ontem, sei lá, acordei emotivo.

— Ficaremos bem, e, de preferência juntos, como sempre foi.

— Se cuida, Aninha — disse ele me abraçando. — Não esquece que eu te amo, aliás, não esquece de mim, tá?

— Obrigado por desempenhar tão bem o papel de pai. Eu jamais me esqueceria de você.

— Pai, eu? — Sua pergunta saiu tímida, o que era em evento raro. — Que novidade é essa agora?

— Sim, esse é o lugar que você ocupa em minha vida — respirei profundamente enquanto minha mente me despertava os sentimentos mais sinceros de quando ele me cuidou e se fez o meu porto seguro. — Passei anos esperando o pai me aceitar como filha, e não me dei conta de que esse lugar não estava vago em minha vida. Você, seu chato que tanto amo, desempenhou esse papel como ninguém. E limpe esse rosto, eu não posso ver, mas te conheço o suficiente para saber que está chorando.

— Você me conhece como ninguém, minha irmã. E o pai te aceita, sim, ele te ama muito, só não consegue se aproximar porque não sabe como fazer isso — Michael me deu um beijo na testa e saiu.

— Eu ouvi direito o que ele disse? Meu pai me ama? — murmurei entrando na sala de aula. — Ele deve ter falado isso só para me agradar, não é possível.

Minha rotina universitária havia mudado um pouco. Não mais contava com a ajuda do Eduardo, que já havia cumprido seu papel de me ensinar a utilizar o aplicativo e passar pela fase de adaptação. Ainda existia uma equipe de apoio, mas agora era mais independente, os alunos se acostumaram comigo e nem me sentia mais tão deslocada como no início. Às vezes até me esquecia de que aquela realidade era só minha.

— Não se esqueçam de me mandar o arquivo do debate da próxima semana — disse o professor enquanto eu terminava de guardar o material.

— Ana, eu tenho que correr, minha consulta é daqui a uma hora, e o trânsito hoje está caótico por conta do feriado prolongado — justificou Laura, que agora era a pessoa mais próxima que eu tinha ali.

— Tudo bem, pode ir, eu me viro — respondi desligando o notebook antes de sentir um perfume que me era muito familiar. — Edu?

— Bom dia — ele me cumprimentou com um beijo no rosto.

— O que esse homem ocupado faz aqui a uma hora dessas? — perguntei curiosa.

— Esse homem ocupado deu uma fugida do trabalho para convidar uma moça bonita para almoçar com ele.

— Sério? — eu ri. — E ela aceitou?

— Na verdade, eu soube que ela já tinha um encontro com um certo enfermeiro para hoje a tarde, você acredita?

— Aquele enfermeiro bonitão? Caramba, garota de sorte.

— Boba — respondeu aos risos. — Michael disse que tenho carta-branca para sair contigo hoje, porque aconteceu um imprevisto e só vai poder folgar amanhã.

— Eu disse para não se preocupar comigo, mas é teimoso — comentei quando o sinal soou já iniciando o movimento de alunos por ali.

Enquanto caminhava ao seu lado, meus pensamentos fervilharam tentando entender se sua aparição repentina tinha algo a ver com o comportamento do Michael aquela manhã. Eu já imaginava que depois da invasão a minha casa eles ficariam mais cuidadosos, mas aquela sensação de estar constantemente em perigo me deixava apreensiva.

— Sinto falta do meu professor de apoio — comentei tentando espantar aqueles pensamentos ruins.

— Isso significa que fiz um bom trabalho?

— Você foi uma peça fundamental em minha adaptação. Cheguei aqui parecendo um animalzinho assustado e hoje já me viro praticamente sozinha.

— Você é uma guerreira, Ana, aprendi muito contigo também. Sabe que se dependesse de mim estaria aqui todos os dias, mas minha nova jornada de trabalho exige um pouco mais do meu tempo.

— Não pensei que fosse me apegar tanto. Você me surpreendeu muito, sabia?

— Como assim? — perguntou em um tom tímido.

— Quando te conheci, criei uma imagem em minha mente, mas aí você se mostrou completamente o oposto, e foi isso que eu mais curti.

— No mínimo pensou que eu era só mais um banana pau-mandado da namorada como pensam, não é?

— Vai brigar comigo se disser que sim?

— Eu era do time que preferia paz a uma discussão onde ela sempre teria razão, mas muita coisa mudou, Ana. As pessoas costumam se esquecer de que têm teto de vidro e apedrejam o telhado alheio, mas não me importo. Sou eu quem paga minhas contas.

— Para algumas pessoas você nunca será bom o suficiente. Cresci ouvindo isso, e sabe que é verdade. O ser humano tem horas que pega pesado — murmurei reflexiva.

— Falando em pegar pesado; eu ainda não engoli essa história de você e o Caio, fechados naquele armário — disse ele destravando o alarme do carro. — Ainda mais...

— Nua? — eu ri sentindo meu rosto esquentar. — Estava escuro, ele não deve ter visto nada.

— Nunca duvide da rapidez de um olhar masculino — murmurou inquieto.

— Desse jeito vou acreditar que realmente está com ciúmes — falei com um sorriso entrelaçando meus dedos nos seus.

— Tenho, sim, e nunca fiz questão de esconder — afirmou me puxando pela cintura. — Eu disse que estava apaixonado, mas não levou a sério.

— Não é questão de levar a sério, tem a...

— Eu quero você, será que é tão difícil entender isso? Quando é que perceberá que eu te amo, Ana Clara!

Minha capacidade de raciocínio ficou abalada depois daquela declaração, e meu coração disparou ainda mais quando seus lábios colaram nos meus de uma maneira brusca. Não nego; eu amava quando ele fazia isso, toda vez me derretia em seus braços. Amava o jeito como seus dedos se entrelaçavam em meus cabelos e o som que ele emitia quando me beijava atrevidamente como agora. 

Me arrepiava quando aquela mão firme apertava minha cintura de modo que me prendesse ao seu corpo que sempre reagia quando estávamos próximos demais. Eu sabia o que aquilo significava, gostava do efeito que causava nele e ainda me perguntava se todas as garotas eram assim, porque a cada investida, eu sentia vontade de provocá-lo ainda mais, só para ver aonde aquela brincadeira iria terminar. Um simples beijo era capaz de me tirar de órbita, até me esqueci de que estávamos encostados em seu carro no estacionamento da universidade em pleno horário de pico...

— Que palhaçada é essa, Eduardo!

Ao ouvir o grito de Patrícia nos afastamos...

— Patrícia, por favor, isso está ficando cansativo — disse ele, em um tom razoavelmente baixo.

— Estava te procurando para mostrar o sapatinho que a avó da Luana fez para nosso bebê; nosso filho, fruto do nosso amor, estava toda animada e é assim que reage comigo?

— Você chegou fazendo escândalo. Se queria me mostrar algo, não precisava de todo esse alarde.

— Como acha que me sinto ao ver o pai do meu filho se agarrando com essa desclassificada no meio do estacionamento? — Você é ridícula, Patrícia, está sempre diminuindo as pessoas para se sentir por cima, mas não vou dar palco para seu show, já passou da hora de mudar o repertório — respondeu irritado.

— Tudo o que eu sinto, o bebê também sente, e ele deve estar muito feliz em saber que o pai está fazendo isso comigo.

— Já te pedi inúmeras vezes para não usar a criança a fim de me atingir. Se tem algo a me dizer, seja mulher o suficiente para jogar limpo, assim como foi para engravidar de propósito!

— Vai ficar jogando isso na minha cara? — seu tom de voz mudou de agressivo para manhoso. — Eu só pensei que a gente...

— Por favor, não dificulte as coisas — Eduardo respirou profundamente. — Não existe mais a gente, e sabe disso. Eu não quero te magoar e nem é pela gravidez, só queria que entendesse que acabou. Aceite de uma vez por todas que amo outra pessoa, Patrícia.

O Eduardo, mesmo testado ao limite, era dono de uma postura elegante e ponderada que me encantou desde o primeiro momento. Poucas foram às vezes que o presenciei perdendo a pose, e ainda assim, sempre tinha um jeito único de se expressar...

— Você o quê?

— É isso mesmo que ouviu — afirmou decidido. — Eu amo a Ana, e se tiver que culpar alguém por isso; culpe a mim. Ela sequer tem noção de como o simples fato de a conhecer mudou a minha vida.

— Ama coisa nenhuma, ela não passa de uma aventura — a garota surtada gargalhou. — Agora é fácil me dar as costas, não é você que vai carregar o fardo dessa gravidez sozinho.

— Não. Eu carregarei o fardo de ter um laço eterno com uma mau-caráter preconceituosa que não sabe o significado da palavra noção de ridículo. Que essa seja a última vez que dá um show querendo chamar a atenção, dá próxima, vai se dar mal.

Vocês devem estar se perguntando o motivo de eu ter permanecido ali. Pois bem, eu nunca encontrei essa resposta, apenas abracei meu corpo com as mãos, e fiquei...

— Você está iludido, Eduardo, isso não é amor, mas que droga, você adora dificultar as coisas!

— Ana, entre no carro — disse ele abrindo a porta antes de voltar sua atenção para ela. — Pela última vez, entenda; eu a amo, e foi exatamente para não te trair que quando percebi o que estava acontecendo dentro de mim, terminei contigo. Já te expliquei mil vezes e se nega a aceitar... Eu amo essa menina, e não há nada que possa fazer para mudar isso.

— Ela nunca será madrasta do meu filho, aliás, ele jamais terá uma madrasta!

— Patrícia, não!

Ao ouvir o grito do Eduardo, o som de um carro freando ecoou pelos meus ouvidos, e o tumulto de pessoas ao meu redor, me dizia que a coisa era séria.

— Por que você fez isso! — gritou Priscila surgindo sei lá de onde, já em desespero.

— O que aconteceu? — saí do carro me sentindo perdida.

— Ela se jogou? — Alguém perguntou ao passar por mim.

— A culpa é sua! — Luana me empurrou e caí no chão, sendo praticamente atropelada por algumas pessoas que se aproximavam, provavelmente curiosas.

Foi um momento de muita tensão, vultos apressados passavam por mim, vozes misturadas e murmúrios aleatórios. Um estranho me ajudou a levantar e me acompanhou até um canto afastado enquanto eu surtava internamente...

— Não, eu não tive culpa — murmurei o acompanhando desnorteada.

— Não é a garota grávida? — Alguém perguntou lá adiante.

As especulações aumentavam e eu ainda vagava sem rumo. Não sabia o quão grave era sua situação, mas torcia muito para que ficasse tudo bem, não me perdoaria se ela perdesse a criança por minha causa...

— Alvo fácil.

Uma voz masculina desconhecida me agarrou pelo braço ao mesmo tempo que um carro freou ao meu lado me assustando. Foi muito rápido, não consegui sequer reagir diante daquela brutalidade quando tive meu corpo sendo empurrado para dentro do carro.

— Mas, o quê...

— Não é hora para perguntas, vai, vai!

Nem tive tempo de entender o que estava acontecendo, um pano molhado com alguma substância de odor muito forte foi colocado em meu rosto, e meu mundo, que já era escuro, se apagou de vez...

— Prepare o jato que estamos chegando — uma voz grave ecoava pela minha mente enquanto lutava para despertar.

Aquele homem corria com o carro me fazendo nausear devido ao balançar incessante. Não demorei muito a soltar todo o conteúdo de meu estômago ali dentro, mais precisamente no companheiro de banco que praguejou algo que não entendi porque estava completamente tonta e confusa.

— Querem ferrar com a minha vida? Como não, a garota é mulher de policial, inferno!

— Eu não sou mulher de policial — tentei falar, mas a língua enrolou. Na verdade, nem sabia se era mesmo isso que havia ouvido em meio àquele reboliço.

Era desesperador, queria soltar a voz, mas meu raciocínio não acompanhava, só conseguia resmungar palavras desconexas que nem para mim faziam sentido, quem dirá, para quem estava ouvindo. Não faço ideia de quanto tempo se passou desde que me jogaram dentro daquele carro até o momento em que mudamos de condução.

— Finja que está dormindo — sussurrou uma voz feminina em meu ouvido ao ajustar o cinto de segurança em meu corpo.

— Moça, me ajuda — supliquei enquanto lutava contra aquele mal-estar que me consumia.

Nunca me senti tão mal, era uma mistura de sono com ansiedade, pensamentos confusos e muita náusea enquanto aquele veículo corria desenfreado para onde não fazia a menor ideia. O homem ao volante era grosseiro e se mostrava muito irritado, já a mulher que me acompanhava, parecia ter um pouco de humanidade correndo nas veias.

— Seja forte — ela sussurrava em meu ouvido. — Me ouviu, preste muita atenção, você precisa se atentar a tudo.

— Temos que correr ou seremos pegos — disse o motorista afobado.

Outra vez trocamos de veículo, mas agora me carregaram, porque sequer conseguia parar em pé. Talvez estivéssemos há horas naquela maratona e toda vez que começava a despertar, aquela mulher me dopava sussurrando em meu ouvido para prestar atenção. Mas prestar atenção em que se mal conseguia me manter acordada?

~♥~

Ao despertar, não fazia a menor ideia de onde estava. Minha cabeça doía intensamente enquanto o corpo parecia ter sido atropelado e jogado naquela cama estranha. O lugar era abafado e cheirava a mofo, por ironia do destino, meus olhos estavam vendados, e para completar meu martírio; pés e mãos estavam amarrados. A situação que já era apavorante ficou ainda pior quando ouvi pessoas se aproximando, então me lembrei da recomendação daquela estranha e segui o seu conselho...

— Por que ela não acorda? — a voz do que me pareceu ser um jovem rapaz me fez ficar apreensiva.

— Tem certeza de que ela não caiu? — questionou outra voz masculina mais grave.

— Ela vai acordar, não é pai? — perguntou o garoto.

— Vai, sim, filho, não se preocupe — respondeu o pai que pelo seu tom deveria ter seus cinquenta e poucos anos, ou mais.

— Exagero dopar a garota dessa maneira — disse uma voz grave com um tom de rouquidão.

— O Rony disse que ela estava muito agitada, e...

— Agitada todas ficam, eu não sei porque mandaram aquele molenga, ele não serve para esse serviço — respondeu o mesmo que questionou.

Tentei manter a calma, não sabia o que esperar e confesso que foi muito difícil...

— Não discuta minhas decisões! — Exigiu o mais velho, que pelo visto era superior por ali. — Preciso da nova equipe funcionando imediatamente, e os novatos precisam ser testados para decidir onde os encaixo.

— Eu quero ficar com ela — disse o garoto para meu total desespero.

— Não, não, já tenho um cliente interessado — retrucou o outro que tinha uma voz estranha.

— É meu presente de aniversário, eu quero ficar com ela!

— Qual é, garoto, sabe nem limpar o traseiro. Já estou fechando negócio com ela, depois você escolhe outra.

— Eu não quero outra!

Enquanto eles discutiam ao meu redor; fingir que dormia se tornava cada vez mais difícil com a tremedeira que comecei a sentir devido à crise de ansiedade que se formava...

— Ofereça ao cliente outras opções, tem uma remessa nova chegando hoje a noite. Se teu irmão quer essa, então não tem discussão — disse pai do garoto.

"Me quer para quê?", pensei apreensiva.

— Eu gostei dela, pai.

— Bom menino, está na hora, não é filho?

— Quando foi que os caprichos desse merdinha passaram a ser mais importante do que as transações da toca do lobo? — o filho de voz estranha questionou. — Ela já está vendida, ele que escolha outra.

— Ela é minha, já falei! — insistia o garoto.

— Parecem duas crianças birrentas — repreendeu o outro cara de voz grave, e pelas minhas contas havia três homens e um garoto ali. — Temos que focar no plano, o cerco está se fechando.

— O cobra tem razão — concordou o pai e agora eu já havia memorizado o dono daquela voz grave. — E sobre a garota, está decidido. Ela será do Nil.

— E eu faço o que com o cliente que aceitou a moça cega e até já pagou metade do combinado? Tem seis garotas disponíveis, mas esse porra quer a que foi vendida, vocês querem ferrar com o esquema?

— Veja lá como fala comigo, seu merda!

"Finja que está dormindo e preste atenção"

Aquela recomendação ecoava pela minha cabeça, então tentei memorizar alguns detalhes. O garoto atendia por Nil, um deles por cobra e o mais sinistro de todos ainda era uma incógnita, já que ninguém disse seu nome até aquele momento. — Pai, o Fênix tem razão, o cliente pagou uma grana alta pela garota, eu mesmo verifiquei o depósito.

Agora eu já sabia identificar quem era quem pelo tom de suas vozes.

— De um jeito nisso, Cobra, tenho certeza de que encontrará outra — exigiu o pai. — Se o cara quer uma cega, então lhe dê uma cega, não precisa necessariamente ser essa.

— Eu não vou cegar uma garota porque esse bosta resolveu brincar de ser homem.

— Eu também não concordo com isso — disse o Cobra.

— É assim que pensam em me substituir um dia?

— Se querem outra garota cega, esse retardado que faça o serviço!

O Fênix bateu a porta me fazendo pular de susto, sorte não terem notado.

— Eu já disse que ela é minha!

Pelo visto, agora foi a vez do garoto deixar aquela reunião de família acalorada.

— Esses dois tem a mesma idade mental! — protestou o Cobra.

— Deixe-os, Cobra — disse o pai. — De qualquer forma, a garota não sai daqui até que consiga atrair os ratinhos para a ratoeira. Depois vocês decidem o que fazer com ela.

Eles deixaram o quarto falando de mim como se fosse uma mercadoria qualquer, e aquilo me deixou completamente desnorteada. Quem dera tudo aquilo fosse um sonho ruim e eu acordasse em minha cama, ou ao lado do meu irmão, como naquela noite em que me envolveu em seu abraço de modo que me sentisse segura. Daria qualquer coisa para ouvir sua voz me acalmando e adormecer, sabendo que não importa o que acontecesse, ele sempre estaria comigo. Nem mesmo quando caí naquela piscina profunda me senti tão sufocada e perdida como agora...

"Esquece de mim não, tá?"

A voz do Michael ecoava pela minha cabeça como uma despedida.

— Precisava tanto do seu abraço agora meu irmão. — murmurei em lágrimas. — Ele disse que fui vendida e eu não sei o que vai acontecer. Estou com muito medo, Michael, aonde está você para me proteger?

Eu não entendia o motivo de a vida ter sido tão cruel comigo, chorava, me lamentava, surtava e depois me acalmava naquele silêncio insano do cativeiro onde fui jogada, sem ter ideia do que planejavam. Andei pelo quarto apalpando as paredes, precisava me movimentar, meus pensamentos acelerados não davam trégua. Naquele vazio sufocante, minutos poderiam ser horas, ou até mesmo dias, não importa, afinal, parecia que o mundo havia se esquecido de mim.

— Me ajuda Michael, eu não quero morrer aqui, não fiz nada para merecer esse fim — falei entre soluços antes de adormecer encolhida naquele chão frio.

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