Capítulo 16 Inferno astral
Aquela semana caótica se foi, mas o vazio e a tristeza estavam cada vez mais presentes. Agora eu já sabia usar o software, o que facilitou e muito a minha vida de universitária, mas, ao mesmo tempo, acabei me afastando dos demais alunos, porque optei por estudar na sala especial. Eram raras as aulas que acompanhava juntamente com a turma e confesso que senti saudade daquela agitação.
O Eduardo continuou me dando assistência juntamente com os professores durante as aulas, mas apesar de querer muito, eu evitava uma aproximação mais íntima. Agora com a confirmação oficial da gravidez, ele ofertou todo o suporte que ela precisava, e como já imaginava, a garota acabou se aproveitando da situação para tentar se aproximar.
Não, eles não reataram o namoro, mesmo depois das tantas cenas patéticas de choro e escândalos que a mesma protagonizou. Na verdade, eu até sentia pena dele, trabalhava a noite prestando algum tipo de serviço a delegacia de crimes virtuais e emendava a manhã na universidade sobrando pouco tempo livre, e esse pouco, ela não o deixava em paz.
— Você precisa descansar, está se acabando desse jeito — falei enquanto guardava o material aquela manhã.
— Eu tenho que manter minha cabeça ocupada — murmurou um tanto quanto apático.
— Não queria me manifestar, mas, percebi que tem feito além do que deveria — arrisquei a dizer. — Não que esteja implicando com o fato de ficar disposição dela, mas é que sinto que está sobrecarregado, e isso não é bom. Penso eu, que deveria identificar a real necessidade e o capricho.
— Não está errada, realmente me sinto sobrecarregado, não vejo a hora do meu filho nascer.
— Realmente é uma situação complicada.
— Não é bem assim que sonhei viver essa fase — refletiu depois de um suspiro profundo.
— Sinto a sua falta — confessei, segurando em sua mão.
— Eu também, sinto muito a sua falta.
— Será que um dia teremos paz?
— É tudo o que mais quero — murmurou me acompanhando. — Almoça comigo?
— Não sei se é uma boa ideia, Edu, eu...
— Só queria passar a tarde contigo — murmurou de uma maneira fofa. — Prometo me comportar, se você quiser, é claro.
Não escolhi me apaixonar, sequer percebi como ou quando aconteceu, e quando me dei por conta; aquele homem já era muito importante para mim. Mesmo que tentasse evitar, e olha que tentei, eu pensava nele mais tempo do que queria, sentia saudade de ter o seu toque em minha pele, como quando me abraçava apertado, sussurrando palavras atrevidas em meu ouvido, ou quando beijava causando uma revoada de borboletas no estômago.
Eu cresci ouvindo que o amor era algo bonito feito para nos deixar feliz, mas ninguém me contou que ele vinha com um combo de sensações tão intensas capaz de dominar a nossa vida. Tanto, que mesmo sabendo que nossa aproximação poderia me trazer grandes problemas; não consegui dizer não ao seu convite.
— Senti falta de vir aqui contigo — disse ele, enquanto caminhávamos no parque após o almoço.
— Amo essa paz — falei ao me sentar no gramado embaixo das árvores.
— Estava precisando disso — ele se deitou usando meu colo como travesseiro.
Minha mão automaticamente foi para seu cabelo, e ali permanecemos um longo tempo em silêncio apenas curtindo a brisa fresca e o barulho dos pássaros.
— Não consigo ficar longe de você, Ana, senti muito a sua falta — ele beijou a palma da minha mão.
— Eu também senti muito a sua falta — respondi já sentindo o coração acelerar ao perceber que se levantou.
Ele segurou meu rosto com a mão e subitamente me beijou. Eu até pensei em não corresponder, mas queria tanto aquele beijo que minha mão se agarrou firme a sua camisa para que não se afastasse, e esse gesto, o trouxe ainda para mais perto.
— Vou te conquistar, minha princesa — murmurou entre beijos. — Te quero tanto, Ana.
Ouvir aquilo me fez aprofundar ainda mais aquele beijo que agora contava com dedos firmes entrelaçados em meu cabelo, enquanto a outra mão apertava minha cintura me prendendo a um corpo quente que, a propósito, cheirava muito bem. Perdemos boas horas ali namorando, e por um instante, desejei muito poder enxergar para eternizar aquele momento que com toda a certeza já era um dos mais especiais que vivi. Pena que o tempo não colabora e quando meu conto de fadas estava focando bom, já era hora de descer da carruagem e voltar a realidade.
— Chegamos — disse ele parando com o carro.
— Onde estamos? — perguntei surpresa ao perceber que pelo barulho intenso de carros não era a rua de nossas casas.
— Não se preocupe, você vai gostar — Eduardo acariciou meu rosto, me ofertando o braço em seguida para que o acompanhasse.
— Mistérios — murmurei com um sorriso.
— Boa tarde, Vivian, a Márcia te avisou que eu viria?
— Boa tarde, ela avisou sim.
— Márcia? Não acredito, você me trouxe para ver o João? — perguntei ao Edu já pulando em seu pescoço e dando um beijo acalorado em sua bochecha.
— Nossa, desse jeito vou te trazer todos os dias — respondeu aos risos.
— A Marcia está em reunião com uma conselheira, mas já deve estar terminando.
— Posso olhar o computador enquanto isso? — perguntou Eduardo.
— Sim, é esse aqui da sala de espera, deu uma queda de energia e ela perdeu alguns documentos importantes — disse ela nos levando a outro ambiente.
— Ela deu sorte, quando formatei fiz uma cópia de tudo. Só espero que não sejam documentos recentes, porque aí é mais complicado.
— Ana, se quiser se sentar, fique à vontade, aceita um café, uma água? — Perguntou toda atenciosa.
— Obrigada, eu estou bem, não se preocupe — respondi me sentando em um sofá enquanto o Eduardo trabalhava.
— Você acha que ela vai demorar? — perguntou uma voz masculina que pelo que percebi já estava por ali.
— Acredito que não, senhor Daniel, já avisei que está aguardando.
Uma música calma vinha de algum lugar que não sei explicar, quebrando o silêncio que era soberano naquela sala...
— É um lugar bonito aqui — comentou o senhor.
— É, sim, bonito e calmo — respondeu Eduardo.
— O casal tem filhos?
— O meu está a caminho — disse Eduardo.
— Meus parabéns, que venha com saúde. Pelo visto é recente, a barriga ainda não apareceu — comentou o senhor.
— A minha? — perguntei, sentindo o rosto esquentar. — Ah, não, não somos um casal.
— Ah, sim, me desculpe, eu pensei que...
— Quem sabe no futuro — disse Eduardo me deixando sem reação.
— Ah, entendi — respondeu o senhor enquanto eu torcia para o assunto não se estender.
Não sei porque me senti daquela maneira, mas por um instante tive ciúme da Patrícia estar esperando um filho dele. Era como se estivesse sobrando, mesmo sabendo que era a mim que ele queria, sim, eu sabia, porque ele fez questão de demonstrar isso a tarde toda com gestos e ações.
— Incrível como se parece com ela — o homem murmurou, ganhando minha atenção novamente.
— Oi?
— Minha esposa, eu a perdi tem pouco tempo.
— Meus sentimentos — murmurei compassiva.
— Você se parece muito com ela, é impressionante — disse o senhor.
— O senhor veio ver as crianças? — perguntei, na tentativa de mudar de assunto.
— Não senhorita, eu nunca passei dessa porta, só vim trazer uns documentos. O seu nome é?
— Ah, que falta de atenção a minha, meu nome é Ana; o senhor se chama Daniel, não é?
— Sim, você sabia que Ana foi avó de Jesus?
— Sim, minha avó sempre me falava. E Daniel é o nome de um profeta bíblico — afirmei com um sorriso.
— É, deu para perceber que é uma pessoa de boas raízes religiosas, mas me fala uma coisa; está estudando?
— Sim, eu estou no primeiro ano de direito.
— Direito é um ótimo curso e precisa ser muito inteligente para passar no vestibular e exercer uma profissão assim. Quer dizer que estou falando com uma futura doutora das leis.
— Meu irmão é enfermeiro — comentei reflexiva. — Eu queria fazer algo assim, deve ser mágico salvar vidas, mas sei que para mim não é uma opção, então escolhi direito por conta do meu pai.
— Duas profissões muito importantes, tenho certeza de que ele deve ter muito orgulho de você. Uma moça educada e estudiosa, todo pai gostaria de ter uma filha assim.
— Para ser sincera, eu nem o conheço.
— Seus pais são separados?
— Minha mãe virou estrelinha quando nasci, e meu pai foi embora porque eu era cheia de problemas. Ele não quis carregar o fardo de uma filha doente, eu acho — falei pensativa. — Se ele soubesse a falta que me faz, se soubesse como eu queria sua presença em minha vida, queria que se orgulhasse de mim pelo menos uma vez.
— Tenha fé, às vezes a vida é injusta, mas tudo tem um propósito — respondeu ele.
— Tem que haver um propósito, eu não fui abandonada como algumas crianças que vem para cá, mas dói sabe, é como se tivesse sido punida por um crime que não cometi. Eu penso que filhos especiais deveriam vir para pais especiais, minha avó dizia que um filho especial é uma bênção, não um castigo.
— E você se considera um castigo?
— Eu não sei, mas vivo com essa dúvida — respirei profundamente. — Será que ele me ama?
— E, por que não amaria?
— Porque sou cega — murmurei com lágrimas nos olhos.
— Você é cega? — perguntou-me com espanto, o que não era novidade, já que sempre acontecia. — Mas, como?
— Nasci assim — respirei profundamente me recostando na poltrona. — Não sei porque com tantas pessoas no mundo, o destino me escolheu para passar por isso. É uma confusão de sentimentos, sabe? Tem horas que sou feliz e me acho muito especial, mas aí quando esbarro com as dificuldades meu mundo desaba. A única coisa boa, é que apesar de não ter tido meus pais presentes, o destino me presenteou com uma família maravilhosa que me deu muito amor, que é meu irmão e minha avó. Pelo menos meu pai não me abandonou em um lugar como esse, seria muita crueldade.
— Isso seria muito ruim, não é? — perguntou ele.
— É muito difícil ser diferente em um mundo de pessoas tão iguais, então, não sei o que seria da minha vida se tivessem desistido de mim.
— Você é uma menina iluminada — em um gesto inesperado ele segurou minha mão.
— Eu? — perguntei confusa, porém não recolhi a mão que ele apertava entre as suas.
— Está tudo bem? — perguntou Eduardo aparentemente preocupado.
— Está, sim, meu rapaz, essa menina é um anjo, sabia?
— Sempre soube — Edu respondeu ainda desconfiado.
— Boa tarde, me desculpem a demora — disse Márcia se aproximando, e foi só então que ele se afastou.
— Márcia, eu trouxe os documentos que me pediu — disse o senhor. — Espero que esteja tudo certo.
— Está, sim, senhor Daniel — respondeu ela.
— Então acho que vou indo, tenho que arrumar as malas, estou voltando para perto da minha família — disse ele se levantando. — Vim em busca de um sonho, mas acabei perdendo tudo o que eu tinha de mais precioso. Ela me convenceu a vir e agora... Bem, é a vida.
— Compreendo — disse Márcia.
— Então é isso, eu... — ele começou a falar, mas depois ficou em silêncio por um instante.
— O senhor está se sentindo bem? — perguntou Márcia.
— Na verdade, eu queria compartilhar uma passagem que aconteceu comigo — respondeu com simplicidade. — Hoje, antes de sair de casa, eu orei pedindo por uma resposta. E ela veio.
— Como assim senhor Daniel — perguntou Márcia se mostrando confusa.
— Desde que minha esposa se foi, me sinto perdido. É horrível olhar para o lado e se ver sozinho, ela foi a mulher que mais amei na vida. Tive muito medo de não conseguir lidar com minha nova realidade, mas agora sei que tenho uma missão a cumprir. Essa moça foi a resposta que pedi em oração.
— A Ana? — perguntou Eduardo.
— Eu?
— Sim, você me fez enxergar o erro que iria cometer se fosse embora sem levar meu filho.
— Filho? — perguntei ainda mais confusa.
— Isso é sério, senhor Daniel? — perguntou Márcia.
— Muito sério — respondeu emocionado. — Eu aprendi hoje aqui, que crianças especiais são mandadas para pais especiais, então eu sou especial por receber um anjo para cuidar.
— Que noticia maravilhosa seu Daniel! — Márcia estava eufórica. — O João vai ficar muito feliz.
Eu não me contive naquele momento e me atirei nos braços daquele senhor.
— Muito obrigado, muito obrigado mesmo — falei em lágrimas. — Conheço o seu filho, ele é muito fofo!
— Eu é que te agradeço por me abrir os olhos. Levarei meu filho para casa, ele tem família, e suas tias vão ficar muito felizes em me ajudar a cuidar.
— Tenho certeza de que ele será muito amado — murmurei com lágrimas nos olhos.
— Sim e profetizo em sua vida que o abraço tão esperado de pai que você tanto deseja acontecerá mais cedo que espera.
— Amém!
Como não chorar depois de um momento tão fofo como esse? Foram muitas emoções em uma só tarde, mas aquela de saber que o João iria para casa com o pai, e teria um lar de amor, sem dúvidas foi a maior delas.
— Obrigado pela tarde maravilhosa — falei parando em frente ao meu portão.
— Eu que te agradeço, estava precisando muito disso — murmurou colocando uma mecha do meu cabelo atrás da orelha.
— Quando você me toca — fechei os olhos ao sentir seu carinho em meu rosto. — É muito bom, e quando me beija, é melhor ainda.
Mal terminei a frase e já estávamos nos beijando ali mesmo na rua sem me importar com olhares curiosos, ou línguas maldosas. Dane-se se fôssemos vistos, eu sequer sabia se aquele momento mágico iria se repetir.
— Eu preciso de você em minha vida, Ana, não quero apenas um momento. Namora comigo?
— Eu...
— Pague o táxi — disse Patrícia, brotando do nada na conversa.
— O que faz aqui? — perguntou Eduardo.
— Paga o táxi Eduardo, o cara está esperando!
Foi uma situação constrangedora. Não percebi quando se aproximou, e agora estávamos os três no meu portão, sem que eu soubesse ao menos o que esperar, já que a minutos atrás estávamos aos beijos, e agora ainda de mãos dadas.
— Eu já volto — disse ele soltando minha mão.
— É sério que vai continuar no meu caminho? — perguntou irritada.
— Não sei se percebeu, mas estou em minha casa, foi você quem parou aqui — respondi ríspida.
— Deixe de ser sonsa garota, não percebeu ainda que está sobrando? Tem uma família acontecendo aqui, um bebê a caminho, sua iludida!
— Um bebê planejado por você para segurar o homem que não te ama? Que original essa ideia, depois me conta se deu certo.
— Escuta aqui, sua...
— Não comece Patrícia! — Eduardo retornou aparentemente muito irritado. — Paguei a corrida de volta, o rapaz está te esperando.
— Pode ir moço, eu vou ficar!
— Você vai com ele, Patrícia!
— Eu. Não. Vou! Já te disse para ir embora rapaz!
— Eu, jovem, eu preciso trabalhar! — disse o taxista.
— Entra no carro, Patrícia!
— Você se esqueceu de que me prometeu dar todo o suporte?
— E não estou fazendo isso? Paguei as consultas, os exames, comprei enxoval, aprovei o orçamento do quarto do bebê, te dou uma ajuda financeira. Quantos caras você conhece que faz isso por uma garota que engravidou de propósito?
— Atenção, você não me dá atenção!
— Você não sai do meu pé, não me deixa em paz, estou cansado, Patrícia. Me deixa respirar, eu não suporto mais a sua presença!
— Você me deve atenção, eu não fiz esse filho sozinha!
— Eu não vou correr para sua casa toda vez que tiver náuseas ou quiser companhia. Quero te acompanhar nas consultas para saber como está o desenvolvimento da criança, se me permitir, mas não crie uma cena romântica em sua cabeça porque não estamos juntos. Não vou construir uma história contigo, já deixei isso bem claro.
— Estou me sentindo indisposta — disse ela baixando o tom de voz. — Te espero no teu, carro, não demore.
A maluca se afastou e pude ouvir o barulho da porta do carro batendo. Estava fervilhando por dentro, mal consegui raciocinar direito.
— Ana, me desculpe por mais essa — disse ele aparentemente perdido.
— Se estivéssemos namorando — respirei fundo antes de terminar a minha fala. — Se estivéssemos juntos, eu teria que aceitar sua ex-namorada dentro do seu carro agora exigindo sua atenção?
— O táxi está aqui esperando, eu não posso obrigá-la a entrar. E também ão confio de deixar essa maluca sozinha no carro, não sei o que fazer.
— Dispense o taxista e a leve embora. Eu te agradeço pela tarde maravilhosa, mas é por essas e outras que não podemos...
— Por favor, Ana — Eduardo me abraçou.
— Leve a garota embora, Eduardo — pedi me soltando de seu abraço, e confesso que foi o momento mais difícil do meu dia.
— Me desculpa, eu não queria que tivesse que passar por isso.
Ele se afastou, e quando o carro saiu, finalmente pude liberar as lágrimas reprimidas. Minha sorte é que já era quinta-feira, véspera de feriado, o que significa que ganhei três dias sem ter que estar em sua presença, sabendo que desejar um pouco além de amizade, seria um erro. Sei que não era sua culpa, mas não teríamos paz enquanto ela estivesse grávida, e depois do nascimento, talvez fosse ainda pior. E por mais que eu o quisesse, não tinha certeza suportaria aquela situação por muito tempo.
Definitivamente eu deveria estar no meu inferno astral.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top