Capítulo 10 Um conto de fadas planejado

Na manhã seguinte, eu e o Eduardo nos encontramos na universidade como era de costume, mas para evitar maiores transtornos, combinamos de não mudar a forma de agir; só precisávamos parecer mais íntimos em algumas ocasiões e não necessariamente tinha que ser ali. 

 Já havíamos discutido sobre a precariedade das leis brasileiras em sala de aula, eu só não imaginava que atrapalhavam tanto trabalho da justiça. O Eduardo pacientemente me explicou as intenções do Caio, e acabei me convencendo de que não era viável procurar a polícia naquele momento, então, traçamos um plano para que pensassem que estávamos juntos. Isso me tiraria de foco nas confusões do Caio, mas de quebra me jogaria no olho do furacão com Patrícia e suas amigas.

E por falar em Patrícia; ela ainda criava algumas cenas, se humilhava e fazia várias chantagens, porém, sem nenhum resultado, o que para os alunos foi uma verdadeira surpresa, já que os rumores que corriam, era de que ela sempre conseguia reverter a situação..., um boato que as amigas sustentavam.

Com essa aproximação, criamos um laço de amizade ainda maior. O Edu criou vários roteiros que iam desde frequentar o parque ecológico, passeio de triciclo no jardim botânico, shopping, danceteria, até o clube de hipismo onde aprendi a andar a cavalo, coisa que sempre tive vontade, mas não imaginava que seria capaz. Eu sabia que aquilo era um conto de fadas planejado, mas me sentia tão feliz, que tive medo de como seria quando tivesse que descer da carruagem de abóbora e voltar a minha vida monótona de sempre.

O Caio, continuou com seus mistérios, mas agora conversávamos um pouco mais, o que foi uma grande vitória, visto que ele não era muito aberto a uma aproximação. Cheguei a conversar com o amigo investigador que me sabatinou em uma tarde em que fui com o Eduardo até seu escritório entregar um computador que ele havia consertado. A notícia boa é que pude tirar minhas dúvidas e me tranquilizaram sobre a segurança tanto minha como a de meu irmão, que agora sabia sobre a montagem, mas não sobre o restante da confusão.

Ao lado do Edu me sentia outra pessoa, ele me mostrou um mundo que eu não conhecia, me fez entender que não era tão limitada quanto pensava e que podia, sim, fazer muitas coisas legais. O Michael ria de nossas loucuras, um dia até pegou folga para patinar no gelo conosco no shopping, e depois encerramos a noite na estação de boliche onde ganhei de lavada. Bem, eu sei que facilitaram o meu lado, mas não importa, eu ganhei e foi incrível. Vocês têm noção de como estas coisas simples se tornaram tão especiais?

— Vou sentir falta desses momentos — comentei enquanto ele massageava meus pés no sofá da sala, naquela noite em que esperávamos o Michael chegar da faculdade.

— Eu também — murmurou colocando um pouco mais de creme hidratante nas mãos, antes de retomar a sessão de tortura.

— Essas mãos gigantes praticamente engolem meus pés — eu ri me encolhendo ao seu toque.

— Eu sou grande e desajeitado mesmo, desde a adolescência já colecionava apelidos por conta disso, mas, na horizontal não faz diferença.

A última parte de sua frase saiu baixa o suficiente para eu ter dúvidas se realmente ouvi aquilo...

— Não entendi — tentei segurar o riso por conta de meus pensamentos.

— Esquece — murmurou alcançando o outro pé.

Por que os homens quando querem ferrar com nosso psicológico mudam até o tom de voz?

O Eduardo normalmente tinha uma postura séria e enigmática que me passava a impressão de estar sempre no comando. Seu tom de voz era grave e potente, mas notei que quando estávamos sozinhos, se tornava levemente rouca e suave, era como se aquela armadura se desmanchasse revelando outra pessoa que eu não conseguia decifrar. Só sei que os momentos ao seu lado eram sempre especiais.

— Pelos pés, eu consigo massagear seu corpo todo, sabia?

Aquela pergunta me trouxe de volta a realidade arrancando sorrisos involuntários.

— Pois eu digo que você tem muita habilidade com essas mãos.

— Hum...

Não precisei enxergar para saber que sorria.

— Você entendeu o que eu disse, mente poluída.

— Mente poluída, eu? — perguntou entre risos espontâneos. — Nem pensei em nada, você que maliciou.

— Não maliciei — sorri sentindo o rosto queimar.

— Ué, por qual razão ficou vermelha, então? — perguntou entre gargalhadas. — Você não sabe do que essas mãos gigantes são capazes, minha cara.

— Indecente! — ri alto.

— Olha o que ela pensa de mim, eu me referi a abrir potes de azeitona, fazer cafuné no cabelo, massagem corporal e...

— Isso é propaganda para eu aproveitar mais esses dotes antes de nos afastarmos quando loucura toda terminar?

— E se ao invés de me afastar, eu quiser me aproximar ainda mais?

— Está calor aqui, não acha? — tentei mudar o foco da conversa. — O Michael está demorando.

Estranhamente me senti tímida, estávamos sozinhos e aquela situação me deixou levemente alterada. Não sabia como prosseguir, até então, era meu melhor amigo ali em um momento fofo, só que de repente, o clima mudou, e ouvir aquela insinuação que poderia, ou não, ser uma brincadeira, contribuiu para que ficasse ainda mais desconsertada. Confesso que me peguei fantasiando momentos que nunca aconteceram entre nós; mas era coisa da minha cabeça, não esperava uma fagulha de esperança e aquilo foi praticamente um lança-chamas.

Me levantei rapidamente e fui ao banheiro lavar o rosto, precisava pensar em algo rápido para disfarçar meu nervosismo e não parecer uma menina boba e iludida. O Michael me disse que precisava manter meus dois pés no chão porque não estava lidando com um garoto, e sim um homem vivido, e só de pensar nisso, meu coração já disparava porque não queria me iludir, não queria estragar nossa amizade e não queria que me achasse uma idiota que confundia cortesia com interesse. Cara, eu assumo, estava caidinha por ele e agora mil e uma teorias diferentes circulavam pela minha cabeça depois de seu comportamento de minutos atrás.

— Você está bem? — perguntou quando retornei.

— Eu sou meio estranha, não se assuste — esbocei um sorriso tímido ao me sentar ao seu lado.

— Acho que quem te assustou fui eu.

— Ah, não, eu...

— Boba, eu não vou te morder — Eduardo me puxou para si, então, repousei minha cabeça em seu colo, recebendo cafuné no couro cabeludo.

— Isso é bom — sorri de olhos fechados.

Como não gostar de receber um carinho tão espontâneo? Eu lutava dentro de mim para não me iludir, mas ele era tão atencioso que isso se tornou uma tarefa quase impossível.

— Não foge de mim, Ana — murmurou brincando com os fios do meu cabelo.

— Tenho medo de você — murmurei segurando uma de suas mãos.

— Medo de mim, que novidade é essa agora?

— Você deixa as mulheres piradinhas — respondi sorridente.

— Do jeito que a coisa anda, quem vai acabar pirando aqui sou eu.

Seu sussurro foi mais para si do que para mim. E o silêncio que se fez depois disso, me causou uma confusão de sentimentos que foi, desde dúvida, medo, a ansiedade de saber o que exatamente queria dizer com aquelas investidas. Eu sempre fui muito insegura, sei lá, minha condição, eu não era como as outras garotas e não era comum um rapaz se mostrar interessado, e se acontecesse, eu não saberia identificar.

— Que mão gostosa, se continuar assim vou dormir — falei entre bocejos.

— Não luta contra o sono, sei que está cansada, eu vou esperar o Michael, preciso conversar sobre a ideia de te dar carona.

— Não sei se é uma boa ideia, a Patrícia ainda tem esperanças, e os alunos podem...

— Os alunos que se lasquem, eu não devo satisfação da minha vida a ninguém, e quanto a Patrícia, ela precisa entender que não tem volta. Eu respeito seus sentimentos, mas isso não significa que tenha que parar minha vida até que ela resolva reagir e seguir com a dela.

— Apesar de tudo, tenho pena dela — comentei. — Um mês é pouco tempo para juntar os cacos, ela vai demorar para assimilar as coisas.

— Esse rompimento também me afetou, ainda me afeta porque escrevemos uma história juntos, mas não dá para ficar velando um relacionamento fadado ao fracasso.

— É por isso que não quero namorar, você se apega a pessoa e depois parecem dois estranhos — comentei me ajeitando no sofá.

— Isso acontece quando o término envolve muitas mágoas mal resolvidas — afirmou.

— Ou quando uma das partes ainda possui sentimentos em relação a outra — completei.

— A verdade é que, ninguém começa um relacionamento pensando no fim — entrelaçou seus dedos nos meus, enquanto a outra mão continuava brincando com meu cabelo. — O amor deve ser cultivado todos os dias, seja com gestos, palavras ou atitudes, senão, enfraquece e morre.

— Michael diz que o que mata os relacionamentos é a rotina, mas fico pensando naquelas pessoas que vivem juntos há cinquenta anos. Como não cair na rotina?

— Durante anos eu vi o meu pai cortejar a minha mãe, eram como um casal de namorados, e te garanto que foram muito felizes. O problema de muitos casais é se acomodar, e isso eu nunca vi entre eles, surpresas, encontros, viagens, eram muito apaixonados.

— Que lindo — murmurei emocionada.

~♥~

O Edu me contou uma parte da história de seus pais, mas, naquela altura do campeonato, eu estava com tanto sono que me perdi na conversa e acabei adormecendo. Não vi o Michael chegar, nem o Eduardo ir embora, só me lembro de ter acordado em minha cama vestida com o pijama de renda que havia deixado sobre ela na noite anterior.

— Michael! — pulei da cama, assustada, ao ouvir uma buzina de moto a frente da minha casa.

— Desperta bela adormecida — disse Eduardo quando abri a janela, e foi aí que entendi que o Michael foi trabalhar e me deixou para trás, por certo, entraram em um acordo sobre a ideia da carona.

— Acabei de acordar, estou atrasada?

— Dá tempo de se arrumar, eu aguardo aqui — disse ele desligando a moto.

— Eu troquei de roupa? — murmurei confusa, porque, tirando aquela vez em que o chuveiro literalmente explodiu em minha cabeça e saí nua assustada pela casa; o Michael nunca mais me viu sequer de roupa íntima e respeitando meu espaço, jamais mexeria comigo quando estivesse dormindo.

Mal tive tempo de assimilar as coisas, me arrumei rapidamente e comi uma fruta na tentativa de não atrasar, então fechei a casa e fui ao encontro do meu então, namorado de mentira que para variar, estava de bom humor como sempre.

— Bom dia, minha linda, dormiu bem?

— Bom dia meu anjo, eu apaguei e nem vi a noite passar, e sabe o que é mais estranho? Eu dormi no sofá de short jeans e camiseta, e acordei em minha cama, vestida com o pijama que deixei sobre ela. Você saberia me dizer o que aconteceu?

— Vai brigar comigo se eu disser que te coloquei na cama?

— Você esteve em meu quarto?

— Você esteve no meu, então estamos quites.

— Mas era... ah, era uma situação diferente, estávamos vestidos e eu...

— Fica linda assim toda atrapalhada, mas prossiga quero ver como essa conversa termina — disse ele aos risos.

— Eduardo é sério, eu não estava de pijama na sala contigo, então como acordei com ele?

— Tudo isso é vergonha por eu ter visto você com aquele shortinho de renda, sexy, e transparente?

— Misericórdia Edu, então é verdade, você me trocou mesmo! — Senti um frio percorrer minha espinha enquanto Eduardo se divertia com minha timidez.

— Não, mas você fica linda quando está tímida assim — disse ele afivelando meu capacete.

— Sou sonâmbula e falo dormindo, o Michael até já se acostumou comigo andando pela casa, às vezes tem que me levar de volta para cama quando surjo no quarto dele de madrugada.

— Você se levantou dizendo algo que não entendi, foi até seu quarto e depois voltou de pijama e deitou usando meu colo como travesseiro. Eu percebi que estava dormindo, achei fofo e não quis te acordar, e quando o Michael chegou, conversamos um pouco e depois fui embora.

— Caramba, eu realmente acreditei que tivesse me visto de roupa íntima — respondi aliviada.

— Isso seria ruim?

— O que você acha?

— Acho que seu pijama é um pouco transparente, mas rendas são muito sexy, eu particularmente adoro.

— Não sabia que gostava de vestir roupas íntimas de renda — provoquei aos risos.

— Na verdade, eu gosto mesmo é de tirar — disse ele me fazendo corar.

— Engraçadinho, bem que minha avó dizia que nós mulheres temos que estar sempre prevenidas, e com roupas íntimas apresentáveis na presença masculina, porque os olhos de um homem, são mais rápidos do que a velocidade da luz.

— Se estiver se sentindo em desvantagem, eu deixo que veja como durmo, o único problema, é que durmo pelado e você enxerga com as mãos — riu anasalado.

— Seu indecente, você não era assim!

— Sempre fui — respondeu saindo com a moto. — Me abrace forte porque vou acelerar e não quero chegar à Universidade e perceber que minha carona ficou pelo caminho.

Ao entrelaçar meus braços ao redor de seu tronco, não pude deixar de perceber que se encolheu ao meu toque, o que me fez sorrir instantaneamente e me aventurar a tatear um pouco mais. Ele vestia uma calça jeans e camiseta marcando o corpo como as que Michael usava. Já sabia que malhava, mas ao conferir o produto pessoalmente, percebi que havia muito ali a ser explorado, o que me ativou um lado atirada que ainda não conhecia.

— Está em forma, hein, colega! — apertei sua cintura.

— Credo, que tarada — respondeu aos risos.

— Tarada, não, curiosa — eu ri agora tateando seu abdome definido.

— Aí já está judiando! — disse ele, voltando a se encolher.

— A comunidade feminina não me perdoaria se soubesse que estive assim, tão perto de uma barriga desenhada, e não tirei uma casquinha — comentei enquanto entrelaçava meus braços ao redor de seu corpo.

— Então diga a comunidade feminina, que a comunidade masculina está carente, e isso é tortura — respondeu ele.

— A comunidade feminina mandou dizer que só estou vendo como está vestido.

— A comunidade masculina mandou dizer, que desse jeito vai acabar me vendo é despido.

— Indecente! — eu ri.

— Safada! — rimos juntos.

Eu nunca fui atirada assim, mas estava descobrindo um lado da vida que não achava ser possível viver. Isso despertou muito minha curiosidade sobre o mundo dos adultos, uma vez que, até então, era tratada por todos como uma criança inocente e indefesa, o que não acontecia com o Eduardo. Não que eu fosse fazer isso com qualquer pessoa, mas com ele era diferente, sei lá, eu senti vontade e fiz.

~♥~

A aula até que foi interessante. Realizamos um debate, e no fim das contas, o assunto sobre as leis brasileiras estarem muito desatualizadas e como isso atrapalha o trabalho da justiça acabou vindo à tona novamente, o assunto rendeu tanto que se estendeu até o intervalo.

— Ana, você se saiu muito bem, eu não sabia que conhecia tanto de leis — disse Eduardo, enquanto nos sentávamos no refeitório.

— Eu estudei muito sobre leis, escolhi o curso por um propósito, mas quem sabe não serei uma boa advogada um dia.

— Ou juíza — acrescentou.

— Só porque a justiça é cega? — sorri fazendo careta.

— Vou ser delegada e dar um jeito nos policiais que se acham.

— Aí serei obrigado a entrar para essa corporação — disse ele aos risos.

— Edu a gente pode conversar um minuto?

Fomos interrompidos por uma voz que eu não queria ouvir, nem de longe.

— Patrícia, agora não, por favor, isso está ficando cansativo.

Apesar de se mostrar incomodado, ele nunca a tratou mal, sequer com grosseria, ao contrário dela, que sempre se alterava.

— Edu não faz isso com a gente, por favor, eu te peço. Garota, você pode nos dar licença?

— Na verdade, não — arrisquei a responder.

— Não? — perguntou ela, já aumentando seu tom de voz.

— Eu não tenho que ficar saindo toda vez que quiser conversar com ele, é você quem quer privacidade, então que vá para outro lugar — dei de ombros, bebericando um pouco do meu suco.

— Deixa de ser folgada, garota!

— Folgada é você que chega aqui se achando no direito de me fazer levantar para te dar privacidade. Eu não vou sair daqui, se isso não te agrada, não posso fazer nada a respeito.

Na verdade, aquela postura foi um conselho que a Laura me deu ao presenciar cenas absurdas onde eu passava, desde constrangimento, a humilhação, com aquelas garotas no meu pé quando o Eduardo não estava presente.

— Ela tem toda a razão, e você, não crie uma cena desnecessária, já conversamos inúmeras vezes e ficar insistindo só vai aumentar as feridas, não precisamos disso.

— Então é assim, Eduardo!

Como era de se esperar, outra cena se formou, com direito a berros e choros que a idiota aqui ainda sentia pena.

"Lá vem", pensei.

— Foram dois anos de cumplicidade onde só nós dois sabemos o que passamos, não cheguei ontem na sua vida para ser tratada assim. Eu estive ao seu lado nos momentos mais difíceis, "eu", segurei a sua mão enquanto seu mundo desabava, "eu", fui sua mulher, era por mim que você costumava perder a cabeça e agora está aí aos risos com essa...

— O nome dela é, Ana Clara, e não quero que a trate mais do jeito que tem tratado. Ela não tem culpa de nossas falhas e você sabe o verdadeiro motivo do nosso fim, Patrícia.

— Não existe nosso fim, eu não vou perder você para ela!

— Mudei de ideia, meu ouvido não é penico, então, o refeitório é todo de vocês! — me levantei irritada, já ouvia bochichos ao nosso redor e aquilo realmente era cansativo.

— Não precisa sair, Ana, eu não tenho nada para falar com ela — Eduardo segurou meu braço.

— Te espero na sala de aula, Edu — foi a única coisa que consegui dizer antes de me afastar.

Eu saí sem rumo, estava cansada de tantas discussões pelo mesmo motivo, por mais que me sentisse tocada pelo sofrimento dela; não podia deixar de pensar que os meus existiam e toda vez eu saía machucada. Fui até o banheiro, lavei o rosto sentindo aquele nó gigantesco se formar em minha garganta, não é possível que aquela insistência fosse me afetar por muito mais tempo, estava cansada de me culpar por um erro que não cometi.

— Quando esse pesadelo vai acabar, mas que droga! — protestei enquanto minha voz ecoava por aquele ambiente, aparentemente, vazio.

— Está tudo bem? — perguntou uma voz feminina que eu não conhecia.

— Sim, eu só, vim respirar um pouco.

— No banheiro? — sua voz saiu um pouco confusa ao entrar no reservado.

— Só queria ir para onde pudesse ficar em paz — murmurei derrotada.

— Dependendo dos conflitos internos, a gente pode fugir para o fim do mundo que nunca estamos em paz — disse a moça lavando a mão. — De qualquer forma, melhoras.

Ela saiu do banheiro e eu fiquei ali, estática, pensando na vida. Tudo o que eu mais queria, era que a hora passasse para que pudesse ir para casa.

— Não tenho paciência — a voz de Priscila me fez entender que teria companhia, e em um impulso desnecessário me fechei no reservado como da outra vez.

Definitivamente aquele não era o meu dia!

— Gente, eu não entendo a Paty ficar correndo atrás do Eduardo, isso eleva o ego dele lá nas alturas — disse Luana para as amigas.

— Até parece que vocês não conhecem a Paty, daqui a pouco eles somem do refeitório e passam o dia todo no motel, querem apostar? — afirmou Larissa.

— Verdade! — Luana gargalhou. — A Paty é danadinha, sempre dá um jeito de acabar com as brigas do jeito que ele gosta, por isso sempre trouxe o Eduardo na palma da mão.

— Ele é doido por ela, está totalmente desorientado, mas concordo com vocês, é só a Paty dar um trato que volta a comer na mão dela, manso, humilde e obediente! — Priscila gargalhou.

— Eu disse que contornaria essa situação, é só questão de tempo — disse Patrícia se juntando as amigas.

— Se acertaram? — perguntou Luana.

— Ele nem quis me ouvir, tudo por causa daquela inútil, mas concordou em jantar comigo essa noite para termos uma conversa definitiva.

— E onde será o jantar dessa vez? — questionou Larissa.

— No Shopping perto do seu prédio, e você trate de arrumar um lugar para pernoitar porque não vou levar o Edu lá para casa, tenho que caprichar se quiser levar vantagem.

— Ah, que linda, ela quer usar meu apartamento como motel — protestou Larissa.

— Seu apartamento, sua cama e sua banheira de hidromassagem, com toda a certeza. Eu tenho que levar esse homem às alturas se quiser consertar a besteira que fiz.

— Eu ainda não entendo, vocês brigavam e logo se acertavam, mas já tem um mês e nada — comentou Luana

— Das outras vezes eu não tinha ofendido a memória da mãe dele.

— Como assim, ficou louca! — Priscila indagou surpresa.

— Não foi diretamente ela, eu falei tudo o que penso sobre ele ficar perdendo tempo com essa garota que pouco acrescenta, o problema é que estava com raiva, acabei pegando um pouco pesado e ele levou para o lado pessoal.

— Vai acabar levando um processo — disse Larissa.

— Mas o que tem demais nisso, você está certa! — defendeu Priscila, enquanto eu lutava para segurar as lágrimas naquele meu momento secreto de humilhação.

— O que tem de mais? A mãe dele era cega, isso é o que tem de mais, e esse foi o motivo dessa merda toda.

— Eu tinha me esquecido disso, então não foi por causa dela que terminaram? — perguntou Priscila.

— Ah, vocês acham mesmo que ele terminaria um namoro de quase três anos comigo por causa de uma aventura com uma sonsa daquelas, me poupe né!

— Com todo respeito amiga, mas ela tem jeito de nunca ter estado com um homem e isso aguça a imaginação masculina. É questão de tempo até essa novidade passar e ele voltar rastejando, não duvide disso — Luana gargalhou.

— Desde que tome um bom banho para tirar o cheiro dela, eu não me importo — respondeu Patrícia. — Mas duvido que depois dessa noite vai querer se aproximar daquela sonsa outra vez, e se ela quiser, que se contente com o irmão.

— Ah, o Caio é um gostoso, até eu pegava aquele loiro se me desse chance. Só de pensar naquele corpo cheio de músculos me apertando, já sinto um calor danado — disse Luana.

— Eu que o diga, naquele carnaval que passamos na casa de praia, bebi horrores e confundi os dois, acabei agarrando o Caio no chuveiro, gosto nem de lembrar — disse Patrícia.

— Ah, com certeza ela ficou traumatizada com um monumento daquele, nu, dentro do box! — Luana gargalhou.

— Que os céus me defendam daquela pegada, e olha que estava bêbado, nem sabe que fui eu, e se o Edu souber que tirei uma casquinha do irmão aquela noite, ele me mata.

— Nossa, que mancada, mas voltando ao assunto; temos que tomar cuidado agora, eu nem sabia que a mãe dele não enxergava — disse Larissa.

— Gente, eu me esqueci o que se pode fazer, estava com tanta raiva que nem me lembrei que a velha tinha deficiência.

— Eu acho que uma coisa não tem nada a ver com a outra, o Edu deve ter se aproximado por pena, não vai trocar uma mulher linda e perfeita por uma garota que vai ser um peso a ser carregado pelo resto da vida — disse Priscila.

— Eu tenho uma carta na manga, se meu teste de gravidez der positivo, ele volta para mim em um piscar de olhos.

Ao ouvir a fala de Patrícia, senti um frio intenso percorrer meu corpo, meu estômago se revirou e o ar ficou literalmente rarefeito, afinal, se isso fosse mesmo verdade, ela teria o Eduardo na palma de sua mão.

— E lá vem o golpe da camisinha furada! — Priscila gargalhou.

— Ficou louca? — perguntou Luana.

— Eu parei de tomar pílula a quatro meses, não me lembarava disso, mas estou atrasada, se positivar... é xeque-mate.

— Paty não viaja, golpe da barriga caiu de moda faz tempo — observou Luana.

— Eu só penso no tamanho dessa burrice, você só tem vinte e um anos, o que vai fazer com uma criança, mal sabe cuidar de si própria! — argumentou Larissa.

— E quem disse que vou cuidar, não gosto de crianças, para isso existem as babás — respondeu Patrícia.

Larissa, que pelo visto era a mais ajuizada do grupo, comentou:

— Não consigo te ver casada, cuidando de uma casa, marido, filhos, isso definitivamente não combina contigo.

— Eu só quero o meu homem, me recuso perder o Eduardo para aquela inútil. Para cuidar da casa existe empregada doméstica, não nasci para Amélia, e se realmente vier uma criança, minha mãe que cuide, não mandei ficar pedindo um neto — disse ela enquanto saíam do banheiro, restando apenas um silêncio com cheiro fortíssimo de veneno no ar.

Ao remoer aquelas palavras, senti uma dor tão forte no peito como se alguém me desse uma punhalada no coração. Não pensei que fosse possível uma única pessoa carregar tanta maldade e aquelas garotas eram a imagem do coisa ruim e seus súditos em pessoa.

— A garota é mais maluca do que eu pensava. Não gosta de criança e está disposta a trazer um inocente ao mundo por puro capricho. E depois de tudo isso você ainda vai jantar com ela Eduardo, só pode ser brincadeira! — murmurei enquanto saía sem rumo daquele banheiro.

Ao ganhar o corredor ainda havia um pouco de movimento, mas a maioria dos alunos já estava em sala de aula, o que seria bom para que eu respirasse com tranquilidade se não estivesse tão agitada e tensa por não saber como agir diante das informações que tive. Não era do meu feitio ouvir conversas atrás da porta, sem contar que jamais me prestaria ao papel de ficar levando e trazendo informações a fim de causar intrigas entre as pessoas, independente de quem fossem.

"Isso é muito sério, mas não posso simplesmente te contar, Eduardo. Não sei qual seria sua reação, e se vocês brigarem por conta disso, agora sim eu seria culpada e, por outro lado, se depois se acertarem, eu posso sair como a errada da história. O que eu faço?", murmurei em pensamento enquanto caminhava inquieta rumo a sala de aula.

— Se gritar, será pior! — disse uma voz disfarçada enquanto estava sendo praticamente arrastada pelo corredor.

— Ah, não, será que nunca vou ter paz!

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