Capítulo 09 Desastre iminente
Aquela demora me deixou apreensiva, não estava com um bom pressentimento e o silêncio do Eduardo me dizia que ele também estava ansioso. Me recostei no sofá pensativa, as vozes da minha cabeça já criavam várias teorias, mas nenhuma delas fazia sentido porque parecia ser um assunto muito sério, e se o senhor confusão estava envolvido; boa coisa não era.
— Calma, anjo, é o Caio que chegou — disse Eduardo aos risos, quando caí de paraquedas em seu colo ao me assustar com o toque da campainha, que ecoou pela casa vazia. — Me mandou mensagem avisando.
— Misericórdia, que vergonha, me desculpe, eu não tive a intenção. Eu odeio essa campainha.
Estava trêmula e completamente constrangida...
— Relaxa, só estamos nós dois aqui e não vou contar a ninguém, agora penso que seria bom abrir a porta, não acha?
— Tem como apagar isso da sua memória? — perguntei indo em direção à porta.
— Talvez eu não queira fazer isso.
Não precisei enxergar para saber que sorria...
— Me desculpe pela demora — disse o Caio me dando um beijo inesperado no rosto. — Não deveria deixar o portão destrancado.
— Entre, por favor, e fique à vontade. Eu deixei o portão destrancado por que o Edu disse que você estava vindo — respondi ainda envergonhada.
— Então a partir de agora não deixe mais, é muito perigoso — recomendou.
— Ok, eu sei que não posso deixar, mas vamos direto ao assunto porque essa situação está muito estranha.
— Não sou de fazer rodeios, então, eis aqui o motivo dessa reunião — Caio realmente era direto, e essa era uma qualidade que eu sempre admirei.
— O que os olhos não veem, o coração não sente. Mas, o que significa isso!?
— Veja as outras.
— Que merda é essa, Caio?
A reação do Eduardo me deixou confusa e, ao mesmo tempo, assustada...
— Alguém pode me traduzir? — perguntei com o coração acelerado.
— Isso aqui é muito sério, quem tirou essas fotos, Caio?
Um clima de tensão se fez a minha volta, e senti muito não poder ver para saber do que se tratava...
— Que fotos, gente, alguém me explica o que está acontecendo? — perguntei assustada.
— Também quero saber — a voz do Eduardo saiu um tanto quanto irritada. — Essas aqui são montagens mal feitas, mas essas de vocês dois...
— Nós dois o quê? — o interrompi. — Alguém me explica logo o que está acontecendo aqui, estou ficando nervosa!
— Criaram uma espécie de novela e postaram essas montagens com teor de zombaria — explicou Caio, me deixando ainda mais apreensiva.
— Sobre mim?
— Esse tipo de coisa me revolta! — Eduardo jogou os papéis ao meu lado no sofá.
— O link dessa merda foi postado nos grupos da universidade, mas já dei um jeito nisso — afirmou Caio.
— E descobriu o responsável? — perguntou Eduardo. — Porque eu já tenho minhas suspeitas.
— Uma conta fake, foi provavelmente utilizado um celular descartável, não consegui rastrear, deve ter sido desativado.
— Não gosto de acusar, mas desconfio da Patrícia e suas amigas — murmurei pensativa.
— Eu também, mas até que se prove o contrário, elas são inocentes — afirmou Caio.
— Não é segredo para ninguém que me perseguem, que provas vocês querem?
— Não é bem assim que as coisas funcionam, Ana — Caio interveio. — Mas estou trabalhando nisso e vou descobrir quem foi.
— Se foi coisa da Patrícia, ela vai se ver comigo — protestou Eduardo. — E essas fotos aqui, o que você me diz Caio?
— E tem mais? — perguntei aflita.
— Essas são daquela noite da confusão. Estavam no para-brisa do carro quando saí da academia.
— Quem usaria isso como ameaça? — perguntou Eduardo.
Aquela pergunta me levou até a noite em questão, e um estalo me fez pular do sofá...
— Aquele cara, foi ele não é, você disse que estava armado e era perigoso. Que tipo de confusão me meteu, Caio?
— Eu não te meti em nenhuma, só te dei uma carona. Se o bonitão aí tivesse te trazido aquela noite, nada disso teria acontecido.
— Eu só quero entender o que faziam abraçados no carro — murmurou Eduardo.
— Você me pediu para trazer a garota, esqueceu?
— E você se aproveitou da situação — respondeu ríspido.
— Eu não me aproveitei de nada, a menina estava nervosa, só a acalmei, deixa de ser doente!
— Olha a quantidade de fotos, Caio!
— A parte que havia um homem armado, está tudo certo — afirmei sarcástica.
— Também não, mas ele não tinha que...
— Pare de ser surtado, seu irmão e eu nunca ficaríamos juntos, ele é muito...
— Continua que eu quero ouvir o desfecho — Caio soou ofendido.
— É que... ah, não é nada disso, eu...
— Se enrola não, eu quero a resposta.
— Ah, não complica, somos muito diferentes, seu sobrenome deveria ser confusão — falei atrapalhada.
— Falou a maluca que saiu do carro para enfrentar um capanga armado por minha causa.
— É mesmo? Continua que agora sou eu quem quer ouvir o desfecho — disse Eduardo impaciente.
"Quando é que essa situação se virou contra mim?", pensei.
— Você fez isso, Ana? — pressionou Eduardo.
— Não tenho culpa se teu irmão se mete com gente errada — falei desconfortável.
— Vocês dois vão me deixar falar, ou não? — Caio interveio.
— Algo me diz que vou te dar umas porradas depois dessa conversa, mas prossiga — Eduardo ameaçou o irmão.
— Desafio aceito — respondeu Caio.
— Querem parar com essa merda e começar a explicar que tipo de confusão me meteram!
Um silêncio constrangedor invadiu o local depois de minha explosão inesperada...
— Ela não era doce e delicada? — questionou Caio, e por um instante desconfiei de que pudessem estar se comunicando por meio de gestos e expressões faciais que eu nunca saberia do que se tratava. E só para constar; eu odiava quando faziam isso comigo.
— Doce igual a um limão e delicada feito um coice de mula, agora solta a língua, ou serei eu a te dar umas porradas!
— Me desafia no ringue — a voz de Caio saiu divertida. — Mas, falando sério, uma dessas montagens foi postada em um site de garotas de programa e deram meu número para contato. Quase tive que desativar, mas não para por aí, os lutadores descobriram e agora me chamam de: Clarinha, garganta profunda.
— Fizeram o quê?! — minhas pernas amoleceram só de imaginar do que se tratava a tal montagem, e se não estivesse sentada com certeza teria caído.
— Eu já resolvi isso também. Agora só pensam que tracei a namorada do meu irmão.
Eu demorei assimilar tudo aquilo, não entendia o motivo das pessoas sentirem essa necessidade de atingir o outro de uma maneira tão covarde.
— Eu não tenho noção da gravidade, mas não seria o caso de comunicar a polícia?
— Você disse que tem ranço de polícia — afirmou Eduardo.
— Por que você tem ranço de polícia? — perguntou Caio.
— Vocês vão me enlouquecer! — falei entre dentes.
— Não estou entendendo nada — Caio murmurou confuso.
— Não bagunça minha cabeça, Caio, eu fui parar em um site de prostituição, isso é muito sério!
— Mas em momento algum eu disse que não era, estou a dias tentando resolver isso da melhor forma possível.
— Você é algum tipo hacker criminoso?
— Hacker, sim, criminoso não, me respeita — Caio respondeu divertido.
— Dá para falar a minha língua? — pedi inquieta.
— É uma parada confidencial, então não, eu não posso falar a sua língua. Só preciso que confie em mim e colabore para que tudo dê certo.
— Desde quando isso vem acontecendo? — perguntou Eduardo.
— O link e postagem no site já tem alguns dias, mas essa aqui foi hoje, e é ela que me preocupa.
— Estou com medo de perguntar o que tem nessa bomba — murmurei com o coração acelerado.
— Toda essa confusão acontecendo, e eu sem saber de nada, Caio. O que você tem na cabeça?
— Você sabe como isso funciona.
— Sim, mas ela tem que prestar queixa, isso é muito sério!
— Concordamos que as montagens nada tem a ver com as outras fotos, o que me dá duas linhas de investigação. Mas se a Ana oficializar a queixa, não vou poder ajudar e você sabe disso.
— Eu já disse para falarem a minha língua, mas que saco!
— Só preciso que apareçam, juntos, com mais frequência, assim confundo esses imbecis e ganho tempo. Sempre mantive minha vida o mais discreta possível, porque qualquer ponto fraco pode se tornar um alvo e ter sido visto com a Ana é algo que não deveria ter acontecido.
— Seu irmão é maluco — falei para o Eduardo. — Um hacker caótico, precisa ser interditado.
— Eu posso juntar provas para incriminar os culpados, tanto dessa brincadeira de mau gosto da universidade, como a do site. Depois se quiser levar tudo a polícia terá mais chance de sucesso.
— Está me propondo um namoro falso enquanto você brinca de detetive?
— Eu jamais faria isso, e também não estou brincando de detetive, tenho meus contatos e sei o que estou fazendo.
— Não acredito que isso está acontecendo comigo — voltei a me sentar inquieta.
— Sei que pode parecer loucura, Ana, mas preciso que confie em mim. É pelo seu bem, o Eduardo sabe que tenho razão.
— Eu e o Eduardo, encenando uma aproximação quando isso é o que tem me trazido tantos problemas enquanto você, "pelo meu bem", brinca de descobrir o motivo de eu estar na mira de uma câmera fotográfica? — eu ri, mas foi de nervosismo. — Quem me garante que toda essa merda não é obra daquelas garotas?
— Calma, Ana — pediu Eduardo.
— Calma? Não acredito que está me pedindo calma, você ouviu tudo o que ele disse?
— Eu ouvi, e concordo com ele, temos que tomar muito cuidado, você passa muito tempo sozinha e esses caras podem querer te usar.
Quanto mais eles me explicavam, mais temerosa eu ficava, aquilo era surreal, não queria aceitar que fosse algo tão sério, mas a postura dos irmãos era nítida; eu estava encrencada.
— Que caras? Me usar para quê, eu não sou ninguém — balancei a cabeça em negação. — Quem perderia seu tempo comigo só porque peguei uma carona e abracei um maluco dentro de um carro?
— As pessoas que querem atingir o maluco que te deu carona — respondeu Eduardo. — Está escrito calcanhar de Aquiles na foto de vocês em uma pose duvidosa.
— Que pose duvidosa, eu não fiz nada! — respondi irritada.
— As fotos dizem o contrário — afirmou Eduardo. — Mas isso tudo é culpa do nosso amigo aqui que curte desafiar o perigo, você tem noção de que toda essa merda é por sua causa?
— Estou cheio de você me culpar, senhor perfeito. Não sabe a carga que tenho carregado, tampouco as batalhas que enfrento, então, nem pense em começar com essa ladainha! — Caio se mostrou muito irritado.
— Se você não ficasse desafiando o perigo, por nada, muita coisa seria evitada.
— E quem te disse que foi por nada, você não sabe o que está dizendo!
— Sabe o que eu sei? Eu sei que o meu irmão, que tem uma carreira brilhante no trabalho, briga na rua feito um adolescente e chega em casa machucado, sei que ele luta por dinheiro quando não precisa disso e...
— Você se dizia amigo do Alex e aceitou muito rápido a história da morte dele, não é mesmo?
"Quem é Alex?", pensei, mas optei por me manter calada.
— Eu nunca aceitei a morte dele, nunca me conformei com o fato de os responsáveis não terem sido pegos, você sabe como éramos próximos, mas cara, já se passaram dois anos. Não dá para alimentar essa revolta e viver brigando com o mundo; supera Caio, não tem jeito!
— Superar? Se soubesse a verdade por trás dessa merda toda, jamais me pediria isso.
— E qual é a verdade?
— O Alex não foi vítima de assalto, aquilo foi uma armação — afirmou Caio, me causando um calafrio intenso na coluna. — Ele foi assassinado e pode ser as mesmas pessoas querendo a minha cabeça agora.
— O que você disse? — a voz do Eduardo saiu entrecortada.
— Que droga, eu não queria, não devia falar sobre isso, mas você consegue me desestabilizar.
— Te desestabilizar? O meu amigo está morto, você me vem com essa história maluca, e eu é que consigo te desestabilizar?
— Estou começando a me arrepender de ser cega e não surda — comentei assustada.
— O Alex foi vítima de uma armação, não foi um assalto e sim, queima de arquivo.
Agora, sim, eu desejei nunca ter aberto aquela porta.
— De onde tirou isso, Caio, o que sabe que eu não sei?
— O Alex estava investigando uma facção criminosa, entrou como lutador para conseguir se infiltrar e acabou sendo descoberto.
— Que tipo de investigação, eu nunca soube disso — Eduardo se mostrou transtornado.
— Eu também não sabia, só que nunca acreditei nessa história de assalto, então, invadi as contas dele e descobri que estava recebendo ameaças. Ele se envolveu com gente muito perigosa, tem muita coisa envolvida.
— E como descobriu tudo isso?
— Eu entrei no lugar dele.
— Não acredito que fez isso, você ficou maluco!
Enquanto eles discutiam, eu me sentia perdida, desejando ter uma crise de amnésia permanente para não ter que servir de testemunha de algo que sequer sabia do que se tratava.
— Eu pedi o apoio da polícia, mas não acreditaram em mim e teu pai me enfiou em um consultório de psiquiatria. Você mesmo surtou comigo pela minha insistência.
— Mas em momento algum você me falou sobre as ameaças.
— Eu descobri depois, e não quis envolver mais ninguém nisso. Não tive outra alternativa a não ser entrar no esquema, então fui ganhando espaço e consegui o lugar dele. Se avisasse a polícia, não me deixariam continuar com meu plano, e nunca deixaria de pegar aquele animal pessoalmente.
Minha vida sempre foi tranquila e previsível, até então, só conhecia o vizinho que brigou na rua por rivalidade de time de futebol. O mais próximo que estive de um criminoso foi quando um garoto da vizinhança foi pego roubando frango na véspera de sábado de aleluia. Não sabia como me posicionar diante de algo tão sério, minha reação foi me calar e rezar para que meu irmão não chegasse durante aquele momento de declarações perigosas.
— Que loucura, Caio, você se arriscou demais, perdeu o juízo? — dizia Eduardo, inconformado.
— Fiz e não me arrependo, descobri pistas muito importantes que podem solucionar o caso, e, antes que me dê outro sermão, já entreguei tudo na mão da polícia.
— Quem está conduzindo a investigação agora? — perguntou Eduardo.
— O investigador Correia e sua equipe.
— Teu pai sabe dessa merda toda?
— Teu pai tenta me obrigar a fazer tratamento psiquiátrico e deu um jeito de me imobilizar por aqui. Eu sequer posso me transferir, poderia estar longe vivendo minha vida, mas tenho que cumprir ordens como um adolescente rebelde. Acha mesmo que contaria qualquer coisa a ele?
— E não foi assim que agiu, Caio?
— Eu entrei no esquema de lutas porque queria enfrentar o animal que surrou o Alex. Me julgue se quiser, mas tive o gosto de socá-lo até que ficasse bem arruinado, só sinto dele não ter sido preso antes de morrer.
— Você...
— Eu não o matei, ele capotou o carro descendo a serra. Mas também descobrimos que não foi acidente, o carro foi mexido.
— O que o cara que veio falar contigo na noite em que trouxe a Ana tem a ver com essa história?
— Nada, ele só quer uma revanche porque o derrotei outro dia.
— Mas você disse que era gente perigosa — intervim.
— E, é, mas nem se compara a facção rival, é com eles que me preocupo.
— Não sei o que pensar, vocês estão entre os mocinhos e os bandidos, só não quero que essas maluquices afetem minha vida e a do meu irmão.
— É melhor deixar o Michael fora disso por enquanto — sugeriu Caio.
— Não pode estar falando sério! — me levantei e comecei a andar de um lado para o outro. — Tem fotos minhas rodando na Internet, e meu irmão não pode andar por aí desprotegido sem saber o que está acontecendo. Não depois de tudo o que acabei de ouvir, porque se esqueceram de que sou cega e não surda, droga!
— Essa confusão é minha — Caio me segurou pelos ombros. — Eu te disse que não sou boa companhia, andei por lugares obscuros, precisei fazer isso, vi coisas que nem imagina, mas sei o que estou fazendo. Não era a intenção te envolver em encrencas e estou tentando contornar a situação, é por isso que preciso que colabore comigo.
— O Caio tem razão, Ana, diante de tudo isso, é melhor que eu esteja por perto — concordou Eduardo.
— Teu irmão é maluco — balancei a cabeça inquieta. — Um hacker metido a policial, maluco.
— Ok, sou um hacker metido a policial que precisa de sua colaboração, então seja boazinha e faça tudo o que eu pedir — Caio apertou meu queixo antes de se afastar.
— Eles vieram até aqui para me dizer que fui parar em um site de prostituição; na página da faculdade; dos lutadores; que existe uma foto minha com um recado ameaçador; que um homem foi assassinado e o Caio tomou seu lugar, e que para ficar segura, teria que encenar um namoro de mentira com o Eduardo. Só posso estar delirado — falei, para ninguém em especial.
Eu queria poder dizer que isso tudo foi um sonho, mas, estava mais para um desastre iminente. Os dois realmente estiveram em casa e me fizeram ouvir toda aquela história maluca, que para variar, não entendi nada.
Sobre não contar ao Michael, é óbvio que discordei, só aceitei esperar uns dias porque os dois me convenceram que era o melhor a ser feito, e sobre passar mais tempo com o Eduardo, até que não era tão ruim já que eu amava sua companhia, o complicado seria encarar os julgamentos porque agora, sim, eu estava verdadeiramente encrencada com aquelas meninas.
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