Capítulo 01 Uma nova vida

Minhas batalhas nunca foram fáceis, mas nenhuma delas foi tão difícil como deixar a minha zona de conforto e recomeçar do zero em um lugar tão distante e cheio de armadilhas. Pois é, em um dia eu estava no portão jogando conversa fora, e no outro, de mudança arrumada, me despedindo de todas as pessoas que amava, e que fizeram parte de minha existência, enquanto embarcava para uma nova vida na Capital de São Paulo. "A gigante que nunca dorme". E que abriga muitos obstáculos que se tornariam meus maiores desafios. 

Não haveria mais os piqueniques no rio, festa de comunidades, passeios, nem a conversa ao fim da tarde no meio fio com os amigos. A distância faria com que aqueles momentos vividos com tanta intensidade ficassem somente na lembrança, e a partir dali, cada um seguiria seu próprio caminho, criando novos laços e enfrentando outros desafios.

Michael havia recebido uma ótima proposta de emprego para trabalhar em um hospital de grande porte. E com a conclusão de seu mestrado, conseguiu vaga de professor em um curso técnico de enfermagem, o que foi motivo de muita comemoração, pois agora, ele não só tinha um bom emprego, como também ia lecionar na área da saúde que era sua vida. Com a venda de nossa chácara, conseguimos quase todo o valor para comprar uma casa na capital, e com isso, acabamos gastando uma boa parte de nossas economias para completar o que faltava e nos estruturar; já que o valor era bem mais alto por conta de sua localização.

O fato de não poder ver o mundo com meus próprios olhos não me impediu de sentir a saída da cidade. Eu sofri quilômetro por quilômetro daquela viagem rumo ao desconhecido, onde me recolhi em meu mundinho e sem muita dificuldade, permaneci calada em um protesto silencioso. O Michael respeitou meu silêncio, eu sei que para ele também não estava sendo fácil deixar tudo para trás e embarcar naquela viagem, afinal, crescemos naquela cidade e tudo o que conhecíamos estava exatamente ali.

Quando finalmente chegamos ao nosso destino, as dificuldades já começaram a se apresentar logo que entrei em casa. Me senti totalmente deslocada, tropeçando em tudo por não saber ainda a disposição dos móveis, localização dos cômodos, nem ter noção do espaço livre, o que levaria um tempo para me adaptar. Meu quarto estava praticamente montado, pois o Michael fez questão de ir uma semana antes com a mudança e deixar tudo arrumado na casa para que eu não tivesse muita dificuldade. 

Durante esse período, acabei ficando na casa da minha melhor amiga, Paulinha, a vizinha da frente, e posso garantir, que foi a melhor época porque juntamos os amigos e voltamos a ser crianças, traçando um roteiro de despedidas que nos rendeu muitas risadas, assim como uma chuva de lágrimas. Agora eu estava em minha nova casa, em meu novo quarto, porém, sentia falta do meu espaço, pois, era tudo muito estranho para mim, que mal podia dar um passo e já esbarrava em alguma coisa. A casa nova quase nem tinha quintal e era cheia de grades, janela, portão, tudo trancado e com tantas recomendações de segurança que me fez sentir um animal enjaulado.

Enquanto eu tentava me localizar naquela casa estranha, o Michael conversava no portão com um vizinho que indicou um restaurante ali perto. Não me dei ao trabalho de me juntar a eles, estava cansada demais e minha bateria social descarregou antes mesmo de cruzar as fronteiras da minha cidade. 

Se dependesse da minha animação, iria para cama logo após o banho, mas, para comemorar o primeiro dia de nossa vida nova, acabamos jantando no tal restaurante e o passeio até que foi agradável. Michael estava se esforçando para me deixar confortável, mas a verdade é que não superei a venda da chácara, era como se estivéssemos traindo a memória da minha avó que tanto amou aquele pedaço de chão...

— Sei como se sente, Aninha — ele me chamava assim. — Para mim também não foi fácil desfazer de tudo, mas temos que tentar.

— Quando é que essa dor vai se transformar em saudade? — murmurei com os olhos cheios de lágrimas. — Já fazem anos que ela nos deixou, mas ainda sinto aquela tristeza, Michael. E agora que deixamos a casa parece que estamos nos desfazendo do último pedacinho dela que restou.

— Eu também sinto a falta dela, assim como doeu fechar aquela porta e deixar a história de uma vida para trás. Mas não penso que estamos nos livrando de suas memórias, porque o que vivemos, estará sempre guardo aqui dentro — Michael colocou a mão em meu peito, na altura do coração.

— Me desculpe, estou sendo egoísta, você sempre viveu para me cuidar e nunca consegui retribuir, mas te prometo que ainda darei motivos para se orgulhar de mim — respondi apertando sua mão entre as minhas.

— Eu já tenho muito orgulho, sua boba, e te cuidar não é esforço algum — senti o toque de sua mão acariciando meu rosto, e sorri. — Você é o meu maior motivo para levantar todos os dias e buscar o melhor para nós. Quando vejo a pessoa que se tornou, tenho certeza de que meus esforços valeram a pena.

— Assim vai me fazer chorar — falei emocionada. — Sei que não vai ser fácil, mas estamos juntos nessa.

— Sim, somos uma família e não importa o que aconteça, sempre estaremos unidos.

Após o jantar, voltamos caminhando lentamente até em casa e parecia ser realmente um bairro tranquilo. O pouco movimento deixava o ambiente silencioso, diferente de algumas ruas que passamos anteriormente, e não é exagero dizer, que realmente achei a vizinhança um pouco fria. 

Não havia uma interação, as casas muito silenciosas e disso com toda certeza sentiria falta, pois no interior todo mundo se conhece e se relaciona em um laço de amizade, que às vezes chega até ser invasivo, causando algumas desavenças entre vizinhos, mas logo tudo volta ao normal. Nosso portão era pintado de preto com duas listas brancas para que eu conseguisse encontrar caso me esquecesse de contar as esquinas. 

Ele pensou em tudo, estava bastante empolgado, sem contar que o hospital em que iria trabalhar era de primeiro mundo, os recursos e a tecnologia eram bastante avançados em relação ao seu antigo emprego, o que seria uma alavancada e tanto para sua carreira.

Já se passavam duas semanas do início das aulas na faculdade, e a ansiedade de começar a estudar em uma instituição de grande porte, me causava uma certa insegurança. Sempre estudei em escola especial, e quem conhece a realidade de uma cidade pequena, sabe que essas escolas são minúsculas devido à demanda. 

O Michael vinha se preparando há meses para irmos embora, me incentivou com o vestibular em direito que era meu sonho e para minha surpresa, consegui entrar para uma das melhores universidades de São Paulo. O Centro Educacional de Ensino Superior Universitário Albert Einstein. Uma universidade de grande nome que trabalhava em parceria com o Exército Brasileiro, não preciso dizer que tinha muito prestígio em toda a região, e como Michael sempre dizia:

"A sorte estava finalmente sorrindo para nós".

A casa ficava a algumas quadras da universidade, com uma boa localização, inclusive em relação a comércios, o que me ajudaria muito já que meu irmão ficaria uma boa parte do dia fora. E lecionando a noite continuaria bastante ocupado, mas ainda assim, agora sobraria mais tempo para podermos ficar juntos.

~♥~

Já havia me instalado, conhecido o bairro e os limites aos quais não poderia ultrapassar. Agora era chegada a hora de começar meus estudos e seguir adiante. Bem, eu não sabia se conseguiria levar o curso até o fim, mas daria o meu melhor para chegar lá, afinal, era meu objetivo ao alcance de minhas mãos. O sonho da minha vida, era um dia ser uma advogada tão boa quanto meu pai, e que ele se orgulhasse de mim.

Assim que chegamos à universidade, Michael narrou tudo a minha volta enquanto se dirigia comigo até a coordenação, onde receberíamos algumas informações a pedido da própria universidade diante de minha condição especial.

— Bom dia, por favor, entrem e se acomodem, seremos breves para que a Ana não se atrase — disse ele. — Meu nome é Alessandro, sou coordenador do curso e quero me colocar à disposição para qualquer coisa que precisar.

— Bom dia, como conversei ontem com o Carlos, ela está bastante insegura, é a primeira vez que frequenta uma sala de aula, só estudou em escola especial e vai precisar de um tempo para se adaptar — explicou Michael, se mostrado preocupado.

— Sim, entendo, mas não se preocupe — respondeu o coordenador —, enfrentaremos juntos esse desafio.

— Eu não quero ser um desafio, só quero poder ter a chance de estudar em uma sala normal, porque lá fora, nem sempre vou ter privilégios, e quero aprender a lidar com isso — comentei incomodada.

— Então, Ana, quando eu disse desafio, me referi a essa nova realidade de ter uma aluna com suas necessidades em uma turma normal. É a nossa primeira experiência e ainda estamos nos adaptando.

— Quer dizer que não tem alunos cegos, aqui? — perguntei surpresa.

— Em aulas presenciais, no momento, não. Eles optam por estudar à distância por ser mais tranquilo, mas já tivemos vários, frequentando a sala especial.

— Em sala normal, eu sou...

— A nossa primeira — afirmou. — Mas não se assuste, faremos o que estiver ao alcance para que se sinta acolhida. — Esse projeto de inclusão para alunos com deficiência visual em sala comum eu nunca tinha ouvido falar, mas achei interessante — afirmou Michael.

— Na verdade, estamos fazendo uma experiência. A princípio vamos estar alternando entre a sala especial e a comum até que ela consiga utilizar o programa, mas não se preocupem, o Carlos Eduardo a acompanhará durante esse processo de adaptação.

— Com licença — disse uma voz masculina grave entrando na sala. — Bom dia, a Mônica disse que queria falar comigo.

— Sim, esta é a Ana Clara e seu irmão Michael — disse o coordenador.

— Ah, sim, sejam bem-vindos — o rapaz apertou minha mão, acredito que tenha feito o mesmo com meu irmão. — Eu sou o Carlos Eduardo, conversamos ontem pelo telefone.

— Sim, e como eu te disse, ela está um pouco insegura — afirmou Michael, cauteloso.

— Ana, é natural que se sinta assim, mas logo estará bem a vontade, não tenha dúvidas disso — afirmou o rapaz educado. — Eu agradeço pela compreensão — murmurei tímida.

— Eu estava dando uma última verificada no programa que iremos utilizar, fiz uns ajustes e aos poucos você vai aprendendo a mexer com ele. Eu pensei em iniciarmos na sala de aula com os alunos, mas se estiver insegura para o primeiro dia podemos deixar para amanhã, e...

— Não, tudo bem, eu penso que quanto antes enfrentar o desafio, melhor — afirmei.

Eu queria muito mostrar ao meu irmão que conseguia me virar sozinha, que ele poderia tocar sua vida sem tantas preocupações, e aquele era o primeiro passo.

— Ok, no seu ritmo — disse o rapaz.

Após aquela breve reunião, nos dirigimos até a sala de aula, que pelo horário, ainda estava vazia. Fomos recepcionados pelo professor, e então, nos acomodamos na parte dos fundos onde havia uma mesa maior com os materiais que eu utilizaria. Não sabia o que esperar das próximas horas, estava ansiosa para começar a estudar e conhecer os colegas de classe, mas, apesar de não ser o jardim da infância, tive medo de como reagiriam a minha presença.

— Pronta para o desafio? — Carlos perguntou.

— Estamos aqui, então, não tenho muitas escolhas — sorri tímida.

— Não é tão difícil quanto parece.

Poucos instantes depois, a sala já estava cheia, a conversa era muito alta, e com minha audição um pouco mais aguçada, o barulho ficou ainda mais intenso. Eram muitas vozes misturadas, assuntos diferentes ao mesmo tempo, e ali começava minha louca trajetória de aluna universitária...

— Bom dia, classe — disse o professor. — Eu gostaria de pedir um minuto de silêncio, vou dividir o tema do debate e também tenho algumas orientações a passar, mas antes, vamos conhecer a nova aluna. A senhorita poderia se apresentar aos colegas, por favor?

O silêncio que se fez depois de sua fala só aumentou meu nervosismo.

— Bem, por onde começar — respirei fundo tentando não gaguejar. — Primeiramente, bom dia a todos. Meu nome é Ana Clara e sou nova na cidade, é..., na verdade, acabei de me mudar e não conheço nada aqui, espero me dar bem com todos vocês. Eu acho que é isso.

Cheguei a sentir meu coração bater na garganta quando quase caí da cadeira na pressa de me sentar e me ver livre daquela situação embaraçosa.

— Se precisar de ajuda para colocar a matéria em dia, estou à disposição — disse uma voz masculina, seguida por outras causando alvoroço.

— Silêncio, classe! Embora alguns ainda não tenham percebido, não estão mais na quinta série, então, sem tumulto desnecessário — disse o professor Fernando, causando uma crise coletiva de risos.

Eu me mantive sentada e imóvel, já sofrendo por antecedência, porque com aquela coleção de vozes diferentes em minha cabeça, jamais conseguiria me concentrar em qualquer coisa que fosse.

"Ótimo, Ana, tem tudo para dar errado", repeti várias vezes em minha mente.

— Você se saiu bem, não precisa ficar tão tensa — orientou meu parceiro, que até então estava calado ao meu lado. — São muitas vozes ao mesmo tempo — murmurei.

— Eles vão se adaptar, não se preocupe.

— Carlos, e se eu não conseguir?

— Pode me chamar de Eduardo, ou Edu, se preferir, eu não me importo e até prefiro — disse ele. — E quanto a sua insegurança, é absolutamente normal, mas aos poucos verá que não é tão complicado assim. São pessoas adultas, vão entender a necessidade de colaborar, seria mais complicado se fossem crianças.

— No interior as pessoas não são tão aceleradas, me sinto em outro mundo, é tão estranho — comentei.

— Percebi que é do interior pelo sotaque carregado — respondeu ele.

— Impossível não notar a diferença não, é mesmo? — sorri descontraída.

— São Paulo é uma terra que abriga pessoas de todos os lugares, então ouvir um sotaque diferente é muito comum, sabia?

— Meu irmão me disse isso ainda hoje quando vínhamos para cá — comentei ainda tímida.

— Um minuto de silêncio, por favor! — Pediu o professor. — Eu acabei me distraindo e não expliquei a vocês, mas enfim, todos sabem do programa de inclusão de alunos com necessidades especiais, já comentamos semana passada, e essa sala foi contemplada, então vamos ter que nos adaptar.

O buchicho iniciou imediatamente, o que não me surpreendeu...

— A Ana Clara tem deficiência visual e precisa de silêncio para conseguir entender as explicações e se concentrar nas atividades, e...

— Mas como ela vai acompanhar a apostila? — perguntou uma das alunas.

— O material didático dela é em braile, mas também vai contar com um aplicativo desenvolvido exatamente para auxiliar pessoas com deficiência visual.

— Realmente o silêncio é indispensável — disse um aluno.

— Exatamente — concordou o professor. — Se todos colaborarem não teremos problemas. Se coloquem no lugar da colega quando precisarem de concentração, sejam prestativos sem invadir seu espaço quando estiverem por aí pelos corredores e acima de tudo; respeitem.

— A Paty sabe que está trabalhando de babá? — perguntou uma voz feminina, próxima a nós.

— Ela vai surtar quando souber — outra voz feminina falou em tom de deboche.

— Priscila e Luana, algum problema? — perguntou o professor.

— Me infernizando a vida como sempre — murmurou Eduardo, batendo algo sobre a mesa, o que entendi ser uma caneta.

— Devo me preocupar? — questionei apreensiva.

— São amigas da minha namorada, e como pode ver, não sou muito querido por elas.

— Ótimo, isso é muito animador — murmurei pensativa. — A namorada é ciumenta? 

— Não pense nisso, Ana, o foco são os estudos. 

— É sério, tudo o que não preciso agora, é de encrencas causadas por ciúmes — afirmei preocupada.

— Eu sou a base de sua equipe de apoio, é meu trabalho e isso não interfere em nada na minha vida pessoal.

— Que venham os desafios — murmurei insegura.

No decorrer da aula, o Eduardo pacientemente me ajudou a fazer o primeiro trabalho em sala, e para dizer a verdade, a matéria não era difícil, então não tive muitas dificuldades para entender os exercícios passados. Ele era bastante reservado sobre a vida pessoal, mas pelo pouco que conversamos, percebi que tínhamos muita coisa em comum. O mesmo interesse pelos estudos, leitura, mesmos ideais, bem como a mesma facilidade de aprendizado, o que me deixou bastante animada.

— Se estiver livre depois da aula, podemos colocar sua matéria em dia, e de quebra já te mostro o programa e explico como funciona — sugeriu.

— Acho melhor mantermos isso só aqui na sala de aula, talvez no laboratório de informática ou bibliotec. Não queremos causar um conflito em sua vida pessoal.

— Ainda pensando nisso? — perguntou descontraído. — Estou de férias, então, tenho me dedicado a loja que toco com meu irmão. Sou programador e presto assistência técnica, atender em casa já é minha rotina.

— Não sou uma máquina precisando ser formatada, meu jovem — balancei a cabeça aos risos.

— Eu faço bem mais do que isso, minha jovem — murmurou, me causando um rubor inesperado.

— Ok, isso foi estranho.

— Eu quis dizer que faço bem mais do que formatação de hardwares, cabecinha criativa.

— Mas na sua casa?

— A loja fica em anexo a minha casa, e em algum momento terá que colocar a matéria em dia, não acha?

— Isso é algo que tenho que pensar.

— Não se esqueçam de me trazer o resumo na próxima aula, e por hora, podem guardar o material e sair para o intervalo — disse o professor, liberando os alunos.

— Você não vai sair? — perguntou Eduardo ao perceber que não me movi.

— Eu ainda não conheço o ambiente, não sei andar por aí, então, acho melhor ficar quietinha até que consiga caminhar sem atrapalhar os outros alunos.

— Não mesmo, você tem que entender que é tão aluna quanto os demais, então sobre atrapalhar, pode tirar essa ideia do pensamento. Circular por aí agora vai ser novidade, mas logo se acostuma.

— É estranho, eu me toquei de que sempre tive alguém do lado e não sei me virar sozinha — murmurei mais para mim mesma do que para ele.

— E quem disse que está sozinha, eu estou aqui, sou sua rede de apoio, lembra? Vou te ajudar com isso.

— Não tem que fazer isso, Edu.

— Deixe-me te ajudar, ao menos até que aprenda a andar por aí, ou faça amizades femininas que eu presumo ser o que vai te deixar mais à vontade.

A Pessoa com deficiência visual consegue se locomover com facilidade, só leva um pouco mais de tempo, porém, algumas pessoas confundem "ajudar" com "arrastar" a algum lugar, e isso causa desconforto e insegurança. Mas não foi o caso com o Eduardo, ele apenas me servia de apoio enquanto caminhava ao meu lado como se fizesse aquilo todos os dias.

— Então, logo que sair da sala, você vai seguir por este corredor, tem o corrimão na parede, venha, vou te mostrar.

Ele pacientemente me explicou como circular por ali de uma forma que não me perdesse, mas levaria um tempo para decorar cada passo.

— Eu passei pelo gramado quando cheguei, pelo barulho me pareceu um lugar muito movimentado — comentei.

— Sim, é o lugar preferido da galera, bastante espaçoso, com árvores e bancos. Acabou se tornando um ponto de encontro, nos intervalos e aulas vagas.

— Acho que vou gostar daqui, estava com medo de não me adaptar, mas até o momento está indo tudo bem — falei animada.

Seguimos até o refeitório onde após me acomodar em uma mesa, ele saiu para buscar o sanduíche natural com suco que escolhemos juntos. O sorriso em meu rosto denunciava que estava feliz e aliviada por as coisas estarem indo bem. Havia feito meu primeiro amigo, e por sorte, ou azar, nos identificamos muito, o que facilitaria as coisas para o meu lado... doce ilusão.

— A garota é essa aqui — disse uma voz feminina, bem próxima a mim.

Por mais baixo que estivessem falando, ainda assim foi o suficiente para que eu ouvisse...

— Não entendo o motivo de ele estar acompanhando, não me disse nada sobre isso.

— Ele está todo cuidadoso com ela, eu ficaria de olho.

— Ah, por favor, meninas! É até uma ofensa vocês pensarem que essa esquisita poderia me oferecer algum risco. A garota é sem estilo, olha esse cabelo, o Edu jamais olharia para alguém assim, isso sequer se arruma como uma garota.

Não sei o que foi pior, se ouvir aquelas palavras, ou perceber que estavam falando de mim.

— Se visse como estavam íntimos com conversa ao pé do ouvido, pensaria diferente — insistiu uma das amigas.

— Então você é a aluna nova que desfila por aí grudada no Eduardo — aquela voz se dirigiu a mim, me deixando apreensiva. — Ele te falou que é comprometido, coisinha?

— Eu tenho nome, e ele falou sim, não se preocupe — respondi ríspida.

— Quando chegamos, eles já estavam na sala de aula e não se desgrudaram, abre teu olho! — insistiu a amiga venenosa.

— Não acredito que estou ouvindo isso — protestei. — Qual o problema dessas meninas!?

— Não gosto que cisquem em volta do que é meu. Já fique ciente, se perceber que está olhando diferente para ele, vai se dar muito mal! — ameaçou.

— Sério? — eu ri, mas foi de nervosismo. — Por que não coloca seu namorado numa coleira, então?

— Repete o que disse, sua otária!

Ela me empurrou, fazendo com que eu quase caísse da cadeira se não fosse amparada por um braço estranho...

— Patrícia, o que significa isso? — perguntou Eduardo, me apoiando enquanto me ajudava a sentar novamente.

— Essa garota é folgada, Edu, e já vai tirando as mãos dela! — respondeu bastante exaltada.

— Não acredito que estou passando por isso — tentei me levantar, mas senti uma mão indelicada me fazendo sentar novamente.

— Ah, não, agora você senta aí! — disse a namorada ciumenta me empurrando.

— Já chega, Patrícia! — exigiu Eduardo, em um tom firme, porém discreto.

— É sério que vai brigar comigo, Eduardo?

— Se continuar com essa atitude patética, eu vou!

— Olha como está falando comigo, amor, você não é assim — reclamou em um tom manhoso.

— Preste atenção em suas atitudes, que coisa chata!

— Não discutam por minha casa, eu já vou...

— Ana, eu vou te acompanhar, você precisa passar em algum lugar antes, o banheiro talvez? — perguntou Eduardo.

— Além de passar por essa cena desnecessária, ainda tenho que presenciar meu namorado servindo de babá da amiguinha dele!

— Seu namorado é um homem íntegro e de muito respeito — me levantei decidida a sair dali. — Poucas pessoas nesse mundo tratam o próximo com tanta empatia como ele me tratou, sugiro que use isso como exemplo, e aprenda.

— Ainda quer brincar com a minha cara — protestou aos risos.

— Ana, vamos, eu te ajudo.

Eduardo tocou em meu braço, mas levantei a mão em sinal de que estava tudo bem...

— Eu não enxergo, sua babaca, não troquei olhares com ninguém, sei nem como ele é, e suas amigas são um bando de cobras venenosas que só querem causar confusão.

Os risos depois de minha revelação me deixaram nervosa, então tentei sair apressada e acabei tropeçando em uma cadeira que quase me derruba.

— Olha o que você fez, está feliz agora? — Eduardo repreendeu a namorada novamente enquanto me apoiava quando me desequilibrei.

— Você é cega mesmo? — perguntou a garota.

— Eu não brincaria com algo tão sério, e suas amigas sabem, se não falaram, é porque gostam de causar intrigas.

— Que seja, só não quero que use isso para dar em cima do meu namorado!

— Cala essa boca, Patrícia! — exigiu o rapaz, aumentando consideravelmente seu tom de voz. — Vamos Ana, você não precisa passar por isso.

— Eduardo aonde você pensa que vai?! — naquela altura sua voz já me causava ranço. — Não acredito que vai me deixar falando sozinha e sair com essa...

— Se não quiser se complicar ainda mais, acho melhor fechar essa boca — respondeu irritado.

— Aonde você vai, Eduardo!

— Não te interessa!

Eu estava nervosa demais para raciocinar, então só deixei me conduzir enquanto procurava um rumo dentro de mim mesma.

— Ana, eu te peço desculpas, não esperava esse ataque lamentável. Sinceramente estou muito decepcionado — disse ele quando nos afastamos.

— Eu também não esperava, nunca passei por uma situação assim, e...

— Se quiser reclamar na direção, é um direito seu.

— Não acho que seja necessário, ela só estava com ciúme.

— Isso não é motivo para agir com selvageria.

— Não, mas se fizer alguma reclamação, vão chamar meu irmão e eu não quero que ele saiba, porque vai pensar que não consigo me defender — respondi esfregando meus próprios braços com as mãos, o que sempre fazia quando me sentia ameaçada.

— Tudo bem, mas eu quero que me conte caso algo do tipo volte a acontecer, ok?

Sinceramente não esperava passar por isso, nunca imaginei que alguém se sentiria intimidado com minha presença e aquela cena de ciúmes, me pegou de surpresa. Eles brigaram por minha causa e não estava sabendo lidar com aquela situação que, até então, era nova para mim. Estava com dezenove anos e nunca havia me envolvido com nenhum rapaz, sempre fui tratada por todos como uma criança e descobri que crescer, era mais difícil do que eu pensava.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top