Regras
– Hel, não me mata. Fiz o que achei certo.
- Achei que você tinha dito que nunca mais usaria a chave da minha casa. – Helena o acusou.
- Eu também, maninha. Até pensar que você poderia não abrir a porta para mim.
Ela não faria isso, até porque a raiva que sentira quando descobrira a trama do irmão foi tão grande que a vontade de tascar a mão na cara pálida dele seria maior do que deixá-lo no corredor do seu apartamento. O que comparado ao medo dele de ficar sozinho não seria uma ideia tão ruim. Aliás, seria uma ótima ideia.
- Quando você disse que tinha uma ideia, confiei que fosse sobre se desvencilhar de qualquer tentativa de casamento idiota, não me arranjar um.
Max assistia a tudo, agora encostado no mármore branco da pia da cozinha. Leandro soltou a guia e passou por ela, indo até o sofá e se deitando. Lorenzo pulou em cima de Helena, que mesmo um pouco alterada, baixou a mão, acariciando os pelos caninos.
- Não coloca o sapato no meu sofá, droga. – Ela repreendeu o irmão. Max riu e Leandro revirou os olhos.
- Gatinha, só você está reclamando.
- É porque sou a única sensata neste ambiente. Ainda que eu fizesse a loucura de aceitar sua proposta.... Como não se desesperar com um casamento arranjado? Meu deus, deveria ser proibido falar isso no século em que estamos – Helena colocou a mão direita na testa e fechou os olhos.
-Hum... então conversaram. Já é meio caminho andado. – O irmão olhava de um para o outro. – Hel, que tal fazermos um contrato? Isso não lhe daria a confiança necessária?
- Não existe contrato para um casamento com prazo determinado, Leandro.
-Então vamos inventar um. – Max disse, já ao lado dela, entrelaçando a mão dos dois.
- Não passará de um contrato inválido. - Helena murmurou quando puxou a sua mão rapidamente. Os dois se sentaram na namoradeira de couro perto da porta da varanda. Leandro assistiu a tudo com uma expressão orgulhosa no rosto.
- Vamos fazer um pacto pré-nupcial! – Havia animação na voz de Leandro.
- Claro, por que não? Faz muito sentido para um casamento de mentirinha. - Ela ironizou novamente.
- Helena, o casamento será de verdade, só que por um tempo determinado. – Max a lembrou. As mãos femininas roçaram uma na outra enquanto ela sentia os cabelos grudarem-se na nuca por causa do suor. O irmão apontou para Max lhe dando a razão.
- Max, não sei se você sabe, mas casamento não é um contrato por tempo determinado.
- Mas pode acabar em qualquer momento, mana. Já vi pessoas que se casaram e entraram com o divórcio no mesmo dia.
Realmente a situação relatada pelo irmão acontecia. Mas não com ela. Só de imaginar as repercussões que teriam em sua vida profissional e pessoal, seu coração já palpitava.
Divórcios transpareciam instabilidade, e ela não queria pensar que seus clientes iriam embora por causa disso. Se fosse acontecer, teria que ser feito de uma maneira que não impactasse em sua vida de nenhuma forma.
Só o fato do avô ter falecido já havia mudado tudo, trazendo espectadores que queriam acompanhar a vida dela a todo custo.
Entrar e sair do prédio de seu escritório era uma prova de resistência. Os repórteres pareciam zumbis correndo atrás dela para saber se ela ainda se ressentia pelo fato do avô a ter expulsado da empresa.
E aquela perseguição já chegava a sua casa. Fazia semanas que não ia correr em volta da lagoa Rodrigo de Freitas por meio de ser assediada por Jornalistas.
Ela só queria que tudo aquilo acabasse. E entrar num casamento de fachada não parecia ser a melhor saída. Até porque casamentos assim não existiam, não importava o quanto Max e Leandro quisessem convencê-la.
- O casamento vai ser o que a gente quiser, Helena. – A voz de Max saiu rouca. Leandro se abanava freneticamente. Helena resmungou.
Mas até que Max não estava errado. O casamente poderia existir se fosse estável e muito discreto. Porém, como conseguiriam uma proeza dessa com um relacionamento aberto? Pior, ela nem queria fingir um casamento. Não queria sequer ir no cartório. Festa e cerimônia? Nem pensar.
Entretanto, não dava para negar a quantidade de dinheiro e influência que receberia se aceitasse aquela empreitada. Eram só alguns meses, mas precisamente, 3 meses que teria que ficar casada, o tempo exato para a sua campanha de presidência surtir efeito e ser eleita quando houvesse a eleição.
O que de ruim poderia acontecer?
Ela devia ao menos tentar.
- Já sei! Podíamos fazer um casamento por procuração. – Helena declarou triunfante. Fácil! Eles contratariam advogados que fariam todo o trâmite em cartório. Quase como uma comida delivery que esperariam chegar sem sair de casa.
- Gatinha, não foi isso que eu quis dizer...
- Ela sabe, Max. – Leandro balançava a cabeça negativamente. – Mana, isso é sério. Não vai soar verdadeiro um casamento realizado por procuração. Nossa família é super tradicional nesse quesito, todos os casamentos realizados foram uma megafesta.
- Ah não. Está fora de cogitação fazer uma megafesta pros parentes.
Helena ergueu a mão, gesticulando. Ela não tinha que dar satisfação para ninguém. Mas sabia que sua sugestão não era o melhor caminho. Talvez, a única maneira de minimizar os danos seria através de um bom pacto pré-nupcial. Claro, hipoteticamente. Apenas considerando remotamente aquela doideira.
- Tudo bem... vamos pensar em um pacto pré-nupcial.
Os três passaram toda tarde e noite conversando e debatendo acerca do referido pacto. Max não fazia muito questão. Para ele, somente o regime importava.
Como se ela quisesse ou precisasse de algum bem dele.
Pararam somente para pedir comida. Quando terminaram as cláusulas, o irmão levantou as mãos para o céu e agradeceu. Helena não sabia se devia agradecer ao céu ou ao inferno.
- Então, o regime seria separação legal de bens... – Ela continuou a confirmar com eles as regras constantes no papel de pão rabiscado. Porque nem pegar um rascunho digno ela quis – Tudo certo...
- Amanhã é só você pedir para o Greg fazer isso, Hel. – Leandro disse, mencionando o sócio dela que cuidava do direito de família. Ela assentiu sem muita certeza.
A sala voltou a cair em um silêncio sepulcral. Só o barulho do trânsito ressoava no ambiente. Max encarava a janela, seu semblante estava longe. Algo a dizia que para ele também deveria estar sendo difícil.
Leandro sentou, e acomodando Lorenzo ao seu lado, ligou a televisão. Por alguns minutos, os três somente ficaram a observar as notícias do jornal nacional. Mas ninguém prestava atenção. Era como se todos estivessem digerindo os últimos acontecimentos.
E apesar de Max ser um desconhecido, sua companhia não era estranha para Helena. Os olhos dela as vezes se desviavam para ele, como imãs. E quando não estava olhando, podia sentir os olhos dele em si.
De repente, Max se levantou do sofá e mexeu nos bolsos da bermuda, checando as chaves.
- Eu já vou indo então.
- Ei ei ei... Você vai para onde? – Leandro perguntou, enquanto abaixava o volume da voz de William Bonner.
- Para casa dele né, Leandro. O Max não mora aqui.
- Mas, gente?! Vocês precisam ficar junto de agora em diante.
- O quê?! - Foi a vez de Max se manifestar.
- Ué, vocês vão se casar sem ficarem um dia juntos?
- Leandro. – A voz feminina saiu devagar e cambaleante. – Tudo o que precisamos é o casamento, não brincar de casinha.
- Mas o que a família vai pensar disso? Vão saber que é um casamento de mentira! – Leandro protestou novamente.
- Não dou a mínima para o que os parentes pensam! – Ela sentia a raiva lhe subindo .A não ser que houvesse outra coisa... Ela encarou o irmão que parecia estar com dor de barriga, tamanha a expressão sofrida. - O que você não está me dizendo, Leandro?! – Ela conhecia o irmão, sabia exatamente a jogada dele quando haviam questões ocultas.
- Porque ele sabe que você vai tentar a presidência. - Concluiu o irmão com a cabeça baixa.
- Quem? - Max perguntou com as sobrancelhas retraídas. Helena também não tinha entendido.
- Ryan.
Foi a vez de Helena se levantar de supetão, devido ao susto. Os olhos dela miraram o irmão, arregalados.
- Qual o problema dele saber? – Helena indagou.
- Bom... não teria nenhum, se ele não tivesse declarado para toda empresa que é pré-candidato à presidência também.
Helena balançou a cabeça negativamente. Tinha vivido muito tempo com Ryan, que como homem e marido era um horror, mas como profissional, era maravilhoso. E como contador ele nunca teve qualquer interesse na presidência da Lirol, e ela tinha certeza daquilo, porque quando estavam juntos o avô sempre dizia que ele seria um ótimo presidente, mas Ryan sempre respondia cinicamente que como um administrador ele era um ótimo contador.
Informação verdadeira, já que Ryan mal conseguia investir na própria vida enquanto gastava tudo na compra de carros luxuosos.
- Quem é Ryan e por que ele não poderia saber? - Max ainda estava de pé tentando entender o que estava se passando.
- Mas por que ele iria querer a presidência? – Helena ignorou a pergunta de Max e fez outra à Leandro.
- Ué, porque você quer. – Leandro declarou. Helena encarou o irmão, que logo percebeu a inconstância da informação que havia proferido. – Cristo! Não tem como ele saber que Helena quer a presidência...
- Porque nem eu mesma sei se quero. – Ela concluiu.
- Pâmela – Leandro concluiu, mencionando o nome da tia com desprezo.
- Ainda assim, ela não sabe o que eu quero.
- Não acho que o advogado teria dito alguma coisa. Mas acredito que não teria sido difícil para Pâmela entender qual seria o caminho para você conseguir as ações da Lirol.
Ela seria a única pessoa que poderia ter interesse na presidência, mas que, como Helena, tinha uma péssima reputação perante à empresa, por isso atuava no esquecido ramo das relações sociais. Ryan na presidência lhe daria acesso total aos rumos da Lirol,e por mais que ela estivesse com as ações, sua influencia não teria poder algum.
Helena levantou a cabeça, determinada.
Se precisava de algum empurrão, certamente era este. A presidência da Lirol não seria de Ryan, e ela faria tudo que estivesse ao seu alcance, inclusive se casar. Agora não era só uma questão de dinheiro, mas moral. Não ia deixar que aqueles pilantras acabassem com a empresa do avô.
- Alguém vai me explicar alguma coisa? - Max perguntou depois de algum tempo, os irmãos o olharam como se tivessem finalmente notado que ele estava ali. Leandro tirou as chaves do apartamento da irmã do bolso, colocando-as na mesa de centro.
- A irmãzinha vai te contar tudo, cunhado. – Ele falou enquanto ia para porta.
- Leandro, está se esquecendo do... eu não acredito que você deixará o Lorenzo.
- Hel, por favor. – Leandro se virou com as duas palmas juntas em sinal de oração. – Eu e este pestinha nunca nos damos bem. E agora a relação piorou ainda mais, é como se...ao olharmos um para o outro, se lembrássemos do que perdemos.
Helena olhou para o cão, deitado ainda no mesmo lugar desde que chegara. O fato dele não ter levantado para ir com Leandro já dizia muito. Ela massageou as têmporas, pensando no que fazer.
O irmão jamais gostara de cães e Lorenzo, jamais gostara de Leandro. Um divertimento perpassou pela mente dela quando lembrou algumas cicatrizes que o irmão ainda tinha nas pernas devido ao bichano.
Golden era a raça de Lorenzo. Uma raça branda e muito amigável. No entanto, a inimizade deles realmente era grande, pois o bichano se tornava um pitbull perto de Leandro em algumas ocasiões.
- E já está muito difícil ficar naquela casa. Tudo me lembra de Marcelo. – Leandro continuava suplicando.
- Três Dias. Darei lar temporário para ele por três dias.
- Uma semana. – Leandro devolveu uma contraproposta.
- Três dias.
- Uma semana e estou em débito infinito com você.
- Fechado. – Helena murmurou. Leandro bateu palma, animado. No entanto, assim que ia abrir a porta, se virou novamente.
- Mana, a despedida do vovô será depois de amanhã, na prainha. - A informação a fez franzir o cenho. – Iremos, hum... despejar as cinzas dele no mar.
A expressão confusa se tornou assustada. Ela mal podia imaginar que o irmão estava com as cinzas de Marcelo guardadas em casa. Um enjoo repentino tomou o estômago dela.
- Está bem, Leandro. – Ela deu de ombros. De qualquer modo, não precisaria ir mesmo...
- Sei o que está pensando. E não aceito a sua ausência.
Helena fechou os olhos e bufou depois que o irmão praticamente correu para ir embora. Max voltou a se sentar onde estava anteriormente.
- Quem é Ryan?
- É um ex.
- Só isso? – Os olhos dele pareciam penetrar nela em busca de respostas.
- Max, não sei se quero falar sobre isso. Mas o resumo da história é que ele é só um ex, cretino como todos os ex's são.
Max passou os dedos pelos próprios cabelos e coçou a barba recém feita.
- Não sei se isso vai ser uma boa ideia, gatinha.
- Falar sobre ele realmente não é.
- Não estou falando disso, Helena.
Os olhos cor de esmeraldas passearam por ela e depois pela casa. A boca dela abriu quando entendeu, e logo depois fechou, sem saber o que dizer. Max a observava como um predador. Helena sustentou o olhar dele com o cenho franzido.
- Não, não é uma boa ideia.
- Mas se eu for ficar, vou dormir na cama.
- Então vamos precisar colocar uma cama para você no escritório.
- Esse apartamento só tem um quarto? – Max parecia perplexo.
- Não é da sua conta. – Ela cruzou os braços sobre o peito. – Mas para sua ciência, este apartamento tem três quartos, só que os outros dois transformei em academia e escritório.
- Não vou dormir no escritório, gatinha. – Max novamente a observava com os olhos em chamas.
Pigarreando, ela se levantou e começou a andar de um lado para o outro. Os olhos dele ainda a acompanhavam.
- Tudo bem, para isso dar certo, temos que ter mais algumas regras. Regra número 1, não me olhar como um pedaço de carne. Regra número 2, não me tocar, regra número 3... –Procurava na mente que regras ditar. Max riu, colocando uma perna sobre a outra.
- Gatinha, não vai adiantar fazer regras que não posso cumprir.
Ela corou perante aquele comentário. O semblante de divertimento no rosto dele a irritava.
- Regra número 3, não quebrar as regras. – Concluiu. Max riu mais ainda. Ela se jogou novamente na poltrona, querendo desaparecer sob o tecido. Parecia um animal encurralado. Com um suspiro, desistiu das regras – Max, somos adultos, só vamos ter bom senso, ok? – Ele assentiu a encarando.
A tensão sobre eles era tão palpável que ela evitava olhar Max nos olhos. Por ser advogada criminal, viu muitas mentiras, sabia a importância de olhar nos olhos do outro para construir confiança. Mas aparentemente, não era preciso olhar para Max para saber o que ele pensava. Era como se o corpo masculino ficasse emanando ondas sexuais para ela. E quando finalmente o encarava, tinha medo do que poderia fazer sendo atraída por aquele homem. A presença de Max a fazia esquecer de seus princípios. E esquecer-se disso era como se perder de si mesma.
Ela baixou a cabeça e o observou de esguelha enquanto ele brincava com Lorenzo. Os cabelos negros despenteados. Os músculos pressionando a camiseta polo. A barba retilínea emoldurando os lábios. As mãos grandes passando pelo copinho do cão, quando tudo que queria era se lembrar de seu toque novamente. As lembranças daquela noite...ela suspirou, balançando a cabeça para se esquecer.
- Se vai ficar por aqui, tenho que mostrar a casa. - Helena quebrou o silêncio e começou a se dirigir pelo corredor. Max e Lorenzo estavam na cola dela.
Ela mostrou todos os cômodos. Avisou logo que não cozinhava. E principalmente: odiava ser acordada pelos outros.
No final, Max parecia satisfeito. O apê dela não era exatamente grande, diria Marcelo. Mas ela tinha um apartamento que compreendia um andar inteiro, isso era mais que suficiente para uma mulher que morava sozinha.
Na verdade, não mais. Agora seriam três.
- Tenta descansar um pouco, tá? – Ele disse quando finalmente voltaram para sala. - Que tal eu vir para cá daqui a uma semana? Preciso pegar minhas coisas, digerir tudo que vem acontecendo. - Ele foi até a mesa de centro, pegando a chave deixada por Leandro, depois caminhou até ela, abraçando-a. – Até lá, você vai se acostumando com a ideia também. – Helena parecia petrificada dentro daquele abraço quente e musculoso.
Max era tão alto que seu queixo era exatamente o limite da cabeça dela. Pareciam um encaixe perfeito. Com certeza isso seria algo que teria que se acostumar. Ela podia sentir o sorriso dele em suas costas. Por fim, ele beijou o todo da cabeça dela, e antes de fechar sua porta, deu-lhe uma piscadela.
Estava em apuros... ah, como estava.
Olá corações, aqui está mais um cap. O que acharam? Essa semana postarei 3 vezes, porque semana passada postei somente uma. hehe Então estou compensando...
Comentem! E não se esqueçam, votem <3
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