A Surpresa

Há algumas maneiras de demonstrar que você não está para papo e não quer ser incomodado. Uma delas é o uso de fones de ouvidos.

- Hel, seu irmão está no telefone. – Gabi a cutucou e deu um sorrisinho quando viu o rosto dela retorcido de raiva.

Helena tirou a linda voz de Chad Kroeger, da banda Nickelback dos ouvidos, e respirou fundo antes de colocar seu notebook de lado, e levantar da poltrona para pegar o telefone sem fio que a amiga estava oferecendo. Da sala, ela escutava a pipoca que Gabriela estava fazendo estourando na cozinha,lugar pra onde a amiga logo voltou a fim de terminar o preparo. 

- Oi.

- Eu sei, hoje é sábado, um dia de descanso e blábláblá – Leandro cantarolou através do telefone – Mas Hel, precisamos conversar – Seu tom de voz se tornou sério e sombrio. - Você pode estar na casa do vovô hoje às 16h?

- Leandro, eu não vou à casa do Marcelo faz anos. – Helena protestou. Depois de tudo o que acontecera entre ela e o avô era difícil se imaginar colocando um pé na casa que presenciara toda a sua tristeza. – Além disso, são exatamente 15h30.

- Você pensa que eu não sei a irmã que eu tenho, lindinha? Estou marcando em cima da hora porque assim você não terá como arrumar desculpa para não vir. Vem logo Helena, é sério... eu, eu preciso de você. – Leandro desligou. Helena devolveu o telefone ao lugar correto com o cenho franzido.

- O que houve? O Lê não é de ligar. – Gabriela indagou depois que entrou na sala com um balde de pipocas. Helena bufou por Leandro ter desligado sem se despedir, mas ainda assim, pegou o celular para ver as horas e contar os minutos até a chegada na Barra da Tijuca.

– Alguma coisa deve ter acontecido, vou até a Barra.

- Você vai até a casa do seu avô? – Gabriela perguntou com a boca cheia de pipoca. Ela estendeu a mão e roubou um pouco dos bacons que estavam por cima.

- Leandro também mora lá. – Helena corrigiu a amiga com a boca cheia. - Ele disse que precisa de mim...

Gabi a olhou de soslaio, desconfiada. Aquele pedido do irmão também a deixara confusa, e o motivo de encher a sua boca novamente de pipoca, não era fome, era nervoso.

- Acho que você precisa ir logo, então. – A amiga concluiu, pegando o controle da TV para dar play no episódio da série Grey's Anatomy.

Helena levantou e esticou os braços se espreguiçando. Talvez tivesse que adiar a corrida do fim de tarde e a saída com o pessoal do escritório, marcada para noitinha.

O estômago dela se revirou. Às vezes, de alguma forma, era possível pressentir o mau se aproximando, como uma cobra à espreita para dar o bote. Para espantar o pensamento, ela se sacudiu.

Tomou banho e vestiu preto, colocando por cima um quimono longo e rendado. Porque a verdade era que não sabia o que vestir. Leandro mencionara a ocasião? Não se lembrava. Assim que saiu de seu apartamento, pisou fundo no acelerador até o bairro da Barra no Rio de janeiro.

A mansão de Marcelo era uma das muitas pela vizinhança, mas a diferença era a arquitetura. Enquanto todas as outras exibiam uma fachada contemporânea, a mansão do avô parecia um casarão americano saído do século 19, com uma arquitetura clássica recheada de pilares brancos e jardins floridos.

Ela entrou com o carro no caminho de pedra que levava até a garagem da casa, achando estranho a ausência de porteiros. Havia uma enorme quantidade de veículos estacionados à frente da mansão, o que por si só, já era um tanto incomum. Seu avô não era de receber visitas.

Descendo do carro, observou a plantação de rosas, que ladeava os muros limítrofes da residência, as preferidas do avô. As flores estavam abertas, embora ainda houvessem alguns botões. Helena foi até uma das flores e sorriu, sentindo um pouco mais de coragem. A rosa também era sua flor preferida, talvez um gosto derivado do avô. Helena soltou um muxoxo, triste pelo fato de às vezes a gente se parecer com que menos merece.

Um focinho gelado tocou sua canela.

- Lorenzo! – Sorriu para o grande Golden com pelagem mostarda. Depois que se abaixou, se sustentando sobre os calcanhares, estendeu a mão e afagou os pelos do bichano. Ele a olhou com os olhos caídos. – Quanto tempo eu não te vejo – disse enquanto o abraçava.

- Está atrasada, Hel – Reconheceu a voz do irmão atrás de si.

- E como eu não poderia estar atrasada, Leandro? Você me deu somente trinta minutos para chegar até aqui. Moramos no rio de Janeiro, não no deserto do Saara, onde não há engarrafamento. – Ela se levantou e o irmão foi até ela, dando-lhe um abraço apertado.

- Mas então, para que você precisa de minha ajuda? – Helena indagou retribuindo o apertão do irmão.

Leandro era o único motivo de estar ali. Anos atrás tinha jurado a si mesma que não voltaria aquele lugar. Mas Helena seria capaz de quebrar todas as promessas por quem amava.

Assim que se soltaram, os olhos de Leandro estavam tão caídos quanto os do bichano. Então percebeu. Seu coração palpitou um pouco enquanto seus olhos adquiriram um tom preocupado.

Leandro segurou as mãos dela. Ainda que com a barba malfeita, ele ainda conseguia ser um belo homem. Os olhos negros a observaram melancólicos e ele sorriu tristemente quando disse:

- Vovô morreu – um soluço marcou o fim de sua frase, quando ele enfim se despedaçou, um turbilhão de lágrimas descendo pela sua face pálida.

- O que?! Como assim, Leandro?

Helena havia visto o avô no dia anterior numa entrevista ao vivo. Ela levou as mãos ao coração, incrédula. Não. Não. Não. Ele estava bem. Tinha de estar.

- Ele se foi hoje, no meio da manhã... subi, para levar um chá, e eu o vi... – Leandro colocou a mão na boca, os olhos vidrados ao longe. Helena sentiu os olhos se marejarem. Seu avô tinha lhe feito muito mal nos últimos tempos, mas a simples menção de sua morte fazia um filme inteiro perpassar por sua mente. E as lágrimas de seu irmão, eram como um imã chamando pelas suas. Ela conteve uma lágrima e se forçou a lembrar de coisas ruins. O irmão continuou – O câncer estava muito evoluído...

– Por que você não me disse isso pelo telefone?! – A raiva escorreu pela boca dela.

- Para de ser um coração de pedra, Hel. Se eu te falasse por telefone você nem viria.

- Mas é claro, eu não tinha contato com o Marcelo a anos. Devo lembrá-lo que ele me expulsou da empresa... e dessa casa? – Ela indicou a mansão com a mão. O flashback do dia que o avô a expulsou da Lirol Entertainment perpassou rápido por sua cabeça. A sensação ruim atingiu seu âmago. – Não acho que ele iria me querer aqui...

- Se ele te odiasse não te colocaria no testamento, Helena. – Leandro alegou, limpando o choro com brutalidade.

- Me colocou no testamento?! – Parecia não ter ouvido muito bem. Leandro assentiu para ela, conduzindo-a para dentro da casa.

- Ele sempre falava que não esqueceria de você.

Ela revirou os olhos. Não conseguia acreditar que o irmão ainda tinha fé em Marcelo, que era um mentiroso nato.

- É como um modo dele pedir desculpas... eu acho - O irmão concluiu.

- É tarde demais para pedir desculpas. 

No entanto, a cada passo, era como se suas pernas não mais lhe respondessem. Um nó na garganta a fez soluçar enquanto tentava digerir toda informação passada.

Assim que passaram da grande porta de madeira maciça, a música ambiente lhe preencheu os ouvidos, e ela observou aquelas pessoas que a tempo não via, sua família. Todos vestidos de preto, com rostos inertes, forçando sorrisos e lágrimas.

O saguão emoldurado com o grande lustre e fonte no centro acomodava todos à volta. Alguns rostos viraram em sua direção, a cumprimentando. Helena apenas assentiu sendo levada para o próximo cômodo, uma antessala que precedia o escritório.

- É um velório só para os mais íntimos, nem a impressa sabe ainda.Mas já aviso que algumas pessoas você não gostará de rever...

Helena logo entendeu o comentário do irmão assim que viu Ryan. A tristeza se transformou em ódio. O ex lhe mandou um sorriso e uma piscadela enquanto bebia champanhe ao lado de uma mulher de longos cabelos castanhos. Ele se desvencilhou dela e foi na direção deles.

- Helena. – Ryan murmurou e ela virou o rosto. Só de ouvir seu nome sendo pronunciado naquela voz, o nojo que cresceu dentro dela a fez levar uma das mãos ao ventre. Receber aquelas informações e ver Ryan era com toda certeza pior que um pesadelo.

- O que é isso? O show dos horrores? – Helena indagou a Leandro, ignorando o ex. Ryan soltou uma risada melodramática.

- Você vai me ignorar? – Ryan perguntou sorvendo mais um gole. O irmão reprimia a boca ao lado de Helena.

- Vou te ignorar para sempre. Aliás, para sempre é pouco! Até se houver outras reencarnações eu passo longe de você! – Quase cuspiu ao dizer, pouco se preocupando para algumas expressões aturdidas que olhavam a cena.

- Dá um tempo, Ryan! Vamos Helena – Leandro a tirou dali – Vai começar a leitura do testamento para a família. Só esperávamos por você.

Eles entraram no grande escritório que o avô trabalhava. Seus dois tios já estavam esperando sentados no sofá. Um outro homem desconhecido estava sentado na cadeira que era de seu avô.

- Oi, sobrinha – Glauco foi o primeiro a dizer, a tia somente lhe deu um olhar mal-intencionado.

- Odeio parente – Helena se queixou, fazendo uma careta e se sentando na namoradeira ao lado do irmão. Aquelas pessoas a quem seu avô chamava de filhos nada mais eram que sanguessugas, sorvendo todo o dinheiro dele.

- É reciproco, querida. – Pâmela respondeu.

O Grande escritório exibia estantes e mais estantes de prateleiras recheada de livros dos assuntos mais diversos. Marcelo era um homem sedento por todo tipo de conhecimento. Helena observou rapidamente o escritório, lembranças felizes com o avô encheram sua mente.

Ela olhou para namoradeira em que estava e se lembrou dele, quando aos 10 anos ele estava ali sentado ao lado, arrumando seu rabo de cavalo enquanto conversava amenidades com a governanta. Mas então sua memória foi invadia com o dia que recebeu sua demissão da empresa. Sua expulsão daquela casa. Daquela família.

Ela não devia estar ali.

O homem desconhecido e corpulento se levantou, arrumando o terno estilo pinguim. Ele foi até o meio deles, entre o sofá que acomodava os tios e a namoradeira que sustentava os irmãos.

- Todos estão aqui... – Ele deduziu, afirmando com a cabeça careca. – Olá senhores, sou Dr. Praz. Primeiramente, sinto muito. O Marcelo sempre fora um grande amigo e um grande homem, me sinto extremamente honrado por tê-lo conhecido e por esta tarefa que confiou a mim.

Ele fez uma pausa e mexeu na pasta que estava debaixo do seu braço, tirando um papel. O tio se remexeu no sofá, um sinal típico de ansiedade.

– Podemos começar? – Dr.Praz perguntou e todos assentiram. Então o advogado testou a voz com algumas tosses roucas – Eu, Marcelo Lirol Casagrande...diante das duas testemunhas, Praz Guedes Santos e Patrício Benedito. - Ela reconheceu o nome do advogado e do melhor amigo do avô. – Em perfeito juízo e em pleno gozo das minhas faculdades intelectuais... disponho minha casa na ilha grande a minha querida filha, Pamela Vaz Lirol Casagrande e todos os bens encontrados nesta, bem como três caderneta de poupança de número... Ao meu estimado filho, Glauco Francis Lirol Casagrande, meus dois apartamentos em Copacabana, ... bem como todos os pertences contidos dentro destes e a caderneta duas poupança de número... e ao meu querido amigo e neto Leandro Mureb Lirol Solto Maior, disponho esta casa a qual produzi tal testamento, situada em... e duas cadernetas de poupança, de número....bem como a presidência interina da Empresa Lirol Entertainment, e por fim, a minha amada e bela neta, Helena Mureb Lirol Solto Maior, 30% das ações da Empresa Lirol Entertainment, que serão inalienáveis, impenhoráveis e incomunicáveis temporariamente no período de seis meses após a minha morte.

Ela mal estava prestando atenção quando ouviu seu nome. Um silêncio estranho se instalou no ambiente. Sua tia lhe dirigiu um olhar mortal.

- Isso é injustiça! E meus filhos?! – Pâmela gritou mencionando Daniel e Markus. – Helena nem deveria receber nada! Essa quota de ações é imensa! Vai deter todo o capital acionista da empresa.

- Isso é algum tipo de brincadeira? – Helena perguntou ao advogado, ignorando a raiva da tia. Ela sentia uma especie de ira desmedida crescer sob sua pele. 

Helena fez menção de levantar, mas o irmão posicionou a mão em sua perna, pedindo calma. Ela se sentou a contragosto, mas continuou:

- De que me adianta receber essa cota com essas cláusulas, Pâmela? Não poderei vender, negociar...

Pâmela sorriu, desdenhando.

- Então renuncie a sua parte da herança, querida.

- Eu... – Helena levantou de supetão.

- Ela não vai renunciar, sua víbora! – Foi Leandro quem a cortou. – Aceite o seu quinhão ou então renuncie você! – Pâmela torceu o nariz. O advogado trocou o peso dos pés, preocupado e receoso com aquele momento.

- Por mim, está tudo certo! Nunca o ajudei mesmo. Até imaginei que não fosse me deixar nada de bom. – Glauco foi sincero e deu de ombros, antes de sair do escritório com um charuto em uma mão e um acendedor na outra. Pâmela seguiu o irmão, mas não antes de se virar e fuzilar os irmãos novamente.

Na sala, restou Leandro, Helena e o advogado, que dando-se por vencido, sentou-se novamente. Helena ainda tentava entender a pegadinha que o avô tinha feito consigo enquanto Leandro absorvia tudo o que recebera.

Helena afagou o joelho e depois segurou a mão do irmão. Estava feliz por Leandro que, de todos da família, sempre fora o único a estar do lado de Marcelo. Se alguém pudesse receber tudo, ele seria essa pessoa.

Contudo, quanto a ela, tinha impressão que Marcelo havia feito aquilo para ser uma piada. Vai saber se ele não estava se revirando no caixão, gargalhando de sua estranha "inclusão" no testamento, que lhe dava tudo e ao mesmo tempo nada?

E para bem dizer a verdade, não estava nem um pouco ansiosa, muito menos preocupada. Não precisava do avô, construíra todo o seu patrimônio com o próprio esforço. Tinha a sua empresa, que com um plano estratégico bom, cresceria muito. Em alguns anos talvez, só precisava de mais paciência.

- Dona Helena, depois do período de seis meses as cláusulas restritivas não existirão mais. Mas ainda assim, isso não é um prenúncio de uso pleno. – A voz do advogado se arrastou, Helena ergueu uma de suas sobrancelhas – Imagino que a senhorita entenda que suas decisões sobre suas ações perpassem pelo presidente e por todos os acionistas, apesar de ter um peso maior.

- É claro que sim. – Ela mencionou, sem saber onde o advogado queria chegar.

- Seu irmão é interino, então pode ser que quando a eleição para presidente for realizada daqui a seis meses, outra pessoa seja eleita. Mas...há uma forma de garantir sua influência nas decisões sobre suas ações.

Helena franziu o cenho. Leandro se virou para ela, os olhos negros arregalando-se, aparentemente entendendo do que o advogado estava falando.

- Isso... Você precisa ser eleita a presidente!

Helena começou a rir, pensando que Leandro dissera a maior piada do século, afinal não havia nenhuma chance de ser eleita como a presidente. Mas os homens continuaram sérios, encarando-a. Helena se calou.

- Seu irmão está certo, senhorita. Seis meses é o período de vigência da presidência interina. Se você for a presidente da Lirol Entertainment terá plenitude em suas decisões, influências...terá tudo.

Helena olhou de um homem para o outro, perplexa.

- Vocês entendem como isso é algo impossível? Aqueles acionistas me odeiam!

- Não odeiam, não. – Leandro foi categórico. – Hel, até hoje seu trabalho na Lirol ainda é falado. Você só perdeu credibilidade por causa do escândalo.

Helena meneou a cabeça negativamente.

-Que seja, Leandro. – gesticulou desinteressada. - A questão é: como uma empresária sem credibilidade por causa de um escândalo envolvendo relacionamento amoroso, se torna presidente da mesma empresa que a demitiu? - repetiu para que Leandro entendesse o absurdo que dizia. O irmão tocou o queixo, avaliando as possibilidades. Dr.Praz pigarreou.

- Senhorita Helena, falarei isso não como advogado, mas como amigo de seu avô. – O homem repousou as mãos no próprio colo, como se procurasse a melhor maneira de dar uma notícia ruim. – Se case.

- O que?! – Helena e Leandro repetiram em uníssono. 



E aí gente, o que acharam? Comentem me contando! 

votem, peoples. É a minha primeira história, vai me estimular muito a continuar. 😍

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