5 - Confusão

Alex só se deu conta da própria irritação quando deixou o estacionamento da Universidade Augusto dos Anjos. Ainda bem que não ministraria nenhuma aula no período noturno.

Abaixou o vidro elétrico de seu Tesla prata, deixando que o ar fresco da noite tentasse abrandar a raiva e a preocupação que fervilhavam no sangue. Mas nem a brisa agradável, nem a satisfação de estar dirigindo um carro zero que tirara da concessionária na semana passada, conseguiu acalmar as batidas irritadiças que martelavam seu peito.

Normalmente, se considerava um cara calmo, focado no trabalho, e buscava manter a vida profissional e a vida pessoal separadas.

Mas a fala de Enrico...

"Não estou pedindo para você se apaixonar, e sim para que pare de se comportar como um moleque de vinte anos".

Aquilo era um absurdo.

"Ninguém falou em demissão, mas andei escutando uns cochichos por aí. Achei melhor te avisar. Você é jovem, tem futuro e potencial. Se quiser permanecer, jogue o jogo deles".

Só que ele não podia negar; tinha plena consciência do severo conservadorismo da universidade. Mas jamais imaginou que, um dia, aquilo seria um problema para sua carreira. Que poderia ser demitido.

Alex grunhiu, comprimindo o volante.

Por um momento, achou que Enrico estava exagerando, pegando no seu pé, pois não aprovava seu estilo de vida boêmio. Até ouvir da boca do coordenador de Engenharia da Computação, naquela mesma tarde, o que ouvira da boca do irmão. Até saber que outro professor estava sendo cotado para a cadeira do Conselho que ele arduamente desejava.

Poderia procurar outro lugar para trabalhar, caso fosse demitido? É claro que poderia. Mas nenhum lugar tinha um plano de carreira tão promissor quanto a Augusto dos Anjos, junto de um salário que nenhum professor da idade dele costumava receber em outras universidades.

Além disso, conhecia o reitor e o Conselho. Não gostavam muito dele; provavelmente fariam com que sua demissão manchasse seu currículo e dificultasse sua vida acadêmica. Ainda mais pela fama que ele tinha pelos corredores e pelas histórias que algumas ex-alunas contavam; histórias que já haviam causado alguns escândalos. Nada grave ou fora da lei, mas o suficiente para incomodar a chefia que prezava pela imagem e moral do seu quadro de funcionários.

"Você é jovem, tem futuro e potencial. Se quiser permanecer, jogue o jogo deles".

Alex soltou um palavrão.

Bando de hipócritas.

Céus, precisava esfriar a cabeça e pensar em uma solução que fosse satisfatória para todo mundo.

Manobrando o carro, ele decidiu que precisava de uma cerveja gelada para fechar a noite. Dirigiu até o bairro Savassi, onde encontrou um pub de ambiente aconchegante e decoração temática. Era a primeira vez que ia naquele lugar.

Alex escolheu uma mesa, avaliando a carta de cervejas.

Ótimas opções.

Também achou os drinques criativos e os coquetéis chamativos.

Percebeu que havia mulheres em outras mesas, observando-o, deixando explícito o convite em seus olhares. Eram bonitas, atraentes. Mas, naquela noite, tudo o que ele queria era uma cerveja gelada.

Tinha que pensar bem no que faria. Não deixaria o caminho livre para a concorrência

Sabia que tinha outros de olho em seu cargo, que também queriam o mesmo status que ele buscava. Principalmente Orlando Rodrigues, que há muito tempo queria as aulas que Alex ministrava e as funções que exercia.

Não tinha dúvidas de que era Orlando quem estava incitando todos aqueles problemas, apenas para vê-lo fora da universidade.

Mas ele não estava disposto a abrir mão de nada.

Principalmente de entrar no Conselho da universidade.

Aquele era o legado e o prestígio que buscava, não era?

Não era?

Franziu os lábios, como se algo ainda faltasse. Algo sem nome. Mas o que mais poderia querer?

Não vão me fazer desistir tão fácil. Não mesmo.

Se queriam que ele jogasse, ele daria um jeito de jogar.

Alex correu os olhos outra vez pela carta de cervejas; quando estava quase escolhendo qual pediria, escutou um grunhido feminino de dor próximo a si.

Ele virou o rosto; era uma garçonete, segurando uma bandeja de bebidas quentes. Um pouco do líquido havia se derramado e caído em seu braço, queimando-a, e ela havia sufocado a dor ao morder os lábios.

Alex abriu a boca para perguntar se a garçonete estava bem, mas as palavras se evaporaram ao olhar para o rosto dela.

— Alana?

Olhos grandes e castanhos, marcados por um misto de dor e surpresa, encontraram os seus.

— Professor Alex. — Rapidamente, o choque se evaporou das feições dela. Alana ajeitou os ombros, esboçando um sorriso gentil. Algo naquele gesto fez o estômago dele se contrair, porque ele tinha certeza de que ela ainda estava sentindo dor. — Não sabia que você frequentava esse pub.

Alex não conseguiu pensar em nada para dizer; podia encarar o rosto de sua orientanda, jogar conversa fora, olhar para os cabelos presos que se acostumara a ver soltos, sempre caindo em ondas cheias pelos ombros. Mas tudo o que conseguia fitar era a queimadura em seu braço; uma nova queimadura ao lado da que ele vira na pele dela pela manhã.

— Já anoto seu pedido. Vou só levar isso aqui lá na outra mesa.

E, como um furacão, Alana se afastou, servindo as mesas com graça e desenvoltura, provavelmente mascarando a ardência que sentia. Ele mal piscou, e ela estava de volta, segurando uma comanda.

— Já sabe o que vai querer? Posso te fazer algumas recomendações. Tem umas cervejas artesanais excelentes no cardápio.

Alex estreitou os olhos, a respiração suspensa.

— Você não vai passar algo nessa queimadura primeiro? Posso esperar você voltar.

Ela fez uma expressão surpresa; então, balançou a cabeça e pôs outro maldito sorriso agradável na boca, olhando de relance para o braço. Não passou despercebido aos olhos de Alex o leve tremor nos dedos dela.

— Não foi nada demais. Estou bem.

— Não é o que parece.

— Meu chefe vai chiar se eu parar agora — ela disse com desenvoltura. — Ele não tem tanta paciência como você, professor Alex. Acho que ele não serviria para ser orientador.

Alex comprimiu os lábios, um gosto estranho amarrando sua boca. Percebeu que não venceria aquele embate e que não derrubaria o olhar firme de Alana. Por fim, escolheu a cerveja que queria e a observou se afastar, rumando na direção do bar.

Não era incomum que estudantes universitários trabalhassem no contraturno das aulas. Mas, pelo que sabia, Alana já estagiava na parte da tarde. Tudo bem, estagiários recebiam pagamentos vergonhosos. Talvez ela precisasse daquele trabalho noturno para gastar consigo mesma e se divertir.

— Aqui está, professor Alex — ela disse, colocando a cerveja em sua mesa. — Está trincando de gelada.

— Obrigado.

E, outra vez, ela se afastou, movendo-se entre as mesas, apanhando pedidos e comandas. Parecia estar dando o máximo de si, independente da dor que sentia, fazendo o melhor possível, assim como fazia na universidade. Alana era uma das alunas mais brilhantes que já conhecera. Fora a determinação e inteligência dela que o fizera ceder e convidá-la para escrever um artigo em coautoria.

Alex apanhou o celular ao ouvir o alarme de mensagem chegando.

Era de Enrico.

"E aí, pensou no que eu te disse? Vai tomar juízo?".

O prazer que a cerveja gelada estava lhe causando se esvaiu feito um soco no estômago, dando lugar para a irritação que o acompanhava desde que deixara a universidade.

Aquela merda ainda ia lhe dar dor de cabeça.

Ao erguer o rosto e deixar o celular de lado, enxergou Alana do outro lado do pub. Os olhos dela encontraram os seus, e ela lhe ofereceu um sorriso simpático. Alex inspirou fundo, a pulsação acelerando. Percebeu que aquele sorriso havia sido a única coisa boa do seu dia.

Ele ergueu a garrafa de cerveja, simulando um brinde com ela.

Alana sorriu outra vez e, carregando uma bandeja pesada, foi até uma mesa onde havia vários homens engravatados, rindo e falando alto.

Na mesma hora, eles a devoraram com o olhar.

Um dos sujeitos falou alguma coisa para ela, provavelmente uma cantada de mal gosto. Alex enxergou o desconforto no rosto de Alana. Aquilo o incomodou também. Mesmo assim, ela agiu com desenvoltura e terminou de colocar os copos e as bebidas na mesa.

Quando ela se moveu, o cara tentou apalpá-la.

Com agilidade, Alana desvencilhou do toque e se virou.

Alex percebeu que sua própria respiração estava adensando.

E então, o sujeito se levantou, xingando-a por ter lhe dado as costas, agarrando o braço queimado dela com força, fazendo o rosto de Alana se contrair de dor.

— Quem você pensa que é, vagabunda?!

A cena foi a gota d'água para sua irritação transbordar.

Quando percebeu, estava em pé, rumando para a mesa dos sujeitos.

—Solte-a agora mesmo!

Alana virou o rosto, arregalando os olhos em sua direção.

O sujeito grunhiu, avançando em cima de Alex. O cheiro de bebida que exalava dele era um sinal de que já havia ultrapassado os limites.

— Esse assunto não é com você, filho da puta!

Alex se manteve irredutível.

— Peça desculpas para ela.

— Ah, é? Quero ver você me obrigar!

Fumegando, o sujeito ergueu o punho fechado, tentando acertá-lo; Alex foi mais rápido, contendo a mão dele e a torcendo, até que ele estivesse gritando de dor.

— Peça desculpas para ela agora mesmo!

— Alex! — Alana gritou, e era a primeira vez que ele escutava a voz dela naquele estado de pânico.

Todos os clientes do pub olhavam para eles.

Com um grunhido, o bêbado se desculpou com Alana. Alex o soltou, ainda bufando de raiva.

— Por favor... — Alana tocou em seu ombro. — É melhor sair daqui. A bebida fica por conta da casa.

Alex franziu o cenho, vendo um homem, que deveria ser o dono do pub, fuzilando a ele e a Alana com o olhar, enquanto os seguranças da entrada caminhavam até eles.

— Vou ficar bem — Alana garantiu, mas ele podia ouvir o tremor que ela tentava disfarçar na voz. — Só vá. Não quero que tenha problemas por minha causa.

— Por sua causa? — ele chiou. — A culpa é daqueles caras.

— Eu resolvo isso. Pode ir. Obrigada pela ajuda.

Alex a fitou demoradamente, o peito subindo e descendo em uma velocidade alucinante. Alana moveu a cabeça, como se quisesse insistir que estava bem. Observou-a virar e seguir o chefe para uma salinha pequena, cuja porta foi fechada com uma força violenta.

Com passos pesados, Alex foi até o caixa, deixou algumas notas ali e se moveu para fora do pub, recostando-se em um banco externo.

O sangue bombeava velozmente em seus ouvidos.

Ficaria ali fora até que Alana saísse.

E nada o arrancaria dali até que se certificasse de que ela estava mesmo bem.

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