Capítulo 8 - Vigília aérea
NA ÚLTIMA SEMANA DE ABRIL, através de espionagem digital, Henrique se dedicou totalmente a encontrar provas que associassem todas as pessoas que ele e a policial Regiane Loyola cogitavam que fizessem parte da nova Corporação e, para isso, sacrificou várias noites de sono diante do CAD no subsolo da sua casa.
Para não levantar suspeitas das suas atividades noturnas, o rapaz esperava até que a sua mãe e a sua irmã fossem dormir antes de descer pelo acesso da garagem e varar as madrugadas em busca de informações que conectassem nomes como o da ex-prefeita Renata Leme e o seu sucessor à cadeira da prefeitura com o de criminosos notórios como Romero Assis e Sérgio Alcântara, mas frustrou-se logo ao descobrir que não teria êxito usando meios convencionais.
Numa noite daquelas, irritado por não conseguir avançar em suas investigações, decidiu apelar para os mesmos métodos que ele e os amigos de combate ao crime já haviam utilizado da primeira vez que enfrentaram pessoas poderosas em cargos importantes. Valendo-se dos seus conhecimentos em informática, o jovem Harone forjou um e-mail marketing inoculado com um vírus Cavalo de Tróia e o enviou à correspondência eletrônica da prefeitura a fim de conseguir uma abertura em seu sistema informatizado.
Depois daquilo, teve que esperar pouco tempo até que tivesse tomado o controle dos servidores locais com um spyware cujo código ele próprio havia escrito e, assim, Henrique conseguiu acesso irrestrito à caixa de entrada de todos os funcionários, começando a espionar de perto as ações dos seus principais alvos.
A câmara dos vereadores de São Francisco d'Oeste contava, desde a eleição do último ano, com doze cadeiras, além daquela ocupada pelo seu presidente Nazareno Fernandes. O Partido Social Nacional tinha a maioria absoluta no gabinete, tendo nomeado sete dos principais vereadores, além do atual prefeito, Josleno Cavalcante. O próprio Fernandes também era filiado ao PSN desde o seu início na vida pública, há vinte anos.
Na última eleição, o grande adversário de Cavalcante para o cargo de prefeito, o professor de História e agrônomo Luís Amarildo Vilaça do Partido Democrático Brasileiro — partido de esquerda de menor expressão na cidade —, tinha conseguido menos de 20% dos votos totais da região e havia sido massacrado nas urnas. Dois de seus vereadores, no entanto, ocupavam atualmente cadeiras dentro da prefeitura, e dia a dia tentavam fazer frente à maioria dos vereadores de direita na câmara, propondo projetos de cunho mais humanitário que nunca sequer chegavam a ser considerados.
Era uma batalha bastante desproporcional de ideologias, e os partidários do PDB quase não conseguiam causar alarde entre os colegas políticos. A direita burguesa continuava forte como sempre estivera em São Francisco d'Oeste e os direitistas tinham quase que o apoio total dos moradores da cidade, apesar das mazelas que muitos deles sofriam pela má administração da cidade há mais de duas décadas.
Ciente de o quão injusta era a política local que privilegiava sempre os mais ricos e ainda procurando provas que incriminassem o vereador do PSN, Henrique escarafunchou centenas de mensagens de e-mails privados da caixa de entrada de Washington Castro naquele período de uma semana, mas além dos valores abusivos que o homem estava dispendendo dos cofres públicos para custear a sua campanha a deputado estadual no próximo ano, pouco havia sido encontrado de anormal em sua correspondência diária.
Eleito como o vereador mais bem votado de São Francisco e com um prestígio inabalável por sua postura populista — uma máscara que lhe cabia melhor a cada quatro anos —, Castro contava com o apoio dos milhares de moradores da cidade para representá-los na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e tinha começado cedo com a sua campanha, uma vez que as próximas eleições só ocorreriam em outubro do próximo ano.
Investindo tanta grana em marketing e propaganda, é quase certo que esse filho da mãe vai se eleger facilmente a deputado, pensou Henrique, enquanto fuçava os valores inflacionados que constavam em uma conta enviada por uma agência de publicidade paulista.
Após ler mais de quinhentos e-mails na caixa particular de Castro e de outros vereadores da mesma chapa que a ex-prefeita, Henrique percebeu que não conseguiria as provas que queria daquela maneira e, então, ainda naquele mês, começou a sair em rondas noturnas, sempre visitando endereços que eram conhecidos por receber pessoas de alta classe da cidade.
Ora a bordo do seu aeroplano invisível que escaneava os arredores com as suas câmeras infravermelhas, ora se esgueirando pelos telhados em busca de flagrantes de ações criminosas sob a identidade de Pássaro Noturno, Henrique começou a espreitar aqueles as quais caíam suspeitas de participação e associação com o tráfico e, para isso, abdicou de suas horas de descanso, sempre vigilante, sempre sorrateiro quando devia estar dormindo.
Na segunda semana de vigilância, Henrique acompanhou de dentro da ASA um encontro de madrugada entre o ex-delegado de polícia da cidade, Romero Assis, Nazareno Fernandes e Washington Castro no terraço de um prédio de alta classe na Zona Norte. Entre coquetéis especiais, serviço de bufê exclusivo e muitas gargalhadas trocadas entre eles, os três homens estavam se divertindo juntos sem saber que a aeronave do Pássaro Noturno planava a mais de vinte metros sobre as suas cabeças, focalizando e gravando tudo.
Àquela altura dos fatos, o spyware instalado no servidor da prefeitura já havia se enraizado pelas contas de e-mail privadas de Castro e, naquele momento, enquanto ele apresentava um projeto de instalação de unidades policiais pacificadoras por toda São Francisco aos amigos de mesa em seu notebook — projeto que o vereador estava usando como a sua principal plataforma de campanha —, Henrique assistia a tudo em tempo real pelo computador de bordo.
— Vamos lá, canalha — sussurrou o rapaz para si mesmo, uniformizado e atento à tela à sua frente. —, mostre algo que o incrimine nesse computador.
Enquanto o avião planava silenciosamente sobre a cobertura do prédio de apartamentos, Henrique estava assistindo da sua cabine à apresentação de slides que Castro exibia para Assis e Fernandes. O projeto das células mantenedoras da paz que ele pretendia espalhar por São Francisco tinha claro objetivo de posicionar homens da sua total confiança em cada canto da cidade, agindo de maneira a mascarar os seus próprios intentos ditatoriais. Assim como Assis fazia na Comunidade da Boa Vista, a ideia de Castro era puxar ainda mais as rédeas nos bairros carentes; aumentando a vigilância e consequentemente também a dependência das pessoas protegidas por aquele tipo de segurança armada.
— Com esse projeto, Castro quer praticamente legalizar as milícias — conjecturou Henrique de frente para a tela de dezenove polegadas do seu computador de bordo. —, não duvido nada que ele queira colocar algum corrupto feito o Romero Assis no comando de cada unidade para manipular as pessoas que diz proteger. Ele não quer manter a cidade segura, ele quer mantê-la sob o seu controle!
Enquanto se enraivecia, Henrique continuou de olho na reunião sobre o telhado e, pelas câmeras externas da ASA, ele pode ver a expressão de contentamento nos rostos de Romero e Nazareno, ambos satisfeitos com o que o colega estava prometendo fazer pela cidade em sua campanha política.
Naquela noite, foi difícil controlar o incômodo estomacal que sentiu, enojado demais em saber os detalhes do projeto de unidades pacificadoras, mas o rapaz foi obrigado a aguentar tudo em silêncio e sem nada poder fazer. Ainda não tinha qualquer prova que incriminasse o vereador.
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