Capítulo 26 - Difamado
Vereador Washington Castro sofre atentado em coquetel de pré-candidatura
O candidato a deputado estadual pelo Partido Social Nacional estava discursando no palanque quando um homem não-identificado desceu pelo telhado e colocou em risco a segurança do local.
KLEBER VIOTTI
16/08 08:13, atualizado 16/08 10:26
A noite do sábado (15) foi bastante agitada na região norte da cidade de São Francisco d'Oeste, no interior de São Paulo, durante o coquetel de pré-candidatura do vereador Washington Castro (46) a deputado estadual pelo PSN-SP.
O evento estava marcado para começar às 19h00 no Espaço Pompílio Bessa, uma prestigiada casa de shows da região. Por volta das 19h30, o candidato subiu ao palco para começar o seu discurso de campanha para um cargo na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e tudo corria bem quando o ataque teve início.
Pouco após o início do discurso, a janela superior do salão se estilhaçou e um homem vestindo um traje tático especial, capuz e capa, desceu pelo telhado causando grande balbúrdia entre os mais de cem convidados que se espalhavam pelo piso principal. Os seguranças contratados pela casa de espetáculos rapidamente se movimentaram no intuito de proteger o alvo da agressão iminente imposta pelo homem de preto, que revidou violentamente agredindo os guardas e tentou avançar sobre o palco.
Depois de ferir sete dos agentes de segurança do Espaço Pompílio Bessa, o seu avanço só foi detido por outros três homens que o conseguiram conter por tempo suficiente até que a Polícia Militar chegasse ao local e afugentasse o agressor.
Segundo o capitão da Polícia Militar, Osvaldo Tordesilhas, o fugitivo chegou a ser encurralado por dois dos seus homens na área de carga e descarga da casa de eventos, mas conseguiu escapar usando um cabo de aço puxado por uma aeronave não-identificada que partiu velozmente do local levando o acusado. Ainda de acordo com o capitão de polícia, o terrorista não estava agindo sozinho e, além do piloto do avião que o ajudara na fuga, é possível que houvesse ao menos mais uma pessoa o auxiliando via rádio próximo da área do Pompílio Bessa, mas nenhum suspeito fora encontrado.
Segundo testemunhas que acompanharam de perto todo o desenrolar dos fatos, o homem que tentara contra a vida do vereador Washington Castro é o extremista radical conhecido popularmente como "Pássaro Noturno" que vem empregando, nos últimos três anos, força bruta contra empresários, políticos e agentes da lei em São Francisco d'Oeste. Segundo as autoridades, ele utiliza equipamentos altamente avançados de espionagem, além de armamento letal. É versado em artes marciais e é extremamente perigoso.
Ainda não se sabe o motivo exato do ataque ao vereador, mas em nota, Michelle Roriz, a porta-voz da câmara dos vereadores de São Francisco, declarou que "o agressor estava disposto a enfraquecer as instituições democráticas com seu ataque vil e cruel, mas nem o vereador Castro e nenhum outro membro da câmara vai tolerar qualquer afronta ao poder público a eles instituído".
A polícia de São Francisco emitiu um alerta a todos os cidadãos da cidade e, a partir de hoje, todo e qualquer avistamento do elemento conhecido como Pássaro Noturno deve ser denunciado com urgência às autoridades.
♦
A matéria de Kleber Viotti para o jornal A Gazeta daquele domingo caiu feito uma bomba para Regiane Loyola que tentou contato com Pássaro Noturno o dia todo, sem sucesso. Naquele mesmo dia, O Correio d'Oeste dedicou uma página inteira do seu caderno "cidade" para polemizar com aquilo que chamou de "tentativa covarde de assassinar o vereador mais honesto da cidade" e o canal de TV Oeste News disponibilizou mais da metade da sua programação vespertina para mostrar imagens da invasão, editando muito bem os vídeos para que o Pássaro Noturno fosse sempre retratado como um vilão que invadiu o coquetel e que começou a bater nos seguranças sem qualquer motivo aparente.
Na segunda-feira, logo cedo, Regiane se dirigiu à sala do delegado Rui Guimarães no DP e exigiu explicações sobre a difamação criada pela matéria do jornal A Gazeta, aquele que, até pouco tempo, era um dos únicos veículos de imprensa considerado imparcial em uma cidade cujos políticos controlavam boa parte da mídia.
— Se acalme, Regiane. Nós não temos nada a ver com isso. A ordem veio de cima.
Ela estava inclinada na mesa com as mãos sobre o jornal de domingo e a sua feição exalava indignação.
— De cima? Quem deu a ordem? O Presidente? O Papa?
O rosto de Guimarães estava teso.
— O vereador Castro mexeu os seus pauzinhos depois do ataque e conseguiu autorização do alto escalão da polícia para ordenar a prisão do Pássaro Noturno. O cara deve ter contato com gente de dentro do Ministério Público, da Prefeitura de São Paulo e até do Governo do Estado. Como eu disse, a ordem veio de cima. Não podemos fazer nada.
— Não houve ataque nenhum — disse ela, indignada. —, ele caiu em uma armadilha. Armaram para ele levar a culpa de um ataque que não aconteceu!
— Como você sabe, Loyola? Você nem ao menos estava lá!
Ela sabia que aquela afirmação não era verdadeira, mas entendia que a sua carreira estaria acabada se confessasse que estava do lado de fora do Espaço Pompílio Bessa no momento em que o Pássaro Noturno fora atirado contra a janela e fora obrigado a se defender para sobreviver.
— Eu o conheço. Eu sei que ele jamais faria qualquer coisa para atacar um evento daquele porte colocando as vidas de tantas pessoas em risco.
— Sinto muito, Loyola. Graças à manipulação da imprensa, agora ele é visto como alguém que atacou um coquetel na tentativa de assassinar o vereador mais popular da cidade. A partir de hoje, o Pássaro Noturno é considerado um elemento de alta periculosidade e deve ser detido assim que avistado.
Sem ter mais o que argumentar, Regiane saiu furiosa da sala do delegado e mal percebeu que Leandro Laguna estava encostado na parede do corredor do lado de fora à sua espera. O policial apertou o passo para acompanhá-la até o pátio das viaturas e fez-se perceber.
— Quero que saiba que também não concordei com a sacanagem que armaram para o teu colega encapuzado. Apesar do estrago que aquele avião causou no bairro Constantino Vecchio, o sujeito fez o que pode para nos salvar dos soldados da Brigada de Elite.
Regiane manteve o cenho fechado e deu a volta no carro que estava dirigindo desde que o último havia sido quase feito em pedaços pelos tiros de metralhadora dos homens a serviço do Comando Central. Ela se sentou atrás do volante, deu a partida e já estava fazendo menção de arrancar, quando Laguna enfiou a cabeça para dentro do carro pela janela.
— Ei, aonde pensa que vai com essa raiva toda?
— Me deixa, Laguna. Hoje vou fazer a ronda sozinha.
E ela arrancou, seguindo velozmente em direção ao portão de saída largando o seu parceiro para trás.
♦
No começo do mês de setembro, os pais de Michael organizaram uma festa de aniversário para o garoto e, além dos familiares mais próximos, convidaram também muitos dos vizinhos de bairro para o sobrado onde moravam próximo ao centro de São Francisco d'Oeste.
Henrique estava muito feliz em poder comemorar o aniversário de nove anos do seu sobrinho e, antes da festa, comprou de presente uma action figure de quinze centímetros de altura com múltiplos pontos de articulação do General Kron, o arqui-inimigo do Defensor da Galáxia.
Dias antes, ele havia convidado Thais e Milena para a comemoração e o rapaz as encontrou na saída da estação ferroviária de São Francisco d'Oeste perto das três da tarde, uma hora antes do início dos festejos.
As irmãs Augusto pareciam bastante animadas quando surgiram pelas escadas após passarem pelas catracas de saída, e Milena olhava ao redor como quem visitasse um território selvagem — ou um zoológico — pela primeira vez. Tinha uma imagem mental muito diferente do lugar onde o cunhado dizia morar e ficou levemente surpresa ao enxergar o centro com cara de metrópole moderna à sua frente, uma das marcas registradas do trabalho da empresa Xeque-Mate e a construtora Constrular durante os dois mandatos da prefeita Renata Leme.
— Até que aqui não parece tanto com uma cidade do interior — disse a menina com o seu humor jocoso assim que cumprimentou Henrique. —, tem prédios, avenidas... Eu imaginava mais um lugar com pasto, vacas, cavalos puxando carroças...
Thais lhe puxou o braço pronta a dar uma bronca, mas Henrique entrou na brincadeira.
— Os prédios e avenidas são só para enganar o povo que desce do trem e sai da estação. O resto da cidade é cheio de vacas e cavalos puxando carroças!
Milena sabia que ele levava os seus comentários na brincadeira, e cada vez que encontrava o cunhado, se sentia ainda mais à vontade com ele, certa de que o rapaz não bronqueava facilmente. Os dois tinham um humor muito parecido.
Parte da família se reuniu cerca de meia-hora depois no sobrado de Lucas e Selena, os pais de Michael e da pequena Ana Laura de agora um ano e nove meses. A casa estava toda enfeitada com painéis, balões coloridos e enfeites nas cores azul e amarelo, representando o personagem-tema da festa.
Ao avistar o tio chegando pela porta acompanhado da namorada Thais e da irmã dela Milena, o garoto largou os coleguinhas de bairro um instante e foi lhe dar um abraço.
— Cara, que bacana a sua festa do Defensor da Galáxia! — disse Henrique, sorridente. — Estou com tanta inveja que acho que vou querer uma igualzinha pra mim ano que vem!
Michael soltou uma risada alta e caçoou o tio:
— Acho que você já é velho demais para festas de criança!
Thais, que estava agarrada ao braço de Henrique, entrou no assunto:
— Pois eu acho que ele iria adorar uma festinha como a sua, Michael. Eu comprei um encadernado definitivo do Defensor da Galáxia pra ele em seu aniversário e o tonto só faltou babar na capa do livro. Vocês dois têm muito em comum!
Henrique rebateu:
— Ela fala assim, mas também tem um monte de gibis do Defensor da Galáxia guardados dentro do armário da casa dela!
Enquanto os dois namorados se alfinetavam, Milena estendeu a Michael o embrulho do presente que havia lhe comprado junto da irmã.
— O seu tio disse que você também é fissurado em jogos medievais de videogame. Nós compramos esse aqui para você. Espero que goste.
Michael não se conteve em rasgar o papel de presente para saber qual era o jogo e leu o título da capa em voz alta, parecendo maravilhado:
— Demon's Souls! Uau! Parece demais!
— E é — confirmou Milena —, a Tatá e eu ouvimos falar muito bem desse jogo e ele está sendo muito bem avaliado. Acabou de ser lançado!
De maneira acanhada, o garoto recebeu um beijo no rosto de Milena e de Thais. Depois, desviou o olhar para o embrulho nas mãos do tio.
— E o que tem aí? — perguntou sem qualquer hesitação.
— Bem, não é nada tão interessante quanto esse Demon's Souls, mas acho que você também vai gostar.
Novamente, ele recebeu o presente em mãos e rasgou rapidamente a embalagem. Os seus olhos se arregalaram ao enxergarem a caixa de um colecionável visível através de uma película plástica na parte frontal.
— Caracas! É o General Kron! Só estava faltando ele na minha coleção!
Henrique havia conversado previamente com o seu irmão mais velho Lucas e sabia que Michael já havia ganhado, em outras oportunidades, os demais bonecos da coleção "Defensor da Galáxia" que, além do personagem título, contava também com a parceira alienígena do herói, a Patrulheira Sh'Rann; o piloto de caça-espacial, o Capitão Treadstone e a mascote felina do grupo, Mi'Haul.
— Ele vem com dois braços intercambiáveis e o canhão de energia atômica do General que emite um LED de luz de verdade.
Michael estava verdadeiramente feliz pelo presente e apertou a caixa da action figure contra o peito um segundo antes de dar um abraço em Henrique.
— Obrigado, tio. Vou mostrar agora mesmo para os meus amigos. Eles nem vão acreditar!
Thais viu o menino correr pela sala de casa para alcançar os amigos que conversavam em uma roda animada enquanto bebiam refrigerante perto da escada que dava para os quartos. Ela encarou o namorado e viu a felicidade estampada em seu rosto. Em suas conversas sobre família, ele já havia confessado um sem-número de vezes o quanto adorava o sobrinho e como o menino o fazia se lembrar da sua própria infância. Ela tinha ciência do quanto Michael era importante para Henrique e respeitava muito aquele seu sentimento paternal.
Sem lhe dizer mais nada, deu-lhe um beijo carinhoso, depois, se encaminhou com ele para cumprimentar as demais pessoas na festa. A família Harone tinha acabado de chegar e Cecília e Carina traziam mais presentes para o aniversariante.
Duas horas após o início da comemoração, Selena apagou as luzes da sala, chamou os convidados para o entorno da mesa com o bolo confeitado e acendeu a vela em formato de um número nove para que os presentes começassem a cantar os parabéns ao homenageado da noite. Com gritos efusivos de "feliz aniversário" e muitos urros exultantes, os quase trinta convidados aplaudiram o menino Michael, que apagou a vela com um assopro digno do Defensor da Galáxia.
Na hora de cortar o bolo e oferecer o primeiro pedaço, ele surpreendeu a todos levando o prato com a fatia para o tio Henrique, que ficou bastante emocionado em ser lembrado naquele momento.
— Ao meu tio favorito!
Carina que estava ao lado da mãe e do irmão Lucas em torno da mesa protestou com um "ei" e Michael soube sair pela tangente:
— Você é a minha tia favorita!
Todos riram na sala e quase ninguém percebeu que os olhos de Henrique lacrimejaram de emoção pouco antes de ele agradecer o gesto de carinho do sobrinho.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top