Capítulo 16 - Segredos revelados

HENRIQUE E REGIANE FICARAM cerca de quarenta minutos conversando sobre a caverna e tudo que o jovem Harone mantinha escondido da mãe e da irmã ali embaixo desde que começara a se aventurar pelas noites de São Francisco d'Oeste. Ela tinha várias questões sobre o funcionamento do Sarcófago e da Matriz de Impressão e ele a explicou superficialmente, evitando termos mais técnicos e tornando o entendimento mais fluído.

— O computador também responde a certos comandos de voz — começou a dizer — e eu o estou programando para executar algumas ações dentro do bunker só de eu pedir a ele.

Ele usou como exemplo o desligamento das luzes automáticas do teto com um comando sonoro, depois, tornou a acendê-las. Um sorriso abriu-se no rosto da policial que flexionou músculos que não usava há muito tempo.

— E onde você guarda aquele seu avião? Vai me dizer que ele também está aqui em alguma área oculta?

E ela deu uma volta, como que procurando alguma porta secreta nas paredes maciças da caverna. Henrique digitou um comando no teclado e abriu na tela um desenho esquemático do hangar onde a ASA ficava estacionada a maior parte do tempo absorvendo a energia solar que abastecia os seus painéis embaixo de uma área descampada na rua de cima da Teixeira Barreto.

— Depois de um tempo, eu descobri que o aeroplano ficava escondido num hangar subterrâneo muito próximo desse endereço e consegui acionar o painel de acesso do lugar com a minha digital. Era como se os equipamentos já estivessem programados pra mim e não foi difícil chegar ao avião depois disso.

Ele conseguia ver Regiane em pé atrás dele pelo reflexo da tela de cristal e ela riu de maneira sarcástica.

— Está me dizendo que um avião de mais de quinze metros de comprimento com sistema antiaéreo e instalado com armamento de guerra foi deixado de herança para um menino de treze anos encontrar?

Ele girou a cadeira para encará-la nos olhos e falou com sinceridade:

— É como eu disse: Eu realmente não sei de onde vieram todas essas coisas. Eu não faço ideia de porque tem uma caverna embaixo da minha casa, qual é a origem desse computador esquisito ou a razão de ter um avião de combate escondido sob um campo de futebol de bairro há vários anos. Eu só fui o primeiro a encontrar tudo isso e confesso que, às vezes, me sinto um pouco culpado em estar fazendo uso desses equipamentos sem nem ao menos entender de onde eles vieram...

Regiane estava estreitando a relação profissional que mantinha com Henrique desde que ele passara a demonstrar tanto interesse quanto ela em acabar com a criminalidade da cidade onde moravam, mas todas aquelas revelações sobre a origem do Pássaro Noturno e como ele havia se dado conta que os equipamentos sob a sua casa podiam lhe dar poderes plenos para fazer justiça com as próprias mãos a estavam deixando levemente incomodada.

Esse garoto é só um colegial e tem acesso a uma tecnologia muito avançada que poderia colocar nações em conflito ou mesmo destruir as instituições que eu, como uma mulher da lei, defendo desde que ganhei o meu distintivo. Eu deveria prendê-lo agora mesmo e confiscar todas as suas geringonças de ficção científica... Por que eu não faço?

Enquanto os seus pensamentos conflitavam, ela quis saber mais, intrigada:

— Quem é o seu pai?

Ele respondeu seco:

— Achei que tinha investigado tudo sobre a minha vida!

Ela o fitou com os olhos semicerrados.

— Não fui tão longe. Pesquisei o seu histórico escolar, encontrei a sua ligação com a escola Belém Capela depois daquele nosso encontro no cemitério e sei quem foram os seus amigos de ensino fundamental — incluindo os seus dois parceiros de vigilantismo —, mas não sei nada a respeito do seu pai. O velho ainda está vivo?

Henrique deu de ombros.

— Meu pai se chama Jorge Harone. Até onde eu sei, era mecânico hidráulico em uma firma de construção chamada Metalstar em São Paulo. Foi casado por vinte e quatro anos com a minha mãe e se mudou comigo e a minha família para São Francisco d'Oeste quando eu tinha sete anos. Quando eu tinha nove, acordei com os dois discutindo na calada da noite e, foi então que ele se mandou de casa para sempre, levando o Voyage 1988 que dirigia. Depois disso, nunca mais ouvimos falar dele. Sumiu do mapa.

Regiane notou o traço de tristeza no rosto pálido do garoto.

— Você sabe por que os dois brigavam?

— Vagamente. — respondeu ele. — A minha mãe dizia que era porque ele estava se tornando muito ausente de casa e deixava as contas acumularem, apesar de ganhar bem na empresa onde trabalhava.

Provavelmente, sustentava outra família com o dinheiro. É típico de homem que se ausenta muito de casa para depois sumir no mundo, pensou Regiane, familiarizada com questões semelhantes na delegacia.

— Acha que o seu pai sabia sobre a existência dessa caverna embaixo do terreno antes mesmo de mandar construir a casa onde vocês moram?

Novamente Henrique deu de ombros e a viu se afastar um pouco para pegar uma das três cadeiras em torno da mesa que ele usava nas reuniões com os amigos. A moça a trouxe para mais perto dele, então, se sentou virada em sua direção.

— A minha mãe me contou, certa vez, que quando os dois decidiram se mudar para uma casa própria e sair do aluguel em São Paulo, ela não participava das reuniões que o meu pai tinha com a imobiliária ou com a construtora. Depois que comprou o terreno aqui no Bairro do Encanto, o velho praticamente cuidou sozinho de todas as decisões, e a minha mãe só veio ao lugar uma vez quando apenas as fundações tinham sido erguidas. Se o meu pai ou alguém da imobiliária tinha conhecimento sobre o que se ocultava sob o terreno, isso jamais foi esclarecido para a minha mãe que, até hoje, não sabe nada sobre o assunto.

Uma das sobrancelhas da policial se arqueou levemente. Ela deu uma olhada para o teto do lugar, conferiu a teia estrutural de lâmpadas instaladas sobre uma fina camada de argamassa, observou os imensos painéis solares fixados na parede e perguntou:

— E como exatamente a mantém afastada desse lugar, se você passa mais metade do dia na rua entre a escola e o seu trabalho? Como ela nunca teve curiosidade de ver o que há embaixo do carpete da garagem da própria casa?

Aquela parecia uma pergunta válida para a qual ele tinha uma resposta pronta.

— Depois que o meu pai foi embora, a minha mãe ficou bastante abalada e meio que adquiriu aversão a qualquer coisa que lembrasse Jorge. A garagem era o espaço preferido dele nos poucos anos que ficou com a gente na cidade. Vivia com as suas ferramentas mexendo no motor do Voyage ou ouvindo suas músicas de MPB preferidas no rádio do carro. Estava quase sempre consertando alguma peça hidráulica que trazia da firma ou qualquer outra coisa que possuísse parafusos, porcas e necessitasse de ajustes. O lugar tem até o cheiro do meu pai até hoje e a minha mãe evita descer as suas escadas para não se lembrar do cara que a abandonou à própria sorte. Sou eu quem limpa a garagem todas as semanas e quem mais a usa com a desculpa de que estou malhando com o aparelho de abdominais ou os halteres de musculação...

Regiane avaliou os arredores e fixou o olhar numa das paredes da caverna. A temperatura ali embaixo era mais baixa que na área superior e ela estava começando a ficar com frio.

— E existe alguma outra saída daqui além do alçapão pelo qual descemos?

Henrique girou a cadeira de volta em direção à tela e usou um atalho de teclas para acessar um outro desenho esquemático que mostrava o que pareciam linhas interligadas de túneis sob São Francisco d'Oeste.

— Recentemente, eu descobri que haviam três minas de carvão mineral em funcionamento na cidade próximo da sua fundação e que os túneis que foram cavados naquela época para a exploração do material estão abertos até os dias atuais. — E ele apontou para uma área específica do mapa projetado na tela, mais para a região central da cidade. — Alguns deles foram reaproveitados para a construção da linha de metrô iniciada durante a segunda gestão da prefeita Renata Leme, há alguns anos, e que ficou inconclusa depois da morte do seu principal investidor, o Edmundo Bispo. Outros, permanecem sem uso até hoje, incluindo um que ficava bem aqui — E ele apontou para a região a leste do mapa. —, no Bairro do Encanto, a pouco menos de um quilômetro dessa caverna.

Regiane fez expressão surpresa.

— Está me dizendo que atrás dessas paredes há um labirinto de túneis usados antigamente em uma mina de carvão?

Ele assentiu.

— Eu estou estudando há algumas semanas um meio de cavar uma saída daqui até esses túneis e, quando isso acontecer, vou ter acesso rápido a praticamente qualquer lugar da cidade pelo subsolo.

Ele abriu um sorriso de empolgação como quem estivesse bastante animado com aquela possibilidade.

— E o que vai impedir que outras pessoas também acessem esses túneis e cheguem à essa sua "caverna-de-morcego"?

— Como eu disse, ainda estou estudando o assunto.

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