Capítulo 10 - La Phoenix
APROVEITANDO QUE ESTAVA no interior daquele depósito, Pássaro Noturno começou a inspecionar o local e ainda podia escutar as batidas secas da música que tocava um andar abaixo, além do ecoar de vozes exaltadas como em uma festa. Verificou o conteúdo das demais caixas abrindo frestas em suas tampas e descobriu que a maioria delas continha dinheiro. Encontrou presos a uma prancheta sobre a escrivaninha cópias da folha de pagamento e holerites dos funcionários da La Phoenix, tudo perfeitamente organizado em ordem alfabética.
— Nada fora do comum... nada incriminatório... exceto o dinheiro vivo!
Henrique já estava prestes a voltar pela entrada de ar por onde havia chegado àquele cômodo frustrado por não conseguir o que queria, quando titubeou outra vez diante da caixa aberta de dinheiro. Os quinze mil que dariam um fôlego à sua família estavam ao seu alcance, próximos o suficiente dos seus dedos e era possível até mesmo sentir o cheiro das cédulas novas exalando pelo ambiente.
Ninguém saberia que fui eu. Eles nem mesmo suspeitariam... com tanto dinheiro aqui, talvez eles nem dessem falta de três maços!
Naquele momento, um barulho na fechadura do lado de fora o botou em alerta e a entrada brusca de Emílio Fraga, o sujeito musculoso que ele havia visto mais cedo, o pegou completamente desprevenido. Pássaro Noturno estava em pé diante da pilha de caixas na parede leste e se voltou para a porta em posição de defesa.
— Achou que podia entrar aqui para nos roubar, seu otário? Nós temos um sistema de vigilância aqui dentro. Você foi flagrado!
Com um sorriso no rosto, o grandalhão apontou para um canto superior próximo da janela e Pássaro Noturno enxergou uma câmera de segurança acionada com um LED vermelho que focalizava tudo dentro do depósito.
Henrique Harone, você é um imbecil. UM IMBECIL!
Antes que pudesse tomar qualquer providência para se livrar do sujeito à sua frente e fugir pelo sistema de ventilação, Pássaro Noturno viu o depósito se encher com os demais homens que haviam descarregado o jipe na saída dos fundos da boate, todos prontos para começar uma briga.
— Quem é esse aí? — indagou um deles, o que usava um gorro preto sobre a cabeça e com uma barba rala no rosto.
— Acho que é aquele tal de Pássaro Noturno que todo mundo fala! — respondeu um segundo, esguio e com um soco-inglês entre os dedos.
— Esse magrelo? — indagou o terceiro, um meio roliço de cabelos compridos presos num rabo de cavalo e de olhos miúdos.
— Deixem de papo. Quebrem ele na porrada!
A ordem partiu do líder deles de camiseta regata e, um segundo antes de sentir a pulsação acelerar ainda mais, o Pássaro Noturno percebeu que não teria mais como sair dali sem passar por um confronto físico. Instantaneamente, ele se botou em guarda e, como havia aprendido em seu treino de Fei Hok Phai, usou a força dos seus oponentes contra eles mesmos.
— Pega esse magrelo!
O quarto homem, um sujeito usando um blusão branco de moletom com o logotipo do Utah Jazz no peito foi o primeiro a ser direcionado contra a parede atrás de Pássaro Noturno tão logo se projetou contra ele. O gorducho, então, tentou desferir um soco no rosto do rapaz e teve o pulso torcido enquanto o seu corpo era empurrado contra a mesa escalavrada ao canto. Como se não pudesse entender como alguém tão esguio pudesse ter tanta força, o roliço caiu sobre a mesa e a quebrou com o impacto.
— Parem de brincadeira. Acertem ele!
O brilho metálico do soco-inglês passou a milímetros dos seus olhos quando um jeb desferido pelo mais magro dos cinco tentou apanhá-lo. O rapaz se esquivou com bastante destreza de mais dois socos direcionados a ele e, então, sentiu o corpo encher-se de adrenalina ao empurrar com o ombro o sujeito de volta até a porta do local, que se fechou com força.
Ocupado com o de gorro na cabeça, Pássaro bloqueou um chute que tentou atingir o seu joelho e já estava pronto para revidar quando sentiu a sua capa ser puxada para trás o desequilibrando.
— Vamos ver se é tão bom assim com esse Kung Fu, seu magrelo desgraçado!
O líder dos capangas cobriu o rosto de Pássaro Noturno com a sua própria capa e, antes que ele pudesse reagir, começou a bater com força em suas costelas. As mãos pesadas e fechadas causavam um som oco em choque com o material resistente da qual o traje do rapaz era fabricado e os golpes sequenciais o fizeram lembrar da fratura que havia sofrido há meses durante a sua batalha contra o Máquina Brutal.
A minha costela... Ele vai fraturar a minha costela de novo!
Num ímpeto de fúria, o Pássaro Noturno conseguiu se desvencilhar do seu adversário musculoso e empurrou a capa de volta para o lugar sobre as costas antes de segurar o pulso do rival e torcê-lo como um galho frágil.
— MEU PULSO!
O grandalhão caiu de joelhos segurando o pulso direito fraturado e o seu grito de agonia chamou a atenção dos seguranças da boate que começaram a se precipitar até o terceiro andar do prédio.
Enquanto isso, os outros quatro se entreolharam vendo que o seu chefe havia sido derrotado com extrema facilidade. Por um instante de sabedoria, pensaram se valia mesmo a pena desafiar o rapaz ofegante com a fantasia de pássaro à sua frente a esperá-los tomar a sua decisão.
— Quem é o próximo?
Enraivecido, o do soco-inglês foi o primeiro a sair do estado de inércia para avançar com violência sobre Pássaro que apenas usou a sua própria força para jogá-lo contra a janela onde ele bateu de cara. Os três guardas armados da boate já subiam pelo elevador quando o nariz do mais gorducho se espatifou entre os dedos enluvados de Pássaro Noturno. O de gorro mal conseguiu enxergar o que o atingiu quando caiu no chão completamente inconsciente.
— V... Você não vai se safar, seu maldito...
Emílio estava com lágrimas nos olhos ainda ajoelhado e segurando o pulso partido. Pássaro Noturno desviou a atenção dele um segundo e ouviu as portas do elevador se abrirem do lado de fora do depósito. Tinha pouco tempo até que tiros começassem a ser disparados contra ele em espaço fechado, colocando em risco não só a sua vida como também a dos cinco capangas ali dentro.
Preciso agir rápido, pensou, enquanto se posicionava atrás da porta fechada tentando alcançar uma das esferas dentro dos bolsos do seu cinturão. Já era possível ouvir o solado dos sapatos dos seguranças batendo no chão e, com um gesto simples, Pássaro Noturno acionou uma das suas bombas sônicas, a fazendo rolar para o lado de fora por uma fresta na porta.
— O que é isso?
A resposta do primeiro segurança próximo do depósito veio em forma de uma explosão sônica de quase duzentos decibéis liberada pela pequena bola metálica que nocauteou ele e os seus parceiros em questão de segundos. A alta-frequência tinha o poder de atordoar os seus alvos sem matá-los e Pássaro Noturno já havia testado a eficiência da sua arma há um tempo, quando teve que enfrentar dois dos seus antigos colegas de escola trajados com as roupas blindadas da Brigada de Elite.
— Parece que deu certo!
Ao dizer aquilo, Pássaro Noturno desencostou da porta onde se protegeu da pancada sônica causada por sua bomba e caminhou até o grandalhão ajoelhado que o encarava agora com expressão de medo. Sabendo que não teria muito tempo até que mais seguranças aparecessem ou mesmo que um pelotão da Brigada de Elite surgisse para defender o território, ele segurou o braço direito do homem para trás das suas costas e o forçou, fazendo menção de que o quebraria tão facilmente quanto fizera com o seu pulso.
— Você deve ter percebido que eu posso quebrar você em pedaços sem muito esforço, por isso, é melhor dizer o que eu quero saber antes que eu perca a paciência.
Era um blefe, mas Henrique sabia que precisava encenar brutalidade se quisesse mesmo obter respostas.
— O m... meu braço, cara... você... você tá machucando o meu braço!
Com voz empostada, Pássaro Noturno continuou pressionando o braço já lesionado do sujeito parrudo e insistiu:
— Quem contratou você e os seus colegas para fazerem o serviço sujo de coleta na Comunidade da Boa Vista?
O outro agora tremia e, mesmo com a ventilação mantendo o ambiente a menos de quinze graus, ele tinha começado a suar pela têmpora.
— E... Eu não sei o nome do cara... Todo mundo só chama de "Jota"... Eu... Eu não sei, juro!
Um gesto e mais um pouco de pressão no braço flexionado para trás. O rádio agora estava à mercê dos dedos firmes de Pássaro Noturno.
— O Jota é o dono dessa boate? É ele quem comprou o lugar e está usando de fachada para lavar o dinheiro do arrego?
Um gemido antes da resposta.
— E... Ele é o dono, mas eu nunca vi o cara. E... Ele quase nunca vem aqui...
Aquela era uma boa informação e Pássaro pressionou o seu informante:
— O Jota está aqui hoje?
A música continuava tocando na parte de baixo. As paredes vibravam com o som alto. Os gritos eram ainda mais intensos na plateia. Era quase duas da manhã. O show de strip-tease estava em seu auge.
— O cara não vem sempre e aparece quando quer. Só a Fernandona sabe da agenda dele...
Henrique deduziu que "Fernandona" era a mulher loira de tailleur roxo e estava prestes a tirar mais informações do sujeito ajoelhado à sua frente quando um novo estrondo do lado de fora anunciou a chegada de mais quatro seguranças ao andar. Antes que os disparos de submetralhadoras fossem feitos contra ele, o rapaz só teve tempo de empurrar o informante para longe dos tiros e se jogar pela janela.
— Isso vai doer!
Henrique havia se atirado através do vidro sem pensar muito em sua ação e mal teve tempo de inflar a capa preta para que ela amortecesse a sua queda. Enquanto o seu corpo despencava rumo à calçada, o rapaz ainda tentou puxar a sua pistola para disparar o arpéu no parapeito do telhado, mas antes que o cabo alcançasse a parede, ele caiu no chão com força.
— ATIRA!
Os gritos dos transeuntes que passavam pela calçada de madrugada saindo de outros bares das redondezas o botaram em alerta. Mesmo com o corpo dolorido, o Pássaro Noturno alertou sobre o perigo que as pessoas assustadas com a sua presença corriam:
— Saiam de perto! SAIAM AGORA!
Os disparos das submetralhadoras direcionadas por dois dos seguranças na janela estilhaçada chegaram rápido até ele e atingiram a carapaça de couro reforçado que ele vestia, além do pavimento onde ele estava ajoelhado.
Antes que as pessoas na rua fossem alvejadas pelos tiros, Pássaro Noturno sacou de um dos seus compartimentos do cinto o equipamento magnético que ele apelidara de Imã — reconstruído após ter sido feito em pedaços em sua última empreitada — e, rapidamente, acionou o gatilho, empurrando para trás com a força de sete mil oitocentos e quarenta Joules os atiradores e as suas armas metálicas.
Uma última olhada para os transeuntes assustados de olhos arregalados foi o bastante para perceber que ninguém tinha sido ferido e, pouco depois, ele estava se afastando do lugar tentando ganhar velocidade enquanto coxeava de uma das pernas.
Qualquer dia eu ainda morro por causa desse trabalho, pensou infeliz, já acionando a ASA pelo controle-remoto em seu pulso.
Nota do autor: Toda a saga "Pássaro Noturno" de Rod Rodman é um trabalho de uma vida toda e houve muita dedicação na construção desse universo. Se você chegou até aqui, não esqueça de votar no capítulo e comentar o que está achando da história. A sua opinião é muito importante para o autor. NAMASTE!
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