Capítulo 10 - À espreita do inimigo

NO MÊS DE JULHO, a sede da Castle Industrial recebeu a visita de Nakato Tetsuwara e a sua comitiva japonesa para uma inspeção de praxe nos laboratórios de criação em robótica da empresa. O homem era o diretor comercial da Hamamatsu Corporation e o braço-direito de Tokusato Hamamatsu, o CEO daquela que era considerada uma das mais poderosas companhias de tecnologia do todo o Oriente.

Logo que encontrou com Marcos Eiras no saguão principal do edifício espelhado, através de um intérprete que traduzia tudo que era dito, Tetsuwara lamentou a morte de Carlos Castellini, o homem com a qual a empresa que ele representava estava mais acostumado a fazer negócios, e o executivo fez questão de cumprimentar pessoalmente o seu filho, Carlos Júnior.

— O senhor Tetsuwara presta as suas condolências e diz que Carlos Castellini era um visionário, além de um grande homem de negócios.

Carlos aceitou os cumprimentos e curvou as costas levemente em reverência a Tetsuwara após a tradução de seu intérprete, um jovem de ascendência japonesa que usava um terno cinza e sapatos lustrosos.

Após a venda de sete das treze unidades das fábricas da Castle Industrial espalhadas por todo o Brasil e pela decorrente queda de valor das ações de mercado, Marcos Eiras fez questão de convidar os representantes da Hamamatsu para mostrar a seu maior investidor que ainda valia a pena fazer negócios com eles.

Naquele início de semestre, a empresa estava investindo pesado na tecnologia de servo-motores para a fabricação de membros mecânicos para amputados, além de ter movimentado 35% a mais de valor de royalties pela venda de equipamentos robóticos exclusivos que estavam sendo usados por firmas de construção civil no desenvolvimento de pontes, viadutos e elevados.

— A Castle prevê um lucro total de 46% com a exportação desse maquinário especial para outros países da América Latina — comentou Eiras, enquanto ele, Tetsuwara, seu intérprete e outros dos cinco representantes da sua comitiva o acompanhavam pelas passarelas superiores do laboratório principal de robótica. Na parte de baixo, no pátio de criação, dez engenheiros mecânicos, elétricos e de software trabalhavam em novos componentes cibernéticos que seriam aplicados a máquinas de construção civil e urbana —, tudo isso, graças, é claro, a nossa parceria com a Hamamatsu.

O tradutor começou a explicar o que Eiras tinha acabado de falar a Tetsuwara, que de pose imponente em seu terno preto, pareceu satisfeito. Os olhos do homem baixo e de semblante austero encararam os profissionais a alguns metros abaixo de onde eles estavam suspensos e pareceu curioso. Em seguida, disse algo para o presidente em exercício da Castle em seu idioma natal.

— O senhor Tetsuwara quer saber sobre os projetos militares que estão sendo desenvolvidos por vocês.

Tão logo o intérprete traduziu os desejos de seu chefe para o português, Eiras indicou uma saída lateral aos acompanhantes, em seguida, eles estavam subindo de elevador até um dos andares mais altos do edifício.

A morte de Carlos Castellini Sênior tinha dado por encerrada todas as investigações que a polícia vinha fazendo acerca das atividades suspeitas da empresa de tecnologia que ele havia criado, e por isso, tão logo o seu filho assumiu parte do controle presidencial — ainda tutoreado por Eiras — deu ordens expressas para que todos os projetos militares engavetados voltassem a ser trabalhados imediatamente.

— Sejam bem-vindos à Divisão Brigada de Elite, senhores.

Um andar inteiro havia sido destacado dentro do prédio para a criação e teste de armamentos, trajes e outros artefatos cuja finalidade era alimentar a indústria bélica. Um espaço de mais de duzentos metros quadrados estava atualmente sendo utilizado para o desenvolvimento direto de armas que começariam a ser comercializadas em breve, a preços muito atrativos de mercado.

— Estamos empregando aqui o que há de mais avançado em tecnologia de equipamento militar e outros laboratórios como esse já estão sendo montados em nossas filiais pelo Brasil — Eiras estava orgulhoso.

Engenheiros faziam testes com rifles de precisão no salão enquanto os visitantes caminhavam por um corredor lateral estreito protegido por um vidro espesso à prova de balas. Mais adiante, um novo fuzil de alcance estava sendo montado por três especialistas, enquanto uma esteira automática empurrava outras armas semelhantes para as mãos de um segundo grupo uniformizado que começava a embalá-las.

— Teremos fábricas de armamento em todas as cinco regiões do país até dezembro e em dois anos, seremos, de novo, os maiores comerciantes de equipamentos bélicos da América do Sul — informou Eiras com um sorriso de satisfação no rosto fino.

Os olhos de Tetsuwara agora brilhavam por trás do vidro impenetrável. O som das armas sendo testadas contra alvos fixados a certa distância era estrondoso, mesmo com a proteção transparente à sua frente abafando parte dele.

— Nos últimos meses, fomos obrigados a interromper as atividades da divisão militar, mas os problemas que tivemos foram resolvidos.

Eiras se virou para Tetsuwara e o homem asiático lhe disse em voz alta algo que não foi compreendido de início.

— O senhor Tetsuwara — disse o intérprete — está bastante satisfeito com o que viu aqui hoje e tem certeza que os recursos empregados pela Hamamatsu estão sendo muito bem aproveitados por vocês.

Eiras não podia estar mais entusiasmado.

Carlos Júnior não tinha sido convidado para aquele passeio pelos laboratórios da Castle e aproveitou que seu tutor estava bastante ocupado àquela hora para visitar ele mesmo outro dos vários setores de desenvolvimento da empresa.

— Senhor Carlos, o estávamos aguardando para o início dos testes.

Aquele era o andar que ficava abaixo da cobertura do edifício e onde Carlos vinha empregando atenção especial há várias semanas. Desde que a Divisão Brigada de Elite para a criação de artefatos de ataque tinha sido reativada, ele havia mandado trazer do antigo galpão uma peça que vinha tratando como a mais cara e preciosa das obras de arte feitas ainda sob a supervisão de seu pai.

— Ok, podem começar então.

Carlos removeu o seu paletó e o deixou sobre o encosto de uma cadeira de escritório enquanto se encaminhava para o interior de uma cabine revestida totalmente por um vidro antibalístico semelhante ao que protegia os laboratórios da Brigada de Elite. Do lado de fora, dois engenheiros mecânicos vestindo jalecos brancos, capacetes e visores protetores andavam com pranchetas de anotação em direção a um colosso humanoide metálico que parecia aguardá-los em pé, refletindo as luzes sobre a sua fuselagem prateada.

— Iniciar teste quarenta e dois do projeto Máquina Brutal.

A voz do primeiro mecânico soou ao ouvido de Carlos por dentro da cabine tubular de três metros de altura, e em seguida, ele viu o gigante blindado começar a se mover ao centro do piso. Dotado de duas pernas movidas por servo-motores que equilibravam o corpo robusto de várias toneladas, a criatura mecânica deu dois passos no espaço fechado do salão, logo depois, ficou em posição de alerta, erguendo vagarosamente o braço direito e mexendo os três dedos pontiagudos da mão robótica com um movimento de pinça.

— Ele é capaz de segurar objetos grandes com precisão, senhor — explicou o engenheiro mais próximo da cabine de proteção onde Carlos estava voltado para ele —, pode empregar até mil Joules de força e consegue esmagar facilmente qualquer coisa com seus dedos.

Carlos estava em pé, de braços cruzados atrás do vidro. Tinha se negado a colocar os protetores de ouvido sugeridos pelos homens que comandavam aquele teste especial e mandou, impaciente:

— Testem logo o armamento dele. É para isso que estou aqui.

O exoesqueleto mecânico de mais de três metros de altura estava sendo pilotado por um terceiro funcionário da Castle que se ocultava por dentro da cápsula envidraçada e opaca posicionada no peito da armadura. Bastante hábil em controlar guindastes e empilhadeiras nos testes para equipamentos de engenharia civil produzidos pela empresa, o homem tinha se familiarizado rápido com os comandos internos do traje robótico, e após muitos dias de teste dentro daquele laboratório, já era capaz de fazer movimentos complexos com ele. Caminhar, mover os braços e segurar objetos era o que ele conseguia fazer de mais básico.

— Muito bem, Nelson — disse o engenheiro com a prancheta perto do exoesqueleto —, hora de usar o armamento.

Tão logo foi dada a ordem em direção ao homem dentro do cockpit, os outros dois se afastaram dele e se posicionaram num canto para colocarem os protetores de ouvido. A máquina gigantesca deu novos passos sobre o piso e os dedos mecânicos de seus pés se prenderam ao chão conforme seu tronco girava em direção a parede à esquerda, lhe dando equilíbrio.

Um alvo havia sido construído em seu campo de visão a uma distância de cinco metros. O robô movimentou o braço esquerdo posicionando os seis canos de uma M134 acoplada ao seu membro superior. Com um som eletrônico, o armamento militar de trinta e nove quilos teve o gatilho acionado por um comando interno do piloto, e como se o inferno estivesse na Terra, poderosos projéteis 7,62mm começaram a ser disparados barulhentos em direção ao alvo. Os tambores rotativos da arma de destruição cuspiam chumbo a uma velocidade de 850 m/s, e em pouco tempo, os tiros tinham esfacelado completamente o alvo de ferro maciço. A chapa metálica estava agora em chamas e os dois engenheiros continuaram cobrindo seus ouvidos.

— MARAVILHOSO! ISSO É MARAVILHOSO!

Carlos ergueu os braços dentro da cabine, exultante. Nos últimos dias, tinha assistido a vários dos testes feitos pela equipe especial que ele mesmo havia destacado para aquela operação, mas ver o traje em ação com a metralhadora que a empresa do pai vinha comercializando fora extremamente satisfatório.

— Era exatamente isso que eu tinha em mente. Funcionou!

O exoesqueleto tinha sido projetado para ajudar com a construção de pontes de modo que os seus braços mecânicos fossem capazes de erguer e sustentar pesos inimagináveis, muito superiores ao que qualquer guindaste era capaz de suportar. Toda a sua composição de engenharia fora desenvolvida pelos cientistas da Castle Industrial, enquanto os componentes robóticos usados em seu projeto haviam sido fornecidos pela Hamamatsu Corporation.

No total, existiam apenas mais dois protótipos como aquele armazenados em dependências distintas da Castle e antes da prisão de Carlos Sênior, estava previsto um pedido de industrialização em larga escala do modelo robótico para muito em breve. Carlos Júnior havia interrompido aquele pedido pessoalmente. Tinha planos próprios de utilização para o que chamava de Máquina Brutal e não queria que mais ninguém soubesse da existência daquela maravilha bélica de vários milhões de dólares.

No primeiro fim de semana da visita japonesa à sede da Castle, Marcos Eiras marcou um coquetel para celebrar a parceria com a Hamamatsu Corporation e o evento de classe ocorreu na cobertura do edifício localizado na Avenida Padre Manoel Miranda, com direito à música ao vivo tocada por uma banda tradicional do Japão.

Carlos Júnior aproveitou a comemoração para apresentar a fotógrafa Renata Alves Costa oficialmente como a sua namorada à mãe e aos demais acionistas da empresa. Para a ocasião, ele a havia presenteado com um vestido longo de grife da Saint Laurent, além de uma gargantilha de ouro maciço da mesma marca. O rapaz andou orgulhoso com a moça a seu lado por todo o coquetel e ela não podia estar se sentindo mais feliz.

— Estou até um pouco envergonhada, amor. Essa gente tem... tanto dinheiro!

Ele a ouviu cochichar enquanto um garçom lhes servia champanhe e sorriu.

— Acostume-se, Renata. A partir de agora, você virá me acompanhar a muitos desses coquetéis.

Zuzu Castellini sabia de antemão que a aproximação de seu filho da fotógrafa era apenas por interesse, mas lhe desagradava que ele estivesse levando a relação com a garota que trabalhava para o jornal que havia destruído a carreira de seu marido tão a sério. Enquanto assistia ao herdeiro se fingir de namorado perfeito por todo o salão de festas, a mulher temia que aquela ligação com a moça, mesmo que forçada, acabasse sendo a sua ruína.

Preciso convencê-lo a largar essa fotógrafa o mais rápido possível, antes que seja tarde, pensou ela, enquanto bebia mais um gole de seu champanhe ao lado das amigas Ângela Stefaninni e Christina Bismarck Eiras, a esposa de Marcos Eiras.

Depois de confraternizar com Nakato Tetsuwara e a sua comitiva pessoal — arriscando cumprimentá-los em sua língua materna com o pouco que havia aprendido recentemente —, Carlos assistiu ao show da banda asiática que se apresentou no palco do salão e depois se sentou à mesa reservada a ele para conversar com Renata. Foram servidos com uma sobremesa de creme e damasco que a moça adorou, em seguida, ele entrou no assunto.

— Como ficaram as coisas na Gazeta depois daquele acidente terrível com o seu colega Alexsandro Batista?

Tinham se passado várias semanas desde a morte do jornalista, mas o herdeiro dos Castellini tinha tido poucas oportunidades de falar sobre o assunto com a namorada enlutada. Ela ainda parecia arredia.

— Como diria aquela música do Queen, "The Show Must Go On"... — Ela terminou de mastigar uma porção do doce de creme, depois continuou: — A sala do Alex foi ocupada pelo arrogante do Kleber Viotti... Eu não o suporto! Agiu como se estivesse sendo promovido ao melhor repórter do jornal e começou a tratar todo mundo como se fosse o chefe lá dentro assim que sentou a bunda naquela cadeira.

Apesar de obter todas as provas de que a Corporação estava se alastrando por São Francisco d'Oeste como um câncer maligno, Carlos não se sentia suficientemente satisfeito com o que tinha em mãos. Os arquivos conseguidos na sala de Alexsandro Batista não davam a ele nenhuma dica de quem era na verdade o Pássaro Noturno, por isso, era importante continuar sondando Renata para lhe tirar tudo que ela sabia.

— E o que foi concluído sobre a morte dele? Alguma novidade?

Ela acenou que não.

— Uma dupla de policiais esteve no prédio por mais de uma vez interrogando todo mundo. Não havia registros de câmeras com imagens do invasor e o zelador do prédio não soube informar quem o atingiu... Nós sabemos que o Alex não iria se suicidar, mas não há como provar que algum canalha entrou em sua sala e fez aquela coisa horrível com ele.

Carlos sabia que era bastante comum que a polícia investigasse um crime daquele gabarito, e por um momento, sentiu-se bem em saber que, apesar da estupidez cometida por Robson em atirar o jornalista pela janela, nem ele e nem Régis haviam deixado provas de sua participação no crime.

— Alguém do jornal conversou com os tais policiais? Eles não têm mesmo nenhuma pista sobre quem pode ter feito uma barbaridade como essa?

Enquanto Carlos indagava a namorada, a banda encerrava uma música no palco e a seleta plateia ali presente aplaudiu a performance. O conjunto acenou em agradecimento e já começou a se preparar para embalar uma nova canção.

— A investigação ainda está ocorrendo em sigilo, mas eu soube que os dois policiais que estão à frente do caso estavam ligados às prisões dos traficantes de drogas da refinaria de Toni Maranelli que aconteceram o ano passado e também naquela ação que impediu um incêndio na área de preservação ambiental da Alameda dos Cajarás.

Carlos tinha ficado interessado.

— Acho que me lembro. Devo ter lido uma ou outra coisa sobre esses dois casos.

Ela assentiu.

— Nessas duas cenas de crime e na explosão da termelétrica que acabou matando o milionário Edmundo Bispo, a policial Regiane Loyola e o seu parceiro, Pablo Pedroso, foram especialmente chamados dentro do departamento. Parece que eles eram os únicos honestos dentro da delegacia e recebiam dicas de fora da delegacia de alguém que estava ajudando a polícia, prendendo os homens do Maranelli e do Bispo.

Carlos se inclinou com os cotovelos apoiados sobre a mesa. Seus olhos cor-de-esmeralda cintilavam um brilho estranho.

— Você acha... que esses policiais tiveram contato com o tal Pássaro Noturno?

Renata estava agora com o semblante assertivo. Pôs mais uma porção do creme de damasco na boca, mastigou e respondeu:

— É o que todo mundo lá na redação do jornal acha.

Uma semana após o coquetel, Carlos acionou mais uma vez os amigos Robson de Freitas e Régis Paranhos para colocá-los a par de toda a situação que envolvia os agentes de polícia Regiane Loyola e Pablo Pedroso. Ambos estavam presentes em todas as ações de um ano atrás que haviam derrubado, em menor ou maior escala, uma célula criminosa envolvida com a Corporação, e por coincidência ou não, todas elas com possíveis avistamentos da criatura alada que atendia pela alcunha de Pássaro Noturno.

Era o fim de noite de uma quinta-feira quando o policial Pablo percebeu pelo retrovisor de seu Volkswagen 1998 que uma van escura com a placa coberta o estava seguindo de perto desde a delegacia e resolveu fazer um teste para saber se não estava sendo paranoico. A caminho de casa, fez uma pausa proposital na padaria que ficava a três quadras do bairro onde morava na Zona Leste e comprou uma torta de maçã com canela que a esposa e as duas filhas adoravam.

De frente para o balcão, ficou de olho num espelho posicionado acima do recipiente onde os padeiros colocavam o pão fresco recém-tirado do forno e viu de esguelha a lataria da van passar pela rua. Agradeceu a torta, pagou no caixa e saiu pela porta do estabelecimento atento ao seu entorno. Esperou dois minutos ali em pé e não viu qualquer sinal do veículo grande.

— Eu devo estar ficando maluco.

Cinco minutos depois, já tinha voltado ao volante do seu Gol e retomava o caminho até a sua casa. Pablo distraiu-se um segundo com o rádio do carro e foi naquele instante exato que um outro veículo colidiu com a sua traseira.

— Filho de uma...

Rapidamente, enquanto procurava recuperar o controle do carro que tinha saído da pista, ele tateou o coldre da pistola em sua cintura e sacou a arma. Pelo retrovisor esquerdo, avistou a mesma van que o seguia mais cedo, mas era impossível enxergar dali quem a dirigia. Freou o carro com tudo e enquanto a poeira da rua sem asfalto levantava, saiu dando a ordem com a sua Glock empunhada:

— Polícia! Sai do carro agora!

O distintivo estava atado ao cinto próximo ao coldre de couro. Naquele momento, outros automóveis passavam pela rua e começaram a desviar ao ver o que estava acontecendo. O vidro elétrico da van deslizou suavemente pelo lado do motorista e então, o cano de uma submetralhadora foi avistado.

— Inferno!

Pablo mal teve tempo de se esquivar. Uma rajada ininterrupta de tiros se precipitou em sua direção. A lataria do seu Gol foi tomada de balas e ele rolou para dentro do carro, aturdido. Abaixado, enquanto pensava em solicitar reforços pelo telefone celular no bolso traseiro da calça, o homem de pele ébano e nariz pontiagudo ouviu a porta da van abrir às suas costas e passadas pesadas vindo em sua direção.

— Eu sou da polícia! Fica parado!

Sem enxergar direito a posição de seu agressor, Pablo mirou a Glock com a porta do Gol entre ele e o alvo. Disparou duas vezes. Era noite, a rua estava bastante escura apesar dos postes de iluminação urbana e ele ouviu as balas ricochetearem em algo metálico. Quando ousou olhar melhor, ainda protegido pela porta, viu alguém grande se aproximar e sentiu uma pancada no rosto.

— Grandes merdas que é da polícia!

Um chute desferido contra a porta do Gol o atingiu em cheio e Pablo caiu para trás desnorteado. Sobre o chão de terra, ainda sentindo dor no local atingido, voltou a mirar a pistola e disparou mais duas vezes.

Não é possível! Ele pensou, aturdido, no instante em que novamente as balas ricochetearam em algo que se assemelhava a uma armadura impenetrável.

pode atirar o dia inteiro. Eu sou à prova de balas!

Dedos frios e metálicos agarraram o pescoço de Pablo e o levantaram sem qualquer esforço do chão, depois, o pousaram violentamente sobre o capô de seu próprio carro. Os veículos que agora trafegavam naquele trecho da estrada aceleravam em vez de prestar socorro. Ninguém queria se comprometer.

— Estão correndo boatos que você e a sua amiga Loyola têm andado de papo com o tal do Pássaro Noturno e eu quero que você me diga quem é que se esconde atrás daquela máscara.

Pablo atirou contra a cabeça de seu agressor, mas o pente se descarregou antes que ele tivesse conseguido arranhar o vidro reforçado do capacete do homem que o estrangulava. Ouviu-se uma risada abafada por dentro do traje rubro de metal, e então, o policial sentiu o cano ainda fervilhante da submetralhadora em sua têmpora direita.

— Quem é o Pássaro Noturno? Fala logo antes que eu transforme a sua cabeça em molho de tomate!

Pablo estava começando a sufocar ante o agarrão e o seu corpo começou a se debater sob o jugo do homem de metal. Ele reconhecia aquele traje vermelho e laranja. Tinha prendido ele mesmo muitos dos soldados à serviço de Edmundo Bispo que vestiam armaduras idênticas no dia em que a Corporação caiu, no dia em que a cidade venceu o primeiro assalto contra a maior organização criminosa da América Latina.

— Eu... sei quem você é... Brigada de Elite...

Seus olhos estavam arregalados e ele via seu rosto refletido no visor vítreo do capacete.

— Você não faz ideia quem eu sou, seu negro imundo! — Havia ódio naquelas palavras, além de um racismo que tanto Robson de Freitas, o rapaz por dentro daquela armadura, quanto seus outros amigos de escola nutriam desde a infância por pessoas de descendência africana. — Agora me diga de uma vez. Quem é o Pássaro Noturno?

Quase perdendo os sentidos, Pablo teve um último rompante de coragem e bateu a pistola vazia com toda força que ainda tinha contra a viseira do troglodita que o agarrava. Por um instante, embora nada tivesse sentido por dentro de seu traje reforçado, Robson acabou soltando o pescoço do policial e o viu rolar por cima do capô e começar a correr para o canteiro da estrada.

— Para aí, seu desgraçado!

Pablo sentiu o calor das rajadas disparadas contra ele, e no segundo seguinte, seu corpo estava despencando pelo morro que rodeava a pista, começando a ganhar cada vez mais velocidade enquanto rolava no chão de terra.

Lá embaixo, não havia qualquer iluminação e apenas o breu da noite tomava aquele lugar que terminava em um pasto para vacas de uma propriedade rural privada. Às cegas, Robson ainda disparou mais uma vez e só desistiu do seu intento em eliminar o policial quando a sua metralhadora engasgou sem balas. Sem enxergar o seu alvo e sem mais alternativas, o rapaz resolveu partir dali velozmente a bordo da van que dirigia, completamente frustrado. 

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