Capítulo 48 - De frente para o Bispo

EU SABIA QUE PODIA me arrepender daquela decisão, mas tínhamos avançado muito no tabuleiro para recuar agora. O rei estava ao nosso alcance e aquela era a nossa única chance de fazer o xeque-mate.

Dois discos de arremesso surgiram girando sem o menor aviso de trás de um condensador e atingiram em cheio dois dos capangas que cercavam Edmundo Bispo. Estávamos em um pátio aberto com máquinas funcionais ao redor. Um teto alto fazia sombra sobre as nossas cabeças e o lugar estava repleto de vapor d'água. A caldeira emitia um ruído muito alto, como o de um trem a vapor à toda velocidade. Eu emergi da névoa que tomava aquele espaço e os oito comparsas do magnata tomaram a sua frente, engatilhando as suas armas automáticas. Antes que eles pudessem me fulminar, eu acionei o gatilho do Imã e uma força negativa descomunal arrancou os fuzis metálicos das mãos dos homens, os atraindo para onde eu estava.

Perplexos por terem sido desarmados por uma força invisível, eles me viram pisar sobre as suas armas no chão, apontando na direção deles o aparato atado à minha mão direita espalmada. Eu ainda tinha dois disparos como aquele.

— Não sei se já leu os jornais hoje, Edmundo Bispo, mas eu acho que os seus dias de maquinações contra essa cidade se encerram hoje. – Eu tive que elevar a voz. O som da caldeira estava ensurdecedor ali dentro. Eu sabia que os homens ao redor de Bispo ainda podiam sacar as pistolas em seus coldres, mas eles não tinham recebido a ordem.

— Então você é o menino levado que tem me causado tanta dor de cabeça nos últimos meses? Confesso que esperava mais! — Os seus homens riram. Bispo tinha um ar confiante no rosto. Não transparecia nervosismo ou insegurança olhando para mim. Estava calmo. Até demais. — Eu já tive muitos adversários em minha vida como empresário, mas é a primeira vez que um pirralho se coloca entre mim e os meus objetivos. O que você quer, filho? Fama? Você quer ver essa máscara ridícula estampada na capa do jornal? Quer ser chamado de herói, aclamado pelo povo? É isso?

Os capangas começaram a abrir espaço para o patrão e, então, o Bispo deu dois passos à frente.

— Não sei se você sabe como funciona a vida real, mas heróis de verdade não existem. É tudo ficção. Coisa de cinema. Que tal agora você abaixar esse aparelho aí, seja lá o que ele for, pegar os seus amigos que devem estar aqui dentro em algum lugar e sair da minha usina? Prometo que eu mando os helicópteros se afastarem. Eles têm ordens apenas para assustar. Eu deixo vocês saírem, sem ressentimentos!

— Eu cometi alguns erros ao longo dessa jornada até aqui, Bispo, mas eu finalmente entendi como se joga o seu jogo. — Ele estava com as mãos levantadas e continuou ali me encarando. — Eu subestimei a sua capacidade de manipular pessoas algumas vezes, mas agora eu finalmente achei um meio de acabar com o seu plano sujo de conseguir mais poder. Você chegou ao fim da linha. Nós revelamos o seu plano de colapsar as fontes energéticas do país para todo mundo. Cada pessoa de São Francisco agora sabe exatamente quem é de verdade o cidadão exemplar que vem investindo no avanço tecnológico da cidade há anos. Agora, cada morador da cidade que você e a família Santinni manipulou todo esse tempo sabe exatamente que o seu objetivo final com toda essa sua benevolência de empresário bonzinho era usar São Francisco como um modelo autossustentável de energia térmica. Ninguém mais vai ser enganado. Acabou. Nós viemos aqui para aceitar a sua rendição pacífica.

A expressão de Bispo ficou mais dura e, então, ele começou a bater palmas firmemente. Alguns dos seus capangas já tinham apanhado as suas pistolas e os dois primeiros que eu tinha nocauteado na testa com os meus discos começavam a se levantar.

— Estou vendo que o garotinho metido a herói fez mesmo a lição de casa. — Ele parou de aplaudir ironicamente. — Admito agora que quem subestimou você e a sua turminha fui eu. No começo, eu achei apenas irritantes as suas ações contra as refinarias e, depois, detendo a exploração daquela área florestal, mas vejo que esse foi o meu erro. Eu não achei que você iria tão longe. — Ele estacou a cinco metros de mim. Parecia desarmado. Confiante demais em seus guardas.

— Você veio aqui me acusar de manipulação, mas não parou para pensar em nenhum momento tudo que fiz de bom a essa cidade. — Bispo estava quase sorrindo. — Enquanto você e os seus amiguinhos mimados saltavam por aí estragando os meus planos, nenhum de vocês sequer percebeu o quanto a cidade deve ser grata aos meus esforços em torná-la um modelo de sucesso. Eu investi milhões para dar conforto e segurança aos cidadãos. Fiz cada obra sair do papel pensando no futuro das pessoas e eu as deixei felizes com isso. Ninguém pode reclamar do que fiz. Até mesmo controlando o submundo do crime eu fiz um bem a São Francisco. O que acha que vai acontecer se eu sair de cena? Acha que a paz e a segurança conseguem se manter ilesas por quanto tempo?

Ele falava com uma eloquência hipnotizante.

— Confesso que eu deixei a sua brincadeira de mocinho e bandido ir longe demais. Eu já devia ter investido um pouco mais para descobrir quem se esconde atrás desse capuz e acabado com a sua família, exterminado todos eles, assim como aconteceu com os funcionários daquela pizzaria. Com verme não se lida. Verme a gente elimina!

Aquela foi a gota d'água e, por um impulso primal, me vi acionando o gatilho do Imã antes mesmo que eu tivesse planejado a minha próxima ação. O campo magnético arremessou Bispo e os outros dez homens para trás, os levantando do chão pela força do empurrão nos equipamentos metálicos que usavam. Era esperado que eles estivessem vestidos com coletes à prova de balas por baixo da roupa e aquele palpite tinha feito toda a diferença.

— Você está acabado, Bispo. Se renda!

Eu caminhava até onde ele e os seus capangas estavam caídos após a onda de choque que os tinha atingido e, acreditando que realmente o tinha vencido, de repente, fui surpreendido por rajadas de metralhadoras que me acertaram pelas costas.

— Ataque pela retaguarda! — O grito de Thunderwing veio tarde demais da sua posição no alto e, quando olhei, eu estava cercado por um grupo de vinte soldados que usavam armaduras tecnológicas cobrindo todo o seu corpo.

Eu estava sem espaço para tentar usar a última carga do Imã e a minha primeira reação foi me atirar para trás do condensador de oito metros de altura, enquanto as balas me atingiam ininterruptamente por todos os lados.

O Espião Negro, que estivera ali embaixo fazendo a minha cobertura, também tinha sido pego de surpresa com a velocidade do ataque, mas tão logo me viu rolar para trás do condensador, arremessou duas kunais explosivas contra os soldados, apanhando alguns deles com a detonação. Lá de cima da plataforma, Thunderwing começou a disparar os seus projéteis embebidos em toxina dos nervos contra o destacamento vermelho, mas logo percebeu que eles eram inúteis naquela situação.

— A armadura deles é resistente demais. Os meus projéteis não passam!

Enquanto aquela tropa de choque avançava, Bispo desapareceu dali com os capangas, saindo com a van à toda velocidade e indo para espaço aberto. Ele parecia confiar que os seus soldados metálicos iam terminar o serviço que os helicópteros tinham começado do lado de fora e, pelo modo como tínhamos sido atingidos tão rapidamente, até mesmo eu estava acreditando naquilo.

— De onde saíram essas armaduras? Não temos chances contra esses homens de ferro!

A voz de Espião foi abafada por uma saraivada de balas que explodiu a parede do condensador que nos dava cobertura e, naquele momento, tivemos que bater em retirada.

Thunderwing arremessou explosivos de cima da plataforma e um estrondo sacudiu a estrutura da usina atrás de nós. A sua ação tinha criado uma barricada entre os soldados e a gente, mas ainda não era o suficiente para encerrar o tiroteio. Sentindo os efeitos do primeiro ataque com os Apaches, nós nos deslocamos pela termelétrica até atingir o pátio central da caldeira. O calor era ainda mais elevado ali dentro e ficamos encurralados quando um novo esquadrão ainda mais bem armado que o primeiro surgiu em nossa frente.

— Brigada de Elite em posição. Vamos executar os alvos.

A voz eletrônica de comando por trás do elmo metálico soava como a de Espião Negro em seu capacete e foi uma questão de segundos até que estivéssemos sendo alvejados violentamente diante da caldeira que fervilhava. Os nossos trajes estavam avariados demais para que conseguíssemos sobreviver àquele fuzilamento e eu fui obrigado a usar a última carga do Imã, o que golpeou todos os soldados da Brigada de Elite simultaneamente.

A pólvora no ar dos tiros que já tinham sido disparados, mais o calor da queima do combustível na caldeira criou uma reação em cadeia que nos arremessou para trás. O choque da explosão pegou os soldados desprevenidos, porém, protegidos dentro das suas armaduras, eles estavam em vantagem. Eu sentia como se cada osso do meu corpo tivesse sido atingido pelo impacto e, segurando o Espião, nós saímos nos arrastando dali, antes que os homens de ferro se recuperassem. Um alarme de emergência começou a soar em toda a termelétrica no instante seguinte e, enquanto corríamos para salvar as nossas vidas, ouvimos o rádio auricular chiar.

— Vocês estão bem? — Era a voz de Ricardo.

— Escapamos por pouco da última explosão, mas parece que ela atingiu alguma coisa importante dentro da usina. Consegue ver algo daí de cima? — indaguei.

— Não sei ao certo, mas parece que tem um tipo de gerador gigante em chamas. — A voz de Thunderwing soava baixa mesmo no ponto eletrônico. Além da sirene do alarme, a caldeira avariada apitava agora sem parar, expelindo jatos cada vez mais fortes de vapor e de combustível. A temperatura estava aumentando a níveis insuportáveis.

— Como é esse gerador, Thunder? — lhe indagou Espião, aos gritos.

— Não sei. Ele é grande e parece que cria algum tipo de combustão interna.

— Isso não é um gerador. — deduziu ele. — É um motor de fusão. Ele usa a fissão de urânio enriquecido como combustível. — A voz de Antônio soou esganiçada.

— Espera! Você disse urânio? Isso não é radioativo? — indaguei.

— É sim! Se esse motor explodir, ele vai varrer tudo ao redor num raio de uns trinta quilômetros. Vai ser o fim desse bairro, do morro da Boa Vista... Vai ser o nosso fim!

De onde estávamos, era possível ver as labaredas começarem a dançar sobre as nossas cabeças e o ar estava se tornando cada vez menos denso. Fuligem e brasa esvoaçavam para todos os lados com a queima do material volátil e a sombra dos homens da Brigada de Elite surgiu em meio aos vapores expelidos. Tiros voltaram a retinir no material metálico dos condensadores e, naquele momento tomei uma decisão.

— Rápido! Você precisa tentar impedir o colapso do motor. Eu vou atrair os tiros da Brigada para mim. Você vai dar a volta e tentar alcançar o motor. 

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