Capítulo 39 - Invasão ao prédio

ESTÁVAMOS TODOS distantes agora e a comunicação passou a ser feita pelo rádio auricular, que acionamos em seguida. O meu elevador chegou e, assim que entrei, apertei o número dez sem movimentos bruscos, certo que os recepcionistas estariam de olho em mim pelos monitores das câmeras da recepção. A Sil tinha que pegar o corredor à esquerda e seguir até o final dele para encontrar as escadas de emergência. Ali, Antônio tinha cuidado para que nenhuma câmera estivesse ativa naquele momento.

— Suba até o primeiro andar, Sil. Você vai encontrar um corredor vazio. Tire as suas roupas civis e deixe num canto. É hora de testarmos o seu traje camuflado. — A voz de Antônio ecoava nos ouvidos de todos, já que precisávamos manter o canal aberto. Eu estava subindo até o décimo andar com as pizzas e deu para ouvir a voz esbaforida de Sil dizer, após subir um lance grande de escadas:

— Normalmente, não é assim que me pedem para tirar a roupa. Costuma ser com menos educação!

Criou-se um clima estranho depois que Sil disse aquilo, mas apesar do silêncio de rádio constrangedor, ela seguiu o plano como era esperado, chegando até o corredor vazio e passando a usar o traje especial que tínhamos confeccionado no Sarcófago.

A roupa fazia parte das centenas de projetos que o CAD mantinha prontos para serem criados e, através de um sistema elétrico externo, ele era capaz de projetar uma camuflagem em sua superfície deixando quem o usasse praticamente invisível a olho nu, a câmeras e a sensores de calor por alguns minutos. O nosso objetivo estava guardado dentro da sala de servidores do décimo quarto andar e Sil precisava chegar lá antes que o seu traje voltasse a ficar visível e ela começasse a ser detectada pelas câmeras ou pelos seguranças que faziam a ronda.

— Sil, você vai encontrar um elevador social ao final do corredor do primeiro andar. Assim que chegar nele, você precisa acionar a camuflagem do traje. Não se esqueça de vestir o capuz. A sua máscara está equipada com uma lente de visão noturna. Eu vou interferir nas lâmpadas do corredor através do sistema computadorizado de iluminação do lugar por alguns segundos para distrair os guardas. Você vai conseguir passar por eles na maciota.

— Eu já sei, Junior. Você já me falou isso umas nove vezes hoje. — sussurrou ela, sarcástica.

— O que os recepcionistas estão fazendo, Espião Negro? — indaguei, já observando o mostrador luminoso chegar ao décimo andar. Antônio tinha acesso a quase todo o prédio com as câmeras hackeadas sentado diante do CAD a comer salgadinhos.

— Estão conversando de costas para os monitores. Não estão de olho nas câmeras ainda. Sejam rápidos.

Sil chegou ao décimo quarto andar no momento em que fingi estar perdido e caminhei lentamente até o final do corredor do décimo, que estava deserto naquele instante. Ali, era uma área de escritórios e não havia ninguém trabalhando àquela hora da noite de um domingo. Como tinha prometido, do subsolo da minha casa, o Antônio cortou a luz do corredor onde a Sil estava por alguns instantes, o que alarmou os três seguranças que se revezavam em fazer a guarda da sala dos servidores. A porta do elevador tinha se aberto um segundo antes e, enquanto os homens de terno intrigados começavam a acionar as suas lanternas de bolso na escuridão e mirando-as em direção ao final do corredor, a Sil prendeu a respiração, acionou as suas lentes noturnas pressionando um circuito sensível em sua têmpora esquerda e começou a se esgueirar pelas paredes para passar invisível pelos guardas. De onde eu estava, dava para ouvir até os seus batimentos cardíacos acelerados.

— Alô, portaria. As luzes apagaram no quatorze. Pode ser problema na caixa de força. — O canal de Sil estava aberto e a voz do segurança falando por seu walkie-talkie soou nítida para nós.

Aquele alerta chamou a atenção dos dois recepcionistas que deram uma olhada no monitor de câmeras e constataram que o corredor citado estava escuro. Um deles já ia apanhar o walkie-talkie para responder e, assim que a Sil entrou na sala que precisava invadir, as luzes voltaram a acender. Os seguranças informaram que o problema tinha sido resolvido e voltaram para sua ronda.

— Sil, agora você pode desativar a sua camuflagem. Não há câmeras no interior do servidor. O terminal que procuramos deve ser o único que possui um monitor conectado a ele. Todos os outros só armazenam e processam dados. Você está numa seção de backup...

— Me poupe dos termos técnicos nerds, Junior. Eu já achei o terminal. — disse ela com voz sussurrante após andar entre as duas fileiras de mainframes que faziam sons mecânicos e iluminavam o ambiente escuro com seus LEDs vermelhos e azuis. — A tela está pedindo uma senha. O que faço agora?

— Na parte de trás do cinto do seu traje está guardada uma unidade de armazenamento de uns dez centímetros de comprimento. Tem uma entrada USB nela. Eu te mostrei como funciona. Espete a entrada na base do console do servidor.

— Pronto. E agora?

— A unidade está programada para rodar o meu algoritmo de descriptografia. Deve demorar alguns minutos até que ele identifique a senha. — respondeu Antônio deixando vazar o som de sua mastigação no salgadinho.

— Já estou a postos. — A voz de Thunderwing soou. — Estou pegando o jeito desse negócio de pilotar a ASA. Consegui pousar sem problemas no heliponto da Xeque-Mate. Aqui em cima está tudo tranquilo. Nenhum sinal de guardas.

— Fique em posição. O telhado vai ser a rota de fuga da Sil. Assim que ela chegar aí, você deve alçar voo imediatamente. — falei em voz baixa, embora estivesse sozinho ali.

— Por que eu sou "Sil" e vocês ficam se chamando por seus codinomes idiotas?

— Esqueceu que você nem escolheu o seu codinome ainda? Agradeça por não estarmos chamando você de Catarina! — respondeu Antônio, irônico, ainda mastigando o seu salgadinho barulhento.

— Quem te chamou de Catarina foi o Henrique. Aliás, seria um ótimo codinome! — observou Ricardo, ao que foi interrompido por Silmara:

— Calem a boca, idiotas! O bagulho descobriu a senha. Eu estou dentro. E agora?

— Você vai abrir o painel do servidor com as ferramentas em seu cinto, como a instruí. Pegue o HD vazio que você está carregando e plugue ele com o cabo sata no computador. Você memorizou a sequência de comandos para clonar o HD do servidor?

— Sim, Junior. Mas eu quero que você sussurre os comandos em meu ouvidinho assim mesmo para você não se sentir diminuído por eu ser tão inteligente!

Para a sua primeira missão em campo, Silmara estava se saindo bem demais. Apesar do sarcasmo com que tratava os meninos quase que o tempo todo, ela era astuta o bastante para cumprir a difícil missão que havia aceitado executar com afinco. Sem grandes problemas, ela começou a clonar os dados contidos naquela unidade fora da rede e cujos segredos não podiam ser revelados pelo vírus que o Espião Negro havia inoculado no sistema há algumas semanas. Algo estava para mudar, no entanto.

— Os recepcionistas estão um pouco impacientes lá embaixo. Eles estão de olho nas câmeras. Devem estar vendo você andando de um lado para outro nesse corredor, Pássaro Noturno. Acho melhor você largar as pizzas aí e descer.

Eu já ia responder Antônio quando a voz dele soou novamente em nosso rádio:

— Essa não! Os seguranças do corredor estão indo em direção à sala do servidor! Eles podem ter ouvido a voz da Sil ou algum barulho!

— Como? Eu estou sussurrando aqui e ainda não acabei. A clonagem está em 75%! — disse Sil.

— Apague as luzes novamente, Espião. Faça agora!

Assim que dei a ordem, o Antônio, mais uma vez, fez as luzes piscarem no corredor, o que não afetava diretamente os servidores no interior da sala devido ao nobreak de emergência em que estavam ligados. Pelo modo noturno das câmeras de segurança, o nosso amigo no esconderijo era o único que podia ver onde os seguranças estavam naquele momento e um novo silêncio de rádio tornou aquela invasão ainda mais tensa. Meus joelhos tremiam pra valer enquanto eu deixava as pizzas dentro de uma sala do décimo andar e começava a caminhar de volta ao elevador. O meu coração disparava no peito com a péssima sensação de que tudo tinha dado errado.

E se os seguranças invadiram a sala e capturaram a Sil? E se eles chamarem os seguranças dos outros andares? E se chamarem a polícia?

— Consegui. A clonagem do HD está completa e eu estou dando o fora dessa sala pelos fundos. Vou subir a escadaria até o telhado. Liga logo o motor desse avião!

Todos nós voltamos a respirar naquele momento e, tão logo Antônio acionou as luzes do corredor do quatorze para a surpresa dos guardas, eu atingi o andar térreo do prédio levando nas costas a mochila térmica e me dirigi aos caras no balcão.

— Aí, chefia! Não tinha ninguém lá em cima para receber as pizzas. Larguei numa sala qualquer. Alguém precisa pagar o serviço. — E esfreguei os dedos polegar e médio da mão direita em direção a eles.

— Como não tinha ninguém lá? Acabei de confirmar o pedido das pizzas! — disse o baixote.

Dei de ombros.

— O corredor está deserto. Eu preciso receber. Estou atrasado para uma nova entrega. — E dei dois tapinhas com o indicador sobre o mostrador do meu relógio de pulso.

Com olhar arrogante, o loiro pareceu abrir uma gaveta atrás do balcão e me deu duas notas de cem reais, indicando com uma das mãos que eu saísse de lá imediatamente. Eu já caminhava até a porta automática carregando a caixa nas costas e o capacete nas mãos, quando a voz do baixote soou mais uma vez:

— Ei! Não está esquecendo de nada?

Eu me virei para ele e fiz uma expressão de dúvida.

— A sua amiga. Ela ainda não voltou do banheiro. Não vai esperar por ela?

— Quem? A Catarina? Ah, ela tem prisão-de-ventre! Vai demorar para sair do banheiro. Vou esperar por ela na moto.

Em seguida, eu saí do prédio e aproveitando que não estavam de olho em mim, caminhei até a motoneta da pizzaria, acionei o seu motor e rumei de volta para o Bairro do Encanto.

O que será que eles iam fazer quando descobrissem que a "Catarina" jamais tinha entrado no banheiro dos empregados? 

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