Capítulo 36 - O triunfo do General Kron
SIL TINHA FICADO TÃO entretida com A Saga do Coração Âmbar que mal conseguia tirar os olhos das páginas do livro. Já tinha alcançado mais da metade do volume em menos de duas horas de leitura e, enquanto eu concluía o meu algoritmo de busca, ela provava cada vez mais que era mesmo a leitora voraz que eu conhecera no interior daquele apartamento decadente, em frente a um berço de criança repleto de livros quase até o topo.
Estendi os braços e girei os ombros para relaxar sentado em minha cadeira de base giratória após finalizar o meu programa de complexidade média. A fiquei encarando ali com os olhos pregados nas páginas meio amareladas do meu antigo volume de Defensor da Galáxia e só depois de quase dois minutos ela foi perceber que eu estava rindo da sua cara.
— O que foi? Tem algum palhaço aqui por acaso?
Ela torcia o lábio inferior para demonstrar que estava zangada.
— Tô só admirando a sua concentração na leitura. Eu te fiz três perguntas nos últimos vinte minutos e não consegui sequer tirar a sua atenção do livro.
Ela deu de ombros. Desceu os olhos para as páginas do livro outra vez e enfiou alguns fios de cabelo atrás da orelha. Tinha um pescoço alongado e os acrômios espetavam a pele, com as suas proeminências bem evidentes. Sem que ela percebesse, eu costumava admirar aquela área da sua anatomia de vez em quando.
— Eu encontrei esse livro em um sebo na região da Lapa. — disse, tentando puxar assunto. — Eu já sabia que as histórias em quadrinhos escritas pelo escritor britânico Alan Gail eram baseadas no conto original criado pelo Mike Moore nos anos cinquenta, mas nunca tinha tido a oportunidade de ler o livro até um ano atrás mais ou menos.
Os globos castanhos encontraram os meus. Ela tinha ficado intrigada.
— Essa história foi criada nos anos cinquenta? — E ela elevou o livro, me mostrando a capa.
— Foi escrita nos anos cinquenta, mas passou por uma adaptação nos anos noventa para que fossem acrescentados alguns termos mais comuns para a nossa época. A tradução para o português também ajudou a adicionar alguns conceitos mais contemporâneos.
Ela tinha ficado admirada.
— Nem parece mesmo algo tão antigo. Adaptaram muito bem! — Elogiou.
— Você gostou mesmo da história, não é?
Ela curvou levemente os lábios, quase sorrindo.
— Não é nenhum Stephen King, mas eu gosto da narrativa desse tal de Moore. Me diverte.
Sil então voltou a me ignorar para voltar ao universo fantástico da Saga do Coração Âmbar.
"As atiradeiras de energia do cruzador começaram a atingir uma a uma as aeronaves de assalto do General Kron no momento em que o Capitão Treadstone mergulhou na atmosfera do planeta dourado no comando da sua prodigiosa máquina voadora.
Ao seu lado, Mi'Haul ajustava a mira do computador de bordo a fim de não deixar que nenhuma das naves inimigas escapasse e as ordens de Treadstone eram claras:
— Atire nos veículos menores e não permita que eles fujam para o destroier espacial em órbita do planeta. Não podemos permitir que o Kron escape com o Coração Âmbar.
Treadstone tinha o semblante frustrado e aplicou um tapa no manche do cruzador pouco antes de balbuciar:
— Eu não acredito que ele conseguiu passar pelo radar do cruzador de batalha com as suas naves de assalto. Nós tínhamos que dar cobertura para o Defensor. Como deixamos isso acontecer, Haul?
A criatura de olhos angulares e íris esmeralda resmungou com um sibilar em pé sobre a poltrona do copiloto. Havia ironia em seu tom e o capitão percebeu logo que estava sendo advertido por ela.
— Eu sei que você me avisou que algo não estava certo. Eu devia ter prestado mais a atenção nos sinais emitidos pelo radar. Quer que eu me ajoelhe e diga que 'vossa majestade' tinha razão desde o início?
Outro sibilo e os olhos de Mi'Haul se estreitaram.
— Muito engraçada você! Eu não vou me ajoelhar coisa nenhuma. Se concentre em acertar essas naves e pare logo de resmungar. Nós somos agora a única chance que o Defensor e a Patrulheira têm de salvar o universo.
Lá embaixo, enquanto os feixes azulados disparados pelas atiradeiras do cruzador davam cabo das naves de assalto da frota do General Kron, Sh'Rann se aproveitou da distração causada pelo ataque dos seus companheiros do alto para se desvencilhar dos homens que a mantinham como prisioneira e os atingiu com golpes preciso de Shata-Tran, o estilo de luta tradicional do seu planeta Proto-5.
Uma vez livre das amarras que mantinham os seus pulsos incapacitados, a moça de rara agilidade física recuperou o seu canhão de próton das mãos de um terceiro soldado e o nocauteou com a sua coronha.
Naquele momento, dezenas de aeronaves ganhavam espaço nos céus dourados do planeta e toda a Floresta de Sangri'lah parecia encimada pela frota unificada do General Kron.
'Que Zael nos proteja', rogou a corajosa Patrulheira no momento em que correu até o centro do ataque e começou a disparar o seu canhão contra os inimigos alados que se espalhavam no céu como abutres em busca de carniça.
Diante da entrada da fortificação construída para guardar os restos mortais do Imperador Lars Kozzi, o Defensor da Galáxia se lançou contra o General Kron munido apenas da esperança de fazer com que o facínora abrisse mão do Coração Âmbar que, naquele instante, brilhava intensamente em contato com a Omni-Força a transbordar em cada célula do militar.
— É tarde demais, Major Randor! O Coração Âmbar já entrou em contato com a minha Omni-Força. O artefato reconheceu em mim um invólucro tão digno quanto o próprio Imperador Lars Kozzi de conter toda a sua força pulsante. O PODER É MEU!
— NUNCA!
Num ato de extrema coragem, o Defensor da Galáxia agarrou o pulso direito do seu arqui-inimigo e começou a se esforçar para arrancar a pedra dourada do seu domínio. O Coração agora parecia cada vez mais fundido aos dedos do General e a energia liberada por ele estava afetando o herói de maneira quase irresistível.
— Você não pode mais me separar do Coração, Randor. Ele e eu agora somos um único elemento. A sua joia Hall não pode mais te proteger dos malefícios causados pela pedra. É o seu fim!
Como em resposta às palavras de Kron, a joia em formato pentagonal encrustada na fivela do cinturão de Randor se iluminou com um brilho azulado e começou a emanar uma energia que encobriu todo o corpo de seu detentor.
— N... Não é possível! — Os olhos escuros de Kron se arregalaram. Ele jamais havia visto tanta demonstração de resiliência. — A joia Hall estava esgotada... Ela não pode gerar tanta energia... NÃO PODE!
Com um urro de dor, o Defensor da Galáxia agarrou a pedra âmbar com a sua mão livre e a arrancou de entre os dedos do General Kron que foi atirado para trás com uma força oposta além da sua compreensão. A reação em cadeia do contato do Coração Âmbar com a Força Hall derrubou a todos na clareira da floresta e, por um momento, o conflito entre as duas facções foi interrompido.
No alto, em sua cabine de comando, o Capitão Treadstone exaltou toda a sua felicidade com um berro.
— Ele conseguiu!
Incomodada com o barulho produzido por seu companheiro de cabine, Mi'Haul murchou as orelhas compridas de lince e lhe direcionou impropérios em sua língua nativa.
Em frente à fortificação, o Defensor da Galáxia ergueu a pedra dourada para deixar claro aos comandados de Kron que ele havia vencido o embate. Sob o olhar atônito das dezenas de soldados que agora se espalhavam diante da Floresta de Sangri'lah, ele se pronunciou:
— Como detentor do Coração Âmbar e do poder nele contido, eu ordeno que vocês cessem esses ataques insanos e partam para sempre desse planeta. Em nome da Comunidade Galáctica, eu proclamo que, a partir de agora, Him'laiah está sob a minha proteção e vocês não são bem-vindos aqui.
Com as suas armas de choque baixas e os seus olhares perdidos, os homens sob o comando do General Kron se voltaram para o militar caído a menos de oito metros de distância do herói com a pedra dourada brilhante entre os dedos. O esforço que Randor fazia para manter a coesão do artefato era gigantesco, mas ele sabia que não podia fraquejar. Se Kron voltasse a empunhar aquela pedra, ele não teria mais condições de impedi-lo de usá-la.
Uma risada maligna começou a soar e, mais uma vez, todos os olhares se voltaram para o general.
— Acabou, General Kron. Você está vencido. Renda-se!
A Patrulheira Sh'Rann avançou dois passos sem perder Kron da sua mira. O cano do seu canhão portátil estava agora voltado para a cabeça do seu inimigo, porém, nem mesmo a sua ameaça havia cessado o seu riso. O som de escárnio agora era um crescendo.
De súbito, uma sombra prodigiosa encobriu toda a área da floresta e todos em solo se viram ameaçados por um destroier estelar que começou a surgir por entre as nuvens do céu dourado. A risada de Kron não se calava e, enquanto ele se erguia do chão com o traje ainda a fumegar do ataque a que havia sido submetido anteriormente, a sua voz, enfim, voltou a soar:
— Se eu não posso ser o detentor do Coração Âmbar, então ninguém mais será.
De dentro do cruzador, o Capitão Treadstone e Mi'Haul se viram alarmados pela sombra gigantesca que começava a encobrir o seu veículo. Os dois pares de olhos se arregalaram quando eles avistaram os canhões de destruição que começavam a se armar da base do destroier negro sobre as suas cabeças.
— Por Zael!
Lá embaixo, o General Kron já havia se erguido e de braços estendidos, ele se voltou para o seu grande adversário e bradou:
— Eu acionei a sequência de disparos de nêutrons, Major Randor. O meu destroier vai esvaziar o seu arsenal para obliterar não só a Floresta de Sangri'lah como também todo o planeta Him'laiah. Nem mesmo você poderá sobreviver a um ataque tão avassalador. Você e o Coração Âmbar serão destruídos juntos. De qualquer maneira, eu venço. EU VENÇO!
A risada enlouquecida de Kron foi abafada no momento em que os canhões travaram a área da fortificação e da floresta como alvos. Daquela distância, não havia como escapar e a morte agora era uma certeza".
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