Capítulo 21 - O campeonato

EU SABIA QUE AQUELA não era uma boa ideia desde o início, mas o Ricardo insistiu em se inscrever no Campeonato Interclasses de Basquete no começo de maio e o resultado acabou sendo o esperado: Confusão.

Antônio e eu já estávamos conformados que não éramos bons nos esportes, focados mais em nosso intelecto, mas o Ricardo continuou insistindo em jogar bola com os garotos, mesmo os que não o queriam por perto.

O time da nossa sala era, obviamente, formado pelo Quinteto Macabro e mais alguns garotos que eram muito habilidosos no basquete. Quando o Ricardo entrou para a equipe, ele fora bastante hostilizado e era sempre deixado de lado entrando apenas lá para o final do terceiro quarto do jogo, nos raros momentos que lhe eram permitidos.

O time ia muito bem e não enfrentou grandes dificuldades para chegar à semifinal do campeonato. Embora odiasse admitir, Carlos Castellini, Robson Freitas, Régis Paranhos, Claudio Fontes e Alexandre Kostick formavam um grupo quase imbatível em quadra.

A escola estava cheia para assistir àquele jogo entre a nossa classe e o sétimo ano B. O entorno da quadra ficou repleto de torcedores fanáticos gritando e apoiando os seus times. Entre as tietes do Quinteto Macabro estavam as amigas de Daniela, a Ludmila, a Yara e a Verônica, que não paravam de berrar nas arquibancadas para apoiar os caras.

O que mais me irritava era que ela também estava lá aplaudindo e gritando enquanto o abastadinho arrasava o time adversário, metendo para dentro uma bola de três atrás da outra. Os arremessos precisos de Carlos fizeram com que a equipe estivesse vinte pontos à frente do rival no primeiro quarto e a torcida, claro, estava toda a seu favor naquele momento de glória.

Foi no final do terceiro tempo que o próprio Carlos sugeriu que o Ricardo entrasse em quadra. Numa reação impressionante, lá pelo final do período anterior, o time da sétima série tinha conseguida empatar o jogo graças a um talentoso armador apelidado de "Mikiba". Ágil e com uma visão de jogo impressionante, o tal Nélson Mikiba desequilibrou o Quinteto armando jogadas velozes e quase impossíveis de serem freadas. O time estava perdendo todas as bolas nos rebotes e, por ser quase tão alto quanto o pivô grandalhão Robson, o Ricardo foi posicionado como ala justamente para suprir essa deficiência.

— Vê se não faz merda, carvãozinho! — falou Régis ao sair e dar lugar ao Ricardo que levou do moleque um empurrão de ombros passivamente.

Ricardo não podia reclamar da sorte. Estava entrando em quadra para um jogo decisivo e a Simone Chaves estaria lá na arquibancada de olho nele.

Foi um desastre.

Como previsto, por sua estatura, Ricardo realmente aumentou a porcentagem de aproveitamento de rebotes pelo alto, mas o seu passe um tanto quanto exagerado em força não conseguia alcançar as mãos dos colegas quase nunca para o contra-ataque, o que, em pouco tempo, acabou gerando a virada da sétima série no placar. Mikiba percebeu logo que havia um elo fraco em quadra e o explorou com os seus ataques velozes.

O time do oitavo ano já estava nove pontos abaixo do adversário quando o Carlos expulsou o Ricardo da quadra aos berros na frente de todos os presentes. Claudio o empurrou para fora e o ápice da confusão aconteceu quando Régis o puxou pela camiseta para entrar em seu lugar.

— Tira a mão de mim, racista de merda! — Ricardo devolveu o empurrão que levou e esbravejou num ímpeto de coragem.

Antônio e eu assistíamos a tudo da arquibancada e, embora não pudéssemos fazer nada para intervir, acompanhamos o caldo engrossar dentro da quadra. A plateia de alunos ficou ensandecida ao nosso redor por conta da confusão e foi do meu amigo baixote a previsão:

— Isso não vai prestar!

Dito e feito.

Um soco tão forte quanto rápido cruzou o rosto de Ricardo e sangue começou a ser expelido do seu nariz. Acuado na grade da quadra, ele levantou os braços para se defender e, quando já ia ser surrado, a turma do "deixa disso" interveio segurando Régis, Robson e Alexandre, que já avançavam sobre ele.

O juiz da partida, que era também o professor Claudemir de Educação Física da escola, providencialmente encerrou o jogo e puniu o time por conduta antiesportiva, dando a vitória para a sétima série. Aquele dia marcou de vez a cisma entre o nosso trio e o Quinteto Macabro e, dali pra frente, a rixa aumentou ainda mais.

Após a queda na escada, eu visitei o ortopedista e o médico acabou me dando mais alguns dias até que os ossos do meu braço estivessem completamente recuperados. Na metade do mês de maio, eu finalmente pude remover o gesso e aposentei também a tipoia, sentindo uma euforia grande por poder, enfim, voltar a dirigir a motoneta da pizzaria para fazer entregas e por poder voltar a vestir o traje de Pássaro Noturno.

Voltar a usar a roupa de combate realmente não foi difícil, mas quando eu retornei à Magno's Pizzaria, fui informado pelo próprio Magno, amigo do meu pai de longa data, que eu não poderia mais pilotar a moto de cem cilindradas da pizzaria e que eu teria que fazer entregas mais próximas do bairro com uma bicicleta.

A novidade se dera por conta de uma reclamação feita por minha mãe a ele, logo que me "acidentei" e, por conta disso, embora não fosse obrigado a me readmitir, ele me aceitou de volta desde que nas novas condições. Havia outro entregador em meu lugar usando a Honda Biz. O garoto era maior de idade e habilitado — diferente de mim — e ele também ficou com o meu antigo salário. Magno, provavelmente, teria problemas se descobrissem que um dos seus entregadores pilotava uma moto sem possuir a idade necessária ou habilitação, por isso, não o questionei em ser substituído.

A minha mãe e ele jamais descobriram que eu tinha fraturado o meu braço caindo de um prédio e não ao cair da moto, como eu os informei, por isso, reclamei o menos possível sobre a nova oportunidade que ele tinha me dado. Agora, eu entregaria as pizzas pelo bairro por um valor bem inferior, o que eu aceitei assim mesmo, já que aqueles trocados continuariam a ajudar nas despesas de casa.

Foi nas férias de junho que os arquivos criptografados da Xeque-Mate, finalmente, puderam ser explorados por nós e o que começamos a descobrir nos deixou ainda mais enojados com as atividades secretas de Edmundo Bispo. Entre milhares de documentos digitais muito bem escondidos no servidor, interceptamos um que dava plenos poderes aos traficantes de drogas na cidade em troca de um acordo comercial entre o Bispo, o delegado Assis e a própria prefeita Leme.

Sob a fachada da empresa fantasma designada como Alfa-Rio, Bispo cedia imóveis para a construção e manutenção de pelo menos cinco refinarias de drogas, além de fornecer equipamento e a logística para a produção, embalagem e transporte do produto ilegal. Por seu trabalho, Bispo recebia 40% de toda a venda executada para outras cidades do estado, para a região Centro-Oeste brasileira e outros países sul-americanos como o Peru, a Bolívia e a Colômbia. Assis e Leme abocanhavam outros 10% para fazer sua costumeira vista-grossa quanto as atividades criminosas que deveriam coibir e todo o restante do lucro ficava para o próprio Toni Maranelli, o chefão da máfia.

— Se vazarmos esse documento sozinho, já dá para garantir ao menos uma investigação policial em cima do Bispo. — comentou Antônio com a mão direita apoiada no queixo vendo a sua caneca de chocolate quente fumegar no console do Computador do Amanhã.

— Investigação policial? Sério? Acabamos de ter a comprovação que a polícia também está no meio da maracutaia. Não podemos entregar nada à polícia corrupta de São Francisco d'Oeste! — exaltou-se Ricardo.

— Deve ter algum policial ainda comprometido com a justiça dentro da delegacia. Não é possível que todos tenham sido corrompidos como o Romero Assis!

E Antônio estava realmente certo.

Regiane Loyola tinha se formado há pouco tempo na Academia Militar de Marechal LaRocca, uma das cidades vizinhas a São Francisco d'Oeste, e vinha fazendo um excelente trabalho como policial desde então. Apesar de jovem, ela comandava com grande frequência as rondas feitas nas ruas cada vez mais violentas dos bairros periféricos e ouvia-se com frequência que era uma das poucas que não aceitava nenhum tipo de suborno

Disciplinada e ética, também era uma das poucas policiais que entregava ao depósito da delegacia o fruto das batidas policiais que fazia, devolvendo armas, drogas ou dinheiro encontrado. A maioria dos seus colegas não agia da mesma forma, fazendo o seu próprio negócio ilegal com o resultado das suas ações como agentes da lei. Era mais do que comum que os homens de Assis vendessem as armas e as drogas apreendidas em suas missões agindo como milicianos para levantar um trocado após o seu turno na polícia. Com isso, o ciclo do crime parecia não ter fim na cidade.

— E se a gente vazar esse documento para a policial Loyola? Ela vai saber o que fazer com isso mais do que a gente.

— Ela parece estar sozinha dentro daquela delegacia, Antônio. — falei, discordando dele. — Por mais boa vontade que ela tenha em querer combater o crime para honrar aquilo que ela foi treinada para fazer, ninguém vai lhe dar ouvidos. É preciso eliminar as ervas-daninhas daquele lugar antes de vazarmos qualquer coisa que encontramos nos computadores do Edmundo Bispo. Nós precisamos agir. 

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