Dissipando o frio

A caridade é sagrada, pois traz de volta a felicidade e a esperança que já estavam morrendo.

Desde a adolescência John coleciona casacos, alguns deles não lhe servem mais, já outros foram achados pelas ruas, esquecidos e perdidos pelos seus donos distraídos, ele também coleciona alguns poucos cachecóis que encontrou sobre os bancos solitários da praça.

O ser humano anda tão atarefado que perde os seus objetos sem perceber e assim vai deixando os seus próprios rastros pela cidade urbana e agitada.

John não se conforma de caminhar todos os dias ao anoitecer pelas ruas frias de inverno em São Paulo e ver os  moradores de rua, crianças, jovens e  idosos, vivendo abandonados, sem apoio, dividindo um pedaço de tecido fino para cobrirem os corpos gelados e magros para assim se protegerem do ar frio.

John acha injusto a desigualdade, nas ruelas do centro da cidade há os pobres moradores de rua e nos bairros mais nobres há as mansões, que com o frio, creio que as famílias estão sentadas em volta da lareira se esquentando, bebendo um chá ou até um cálice de vinho e alimentando-se da comida simples a mais fina, desde a salada até o caviar.

A maioria dos enigmáticos seres humanos esquecem de ajudar o próximo, esquecem que lá fora tem seres humanos iguais a eles, só o que difere é que estão perdidos no labirinto da azeda miséria, inconformados com o que o destino tem à servi-los: as migalhas de uma vida desumana e esquecida, que a situação apenas é reversível através da vontade própria de cada um destes moradores de rua.

John ajuda essas pessoas quando pode, levando um prato de comida. Ele fica até um pouco mais feliz e com as emoções ativadas, porque ainda existem pessoas com um grande coração que ajudam também. Saber disso faz com que a esperança de vivermos num mundo melhor, continue viva, brotando e desenvolvendo-se aos poucos, como quando uma criança começa a dar os seus primeiros passos.

John chegou em sua pequena casa, abriu a porta que toda vez range, ele chega todos os dias depois das oito horas da noite, cansado do trabalho e de caminhar até chegar em seu lar, tomou um banho, comeu qualquer guloseima e foi deitar-se em sua cama na companhia dos seus dois melhores amigos: um gato e um cachorro.

Olhando para o teto mofado do seu quarto, John questionou os seus pensamentos que lhe perturbavam em voz alta, ainda com a imagem fotografada na mente do cenário triste que há lá fora.

_ Por que eu não sou rico? – depois de uma pausa continuou – Ou, pelo menos, se tivesse recursos sobrando.

John estava matutando fazer alguma coisa para ajudar aqueles seres humanos, nunca esteve conformado com a pequena ajuda que estava ao seu alcance.

_ As pessoas lá fora são cruéis. – dizendo isso, ele se levantou da sua cama, abriu a janela do seu quarto e foi olhar para o céu que estava estrelado, entrou pelo cômodo um vento frio que fez ele se arrepiar.

O gato e o cachorro estavam deitados sobre a cama, olhando os movimentos de inquietude do pequeno e humilde homem que tem pensamentos maiores que o mundo.

John tem o costume de conversar com o seu pai que havia falecido há três anos, então ainda na janela olhando para o céu azul e límpido, falou com o intuito dos ventos levarem aquelas palavras para algum lugar inimaginável:

_ Meu pai, você foi a pessoa mais importante que me ensinou a ter amor e ajudar ao próximo – depois de uma pausa continuou – Lembra-se que o senhor uma vez me falou assim: "Meu filho, às vezes é necessário tirar dos ricos e dar aos pobres."– suspirou e prosseguiu – Relembro como se fosse ontem, obrigado pelas lembranças, querido pai.

Ele abaixou a cabeça, sorriu, fechou a janela, sentou-se à beira da cama e ficou olhando para o chão, na tentativa de ter alguma ideia. Então, o seu rosto de uma expressão triste rapidamente mudou-se, uma aventura talvez o aguardava.

_ Já sei, é isso!

John levantou-se rapidamente da cama, foi até o guarda-roupa, abriu a caixa de madeira em que guarda a sua coleção de roupas de frio, separou-as e embrulhou-as, pegou também uma toca, um par de luvas pretas e uma lanterna, trocou as suas roupas, vestindo uma camisa, uma calça jeans e as suas botas, depois ele saiu pela porta da sua casa e sumiu no meio da neblina.

Mas, o que John fará? Às vezes, o ser humano tem pensamentos de querer mudar o mundo, querer construir algo melhor para as próximas crianças das gerações vindouras, mas, esquece-se de mudar primeiro as próprias atitudes. O combustível para a verdadeira mudança, é começar de si mesmo e transportar essa atitude para o mundo à sua volta.

Na manhã seguinte, nas mansões mais luxuosas, os proprietários sentiram falta das suas roupas mais caras, casacos, blusas, meias, cachecóis, calças e sapatos que misteriosamente haviam sumido. ''Mas quem roubaria roupas?'' – esse era o questionamento comum entre as pessoas que tiveram os seus closets faltando algumas peças de vestuário.

Os melhores investigadores da história foram contratados pelas vítimas que perderam os seus pertences, mas, nem eles encontraram pistas ou qualquer argumento para poder afirmar, com certeza, quem é o responsável pelos furtos inesperados.

Por longos e inexplicáveis anos sumiram diversas vestimentas, o anônimo que roubava nunca foi capturado. John, como era da sua própria vontade, foi promovido no trabalho e ganhou uma promoção para reajustar o seu salário.

A coleção de casacos não existe mais, pois foi doada para quem necessita e abriu um sorriso no rosto fatigado e sofrido de quem vaga nas ruas do destino, sem rumo, nem previsão para um futuro melhor.

As roupas merecem continuar uma nova história e aquecer novos corpos, e não ficarem mofando no guarda-roupa. Profetizo que esse é só o início de uma história para fazer o bem ao próximo.

Passaram-se dez anos e John realizou o seu grande sonho – que também era o mesmo do seu falecido pai – que foi fundar uma instituição para os moradores de rua e assim tirar aquelas pessoas das ruas frias, ele queria fazer muito mais, ele se sentia realizado. O carinho e a gratidão que aquelas pessoas têm para com ele, é insubstituível. Ele ainda acredita em um mundo mais unido e teve a verdadeira certeza de que a mudança tem que começar em si mesmo.

O anônimo que cria uma aquarela de sorrisos nas faces da tristeza que habita o cinza interior da cidade, aonde você apressadamente anda e tapa a visão para não enxergar a pura verdade vagando em meio ao dia escaldante e em meio a forte borrasca. Se você finge não ver o reflexo da miséria é para não se engasgar com o elixir da hipocrisia, pois o choque da realidade será como ingerir a cicuta da morte.

Um herói para os pobres e um ladrão para os ricos. Prazer, Johnnatan Roberto de Sá. 

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