Coloridas lembranças
Antonieta vestia um macacão jeans, estava deitada sobre a cama com as pernas apoiadas sobre a parede, os cabelos soltos, livres, eles pareciam que tinham vida própria. A moça que existe neste planeta há vinte e um anos, refletia em pleno domingo o que faria neste dia.
Já havia feito sua higiene matinal. Já havia regado as flores da jardineira que estavam na janela. Já havia cuidado de Meg, a cadela de estimação que toma banho duas vezes na semana, tem os pelos escovados quase todos os dias e ainda é vestida com roupinhas do tamanho do seu porte.
Antonieta resolveu levantar-se da cama, foi preparar na cozinha uma xícara de café, depois de alguns minutos ela voltou para o quarto e se sentou numa cadeira que acompanhava a sua mesa carregada de papéis e livros, olhando para o chão, como quem procura algo que não lembra mais onde está, ela bebeu um gole de café.
Deixou a xícara sobre a mesa, agachou, olhou em baixo da cama e ali estava ela, a caixa em que Antonieta guarda todas as suas lembranças, arrastou-a, deslizou a mão sobre a tampa para tirar o excesso de poeira, pois faz tempo que não pegava aquela caixa de madeira, sentou-se no chão mesmo e abriu-a.
Lá tinha fotografias do tempo em que era mais jovem. Havia também lá dentro, pétalas de flores secas, pedras coloridas que achou jogadas por aí e guardou.
A vida de Antonieta estava resumida ali, naquela caixa de madeira trabalhada com desenhos em relevo e trancada com um cadeado dourado. Ela aprisionou por vinte e um anos muitos momentos, alguns nem deveriam estar ali, sendo eternizados.
Antonieta Isabel espalhou todas as fotografias pelo chão, levantou-se e pegou sua xícara de café, um isqueiro e um cinzeiro que estava na sala, depositou todos os objetos no chão, próximo a ela.
Esvaziou a caixa, jogou as pétalas dentro do cinzeiro. As primeiras fotografias que resolveu rever foi de seus amores antigos, acendeu o isqueiro e colocou próximo a foto, rapidamente o fogo percorreu o papel, ela jogou dentro do cinzeiro, queimou foto por foto, fazendo isso sentiu ao mesmo tempo uma raiva e um ódio, pois aqueles rapazes não fizeram-na feliz. Matei as ervas daninhas que cresciam sem limites, eram marcas passadas. – pensou ela.
As fotos de praias, montanhas, cachoeiras, trilhas, ela resolveu guardá-las, pois não sabe quando terá outra oportunidade de visitar esses lugares novamente, então ela depositou-as dentro da caixa.
Encontrou fotografias da sua família, todos reunidos na ceia de natal, no ano novo, nos aniversários. Faz tempo que não fazemos mais isso. – pensou Antonieta e sorriu com os lábios.
Depois que o seu avô faleceu, nunca mais a família reuniu-se, pois era ele que marcava as reuniões, organizava as festividades. Era seu avô Cláudio e sua avó Madalena que faziam tudo e convidavam todos para se reunirem no sítio da família. Era. Já era. Tudo acabou-se.
Sua avó encontra-se muito doente numa cama de hospital está com uma doença em estado terminal e em coma a duas semanas. O pai de Antonieta, Gildo, não sabe mais o que fazer para que a mãe dele fique melhor logo e assim volte com sua rotina de cultivar suas flores, cuidar da horta, voltar a ser a mulher forte, que mesmo perdendo o marido conseguiu conviver com as lembranças, coisa que Gildo ainda não superou: as lembranças do seu pai Cláudio.
Antonieta chorando porque um emaranhado de pensamentos, misturados com as lembranças e as saudades formou-se, guardou as fotos da sua família. Mas, não guardou só em estado material – naquela caixa – gravou cada momento, cada lembrança também em estado sentimental – em sua alma –, porque o que emotiva nos e traz boas lembranças deve de ser eternizado, para sempre, até os últimos dias de nossa monótona vida.
Com as mãos enxugou as lágrimas salgadas que não apenas brotavam dos seus olhos, mas, também do seu coração e do seu âmago. Só tinha mais algumas fotos jogadas no chão, as que estavam queimando já viraram cinzas.
Ela não lembrava mais daqueles momentos com seus amigos do colegial, que hoje não tem mais nenhuma notícia deles. Segurava nas mãos fotografias em que todos da sua turma estavam reunidos sorrindo. Eu era feliz ou talvez eu estava apenas sorrindo só para mostrar os dentes, porque era um sorriso falso. Por dentro eu estava espatifada. – Antonieta relembrou a sensação, encarando a fotografia e jogando-a no fogo que carcomia cada partícula do papel velho e amarelado.
As últimas fotografias foram da sua amiga Ana, ela foi a única amizade verdadeira em toda a sua vida, Antonieta nunca mais encontrou uma amizade como aquela. Guardou as três únicas fotos que tinha com sua antiga melhor amiga na caixa. Hoje em dia, Antonieta não tem mais notícia de Ana, perdeu o contato com ela e da última vez que haviam conversado na madrugada, ela estava indo estudar para o exterior. As pessoas vão e vem, mas eu continuo aqui parada na mesma estação, observando que a vida não segue apenas uma linha reta e o destino cada vez me surpreende mais. Quiçá futuramente terei motivos para voar desta estação? – perguntou ela para si mesma.
Antonieta guardou também as pedras coloridas que recolheu dos lugares que passou, seria um pedacinho da natureza que guardaria para si.
Depois desta faxina. Depois das lágrimas velhas que foram soltas por um momento, Antonieta fechou a caixa e a guardou novamente em baixo da sua cama. Como morava próxima a praia, pegou o cinzeiro e se dirigiu até o mar.
A praia estava vazia, pois o tempo é para previsão de chuva, o céu está nublado, o mar está bravo, as ondas avivadas querem levar embora tudo o que encontrar pela frente.
Antonieta foi até uma plataforma de madeira que há sobre as águas, respirou fundo para sentir o cheiro da maresia e jogou as cinzas no mar.
Jogou porque aquelas eram as suas piores lembranças, tudo ali que foi queimado, é reflexo de antigas memórias momentâneas e passageiras, não mereciam instalar-se num pedaço do seu coração para sempre. Foi uma limpeza para a alma.
Agora que a caixa de lembranças de Antonieta Isabel Prado ficou mais leve, está na hora de eternizar e colecionar mais momentos, porque a vida é curta e ela ainda não realizou todos os seus sonhos.
Antonieta voltou para casa levando o cinzeiro vazio, acabando de tomar o seu café que já estava frio e pesquisando em seu celular, ela decidiu se arriscar a preparar uma comida diferente para o almoço, sentia a necessidade de provar novas sensações.
O coração de Antonieta só tem lugar para as lembranças que vem para ficar e fazer parte da sua essência.
E, lá está ela na cozinha com o seu macacão jeans e o cabelo preso em um coque alto, experimentando preparar um suflê de frango. Ela convidou para o almoço um colega que mora no mesmo prédio que ela, o Gustavo, pode ser uma chance para uma nova amizade.
Se hoje você encarar Antonieta, verá no reflexo da sua alma que ela carrega consigo o vazio – sim, o nada – que ainda a desnorteia um pouco: os vestígios das piores memórias. Carrega também as doces lembranças, alguns fragmentos do que tocou-a e há uma luz celeste que irradia os seus olhos, mas se você olhar além do seu corpo carnal, verá que essa mesma luz reflete no coração e na alma. Antonieta carrega uma bagagem recheada de experimentos e uma variação de sentimentos. Assim como uma árvore, ela ainda possui galhos finos que podem se quebrar a qualquer momento e frutos que ainda estão jovens, mas se não forem colhidos na hora certa, poderão infestar de larvas e apodrecer. Mas, depois da fase de podridão, o caroço penetrará no solo, se desenvolverá e brotará novas plantas. Enfim, tudo são fases.
Fases que vem para nos desestruturar. Fases que vem para nos beneficiar. Fases que vem para nos machucar. Fases que são como as estações, cada uma tem a sua cor, basta saber superá-las. Tudo aqui está de passagem, só que tem coisas, que duram por um curto período na linha do tempo e outras duram por um longo prazo na linha da vida.
Antonieta e Gustavo futuramente vão descobrir que unificados formarão a constelação ao norte da Ursa Maior, estarão em harmonia como a lua e o sol. Ainda rabiscarão os setes céus gravando uma história a dois entre as estrelas.
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