Capítulo III
Sexta-feira, 05 de setembro de 2014
Tarde, 13h41
Quando o detetive Heartland entrou na sala do delegado Lenny Lover, este estava sentado sobre a ponta de sua mesa de mogno, afastado dos armários metálicos no canto direito, a ponta de seu sapato lustroso esfregando círculos no carpete cinzento preguiçosamente ao dizer:
— Eldric, sente-se.
O homem com mais de um metro e oitenta jogou seu corpo sobre a cadeira à frente da mesa, percebendo o cigarro que repousa desleixadamente entre o indicador e o anelar do delegado.
— Sobre o que precisa conversar? — Indagou enquanto apagava o cigarro no cinzeiro, amassando-o.
— Sobre o trabalho que me incumbiu, senhor. — Eldric uniu as mãos sobre os joelhos, inclinando-se para frente. — Creio que seguir Harley Cleanwater não é a melhor estratégia.
— Não? — O delegado pareceu quase surpreso ao ouvir aquilo e Eldric negou veemente. — E por que diz isso?
— Porque não faz sentido seguir os passos dela se nem ao menos acreditamos em sua teoria.
Lenny estreitou os olhos fundos em seu rosto gorducho, a farda grudada em seu corpo enquanto ele pulava de cima da mesa e caminhava em direção à sua cadeira.
— Você foi descoberto, então — ressaltou o delegado enquanto deixava uma lufada de ar escapar por seus lábios, amargosa e pungente, a mais pura nicotina enquanto os dedos dele firmavam-se no encosto da cadeira, o corpo nervoso demais para permanecer sentado.
Eldric engoliu em seco.
— Senhor...
— Não comece, Heartland — retrucou interrompendo-o, os dedos gorduchos erguidos no ar para que ele se calasse. — Ao menos me diga o que ela estava fazendo.
— Harley foi visitar Mary Yard — respondeu com certa decepção em sua voz, os olhos baixos, fitando os pés da mesa ao invés de encarar Lenny.
— Mary... — O delegado levou o polegar até a testa dolorida, esfregando-a em círculos enquanto sentia o calor em seu pescoço. — Pobre mulher... — Os olhos dele voltaram-se para Eldric. — O que elas conversaram?
A pergunta pegou Heartland de surpresa, o suor escorrendo em suas costas enquanto as palavras faltavam em sua boca.
— Você não sabe?
— Ela não falou.
— Ela não falou ou você não soube como fazê-la falar?
Eldric poderia ter pensado em alguma desculpa, mas apenas esfregou a palma das mãos, controlando a raiva que crescia em seu peito com um fogo que ardia em cada centímetro de seu corpo.
— Ela só está refazendo nossos passos, delegado — disse ele tentando manter-se calmo, mas seu tom demonstrava sua inquietação. — Mary foi a primeira com quem conversamos.
— É claro, porque o filho dela, que Deus o tenha, foi assassinado. — O rosto de Lenny tornou-se vermelho. — Essa mulher está convencida de que o sequestrador é o assassino. Você tem ideia das consequências que essa hipótese pode ter?
— Eu sei bem. — Ele recostou-se sobre a cadeira, narinas dilatadas. — E talvez mais uma criança apareça morta.
E aquelas palavras fizeram uma pressão recair sobre os ombros de Lenny Lover que seus pés fraquejaram, o peso parecendo maior sobre suas pernas, fazendo-o cair sobre sua cadeira dramaticamente, os braços abertos enquanto revirava os olhos ao exclamar:
— Pronto, aquela mulher já entrou na sua cabeça! — Lenny coçou a nuca quente, as unhas raspando a pele morta. — Não pode ver um rabo de saia que já se torna incompetente...
O corpo de Eldric catapultou-se a cadeira e suas mãos enormes estatelaram-se contra a madeira, as canetas dentro do porta-lápis tremeram e tilintaram enquanto o queixo do homem tremia num susto.
— O que há de errado em considerar esta ideia!? — Os olhos de Heartland arderam, como se desafiassem o delegado. — Negá-la é praticamente descartar a possibilidade de Ursel Hargroove aparecer morto em algum momento!
— MAS ELE NÃO ESTÁ MORTO! — Agora foi Lenny que estapeou a mesa, ficando cara a cara com Eldric, os dentes rangendo e a saliva fazendo sua língua nadar enquanto ele tentava parecer maior e falhava miseravelmente.
Em toda sua carreira, Lenny Lover conseguiu colecionar pouquíssimos grandes feitos. Acontece que Painwisck, como ele gostava de dizer, tinha problemas que se resolviam sozinhos, ele só precisava dar um pequeno empurrão para que as coisas se acertassem, ainda assim os moradores dali o enxergavam com grandes lentes saudosas que o glorificavam.
Mas agora um garotinho estava morto.
Ele nunca havia presenciado algo daquele tipo e todas as noites e, quando chegava em casa, eram incessantemente dolorosos os sons do telefone chamando na parede da cozinha, seu queixo tremia em pavor de atender. Afinal, ele sabia que seria sobre o caso. Mas o que a pessoa que ligava queria ouvir? Lucas não voltaria à vida e Ursel não apareceria por um milagre, então o que aquela maldita mulher queria? Mas Lenny sabia que a resposta era a mesma para todos.
Só queriam boas notícias.
O próprio delegado queria uma única maldita boa notícia.
— Se Harley Cleanwater estiver certa, então a cidade desmoronará.
Eldric fitou o homem gorducho, controlando sua respiração e a vontade crescente de arrebentá-lo com socos que esfolariam sua pele.
— Peço que tenha fé em mim, Heartland. — O delegado colocou a mão direita sobre o peito em um pedido dramático, com os lábios ressecados dizendo palavras que desciam arranhando pela garganta de Eldric. — Quero que deposite em mim a mesma fé que depositei em você.
E então algo pinçou no fundo da mente do detetive, que fitou o delegado em sua alma, o mar em seus olhos engolindo-o enquanto as palavras formavam-se em sua boca:
— O que quer dizer com isso?
Mas ele já sabia a resposta.
— Eu apenas peço... — Lenny fingiu procurar pela palavra, batendo os dedos no ar, pensativo. — ...reciprocidade.
Eldric lançou-se para trás, as mãos na nuca, os bíceps saltando em sua camisa enquanto os pés iam de um lado para o outro.
— Só pode estar de brincadeira...
— Eu lhe trouxe de volta à corporação, Eldric, mesmo contra a vontade dos outros.
— Eu cometi um erro, delegado. Apenas um! — Ele colocou o indicador na frente do rosto e para Lenny ele pareceu tão ameaçador quanto uma arma.
— Que levou um homem ao hospital. — Lenny contornou sua mesa com passos suaves e aproximou-se do detetive, as mãos enfurnadas no bolso enquanto ele fitava a parede. — Foi a sua conduta violenta que o afastou, Eldric, e você está em uma linha tênue entre ser demitido de uma vez por todas. — O homem baixinho ergueu o rosto por sobre o ombro, assistindo ao modo como o maxilar de Heartland pareceu endurecer conforme ele mordia o interior de sua bochecha. — Creio que não seria inteligente começar a ter inimigos de sua própria cidade.
Os punhos de Eldric cerraram-se, as unhas cravadas na pele.
— Devo considerar isso como uma ameaça?
Lenny estalou os lábios.
— Um conselho, eu diria. — O homem deu de ombros, como se discutissem o que teriam no jantar. — Quero que continue de olho em Harley Cleanwater enquanto investigar o desaparecimento do filho de Elena.
— Não vai mesmo ouvir o que eu tenho a dizer? — As faíscas que escapavam dos olhos dele poderiam incendiar aquele carpete cinzento em instantes. — Nem ao menos considerar?
O delegado respirou fundo, as mãos agora jogadas contra os quadris.
— Não vou. — O homem girou nos calcanhares. — E quer saber o motivo?
Eldric ergueu uma sobrancelha e deixou que ele continuasse.
— Você e essa tal Srta. Cleanwater parecem estar entrando num conto de terror que suas mentes assustadas criaram. Não permitirei que outros também caiam em teorias de que um assassino sequestrador de menores está solto pelas ruas.
— E por que não? — Desafiou Eldric e as têmporas de Lenny fizeram as laterais de seu rosto doerem.
— Porque somos uma cidade pequena, detetive, e dizer uma coisa dessas é alegar que o seu próprio vizinho seja um assassino.
— Um deles certamente é e ainda está solto...
E então Heartland inclinou seu rosto na direção de Lenny, cuspindo as palavras que fisgaram o coração do delegado:
— ... devo agradecer a quem por isso?
Lenny semicerrou os olhos e vociferou:
— Não ouse falar assim comigo.
— Quer um conselho?
— Não.
— Foda-se. — Retrucou o detetive, sabendo que o homem tentava não demonstrar, mas que suas pernas tremiam enquanto Eldric parecia duas vezes maior, com seus ombros largos e olhar severamente frio. — Você precisa acordar e aceitar que talvez mais uma criança esteja morta.
— Diga o que quiser, detetive — retorquiu com desdém, afastando-o com o braço enquanto caminhava em direção à sua mesa, sentando-se perto do cinzeiro novamente como se fossem recomeçar todo aquele encontro desgraçado. — Escolho não acreditar que isso irá acontecer.
— Só uma coisa te fará mudar de ideia, então.
Lenny riu, um som curto que emanou de sua garganta, o pescoço suando entre as pequenas dobras ao perguntar:
— E o que seria?
E os lábios de Eldric, sem felicidade alguma em acreditar naquilo, pareceram ressecar ao dizer:
— O corpo dele.
*Mais um capítulooooo!!! Ainda bem no inicio, mas espero que já estejam captando a atmosfera que cerca Painswick!!!
*Se gostou, não se esqueçam de votar!!!
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