Sempiterno



Sempiterno •  Que não teve princípio nem há-de ter fim. Duradouro e perpétuo.


A sensação de extensão e profundidade quando Ont'ari pensava em Neteyam. Quando tudo tinha uma razão, um porquê... O sentimento dela por ele, era apenas inexplicável. Não havia palavras para descrever certas conexões. Algumas coisas simplesmente existem desde sempre, pra sempre e eterno.

Azul intenso, Azul mestiço, azul claro, azul profundo. Uma imensidão de tons azuis. Nada parecido nunca tinha sido visto por olhos tão imaturos. Enquanto sobrevoavam o oceano em busca de abrigo e lar, a família Sully e Ont'ari se encantavam com a gigantesca paleta de cores que o oceano lhes dava a cada metro quadrado. Era lindo. E era novo. E era fascinante.

Neteyam e Ont'ari voavam no ikram do jovem Sully. O garoto olhou para trás e sorriu. Ont'ari o abraçou mais forte. Já estavam viajando há muitos, muitos dias. E pareciam intermináveis quando finalmente, adentraram o refúgio marítimo de um novo clã. Eram azuis também. Um novo tipo de azul nascente, como a água, onde viviam.

— Somos os clã metkayina.

Metkayina.

O povo não ficou feliz com a vinda dos Omaticayas, ficaram com medo da guerra da qual estavam fugindo. Era compreensível, já que todos perderam algo com a primeira guerra. Agora evitar guerrear com o povo do céu, é o que os mantinha vivos. Mas talvez fosse relativo. Fugir nem sempre é viver. Esse tipo de sobrevivência também mata aos poucos.

Ronal, Tsahik do clã metkayina deixou claro que não era a favor da presença dos andarilhos Omaticaya. Mas não se apôs, pois seu marido, o líder do clã, Tonowari deixou claro que tinha suas ressalvas a favor de Toruk Makto e sua família. Família.

Ont'ari sorriu novamente. Que tipo de sensação era essa? Sentia calor e nervosismo. Neteyam segurou a mão dela enquanto caminhavam para um novo lar de suas vidas. Pelo menos, acreditavam ser.

— Se precisarem de qualquer coisa, podem me procurar. — A filha dos líderes era atenciosa e gentil. E não tirava os olhos de Lo'ak. Era divertido.

— Obrigada, Tisreya.

Ninguém parecia realmente feliz com a situação. Tuki começou a chorar em algum momento. Neytiri abraçou a pequena, enquanto Jake fez um discurso sobre responsabilidades e  não arrumar problemas. Foi estranho estar ali entre eles. Pela primeira vez, Ont'ari não sentia raiva da presença daquela família. Ela já tinha aceitado que estava ali por Neteyam e isso era o suficiente.
Pelo menos, torcia para que fosse assim.

O

vento tem um cheiro diferente quando se está na beira do oceano. Aparentemente, a léguas de distância gigantesca do ponto de onde tinham partido. O Recife era lindo. E no dia seguinte após a chegada da Família Sully, Tisreya e Aonung, filhos de Tonowari e Ronal, vieram auxiliar as criança Sully com sua inserção no mundo deles.

Neteyam e Lo'ak pareciam bebês em seu primeiro fôlego. Mas Tuki e Kiri foram muito bem. A doçura delas conquistou a natureza e parecia que elas sempre estiveram ali. Foram facilmente aceitas e se denominaram, as primeiras de fora a se conectarem com a fauna do Recife. Estavam verdadeiramente, sentindo-se capazes.

Mas foi diferente para Ont'ari. Ela não se deu mal comos os meninos, e tão pouco bem como as garotas. Ela não pôde sequer fazer parte do treinamento. Era um tratamento diferente para os filhos de Toruk Makto.

Enquanto que para ela, por ser uma legítima Na'vi, Ronal decidiu dar uma atenção diferente. E há essa altura, era difícil saber se isso era uma coisa boa ou ruim.

— Por que não voou no seu ikram? — Ronal questionou.

Ont'ari a encarou; estavam sentadas num tipo estranho de cais. A mais velha socava algas dentro de uma tigela. A barriga dela estava redonda demais, e também fazia movimentos estranhos as vezes. Era difícil de não perceber. Tinha um bebê ali dentro.

— Não tenho um ikram. Nunca fui escolhida por um. Tentei várias vezes.

— É incomum, pelo que sei.

— Sim. Voo no do meu irmão as vezes. — De repente sentiu-se vulnerável. — Pelo menos voava, antes de fugir de casa.

— O seu irmão não quis vim com você?

— Pessoa morta não possui escolha.

— Oh... — Ronal parou de socar e a olhou com curiosidade. — Não seja tão dura consigo mesma. Sofrimento é sofrimento em qualquer parte do mundo. — Ont'ari assentiu. — Experimente isso.

A garota até pensou em se recusar, mas no final abriu a boca e experimentou. O gosto era horrível. Cuspiu tudo para o lado. Ronal sorriu.

— É tenebroso.

— É claro que é. — Ronal concordou. — Mas pode salvar a sua vida num momento de desespero. Você não é daqui. Odeio forasteiros em meu refúgio. Mas senti em você, algo diferente. Você também é uma forasteira no meio do seu próprio povo. Por quê?

— E por que não? — Sentia-se lisa diante da realidade.  — Não tenho família. Me sinto como um forasteiro em qualquer lugar que vá. Mas me adapto porque preciso.

— Está certa. Nunca lutarão por nós como faremos por eles. Você é assim, e sinto isso na sua essência. Então, se vai ficar aqui, saiba que tem meu apoio.

— Mesmo que não tenha apoiado os outros?

— Não gosto de quem trás guerra para minha casa e jamais gostarei. É o seu caso?

— Não saberei até que precise saber a resposta.

Risadas e gritos escandalosos foram ouvidos, e lá estava as crianças Sully acompanhadas de Oanung e Tisreya. Neteyam se divertia, apesar de estar levando uma surra do mar. Lo'ak e Tisreya estavam indo bem juntos. Tuki e Kiri nadavam bem. Estavam felizes.
Foi automático, o sorriso de Ont'ari ao vê-los tão felizes.

— Faria qualquer coisa por aquele garoto?

— Faria até mais.

"

O fogo veio como uma onda alta, barulhenta e aterrorizante. Cessou vidas, levou sonhos, enterrou presentes e se debruçou sobre o futuro com rancor. Neteyam sentia-se quente, como se estivesse pegando fogo. Ele estava na floresta, sendo arrastado pela onda. 

Num momento quando tudo parou, só restava o som e o cheiro de queimado. O primogênito dos Sully percebeu que não estava só. Omã'ri, a mãe de Ont'ari estava de pé na frente dele. Neteyam tentou dar um passo, mas percebeu que estava preso ao chão. E foi nesse exato momento que o fogo começou a subir pelos pés da mulher. 

 — Não... 

E subindo pelas pernas. Os gestos dela eram de terror. Estava assustava com medo e sofrendo. Neteyam não podia se mexer. Os olhos dele cintilavam o fogo ardente. E tudo parecia prestes a ter um fim. Um fim trágico.

Neteyam saltou da cama, com o coração acelerado. Estava tremendo, percebeu ao olhar seu dedos. A respiração estava forte demais. Fechou os olhos para se concentrar, respirou lentamente. Que maldição! Odiava isso. Não queria acordar Ont'ari. Ela precisava dormir e descansar e... 

Ont'ari não estava na tenda. 

Sempre que a lua se erguia no céu e fazia uma dança de vida, em uma troca silenciosa das cores, os nativos chamavam isso de maroouasy. Os humanos de eclipse. Neteyam Sully conhecia os dois nomes e as duas vielas dessa história. 

Curioso, Neteyam se levantou e saiu da tenda. Ainda não conseguia ver Ont'ari e alguma coisa dentro dele começava a se agitar de preocupação. Torcia para que não estivesse em apuros. 

Mas logo a encontrou. 

Lá estava a garota: dentro da água. Os seres que a rodeavam, brincavam com ela como se fossem bichos de estimação. Um golfinho jorrou água pelo nariz, Ont'ari gargalhou. E as arraiais a rodeavam como se estivessem em sua órbita. E Ont'ari parecia extremamente a vontade com eles. 

Neteyam suspirou. Não estava vendo Ont'ari como gostaria. Desde que chegaram ali, Jake os colocou no encalço dos filhos de Ronal e Tonowari. Ont'ari nunca estava presente. Era como se ela não tivesse permissão para fazer parte daquilo. E quando questionou seu pai sobre isso, Jake só disse que era o melhor. O melhor para todos. Não ser tão parte da família, a deixaria segura em caso de ataque. 

E a última coisa que Neteyam Sully queria era colocá-la em risco. Odiaria carregar essa culpa. 

Ele se aproximou, Ont'ari levantou as orelhas em alerta e se virou para encontrar o garoto. Neteyam se sentou na beirada, e sua garota sorriu para ele. Não estava confortável.

一 Parece bem a vontade com esses bichos. 

一 Eles são parte da fauna. Então, se estamos aqui, devemos ser gratos e leais ao Recife. Reconhecem isso quando sentem em nós.

一 Você está indo bem, Ont'ari. É bom ver. 

一 Você também. 

O golfinho se enfiou debaixo do braço dela, como se estivesse em um ninho. Ont'ari o acariciou e segurou sua barbatana. O bichano mergulhou e levou ela junto. Neteyam saltou na água. Ont'ari se ergueu rindo.

一 Está bem? 一 O primogênito Sully questionou. 

一 Sim, ele é bem brincalhão.

Mas Neteyam não estava sorrindo. Estava preocupado e triste. Nós últimos dias, sentia-se solitário e esquecido. Lo'ak tinha Tsireya, Tuki tinha Kiri e ele não tinha ninguém para se aliar. E sentia falta de Ont'ari. Tentava convencer a si mesmo, de que passou a maior parte de sua vida sem ter a garota ao seu lado. Mas agora que tinha conseguido chamar a atenção dela, parecia que nada mais fazia sentido sem ela. Estava esgotado de tanto treinar e sentia falta do seu lar. 

Mas ainda assim, não estava reclamando e nem se rebelando contra tudo ao seu redor. Porque ele era responsável e entendia que não ser prudente, podia colocar tudo a perder. Não só só vida dele. 

Mesmo assim, se sentia vazio e fraco. 

一 Por que está tão triste? 一 Ont'ari questionou.

一 Não estou. 一 Ele sorriu. 

一 Eu não vou nem fingir que acredito nisso, porque é estupidez. 一 Mentir para ela era estupidez mesmo. A final, Ont'ari conhecia seu interior. A garota estendeu a mão e Neteyam caminhou dentro d'água até alcançá-la e entrelaçar seus dedos. 一 Gostaria de sentir o que estou sentindo agora? 

Ele apenas balançou a cabeça para cima e para baixo. Ont'ari finalmente sorriu.

一 Feche os olhos. 一 Ele obedeceu. 一 Se permita. Aprendi algo aqui e se você entender isso também, vai mudar sua vida. Sua percepção do mundo e de tudo. 

一 Parece profundo.

一 Você aprende rapidinho. 

De olhos fechados, mergulhado nas profundezas da escuridão, Neteyam podia sentir as mãos de Ont'ari percorrendo seu corpo. Ela o fez abrir os braços, sentir a água. Os animais ainda estavam ao redor, e era possível saber isso, pelo balançar das pequenas ondas que se formavam e tocavam seu dedos. Eles estavam girando, como peões no centro de uma mesa. 

一 Respira fundo. Bem profundo. 一 A voz de de Ont'ari o guiava. 一 E quando sentir medo se recorde de que O caminho da água não tem começo nem fim. O mar está em volta e dentro de você. O mar é o seu lar antes de você nascer e depois que você morre. O mar tira e o mar dá. A água conecta todas as coisas, da vida a morte, da escuridão a luz. E você não precisa temer, se permitir que a vontade seja feita. Você é forte, Neteyam. E foi escolhido. Jamais estará só. 

Jamais. 

E isso significava que importasse o quanto seus medos fossem gritantes. ELA jamais o deixará só. Jamais nessa vida. 

Ont'ari não sabia o quanto aquele garoto estava sofrendo, mas sabia que a guerra dele era grande. Ele ainda estava com os olhos fechados, quando as lágrimas venceram a guerra e escorregaram pela bochecha. Ont'ari o abraçou nesse momento. 

Neteyam a apertou contra seu peito. 

一 Me perdoe por fazê-lo se sentir só. 一 Ela implorou. 

一 Não é culpa sua. Estamos todos tentando o nosso melhor. Eu devia ter sido mais incisivo. 

一 Eu teria te matado. 一 Ambos riram, lembrando de já terem tido uma conversa assim antes. 一 Eu sinto seu coração bater tão forte contra o meu peito. Acho que ele vai explodir. Se acalme. Não precisa ficar assustado. 

一 Não tenho culpa se senti a sua falta. S a u d a d e. Você me desperta isso. 

一 Eu sinto seu coração. Sinto seu toque... 一 Ela correu os dedos pelo braço dele, até alcançar o rosto, onde colocou as duas mãos. 一 E eu vejo você, Neteyam Sully. 

一 Precisamos de um encontro. Nunca tivemos um. Podemos explorar. Tô me sentindo sufocado nesse lugar. 

一 Seu pai mataria nós dois. E além do que, estamos longe de casa. Seria problemático e irresponsável. 

一 Pelo que ouvi nos últimos dias, estamos em casa agora.

Ont'ari se deu por vencida e Neteyam a ajudou a subir de volta para a trilha. Eles caminharam de mãos dadas, sobe as luzes fortes da Lua. A vila estava silenciosa e não parecia ter ninguém acordado. E era tarde da noite. Mas tudo bem, tudo que precisavam estava bem ali diante deles: um do outro.

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