03. cama de motel

Frederico estava apavorado. O coração palpitava nas orelhas, as mãos suavam e ele só queria ser engolido pelo fundo da terra. O pior de tudo, além do temporal que balançava a copa das árvores e lavava as calçadas, era o olhar assustado da moça.

Qual era o nome dela, mesmo? Ele não fazia a mais remota ideia. Ela não era uma pessoa, mas somente olhos de pinheiro de Natal e mãos de unhas vermelhas agarradas à bolsinha. Não parecia real. Nada naquela noite terrível parecia real.

Quando Frederico era criança, a Dona Amália sempre o confortava com a mesma frase quando o medo do escuro se fazia presente: "Tu não pode ter medo daquilo que não pode te tocar, filho." Era bobo, mas a mãe tinha razão. O que não nos toca não existe, não pode nos machucar.

Quando a moça tentara alcançar seu zíper, a verdade dera um tapa merecido na cara de Frederico: ele havia discutido com a noiva e estava com uma prostituta no carro. Aquilo era real. Ela existia, era uma pessoa, uma mulher tanto quanto Juliana, Laura e Marina.

A Dona Amália vivia balançando a cabeça e lamentando as mortes de prostitutas noticiadas na televisão e nos jornais. A mãe sempre dizia naquele tom absoluto e irritadiço que era sua marca registrada: "Esse tipo de coisa só existe porque tem homem que paga. A culpa não é delas." E não era. Como diabos seria?

O que mais destruía Frederico era ocupar o papel do tipo de homem que ele sempre criticara. Pagar uma mulher para atender a qualquer desejo seu parecia triste, uma demonstração de poder tão anciã quanto o próprio tempo. O que foi que tu te tornou, cara?

Ele se endireitou no banco, ciente do olhar penetrante da moça em cada ação sua. A mão pequena e de unhas vermelhas se fechava ao redor da bolsinha com força, como se preparada para um ataque ou algo do gênero. Para não a assustar, Frederico suspirou e fechou os olhos.

— Me desculpa. Eu só... — Ele fez uma pausa. — Eu só... só tô com muita coisa na cabeça. A gente pode ir pra outro lugar?

Ela esvaziou feito um balão. Os ombros caíram, os olhos verdes escureceram e a mão afrouxou o aperto na bolsinha. Não sorria mais. Frederico esperou, ansioso para que ela mudasse de ideia, para que fosse embora. Para que desistisse daquilo. Ele poderia levá-la em casa, se assim fosse. Desiste. Manda ela sair, pensou, enquanto a outra parte gritava Não deixa ela ir, não fica sozinho essa noite.

Sem soltar a bolsinha, desconfiada como se ele fosse uma bomba-relógio com os segundos contados, ela disse:

— Assim eu cobro por hora. Fica mais caro.

Mais caro. Como um pedaço de carne no açougue.

Frederico apertou a ponte do nariz e pensou na mãe e na irmã. O que elas diriam se soubessem que ele estava com uma prostituta no carro? E o Seu Ernesto? O pai balançaria a cabeça daquele jeito decepcionado que esmagava o coração de Frederico feito uma prensa desde os tempos da adolescência.

— Tá. Ok — disse ele, abrindo os olhos. Pontinhos pretos inundaram sua visão, acompanhando o movimento frenético do limpador de para-brisa. — Só vamos sair daqui.

Frederico deu ré e deixou para trás o beco do galpão abandonado.

Enquanto ganhavam a rua, ambos em silêncio e ouvindo o som da chuva, ela digitava uma mensagem num celular de tela trincada. Seus polegares voavam sobre a telinha, mas Frederico não conseguia ver o rosto dela. A peruca chanel cor-de-rosa escondia a sua expressão feito um biombo de médico.

Quando terminou, ela enfiou o celular na bolsinha, fechou o zíper e disse:

— Conheço um motel bem bacana aqui por perto.

Motel. A palavra pegou fogo diante das vistas de Frederico, que assentiu e pegou o desvio para o endereço que ela indicava. Ele odiava motéis.

Diferentemente de Laura, que conhecia todos os motéis de Porto Alegre, Frederico fugia deles como as bruxas fugiam dos tribunais da Inquisição. Laura dizia que ele precisava "relaxar e curtir o momento", mas a questão passava longe do quesito de relaxamento. Não era um cara maníaco por limpeza e organização, mas havia algo sobre estar num motel que deixava Frederico nervoso.

No segundo Dia dos Namorados com Marina, a comemoração acabara numa surpresa para ele. E numa discussão interminável porque, como ela dizia, ele nunca queria fazer coisas diferentes para apimentar o relacionamento. Culpado. Frederico odiava motéis, e quando Marina aparecera com a chave daquele quarto e um sorriso repleto de oitavas intenções, ele fizera o diabo para não desapontá-la.

Uma vez lá, Frederico sentara na pontinha do colchão, evitando ficar confortável demais, enquanto Marina usava o banheiro. Naqueles breves segundos de silêncio e solidão no quarto onde tudo era vermelho, cor-de-rosa e com um clima de sex shop barata do Centro, um milhão de imagens bombardearam sua mente. Quantas transas aquele colchão redondo aguentara? Será que eles lavavam a banheira quando os hóspedes saíam? E os lençóis? Pareciam meio manchados debaixo da luz rosada. Por que tudo ali cheirava a champanhe e morangos?

Quando Marina saíra do banheiro toda sorridente num baby doll vermelho como as paredes do quarto, Frederico pedira, pelo amor de Deus, para que fossem embora. Não ia rolar. Não com aquela onda vermelha e as indagações sobre a inocência dos lençóis e do colchão.

Frederico piscou e a lembrança se desfez. Não entrava num motel desde o tal Dia dos Namorados com Marina, mas como aquela noite estava sendo uma "noite de primeiros" — o primeiro noivado arruinado, a primeira prostituta — que fosse também a Noite da Primeira Ida ao Motel na Era Pós-Marina.

— O valor fica por tua conta, ok? — disse ela. Os postes de luz iluminaram brevemente o carro quando eles dobraram outra rua. Um trovão ressoou ao longe e a chuva se intensificou contra o teto do carro. — Motel fica meio fora do meu orçamento. Sabe como é, né, gato?

Frederico assentiu como se soubesse. Ela riu, mascando o chiclete de uva com malícia. Ele apertou o volante e, no temporal que não dava trégua, seguiram até o tal motel.

Durante o trajeto inteiro ela mantivera os olhos nele, em suas mãos, pernas, ombros, pescoço e rosto. Frederico não virou a cabeça para encará-la, mas sentiu-se nu, vulnerável como se estivesse no meio da rua silenciosa e solitária. Ele morria de medo de virar o rosto e encontrar o olhar de pinheiros de Natal dela, medo de ver refletido ali o que não era.

Frederico apertou o volante e tentou ligar o rádio, mas o botão estava condenado. A pancada furiosa que dera ao sair do apartamento, com Marina aos gritos na escada, quebrara de vez o aparelho. Só após um conserto o maldito botão voltaria ao lugar, e o Seu Paulo, aquele mecânico safado, cobraria o olho da cara para...

— É aqui.

Ele freou o carro bruscamente, arrancando uma risadinha dela. Do outro lado da rua, debaixo de muita chuva, erguia-se o tal motel. Um pesadelo de dois andares e muitas luzes néon coloridas. Frederico prendeu a respiração. Aquilo era a mãe de todos os seus pesadelos.

Os motéis que Marina gostava eram caros, lugares que mais pareciam palacetes árabes do século XI: fachada branca, tetos abobadados e detalhes dourados refinados. Por fora, os motéis de Marina não se pareciam com motéis, mas com o mercado exótico de qualquer cidade da Arábia Saudita. Parado do lado de fora do motel indicado pela moça, Frederico apertou o volante e foi assaltado pela falta dos motéis de Marina.

Não havia gênio da lâmpada ou Aladdin que o salvasse daquele pesadelo que se erguia do outro lado da rua.

O motel parecia uma lanchonete infantil. Luzes néon de todas as cores piscavam em direções diferentes, anunciando as promoções em painéis de LED falhados, e tudo brilhava de um jeito medonho. Se os lençóis dos motéis de Marina eram duvidosos, os daquele eram a triste confirmação da agonia que Frederico sentia de motéis.

— É só entrar ali — disse a moça, quando ele não acelerou em direção ao bolo de néon que atendia pelo nome asqueroso de Motel Desejo. — Talvez a gente consiga um quarto bom por causa da chuva.

Frederico virou o rosto para ela. Qual era seu nome, mesmo? Era um nome de puta, pensou ele, ouvindo a voz enfurecida da irmã dizer, pela enésima vez, que não existia tal coisa feito nome de puta, que tudo era resultado de uma construção social do patriarcado ocidental.

Qual era o maldito nome-de-prostituta-que-não-era-de-prostituta da moça?

Ele desviou o rosto quando ela sorriu, mascando o chiclete de uva.

— Me desculpa, mas não vai... não vai dar pra ser aqui. — disse ele, indicando o motel com um gesto encabulado. — A gente pode ir pra minha casa?

Ela enrijeceu no banco do carona. Durou dois segundos, talvez nem isso, mas o corpo inteiro dela se modificou naquele pedacinho de instante; o pescoço tensionou, as narinas dilataram e a negativa escorreu por cada trama de sua meia arrastão.

Ela sorriu e disse:

— Claro, gato. Vamos pra onde tu quiser.

Frederico agradeceu e acelerou, afastando-se do motel e de suas camas redondas e duvidosas. Com o canto dos olhos, viu a moça apertar a bolsinha com mais força do que o necessário. Ela não mascava mais o chiclete de uva.

Quanto antes terminassem com aquilo, melhor.


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