7 - Dentes-de-leão

Vinte anos atrás


Naquela última semana, as coisas em sua casa estavam insuportáveis.

Marcos não aguentava mais as brigas, o choro da mãe, a brutalidade do pai, o medo que sempre enchia os olhos do irmão caçula. Queria distrair Leon de todo aquele pesadelo. Seu irmão tinha apenas oito anos. Precisava de sonhos e aventuras; coisas que ele, com doze anos, já havia desistido de encontrar.

E então, se lembrou de que o irmão sempre sonhara em acampar e ver o sol nascer. Mas eles não tinham dinheiro para ir até um acampamento, e duvidava que o pai permitira que fizessem uma "idiotice" como aquela.

Mesmo assim, correria o risco.

Havia um campinho de futebol próximo ao bairro onde moravam. Seria o lugar ideal. Contou sobre o plano para Leon, e o irmãozinho topou na hora. O sorriso no rosto dele era tudo o que Marcos precisava.

No último instante, decidiu escalar o muro, andar pelo telhado e bater na janela do quarto de Laísa. Talvez ela também quisesse participar da aventura. Ela era menina, mas era amiga deles. E parecia gostar de aventuras.

— Claro! — Laísa concordou, cheia de entusiasmo.

Decididos, os três acordaram de madrugada para ver o sol nascer. Quase não respiraram enquanto deixavam suas casas, rumavam para o campinho e se ajeitavam sobre o gramado.

— Que frio! — Os dentes de Leon batiam sem parar.

Era inverno e a temperatura caíra consideravelmente durante a noite.

Marcos e Laísa estavam deitados no gramado, um ao lado do outro, trajando agasalhos pesados, envoltos pela natureza e pelo gorjeio dos pássaros. Leon, próximo deles, havia adormecido há meia hora, enrolado em uma coberta; um fio de baba escorria do canto de sua boca. Tentaram acordá-lo, mas o menino resmungou algo incompreensível e voltou a dormir.

O vento ciciava, agitando os dentes-de-leão que se espalhavam pela grama.

Laísa apontou para as flores.

— Marcos, você sabia que o dente-de-leão é a casa das fadas? — Fumaça de frio saía da boca dela.

Marcos arqueou as sobrancelhas.

— Nunca ouvi falar de uma besteira dessas.

— Pois é verdade! — a menina rebateu, como se fosse um absurdo ele não conhecer aquela história. — Quando o homem chegou nesse mundo, todas as criaturas mágicas precisaram se esconder rapidamente. Como as fadas tinham vestidos volumosos, não conseguiram encontrar um lugar legal. Então, para não perder tempo, elas se transformaram nos dentes-de-leão.

— Quem te falou isso?

— Minha mãe. E minha mãe nunca mente.

Ele sorriu, balançando a cabeça, ouvindo-a falar com entusiasmo sobre fadas e dentes-de-leão. O céu empalidecia, as primeiras luzes tingiam o amanhecer.

— E daí, se você assoprar o dente-de-leão, poderá fazer um pedido. As fadas irão realizar o seu desejo.

— Acho que as fadas têm coisas mais interessantes para fazer.

— Não custa tentar, não é?

Eles riram baixinho, como se aquilo fosse uma confidência, um segredo só deles, que nem mesmo Leon saberia.

Laísa escolheu um dos dentes-de-leão e o estendeu para ele.

— Faça um pedido, Marcos.

Por conta da expectativa que corria no semblante de Laísa, ele fechou os olhos.

Um pedido... Um desejo...

Imaginou um dia encontrar um lugar que pudesse ser um paraíso.

E assoprou.

E quando o primeiro raio de sol rasgou o horizonte e se insinuou na fenda entre eles, Marcos abriu os olhos; o dourado da manhã contornava o rosto de Laísa, e ela sorria para ele, as bochechas queimadas de frio, enquanto as pétalas do dente-de-leão caíam sobre seus cabelos como pequenos floquinhos de luz dançante.


***************


Atualmente


Após tomar um banho e trocar de roupa, Marcos foi até o quarto de sua mãe, satisfeito em ver que a enfermeira que Laísa conseguira colocar com Dona Marta continuava lá.

Sua mãe já havia sofrido muito ao longo da vida, e tudo o que ele mais queria era proporcionar conforto a ela, como havia feito desde que ascendera no trabalho e conquistara a independência financeira.

Pensou na mensagem que recebera semanas atrás, na confusão que fizera ao ver aquele senhor no ponto de ônibus pela manhã.

"Liberdade condicional".

A raiva quase o engoliu, lenta, venenosa e mortal; Marcos tentou se convencer de que seu advogado tinha tudo sob controle, e que não precisava se preocupar com nada.

Deu um beijo nos cabelos da mãe e então foi procurar por Laísa, para que jantassem juntos; um hábito que estava se tornando cada vez mais comum.

Seus passos desaceleraram ao ouvir várias pancadas secas vindo do quarto de Laísa. Estranhou. Empurrou a porta entreaberta, e a cena que testemunhou o fez franzir o cenho e entrar no cômodo.

Laísa remexia em uma caixa em cima da cama, atirando objetos para todos os lados, praguejando, como se estivesse brigando com alguém. Não se recordava de tê-la visto tão descontrolada em toda a sua vida.

— Laísa? O que foi?

Mas ela não respondeu, e continuou revirando a caixa.

— Por quê? Por quê? Estava escondendo alguma coisa de mim? Por que não consigo encontrar nada?

— O que você quer encontrar?

Ela tremia dos pés a cabeça, os olhos embaçados, os lábios entreabertos; e Marcos achou que Laísa se partiria em um milhão de cacos se encostasse um dedo nela.

— Por que ele colocou senha?!

Marcos ergueu as mãos, tentando se aproximar com cautela.

— Senha no quê?

— Por que deixou essa merda na minha casa?! Por que ele estava escondendo coisas de mim?! — ela esbravejava, atirando as coisas dentro da caixa. — Por que ele se foi?!

Laísa se preparou para jogar outro objeto longe; Marcos segurou o pulso dela, impedindo-a.

As pálpebras dela, que estavam fechadas, estremeceram; ele sentiu como se tivesse levado um soco no estômago quando Laísa soluçou e as lágrimas começaram a cair. Sem pensar, Marcos a puxou para si, os imensos braços a envolvendo com força, quase a erguendo do chão.

— Estou aqui, Laly. Vai ficar tudo bem. Estou aqui.

— Ele se foi. Ele se foi. Ele se foi — ela murmurava baixinho, as lágrimas caindo sobre a camisa dele. — Por quê? Por que ele fez isso? Por que, depois de quase seis meses, ainda dói? Eu... Estou tão cansada... E...

— Eu sei, eu sei.

Marcos sussurrou palavras tranquilizadoras em seu ouvido e acariciou os cabelos dela com delicadeza, tentando confortá-la, acalmá-la. E aos poucos, bem devagar, começou a sentir a respiração dela se atenuar.

Soltando-a pouco a pouco, sem se afastar, ele tocou no rosto dela e ergueu seu queixo gentilmente.

— Olhe para mim, Laly. Estou aqui.

Havia constrangimento e tristeza nos olhos dela, e aquilo o deixou com o coração ainda mais partido.

— Eu... — Laísa começou, uma das mãos agarrada à camisa dele, como se soltá-lo exigisse mais energia do que ela possuía. — Estava mexendo em uma caixa com coisas do Iago, e... Achei um dispositivo USB... Com senha... E de repente... Toda a pressão desses últimos meses me atingiu, e eu perdi o controle, e... Desculpa.

Ele balançou a cabeça.

— Você não tem que me pedir desculpas por nada. Só você sabe o que passou e sofreu. É seu direito surtar e quebrar minha casa, se quiser. Ninguém vai te julgar. Se quiser, podemos quebrar algo juntos.

Laísa riu baixo por entre as lágrimas, e Marcos experimentou uma fagulha cálida e poderosa no peito ao escutar aquele som.

De súbito, um pensamento o invadiu, imagens de dentes-de-leão voando sob uma manhã de inverno, e ele a segurou pela mão.

— Acabei de mudar os planos do nosso jantar. Venha comigo.

— Para onde? — ela perguntou, confusa, enquanto ele a puxava para fora do quarto.

— Para um lugar que nós dois precisamos voltar, depois do dia difícil que tivemos hoje.

— E por que precisamos voltar para esse lugar?

— Para nos recordarmos. Só venha. Confie em mim.

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