TRINTA E UM


2014

Foi a pior viagem da minha vida. Nós compramos os dois últimos assentos e uma senhorinha fez a enorme gentileza de trocar com Gabriel para que ele fosse ao meu lado. A ideia de sentar sozinha junto com dois velhinhos e uma menininha de uns 5 anos fez com que eu chorasse de leve.

Eu estava tão nervosa que não houve um só minuto durante todo o trajeto que eu não estivesse enjoada. Mais de uma vez levantei para vomitar, mas então eu só sentava novamente e esperava passar.

Gabriel, o mesmo cara festeiro que eu conhecera algumas semanas atrás, estava sendo um verdadeiro anjo. De uma maneira estranha, mas reconfortante, ele esfregava minhas costas como quem dizia "vai ficar tudo bem, eu estou aqui". E, por alguns breves instantes, eu quase acreditei em sua promessa silenciosa.

Os minutos pareciam estar com preguiça de passar e, na minha cabeça, eu já tinha tido tempo suficiente para ir e voltar da Flórida umas cinco vezes. Mas, quanto mais eu olhava para o relógio, mas lento ele corria.

Eu já tinha atualizado a página inicial do meu facebook umas vinte vezes, olhado a caixa de email outras vinte e aberto todos os outros aplicativos do meu celular. Mas nada conseguia fazer com que eu me distraísse.

- Onde será que nós estamos? – Perguntei.

- Pelo GPS, já estamos quase saindo de New Jersey.

- Será que já estamos chegando?

- Pelas minhas contas, daqui uns 20-25 minutos estamos lá.

[11:23:09] Liz G. Harvey: Belle?
[11:23:24] Belle Mason: Já está aqui?
[11:23:55] Liz G. Harvey: Chegando.
[11:24:33] Belle Mason: Estamos no Hospital Presbiteriano.
[11:25:00] Liz G. Harvey: Assim que eu chegar, pego um táxi e vou.
[11:25:47] Belle Mason: Vou pedir para o Anthony buscar vocês.
[11:26:16] Liz G. Harvey: Obrigada.

Anthony era o motorista de Belle, que a maioria das vezes a salvava nos seus pós-festas da vida.

Gabriel me estendeu uma garrafinha de água e insistiu que eu tomasse toda. Eu não estava muito em posição para negar alguma coisa, então só obedeci e esperei que o tempo passasse.

Esse meio tempo entre chegar na estação, procurar por Anthony e então ir para o hospital não demorou muito.

E, por incrível que pareça, eu estava relativamente mais calma quando chegamos ao hospital. Uma enfermeira nos levou até uma sala de espera onde vi Mark, Jon, Belle, Lionel, Donna e Lyanna e Frederic.

Apesar de meu coração sentir que alguma coisa estava muito errada, antes mesmo de qualquer um deles abrir a boca, algo em minha cabeça me impedia de gritar, chorar e espernear como uma garotinha que acabara de perder a boneca preferida.

- O que aconteceu? – Perguntei, olhando séria de Mark para Belle. – O que aconteceu com meu pai?

Os dois se entreolharam, mas não responderam minha pergunta. Belle estava visivelmente desconfortável com a situação, o que aumentou um burburinho em meu estômago. Eu nunca a vira tão fora da sua zona de conforto antes.

- Liz, querida, por que você não se senta? – Lyanna apontou para a cadeira que ela mesma estivera sentada antes de eu chegar.

- Eu estou bem, Lyanna, obrigada. Alguém quer, por favor, me dizer o que está acontecendo?

Para minha surpresa, quem deu um passo à frente foi Belle, que falou tão rápido que eu quase não entendi:

- Olha, Liz, desculpa, mas eu acho que meias palavras não vão ajudar em nada agora. – Ela tomou fôlego para continuar. – A Donna ligou mais cedo para o Mark pra avisar que seu pai estava com uma dor de cabeça muito forte, e se ele não podia ir lá ajudá-la a levá-lo ao médico. Só que aí...

- Belle? – Perguntei. – Mark? E aí o que?

Mas ela não falou mais nada. Ao invés disso, se escondeu no peito de Lionel e deixou que alguém com mais coragem terminasse de contar. Essa pessoa foi Mark.

- Assim que eu cheguei seu pai começou a ter uma dor muito forte no peito e não estava conseguindo respirar direito. Foi tudo muito rápido, Liz... – Ele cumpriu a distância que nos separava e segurou minhas mãos. – Nós o trouxemos pra cá e disseram que ele teve um enfarte.

Então eu precisei sentar. Eu tinha Mark ajoelhado em minha frente, Gabriel apertando meus ombros e os olhares de todos eles grudados em cada movimento que eu fazia.

Jon parou um médico para dizer que eu chegara, para que ele pudesse me dar mais informações sobre o estado de papai. Mas não era como se eu precisasse saber dos termos médicos para imaginar a gravidade da situação.

- Prazer, Doutor Gunzel. – Ele esticou a mão para mim. – Liz Gabriella, certo? Você é o contato de emergência na ficha do seu pai, mas não conseguimos localizá-la.

- Eu estava fora da cidade...

- Certo... O seu pai teve um enfarte, como seus amigos devem ter adiantado. – Ele disse como quem fazia uma observação sobre a cor das flores quase murchas que decoravam o ambiente. – Nós fizemos uma angioplastia a tempo para recuperar parte do músculo cardíaco dele, mas ele estava muito agitado e com dor, então optamos por mantê-lo sedado até amanhã. Você pode ir vê-lo se quiser.

Por ser idoso e um paciente de risco, ele estava na unidade de tratamento intensivo, o que significava duas coisas. A primeira era que eu não poderia passar a noite com ele, e a segunda era que só mais uma pessoa além de mim podia entrar. É claro que essa pessoa foi Mark.

Ele segurou bem forte minha mão quando o médico nos conduziu pelo caminho gelado da área restrita.

Nós só pudemos ficar por trás de um vidro e vê-lo de longe. Essa era uma área com horários de visita muito controlados e, como já estava tarde, me deixaram entrar só para ver que ele estava bem.

O monitor do lado de sua cama apitava muito devagar, como se externasse o cansaço que o coração de meu pai sentia.

- Você sabe que ele vai sair dessa, não sabe? – Mark sussurrou para mim.

- Ele vai, não vai?

- Você ainda tem alguma dúvida, Liz? Seu pai é o cara mais forte que eu já conheci em toda a minha vida.

Ver meu pai tão fragilizado naquela cama era difícil e angustiante. Apesar de ter se tornado um homem dependente depois do AVC, ele nunca perdera sua postura protetora.

Quando voltamos, Lyanna me deu um longo abraço e disse que eu poderia ligar se precisasse de qualquer coisa. De certa forma, era reconfortante saber que o gesto significava muito mais do que parecia. Eu sentia uma proteção e segurança vindas de Lyanna, como uma mãe que garantia à sua filha que tudo ficaria bem no final.

Frederic, sempre muito reservado, se limitou a dizer que sua família sempre estaria à minha disposição e que ele esperava que meu pai se recuperasse logo.

Lionel e Belle queriam ficar durante a noite, mas eu apenas agradeci por terem estado ali e disse que mandaria notícias pela manhã. Minha amiga podia ser incrível em quase todas as situações da vida, mas se tinha algo que Belle não sabia lidar bem era com assuntos delicados como saúde. Normalmente, quando algo do tipo acontecia em sua família ou com alguém próximo, ela colocava um sorriso no rosto e fingia que estava tudo bem. O jeito Belle de lidar com os problemas era simplesmente agir como se eles não existissem de fato.

E Donna também voltou para casa com as minhas coisas da viagem e a promessa de que voltaria de manhã com uma muda de roupa limpa para mim e um café da manhã decente, porque, segundo ela, ninguém nesse hospital inteiro era capaz de fazer expresso tão forte como eu gostava.

Sobramos eu, Mark, Jon e Gabriel.

Jon se acomodou em uma poltrona do outro lado da sala com um livro na mão e fingiu ler, mas eu sabia que ele estava prestando atenção em cada movimento meu.

- Eu posso passar a noite aqui também. – Gabriel ofereceu.

- Não precisa. – Minha voz não era mais do que um sussurro rouco. – Mark e Jon vão ficar aqui comigo... E você deve estar cansado também.

- Tem certeza? Eu posso ficar num desses sofás e...

- Não precisa, Gabe. De verdade. Muito obrigada por tudo que você fez essa noite. Muito obrigada mesmo.

Gabriel segurou meu rosto com as mãos, beijou minha testa e disse também que eu podia ligar para ele se precisasse de qualquer coisa.

Mas eu estava tão cansada que só conseguia pensar que eu precisava fechar os olhos por alguns minutos e tentar relaxar um pouco. Meu pai estava sendo monitorado e não havia nada que eu pudesse fazer além de esperar.

Mark fez sinal para que eu deitasse em seu colo e, em algum momento entre a vinda de uma enfermeira para perguntar se iríamos todos passar a noite ali e sua saída, eu acabei adormecendo.

Não sonhei com coisas bonitas, mas, pelo menos, também não tive qualquer pesadelo. Para ser sincera, não sei nem se estava dormindo de fato. Eu só fiquei ali imóvel, de olhos fechado e com o pensamento tão longe quanto consegui levá-lo.

Eu tinha a perfeita noção de que Mark e Jon não dormiram. Em algum lugar da minha inconsciência eu pude ouvi-los conversando sobre algo, apesar de não conseguir identificar o assunto.

Tentei buscar em minhas memórias algum sonho bem bonito que eu já tivera, mas não consegui pensar em nada muito elaborado. Foquei, então, em minha mãe.

No sonho, eu não era mais criança, mas tinha já meus 24 anos. Ainda assim, estava deitava em seu colo, em um jardim com flores muito coloridas. Ela desenhava corações com as pontas dos dedos em meu braço e, volta e meia, me lançava um sorriso para tentar disfarçar seu semblante preocupado.

Ela estava tão bonita quanto eu me lembrava. Seu cabelo loiro voava com uma leve brisa fresca que batia. E sua voz também continuava doce como antes.

- Seu pai estava certíssimo quando escolheu seu nome. – Ela falou. – Você é uma das pessoas mais fortes que eu já vi, minha querida.

- Às vezes eu acho que só finjo ser forte.

- Você é uma ótima pessoa, filha. Vai passar bem por todos os obstáculos da vida.

Minha mãe me olhava sorrindo, sem querer dizer muito mais coisas.

- Meu pai vai ficar bem, não vai? – Perguntei. – Eu já te perdi, não ia suportar perdê-lo também.

- Minha querida, lembre-se sempre de que Deus nunca te dará uma cruz maior do que a que você pode carregar. Quando você achar que não aguenta mais, pense nisso e encontre forças para lutar.

Mas foi um sonho muito rápido.

Mark deu um tranco e acabou me acordando. Ele levantou tão rápido que eu precisei me concentrar para não rolar do sofá e cair de cara no chão.

- O que está acontecendo? – Perguntei, ainda atordoada de sono.

Jon também pulou para o lado de Mark e os dois olhavam alarmados para a porta que abria e fechava.

- Não sei, acho que foi só um pressentimento.

Aquilo me gelou por inteiro e eu me dirigi até um balcão onde ficavam as enfermeiras e perguntei se meu pai já estava acordado.

Uma delas disse que sim e que, se eu quisesse, podia ir vê-lo.

Ainda era muito cedo e não estava no horário de visitas da unidade de tratamento intensivo, mas ela disse que o médico do plantão poderia autorizar.

Eu e Mark fomos caminhando pelo corredor, observando pelo vidro alguns pacientes dormindo.

De certa forma, eu estava me sentindo muito mais tranquila e demorei um tempo para perceber a correria de médicos e enfermeira que passavam por nós.

Talvez tenha sido meu sexto sentido ou o que minha mãe falou no sonho. Mas, assim que vi de qual porta eles entravam e saíam, corri para o vidro e vi uma das piores cenas da minha vida.

Havia um médico fazendo uma massagem cardíaca em meu pai, que estava desacordado. Do lado da cama, outra pessoa mexia em um aparelho que eu já tinha visto muito em séries de tv.

Meu primeiro instinto foi de querer entrar no quarto e sacudir meu pai até que ele acordasse. No entanto, Mark me segurou de costas para a janela de vidro para que eu não visse mais nada.

Mas eu ainda podia ouvir. Ouvi o apito contínuo do monitor cardíaco que indicava que o coração de papai não estava batendo. Ouvi quando o médico grudou as pás no peito dele e deu o choque para tentar reanimá-lo.

Apesar de querer gritar e me jogar no chão, fiquei apenas parada entre os braços de Mark. Não consegui conter as lágrimas, mas também não tive força para tentar me livrar de seu abraço.

Tudo o que eu queria é que alguém voltasse no tempo e o congelasse em um momento feliz, como quando papai chegou em casa com Lili e Lucy em uma manhã de natal. As cadelinhas não passavam de duas bolinhas de pelo, mas encheram a casa de alegria até mesmo quando fizeram xixi no tapete felpudo da sala.

Ou então no dia em que Ben me pediu em casamento. Nós ainda não havíamos brigado, tudo estava na mais perfeita ordem e eu vi meu pai feliz de verdade.

Ou mesmo quando ele conheceu Gabriel e assumiu a postura de pai super protetor que eu tanto me lembrava na infância e adolescência.

E, algum tempo depois, ouvi o pior dos sons: o silêncio. Alguém desligara o monitor e afastara o carrinho com o desfibrilador. Provavelmente uma enfermeira anotou em algum lugar a exata hora que elespararam de tentar, 5:56am. 


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Oi :(

Esse capítulo me partiu o coração :(
O pai da Liz foi uma pessoa de extrema importância pra ela depois da morte da mãe e, apesar dos conflito de quando ela era adolescente, o carinho que ela sentia por ele era imenso e espero ter conseguido passar isso pra vocês.

Queria fazer uma observação aqui também. Eu não sou médica e nem trabalho em nenhuma área remotamente próxima. O que eu escrevi foi baseado em pesquisas que eu fiz na internet. Mas né, vai que o Dr. Google tá errado! Logo, se houver alguma coisa errada, fiquem à vontade para me falar.

É isso, obrigada pelo carinho no dia do meu aniversário, vocês são sensacionais!!!!


Um grande beijo em todo mundo <3

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