DEZESSEIS


2014

MARK


Eu não estava preparado para encontrar Liz.

Ela sabia. É claro que ela sabia que alguma coisa estava errada.

Fiquei remoendo alguns minutos antes de entrar no restaurante que marcamos para conversar. Tive medo que ela descobriria tudo assim que olhasse para mim.

Eu passara a noite em claro, enquanto Jonathan se entregou a um comprido de calmante e ainda estava dormindo em casa. Mas eu não. Eu precisava velar seu sono, saber que ao menos ele estava bem. Eu precisava garantir que, caso ele acordasse, eu estaria do lado dele e o ajudaria a voltar a descansar tranquilamente.

As palavras de Rachel ainda ecoavam em minha cabeça, como se ela tivesse acabado de proferi-las: eu acho que ficaria meio decepcionada.

Ela e qualquer mãe...

Uma rajada de vento um pouco mais fria me deu o que faltava de coragem para entrar no restaurante. Eu não podia deixar Liz esperando para sempre.

Ela estava numa mesa colada à janela. No centro havia um jarro muito pequeno com apenas uma flor. E, onde eu deveria me sentar, estava um envelope azul marinho, selado com um adesivo de coração.

- Você nunca vai acreditar no que eu achei. – Liz disse um pouco mais animada do que eu esperava encontrá-la.

- Olá.

Talvez minha voz tenha saído mais estrangulada do que eu planejara, mas, se Liz notou, teve a gentileza de não comentar.

- Belle foi cedo lá pra casa e resolveu brincar de boneca comigo de novo, você conhece a peça. – Ela riu. – Ela acabou achando uma caixa de coisas antigas e essa carta estava no meio de tudo.

Quando abri o envelope, reconheci as três caligrafias na mesma hora. A de Liz sempre foi impecável, redonda e legível. A minha era um pouco torta, mas, apesar de feia, eu me esforçava para que as pessoas pudessem entendê-la. E a de Belle era um terror. Ela nunca fez questão de melhorar. Vocês, como meus melhores amigos, que entendem até as profundezas da minha alma, deveriam achar isso a coisa mais fácil do mundo, ela dizia sempre que nós reclamávamos.

No papel tinha uma espécie de "documento" com nossa promessa de que seríamos amigos para sempre. Eu não confiava em Belle para guardar e Belle não confiava em mim, por isso Liz foi nomeada guardiã daquele papel que continha, abaixo dos nossos nomes, uma gota de sangue de cada um e um círculo a lápis que algum dia abrigou também uma gota da nossa saliva.

- Você lembra? – Liz perguntou.

- É claro que eu lembro!

- Bom, agora que você já viu, pode passando pra cá. – Ela riu. – Afinal de contas, eu ainda sou a guardiã desse papel!

- É verdade...

Lembro bem quando fizemos esse documento. Foi nas vésperas do meu aniversário e de Liz de 17 anos, quando eu contei às duas que gostava de meninos. Eu esperava que elas iriam gritar, me acusar de traidor por nunca ter contado, mas a resposta de ambas foi, no mínimo, surpreendentemente boa.

Belle gritou e pulou e disse que era o sonho dela ter um amigo gay. Era o jeito Belle de dizer que não tinha problema algum com isso.

Acho que Liz já sabia, mas ainda assim ela fingiu que estava surpresa e me abraçou bem forte.

Ter o apoio das minhas duas melhores amigas era tão importante que eu quis chorar. Em casa seria totalmente diferente, eu tinha certeza. Meu pai vivia me cobrando porque ainda não tinha apresentado nenhuma das minhas supostas namoradas. Uma vez ele até perguntou porque eu não me "resolvia" logo com Liz ou Belle.

- Liz, eu...

- Não precisa me contar se não quiser. – Ela falou antes que eu pudesse terminar de falar a frase.

Eu achava incrível como ela parecia me conhecer tão bem. Mas, dessa vez, talvez que quisesse falar um pouco.

E então contei toda a conversa com Ashley e Rachel na noite passada, cada palavra que elas disseram e como isso afetou Jon.

Conforme eu falava, um nó parecia se dissolver em minha garganta e eu lutei para não chorar.

Liz me ouviu sem interferir nem uma vez. Ela, que nunca foi muito boa em esconder o que estava sentindo, parecia surpresa. Nunca, em nenhum dos nossos 24 anos, eu tinha falado tanta coisa para ela e não sabia como ela reagiria.

Quando eu terminei de falar, Liz esperou alguns segundos, tomou um pouco da água em sua frente e falou:

- Olha, em primeiro lugar, eu quero que saiba que eu tenho muito orgulho mesmo de quem você é. Eu não sei se elas falaram por mal ou não, mas vocês não deveriam se preocupar com isso.

- Eu sei que elas não falaram por mal.

- Que seja, isso nem é o importante agora. – Ela disse. – Mark, eu tenho certeza que a sua mãe te ama mais do que tudo nesse mundo. Seu pai também!

- Eu sei, mas...

- Os pais do Jonathan também foi superar. Você tem que concordar que não é uma notícia como "oi mãe, comprei dois pães no caminho de casa". As pessoas levam um tempo pra internalizarem, pra aceitarem que, o que elas sempre imaginaram, talvez não aconteça exatamente como elas pensam. E cada um tem um tempo próprio. Eu tenho a mais absoluta certeza que o que os pais do Jon sentem é medo de, talvez, ele não ser feliz como eles sempre sonharam, de, talvez, ele sofrer por causa da orientação sexual. Mas eles o amam, assim como seus pais te amam.

Eu sentia um peso tão grande nos ombros que quase apoiei os braços na mesa e enterrei a cabeça ali.

- Liz, você sabe que eu nunca vou poder dar um neto a eles. Eles nunca vão poder ter uma criança de novo na família.

E eu nunca vou poder ser pai, adicionei para mim mesmo.

E imagens minhas com um garotinho percorreram minha mente. Uma hora nós estávamos jogando bola no Central Park e depois tomando sorvete e andando de bicicleta.

- Meu bem, é claro que vocês vão poder ter filhos! Olha só, o casamento de vocês é logo daqui alguns meses e depois vocês podem adotar quantas crianças quiserem! Eu aposto que qualquer criança amaria ser mimada por vocês dois. – Ela sorriu ao pegar minha mão.

- E como eu vou explicar a essa criança o porquê ela não pode visitar os avós por parte de Jon? Ou então quando perguntarem para ela na escola o porquê dela ter dois pais ao invés de um pai e uma mãe? O que eu vou falar para ela, Liz, quando alguém na rua parar e fazer algum comentário como o da Ashley e da Rachel?

- Você vai explicar que ela tem a maior sorte do mundo por ter dois pais que a escolheram para amar e cuidar pelo resto da vida. E vocês vão desconstruir esse ideal estúpido de família tradicional da cabeça dela. Mark, olha quanto amor você e Jon têm pra dar pra essa criança!

Eu tentava acreditar em Liz, mas uma parte de mim não conseguia parar de pensar em como seria ainda mais difícil lidar com a burocracia e questões delicadas, como a falta de uma figura materna, na vida de uma criança adotada por mim e Jon.

- É sério, Mark. Qualquer criança no mundo teria o maior orgulho de ter dois pais tão incríveis como vocês dois.

- Obrigado, Liz. – Tentei sorrir.

Repeti as palavras dela inúmeras vezes naquelatarde para ver se elas passavam a fazer sentido em minha cabeça. E, em algummomento, eu quase acreditei que tudo poderia dar certo.


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HELLO!!!

O capítulo de hoje foi pequeno e introspectivo, mas de suma importância pra vocês conhecerem um pouquinho mais do Mark e da relação dele com a Liz.

O que acharam? Eu fico muito triste do Mark se sentir tão tristonho às vezes, mas pelo menos ele tem a Liz sempre do lado dele <3

Quase que não consigo preparar o post de hoje porque meu computador deu uma pane louca e praticamente parou de funcionar (boatos que quando você é muito neej, seus eletrônicos passam a agir igual, então o meu pegou o defeito do dela :/ )

Mas, consegui postar aqui do escritório, uhul!!

Espero que tenham curtido saber mais do Mark!

Comenta aqui o que acharam, por favor e não esquece da estrelinha <3

Um beijinho, até segunda!

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