9. Coração amargurado

Como prometido, quinze minutos depois ele estava do lado de fora da casa, esperando pela senhorita Denkworth e sua dama de companhia. Ao seu lado, seu valete parecia impaciente, mexia insistentemente nos cabelos, tentando deixá-los mais apresentáveis. Não que fosse preciso.

- Incomodado com algo, Graham? - Inquiriu Giuseppe.

- Não, senhor. É que nunca me chamou para um passeio pela propriedade. Estranhei esse fato.

- Preciso que faça companhia a senhorita Black, enquanto caminho com a senhorita Denkworth.

- Nunca se esforçou tanto por uma dama!

- Não é esforço. Ou eu fazia isso, ou teria de aturar minha mãe falando até o fim do dia. Prefiro evitar conflitos.

- Claro.

Graham se contentou com a resposta e se calou, voltando a mexer no cabelo. Logo avistaram as duas moças descerem os degraus e executarem a mesma reverência que faziam sempre que encontravam Giuseppe. Ele não gostava de tantas formalidades assim, então logo disse:

- Não precisam me reverenciar sempre que me virem, nem mesmo uma mesura por educação. Estamos todos convivendo, e já fomos apresentados. Sintam-se à vontade.

- Muito bondoso de sua parte, majestade. - Respondeu Olívia.

- Giuseppe, por favor. - Pediu ele - Deixemos de formalidade, por enquanto.

- Não seria falta de respeito?

- Claro que não, me sentiria mais confortável assim. - Ele lhe ofereceu o braço e completou - Vamos?

- Claro.

Olívia entrelaçou o braço ao dele e deu uma olhada rápida para Emeline, antes de começarem a andar.

Um pouco acanhada Emeline encarou Graham e se apresentou:

- Emeline Black. Muito prazer, senhor....

- Thorn. Graham Thorn. O prazer é todo meu. - Ele também ofereceu o braço e completou - Podemos? Eles já estão bem adiantados.

Encarando a amiga, um pouco distante e em uma conversa animada com Giuseppe, Emeline sorriu e acabou aceitando o braço que Thorn lhe oferecia. Ela tentava afastar os pensamentos, mas não pôde evitar reparar nos olhos escuros do rapaz. Eram profundos e misteriosos... Tão misteriosos quanto os que ela havia visto na noite anterior.

- As senhoritas se conhecem há muito tempo? - Soou a voz dele, a tirando do devaneio.

- Hã?... Ah, sim! Nos conhecemos desde crianças.

- Então devo presumir que está feliz por sua amiga ser cortejada por um rei?

- Ah, sim! Muito feliz, empolgadíssima. - Ironizou ela.

Quando encarou Graham, se deparou com o cenho franzido dele, por sorte ele não parecia ter entendido o descontentamento de Emeline, então ela logo abriu um sorriso complacente para ele.

Continuaram a caminhar em silêncio e mantendo uma distância segura dos dois à frente, apenas ouvindo as risadas que vez ou outra Olívia emitia de forma educada. De vez em quando Giuseppe lançava olhares por cima do ombro, mirando diretamente Emeline, e abria um sorrisinho cínico, que a fazia ferver de raiva. Se ele não fosse rei, sem dúvida nenhuma ela já o teria jogado contra os dejetos dos cavalos.

Aquilo era pura provocação! E pior ainda, sem motivo nenhum!... Bom, talvez ele tivesse um pouco de motivo, ela não escondera em nada o quanto o desaprovara, sua língua ela podia controlar, mas sua expressão jamais. Ainda assim, não justificava toda aquela provocação dele.

Graham, por outro lado, apenas observava a tensão entre os dois, era discreto o suficiente para fingir que não havia notado, mas esperto para entender o estranho interesse do patrão na jovem ao seu lado. Há alguns dias ele praticamente fugia de compromissos e a menor menção à casamento o fazia se esconder como um cão assustado, mas agora lá estava ele, se abrindo a uma possível corte... Mas com a dama errada. Não achava de todo ruim, ele torcia para que o amigo seguisse em frente, ele precisava disso, mas só conseguia imaginar o que a rainha pensaria daquilo, além disso, o olhar que a senhorita Black dirigia para Giuseppe não era nem um pouco amigável. Sem dúvidas, ele já havia aprontado algo contra a moça.

Resolveu que não comentaria nada sobre aquilo e tratou de iniciar outro assunto:

- Então, como são as temporadas em Londres? Se a senhorita já tiver frequentado, claro.

- Tediosas e mesquinhas. - Respondeu ela, rapidamente, sem notar o tom rude. Mas ao perceber seu deslize, voltou o olhar para Graham e o encontrou com as sobrancelhas arqueadas, logo começou a se desculpar. - Oh, me desculpe, senhor Thorn! Não pretendia ser rude de nenhuma maneira, é que... Não sou muito dada a socialização.

Graham abriu um sorriso terno, que evoluiu para uma risada, deixando o clima um pouco mais leve, e respondeu:

- Eu a compreendo, também não gosto de ir a bailes... A senhorita me lembra minha irmã. Ela falava o que pensava, tinha gênio forte, não se importava muito com o que pensavam dela. Admiro isso.

Agora ele entendia o repentino interesse de Giuseppe. Mas será que eles haviam trocados palavras o suficiente para que ela atraísse seu amigo?

Emeline, por sua vez, não deixou de notar que Graham falava da irmã no passado, e que quando falava uma tristeza inundava seus olhos. Decidiu não perguntar o motivo e apenas sorriu, dizendo:

- Obrigada! Mas acho que somente o senhor admira isso. Geralmente as pessoas pensam que somos mal-educadas.

- Quem se importa com as pessoas, não é mesmo?

Ela encarou as orbes escuras dele, novamente, e tentou achar algum traço daquele cavaleiro da noite anterior, mas não encontrou. Os olhos dele eram gentis, os da noite anterior eram profundos, tenebrosos. Mas e se ele soubesse atuar?... Talvez fosse ele, talvez não fosse. Quem quer que estivesse por trás daquela máscara, sabia disfarçar muito bem.

- É. Quem se importa?

Depois do passeio, Giuseppe subiu para seu quarto novamente, estava a fim de se isolar. A senhorita Denkworth se provara uma ótima companhia, mas ultimamente qualquer contato com as pessoas, o fazia se esgotar. Não sabia dizer qual era a última vez que se sentira confortável em público. Talvez fora antes de seu pai o trancar por três meses em uma masmorra. Ele havia se acostumado com a solidão, com o silêncio. E aquilo já fazia quanto tempo?

Quatro anos. Quatro anos que havia perdido Cassandra, que havia se perdido de si mesmo.

Teve os pensamentos interrompidos pela voz de Graham que ressoou no ambiente:

- Devo presumir que seu interesse na senhorita Black é maior do que na senhorita Denkworth?

Giuseppe tirou o braço de cima dos olhos e ergueu levemente a cabeça do travesseiro que estava apoiado, apenas para encarar o loiro à sua frente.

- Não sei do que está falando. Não tenho interesse em nenhuma das duas.

- A outros pode enganar, mas a mim não. Notei seus olhares para a moça hoje durante o passeio.

- Anda vendo coisas demais, Graham.

- Notei também que ela o olhava com reprovação. - Continuou, enquanto caminhava pelo quarto, arrumando as coisas - Então creio que já tiveram um momento de desentendimento.

- Ela já chegou aqui com aquela expressão de desaprovação. Por que acha que fiz algo?

- Porque o conheço o suficiente para saber que adora provocar as pessoas. Em especial damas. - Graham riu, balançando a cabeça, e completou - Ela me lembra Cassandra.

Giuseppe não gostou nada daquela última frase, se levantou em um salto e em poucos passos, estava de frente para o amigo, o encarando com seriedade e ralhando, entredentes:

- Nunca mais, cometa o erro de comparar Cassandra a senhorita Black. Cassandra não pode ser comparada a ninguém!

Com toda a calma que possuía, Graham encarou o amigo de perto e respondeu calmamente:

- Eu disse que ela me lembrava minha irmã, não que era igual. Se eu não me ofendi, você tampouco tem o direito de fazê-lo. Pare de descontar suas frustrações em pessoas inocentes, ninguém aqui teve culpa do que aconteceu e sofremos tanto quanto você. Por isso peço que, por favor, não aja e não torne a rosnar para mim como um cão raivoso. Minha intenção nunca foi ofendê-lo... Majestade. Se me dá licença, preciso terminar minhas outras obrigações.

Giuseppe permaneceu parado no meio do quarto, absorvendo as palavras de Graham, imaginando o quanto havia sido um completo idiota. Saiu do quarto à procura do amigo, a fim de lhe pedir desculpas por ser um amargurado, andou por todo o palácio, mas não via sinal de Graham, ele era rápido quando queria desaparecer. Ótimo em se esconder e melhor ainda em fingir, se não o conhecesse bem, Giuseppe arriscaria dizer que ele seria um excelente criminoso.

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