7. Nox Nocture

MAIS TARDE, quando já se retiravam para seus quartos depois do jantar, Emeline procurava pelo vestido escuro que usaria aquela noite. Se arrependia profundamente de não ter levado a calça que escondia no fundo do guarda roupa. Se sua mãe descobrisse o que ela aprontava, provavelmente a atiraria em um convento. Estremeceu apenas em pensar naquilo.

Ouviu um toque suave em sua porta e logo a cabeleira ruiva de Olívia despontou por ela.

- Podemos conversar?

- Claro! - Respondeu Emeline, escondendo o vestido - Precisa de algo?

- Não exatamente. - Respondeu, adentrando e fechando a porta - Vim ver se estava tudo bem. Você me pareceu um pouco agitada no jantar.

- Eu?

- Sim, só faltou saltitar na cadeira.

- Não é nada demais. - Disse, se sentando na cama.

- Eu te conheço, Emeline. Está aprontando algo.

- Não estou aprontando, só estou um pouco empolgada.

Olívia se sentou ao lado da amiga na cama e perguntou:

- O senhor Emor te contou a história?

- Sim! Contou também que já viu o cavaleiro pelas ruas... Em noites de sexta. Mas ele pode aparecer a qualquer momento, em qualquer dia.

- Não está pensando em sair pelas ruas de noite, não é?

Era a segunda vez que lhe perguntavam aquilo. Será que ela despertava tão pouca confiança?... Bom, essa era uma pergunta que não deveria ser respondida.

Tratou de se recuperar e se levantando da cama, pegou as roupas de dormir e disse:

- É óbvio que não. Na verdade, já estava me preparando para dormir.

- Fico mais aliviada então. - Respondeu Olívia, se levantando - Temi que saísse pelas ruas procurando confusão.

- Isso não farei, mas com certeza irei investigar mais sobre isso.

- Investigar o que, Emeline? É só uma lenda!

- Toda lenda tem um fundo de verdade, e só quero saber um pouco mais a fundo. Por favor, Oli, me deixe dedicar um tempo para isso. Talvez seja a única ideia de diversão que eu encontre por aqui! - Pediu, segurando as mãos da amiga entre as suas.

Toda vez que Emeline elevava as sobrancelhas daquela forma e fazia um olhar pidão com aqueles olhos cor de mel, Olívia não conseguia resistir. Simplesmente abriu um sorriso e balançou a cabeça, dizendo:

- Você é inigualável, Emeline! É claro que pode dedicar um tempo a isso, não precisa me pedir permissão. Não é minha empregada, está aqui para me acompanhar.

A morena soltou um gritinho animado e abraçou a amiga, mal conseguindo conter sua euforia.

- Você é a melhor, Oli! Obrigada.

- Não precisa me agradecer, só não se meta em encrenca.

- Prometo!

Assim que Olívia saiu do quarto, Emeline sentiu o peso de sua promessa. Como não ia se meter em confusão se seu plano naquela noite era sair escondido?

Colocou o vestido escuro que separara mais cedo, mas não criou coragem para sair, ficou andando de um lado para o outro no quarto, pensando e repensando o que deveria fazer. Escutou relinchos de cavalos do lado de fora e correu para a janela para verificar o que acontecia. Tinha a esperança de que talvez fosse o cavaleiro e se o visse sequer precisaria sair do palácio, mas estava completamente enganada, viu cavalos serem preparados do lado de fora e se lembrou do que Caleb lhe dissera sobre o rei sempre sair em madrugadas de sexta-feira. Não pôde evitar em se sentir um pouco decepcionada e talvez um pouco infantil.

Começara a acreditar em uma lenda que conhecera há pouco tempo, e pior ainda, acreditava que pudesse ser o cavaleiro entrando nos arredores no palácio.

- Mas que ideia, Emeline! - Resmungou para si mesma, voltando a andar de um lado para o outro.

De repente uma ideia lhe ocorreu, uma ideia terrivelmente estúpida. Se pegasse uma "carona" com a carruagem do rei não precisaria arranjar outro meio de locomoção para se deslocar até o centro da cidade. Era fato que não era longe, mas não estava disposta a andar sozinha pela estrada, ainda que a distância fosse curta. Tomando coragem, ela pegou um bastão e o escondeu na manga comprida do vestido, por último pegou a vela e saiu pelos corredores, olhando sempre ao redor para não se deparar com ninguém.

Vez ou outra avistava um guarda fazendo a ronda, mas sempre se escondia até que estivesse sozinha novamente. Antes de sair do palácio, apagou a vela e a deixou em um aparador. Para sua infelicidade a porta principal estava trancada, restando a ela procurar por outras portas que dessem para o jardim. Aquilo, sem dúvida a atrasaria.

A única porta destrancada que encontrou foi a da biblioteca, que levava a lateral da casa, não hesitou em passar por ela e correr para a porta da frente. A carruagem já começava a disparar pela estrada de cascalho e Emeline teve que agir rápido e se pendurar na parte de trás. Rezou para que ninguém a visse ali, o apoio para os pés era estreito e a todo momento ameaçava escorregar e encontrar o chão. Nunca pensou que seria tão difícil se pendurar em uma carruagem, os dedos das mãos já começavam a suar e escorregar, as juntas já doíam e as pernas reclamavam. Ela só pedia a Deus que chegassem logo ao destino, ou seria capaz de ficar pelo caminho.

Respirou aliviada quando finalmente adentraram a cidade e a carruagem diminuiu a velocidade. Vendo que logo iriam parar, Emeline respirou fundo e saltou, se equilibrando para não atingir o solo. Os viu parar um pouco mais à frente e o rei descer, acompanhado por outros dois homens, dentre eles Caleb, que olhou para todos os lados da rua antes de escoltar o patrão até uma casa estreita e de paredes descascadas. Um ambiente inusitado para um rei se não fosse a mulher de ombros à mostra que abria a porta para ele e lhe lançando um olhar significativo.

Giuseppe deu uma ordem aos guardas e entrou sozinho na casa, sendo arrastado pela moça. Então era isso que ele fazia toda sexta à noite? Emeline sabia que ele não seria certo para sua amiga.

Mas não era para isso que ela estava ali, estava na hora de investigar. Percorreu as ruas escuras e desertas com certa precaução, olhando sempre movimentos suspeitos, logo teria que voltar para perto da carruagem, a fim de pegar outra "carona" de volta. Mas suspeitava que o rei não sairia tão cedo daquela casa.

Andou pelas ruas durante minutos, horas, não sabia ao certo, só sabia que estava cansada e seus pés doíam. Bufou decepcionada e resolveu voltar logo para perto da carruagem, aquela fora uma ideia maluca. Era idiotice acreditar que qualquer lenda fosse real.

Emeline andava apressadamente pelas ruas escuras da cidade. Mas que ideia ela tivera! Se embrenhar pelo meio da noite nos cantos mais escuros esperando que o cavaleiro aparecesse. Um cavaleiro que ela nem sabia se era real ou não, tudo o que sabia era baseado em lenda. Além de julgar mal as pessoas que ali estavam, ainda tinha posto sua vida em risco.

Talvez sua vida fosse tão monótona que ela já não pensava muito nas consequências de uma atitude imprudente. O que aquele bastão que levara poderia fazer? O que alguém do tamanho dela poderia fazer caso encontrasse um brutamonte?

- Você só pode estar ficando louca, Emeline! - Resmungou para si mesma, enquanto atravessava uma viela.

- Mas vejam só que gracinha! - Chiou uma voz rouca ali perto.

Todo o corpo de Emeline retesou, mas apesar disso ela não parou, continuou andando rapidamente, esperando deixar aquele homem para trás.

- Vai mesmo me deixar falando sozinho?

Ela sentiu mãos fortes e cheias de calos agarrarem seu cotovelo e a virarem de frente. Emeline quase se chocou contra a parede de músculos à sua frente, reparando melhor pôde perceber o quanto estava encrencada, não era somente um, mas três que a encaravam com sorriso sádicos nos lábios. Os dentes amarelados só demonstravam o descuido com a aparência e o fedor de álcool delatava que tinham passado a maior parte da noite em uma taverna.

- Me solta! - Bradou ela, se debatendo e tentando se soltar.

- Não dificulte as coisas agora, docinho. Se não quisesse algo, não estaria andando por aí sozinha uma hora dessas.

- Isso não quer dizer que pode colocar suas mãos nojentas em mim, seu porco imundo!

Os três se entreolharam e riram da expressão furiosa que ela tentava manter e embora ela ainda tentasse se soltar, foi arrastada para um beco com certa facilidade. Mas Emeline não se entregaria sem ao menos lutar, sentia o corpo todo tremer em puro pavor, mas a adrenalina falou mais alto. Puxando o bastão, que tinha escondido na manga do vestido, ela acertou o homem que a segurava, o fazendo recuar pondo a mão no nariz quebrado, que agora jorrava sangue.

Os outros dois permaneceram perplexos, mas logo avançaram contra ela, cada um segurando um braço, ela bem que tentou acertá-los também, mas foi desarmada. O de nariz quebrado a encarou com um olhar feroz, e Emeline não soube dizer se era raiva ou puro sadismo. Como um animal buscando por sua caça, ele se aproximou lentamente, mantendo um sorriso nos lábios. Percebendo que não conseguiria se soltar, Emeline começou a chutar o ar para impedir aquele homem de chegar até ela, em certo momento até conseguiu acertá-lo, mas só serviu para deixá-lo ainda mais furioso. Com um movimento rápido ele avançou sobre ela e com uma mão agarrou seu rosto, proferindo lentamente:

- Vamos nos divertir um pouquinho.

- Me soltem! - Ela gritou, tentando se soltar.

- Quanto mais você luta, mais me deixa satisfeito, docinho.

- Não se atreva a pôr suas mãos nojentas em mim.

- Você pediu por isso.

Emeline se debateu de novo, gritando de pura raiva e quando o homem ameaçou levantar a barra de seu vestido, cascos de cavalo foram ouvidos na entrada no beco. Voltaram sua atenção naquela direção e avistaram um homem parado ali, em cima de um cavalo totalmente preto.

Não dava para ver o semblante do homem, já que o mesmo usava um capuz que cobria a cabeça. Uma máscara tampava metade do rosto e deixava apenas os olhos escuros à mostra, as botas eram lustrosas e subiam até o joelho, o casaco e as calças eram pretos, assim como todo o resto da roupa.

Lentamente ele desceu do cavalo e parou na entrada do beco, permaneceu encarando os três homens, lhes dando um aviso silencioso.

- Algum problema, estranho? - Perguntou o homem que estava prestes a atacar Emeline. Quando o homem de preto não respondeu, o bêbado continuou - Vai ficar parado aí? Está atrapalhando... A menos que queira se juntar a nós.

O homem fez uma reverência exagerada e estendeu os braços, como se estivesse oferecendo Emeline. O de preto avançou devagar pelo beco, cada passo não emitindo nenhum tipo de ruído, sequer tirou os olhos de cima dos três.

Quando estava perto o suficiente, acertou o rosto do bêbado com tanta rapidez que foi quase impossível ver seu golpe. Os outros dois a soltaram rapidamente e puxaram as adagas que estavam presas nos cintos, partindo para cima do de preto.

Então ele fez algo que Emeline jamais pensou que veria. Sacou a espada que carregava em uma bainha na cintura, até então ela não a tinha visto ali, mas assim que a lâmina saiu de seu esconderijo e brilhou sob a luz da lua, foi impossível ignorá-la. Antiquado da parte dele? Sim. Ridículo? Jamais.

Ela se escorou contra a parede, enquanto observava os quatro entrarem em uma luta na qual todos ali sabiam o vencedor, e ela sabia que o homem de preto evitava ao máximo machucar aqueles bêbados, ele não estava de fato usando a espada como deveria. Emeline poderia até tentar ajudar, mas ele parecia estar dando conta de tudo sozinho. Eles que se resolvessem, ela já tinha posto sua vida em risco demais por uma noite.

Quando minutos depois os três bêbados estavam atirados ao chão, inconscientes, o homem de preto se voltou para ela. Embainhou a espada novamente e se aproximou, permaneceu a encarando por alguns segundos e só então ela reparou que os olhos dele eram negros. Tão negros quanto duas obsidianas.

- Obrigada. - Sussurrou ela.

Ela achou que ele responderia, mas tudo o que ele fez foi agarrar seu cotovelo a arrastar para longe dali, em direção ao cavalo.

- Ei, o que está fazendo? - Retorquiu ela, tentando puxar o braço de volta - Não é possível que me livrei de três loucos para me deparar com um pior! Me solta.

Mas ele não soltou, ao invés disso segurou sua cintura de modo muito indecente e a levantou com tanta facilidade que Emeline se sentiu como uma pluma, a colocou sobre o lombo do cavalo e em seguida subiu, passando os braços musculosos ao redor da cintura dela e segurando as rédeas.

O cavalo disparou tão rapidamente que ela precisou se segurar nos antebraços daquele homem para não cair.

- Para onde está me levando? Está me sequestrando por acaso? Me ponha no chão agora! - Bradou ela.

Se virou um pouco, a fim de visualizar seu rosto, mas ele continuava encarando a rua além dela, sequer lhe dirigiu o olhar. Tudo o que ela sentia era a respiração pesada dele em suas costas.

- Você por acaso está me ouvindo? Me deixe descer imediatamente, não te dei liberdade para tal coisa.

Quando ela tentou arrancar sua máscara, ele afastou o rosto rapidamente e lhe dirigiu um olhar repreensivo. A virou para frente novamente e apertou mais os braços contra seu corpo, de modo que Emeline não conseguisse se virar para ele de novo.

- Isso é extremamente indecoroso. Me deixe descer agora ou vou gritar. - Quando ele emitiu apenas um riso debochado, ela continuou - O senhor é um grosseirão, não sei como pude ser grata... Por acaso é mudo? - Ela cruzou os braços e bufou contrariada - Será que pode pelo menos responder a uma pergunta?... O senhor é um inconveniente, se soubesse não teria rogado a Deus por ajuda - Quando uma ideia cruzou pela sua mente, Emeline se sobressaltou no lombo do cavalo e praticamente berrou - O senhor é o cavaleiro! É o cavaleiro de quem tanto falam! Não creio que realmente existe, meu Deus. É de verdade.

Ela se remexeu tentando se virar para encará-lo novamente, mas ele continuou a mantendo no lugar, e ainda a puxou de volta quando quase caiu. Emeline tentava a todo custo vê-lo, mas aquele cavaleiro não parecia querer facilitar, até mesmo grunhiu irritado com a agitação dela.

- O senhor... Grunhiu? Grunhiu para mim? - Quando ele emitiu aquele som irritadiço novamente, ela abriu a boca, ofendida, e proferiu - Não se atreva a grunhir como um cão irritado para mim! O senhor me sequestrou, o senhor que escolheu me trazer junto! - Ele respirou fundo novamente e por um momento suas irises negras se voltaram na direção do rosto dela, mas logo voltaram a se concentrar nas ruas escuras - Me leve embora. Achei que o senhor seria uma boa pessoa, mas pelo vejo só é um mal humorado.

Então ele cutucou as costelas do cavalo, o fazendo acelerar o trote e até mesmo correr por entre as ruas. Emeline mais uma vez teve de se segurar naqueles antebraços fortes, não que ela estivesse prestando atenção, era quase involuntário que ela espremesse suas costas contra o peitoral dele. Se sua mãe visse a situação dela naquele momento... Provavelmente morreria de desgosto. Mas o que ela poderia fazer? Não queria cair com o rosto naquelas pedras das ruas.

Poucos minutos depois ele parou o cavalo em frente ao palácio e desceu, com a mesma facilidade que a colocou no lombo do cavalo minutos antes, a desceu. Rapidamente tirou as mãos de sua cintura e subiu no cavalo novamente.

- Como sabia onde eu estava hospedada? - Inquiriu ela, indignada, o encarando fixamente.

Ele apenas a encarou de volta, fez uma reverência com a cabeça e saiu em disparada pelas ruas a deixando sozinha novamente e sem entender nada daquela personalidade estranha dele.

Mas Emeline o encontraria de novo. Ah, o encontraria, prometeu isso a si mesma. E da próxima vez ele lhe daria muitas explicações.

"Olá, meus amores! Como vão? Espero que estejam bem. Parece que o tal cavaleiro é real, não é mesmo? Qual será a pretensão dele? Vocês já tem algum suspeito de quem seja o ser tão misterioso? Façam suas apostas, pois, o mistério está apenas começando e nossa mocinha está apenas se aquecendo para essa aventura!

Me digam o que estão achando aqui nos comentários, isso me ajuda bastante a trazer uma história melhor para vocês. Não se esqueçam da estrelinha e se estiverem gostando, compartilhem com seus amigos! Beijos e até o próximo capítulo!"

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