63. Apenas humano
"Algumas pessoas têm problemas reais
Algumas pessoas não têm sorte
Algumas pessoas acham que eu posso resolvê-los
O Senhor acima dos céus
Eu sou apenas humano, depois de tudo
Eu sou apenas humano, depois de tudo
Não coloque a culpa em mim
Não coloque a culpa em mim"
Human - Rag'n 'Bone Man.
DEPOIS DE MUITO constrangimento e de vários pedidos de desculpa, Emeline se contentou em ficar na cama, para não atrapalhar as empregadas que haviam chegado para limpar o quarto e trazer algo para que comesse. Ela não conseguiu comer sequer um pouco daquelas frutas e pães, ainda se sentia um pouco fatigada.
Quando já haviam limpado tudo e algumas das empregadas saíam do quarto levando os alimentos, Denise ficou, apenas esperou que estivessem sozinhas e com um enorme sorriso, sem esconder seu contentamento, se aproximou da cama, perguntando:
— Se me permite, é verdade o que dizem, senhorita? Que está noiva do rei?
Um pouco constrangida, Emeline abriu um sorriso e balançou a cabeça, antes de confirmar:
— Sim, é verdade.
— Oh, Deus, que alegria! Então a senhorita em breve será a nova rainha. Não poderia imaginar alguém melhor!
Aquela frase foi o suficiente para fazer a realidade recair sobre Emeline como uma torrente. Até então, andava tão ocupada, com tantos pensamentos em sua mente, que sequer havia parado para pensar o óbvio. Se casando com Giuseppe, se tornaria rainha.
Oh, céus! O que seria dela? Não estava pronta para isso, tinha a convicção de que jamais estaria.
Ficou paralisada por alguns instantes, a boca entreaberta e os olhos arregalados, a cor sumia rapidamente de seu rosto já pálido e aquilo alertou Denise, de certa forma. Rapidamente, a empregada diminuiu a distância e com preocupação, perguntou:
— A senhorita está bem? Se sente mal novamente? Quer que eu faça algo?
— Não, não há nada. Não se preocupe. É que agora que disse... eu ainda não havia me dado conta.
— Não havia pensado que se tornaria a próxima rainha se casando com um rei?
— É que... essa nunca foi minha pretensão, não vim aqui para isso. Olívia que veio.
Com um sorriso terno, Denise se aproximou mais e tomou a liberdade de tomar as mãos de Emeline entre as suas, com um brilho novo em seu rosto, a jovem de rosto corado, respondeu:
— Não se pode mandar no coração, senhorita, o rei se apaixonou por você.
— E eu por ele.
Emeline se deu conta naquele momento de que nunca havia confessado seu sentimento em voz alta, nunca havia dito a Giuseppe que o amava. Mas seu coração... ah, seu coração! Aquele tolo órgão, gritava para seu corpo inteirou ouvir e sentir o quanto o amava, já não era segredo para ninguém mais.
Ela apertou as mãos de Denise e lhe devolveu o sorriso, agradecendo silenciosamente pela por aquela breve conversa.
Tiveram seu momento interrompido quando Giuseppe adentrou o quarto e parou a poucos metros da cama, observando as duas e ainda que fosse a maior autoridade naquele quarto, respeitou o espaço que ambas tinham. Se dando conta da presença dele, Denise se levantou rapidamente e fez uma reverencia o cumprimentando, saindo logo em seguida, não antes de ser cumprimentada por um sorriso dele.
Assim que estavam sozinhos, Giuseppe se aproximou, se sentando na beirada da cama e com certa repreensão na voz, começou:
— Vi as empregadas descerem com a comida que pedi para trazer. Não comeu nada?
— Ainda não me sinto muito bem para comer.
— Não deve ficar sem se alimentar por muito tempo, principalmente agora.
Seus olhos pousaram brevemente sobre a barrigada dela, enquanto a mão dele acariciava levemente o mesmo local. Colocando a mão sobre a dele, Emeline capturou a atenção dele para seu rosto, e com um sorriso apaziguador, respondeu:
— Não se preocupe, assim que estiver me sentindo melhor irei comer.
— Tudo bem. Está um pouco pálida ainda. – Constatou, passando o polegar sobre a bochecha dela.
— Ah... é que Denise me disse algo que ainda não havia parado para pensar.
— O quê?
— Sobre ser rainha.
Um sorriso divertido se formou no rosto de Giuseppe e evoluiu para uma risada satisfeita.
— Como ainda não havia se dado conta disso?
— Ora, não me condene, eu não o amo pelo título.
— Ah, então me ama, senhorita Black?
Emeline notou que aquela frase havia escapado muito facilmente de seus lábios, o sorriso vaidoso de Giuseppe entregava o quanto ele havia gostado daquilo e da influência que ele tinha sobre ela, mas apesar de sorrir, ela notou que aquela felicidade não chegava aos olhos dele, aquelas imensidões negras não brilhavam como sempre faziam ultimamente, e estavam até um pouco rodeadas pela vermelhidão que o branco ao redor havia adotado. Ele parecia exausto e ainda assim se esforçava para manter a postura.
Tomada de preocupação, Emeline questionou:
— O que houve?
O sorriso desapareceu rapidamente do rosto dele, evidenciando as olheiras que estavam sob os olhos e até mesmo algumas rugas ao redor deles que haviam aparecido recentemente no rosto de Giuseppe.
— Não é nada, só estou um pouco cansado.
— Andou chorando. – Insistiu Emeline, tocando o rosto dele. Se desvencilhando do toque dela, Giuseppe tentou se levantar, mas foi detido pela mão de Emeline, que segurava a dele – Me conte o que houve. Converse comigo.
Vencido pelos olhos suplicantes dela, ele voltou a se sentar na cama, mas manteve a cabeça baixa e acabou fungando um pouco ao confessar:
— Conversei com minha mãe.
— Giuseppe...
— Não. Por favor, não me faça falar sobre isso. Eu não quero pensar, eu não quero lembrar que ela foi capaz de fazer isso.
— Eu sinto muito.
Emeline se inclinou para frente, depositando um beijo casto na cabeça de Giuseppe, a única reação dele foi também se inclinar sobre ela e deitar a testa sobre o ombro dela, apenas aceitando o carinho e o conforto que ela lhe oferecia.
Os braços de Emeline o rodearam e uma mão pousou sobre sua cabeça, enquanto os dedos cálidos acariciavam levemente os fios negros. Giuseppe nunca sentiu o coração ser tão preenchido como naquele momento, e lembrar que por pouco quase havia perdido aquilo, quase havia perdido sua família...
Sim, sua família. Ele iria construir uma família com Emeline, já haviam começado aquilo.
Sentiu necessidade de tê-la mais perto, seus braços se enroscaram ao redor do corpo de Emeline e a trouxeram para mais perto, a cabeça ainda pendia sobre seus ombros, enquanto ele tentava deter as lágrimas teimosas que haviam empoçado seus olhos. Respirou fundo, sentindo o cheiro dela e o calor que emanava. Cheirava a lar. Giuseppe nunca sequer pensou que um lar pudesse ter um cheiro característico e até pensaria que aquela ideia era absurda se lhe dissessem antes. Mas ali, naquele exato instante, ele percebeu o que significava. Porque o cheiro de sua noiva lhe trazia um conforto que somente um verdadeiro lar lhe traria.
Emeline era o lar de Giuseppe.
— Me perdoe. – Soou a voz rouca de Giuseppe.
— Pelo quê?
— Por tê-la deixado sozinha, por ser negligente.
— Ei. – Respondeu Emeline, o afastando e olhando fixamente em seu rosto – Você não foi negligente. De onde tirou isso?
— Eu dormi. Eu disse que resolveria o problema e que não deixaria que se casasse com Denis, mas aí... eu dormi. E quase não cheguei a tempo.
— Mas cumpriu com o que disse, você estava lá, não permitiu que eu me casasse. Você não teve culpa alguma, dormiu porque estava cansado.
Giuseppe balançou a cabeça negativamente incontáveis vezes e se desvencilhou das mãos de Emeline, se levantando rapidamente e lhe dando as costas. Como se lhe custasse ter de encará-la ao dizer:
— Não dormi apenas pelo cansaço, foi minha mãe. Ela colocou alguma coisa no meu uísque e eu bebi. Como um idiota eu bebi. Como pude ser tão ingênuo, previsível?
O silêncio de Emeline fazia Giuseppe se sentir ansioso, por alguns instantes ela nada disse, mas logo em seguida os braços dela deslizaram ao redor do tronco dele e um beijo delicado depositado em suas costas fez seu coração agitado se acalmar um pouco.
— Não foi sua culpa. – Tentando desviar do assunto, Emeline completou - Já conversou com Graham?
Se virando de frente, Giuseppe pousou as mãos na cintura de Emeline e com tom cansado respondeu:
— Ainda não. Quero deixa-lo descansar, ele passou por muita coisa.
— Mas e quanto a Denis? Quando ele souber que conseguiram resgatar Graham ficará furioso.
— Ele já deve saber à essa hora. Por isso irei ordenar a prisão dele e assim que Graham estiver mais disposto pedirei que testemunhe. Esse foi um crime do qual nem mesmo Denis como parlamentar irá poder escapar.
— Só não se esqueça de descansar também.
— Depois que isso acabar... depois que acabar.
— Então me deixe ajudar.
— Emeline, não há nada que possa fazer.
— É claro que há, ele me disse tudo o que pretendia, te ameaçou, Giuseppe. Sei de tantas coisas comprometedoras quanto o testemunho de Graham.
Giuseppe suspirou mais uma vez, procurando qualquer argumento que pudesse dissuadir Emeline daquela ideia, mas ele sabia que ela não desistiria, sabia também que ela tinha toda razão, Denis fora estúpido o suficiente para lhe chantagear, pensando que ninguém acreditaria na palavra dela, mas agora, com a denúncia de Giuseppe e o testemunho de Graham, os fatos que Emeline poderia expor ganhariam credibilidade. Lhe doía o peito pensar que ninguém acreditaria somente na palavra dela.
Sabendo que não havia outra saída, Giuseppe apenas concordou com a cabeça.
— Tem razão. Irei entrar em contato com a polícia para a ordem de prisão e assim que vierem tomar o testemunho de Graham, pedirei que tomem o seu também.
— Tudo bem, esperarei.
Depois de um último beijo e de se afastar de Emeline novamente, Giuseppe rumou para fora do quarto. Caminhava exausto pelos corredores, e embora já tivesse resolvido uma de suas questões, sabia que o perigo ainda pendia sobre suas cabeças. Quanto mais demorasse para prender Denis, maior era a ameaça, e mesmo que quisesse poupar Graham, precisava que ele lhe ajudasse naquele momento. Só conseguiria descansar quando tudo finalmente acabasse.
Quando alcançou o andar de baixo, procurou o valete onde ele sempre costumava ficar, uma sala ocupada por poucas mobílias e onde quase ninguém entrava e Graham poderia ficar em paz.
Parou à porta, observando os dois homens que estavam ali dentro, não era comum ver Graham conversando com algum guarda, mas ali estava ele, encarando Caleb de modo indignado, enquanto o homem apenas permanecia o encarando de volta, parecendo esperar algum tipo de reação.
Sem cerimônias, Giuseppe adentrou de vez a sala, encarando os dois e lhes fazendo um questionamento silencioso.
O ambiente não parecia confortável e quando o valete resolveu expor, Giuseppe soube que algo grave havia acontecido.
— Quer explicar para ele? – Graham disse, com os olhos fixos em Caleb.
— O que houve agora? – Questionou Giuseppe, confuso.
Caleb ainda pigarreou e abaixou a cabeça, antes de cruzar os braços atrás das costas e tomar fôlego ao levantar a cabeça novamente e começar:
— Eu menti, majestade, e peço que me perdoe.
— Mentiu? Sobre o quê?
Giuseppe se aproximou rapidamente, com um novo receio surgindo e inconscientemente formando várias ideias em sua mente. Ele confiava em Caleb e saber que havia sido enganado por mais alguém, o fazia questionar a própria sensatez.
— Não vim aqui apenas para ser um guarda, senhor... eu trabalho para o serviço secreto. É por isso que estou aqui.
— É um espião. - Constatou Giuseppe, mais para si mesmo.
— Sim, senhor. Fui mandado para vigiar o palácio quando Nox Nocture surgiu. As aparições dele eram mais frequentes nos arredores, então o antigo rei, seu pai, pediu que alguém fosse mandado para investigar, mas sem que as pessoas soubessem, porque ele desconfiava que fosse alguém daqui.
— Então meu pai sabia?
— Não sobre mim. Meu superior achou melhor manter em segredo quem ele mandaria para que a investigação não fosse influenciada.
Ainda refletindo sobre aquela última revelação, Giuseppe buscou a poltrona mais próxima e se sentou, não disse nada, apenas continuou calado, estava cansado de tantas informações, estava cansado de terem lhe escondido tanta coisa. Se sentia um idiota, um irresponsável, o próprio rei mal sabia tudo o que acontecia ao seu redor. . Mas ele era apenas um humano no fim de tudo, não um deus onisciente.
— E por que continuou aqui mesmo depois da morte do meu pai?
— Recebi ordens para continuar. Denis havia entrado em nossas investigações.
— Como suspeito de ser Nox Nocture? – Questionou Graham, indignado.
— Não. Suspeitávamos justamente do que ele vem fazendo, sobre o tráfico das armas, substâncias ilícitas, documentos falsificados, das joias... felizmente hoje pela manhã, graças a sugestão da senhorita Black conseguimos as provas.
— Então se eu der a ordem de prisão... – Sugeriu Giuseppe, finalmente reagindo.
— Já tomamos a frente, majestade. Meu superior já mandou alguns homens irem em busca de Denis e disse que entrará em contato com o senhor em breve.
— Conseguiram pegá-lo?
— Ainda não tenho notícias. Quando fui procurar pelo senhor Thorn, alertei alguns colegas e os levei comigo, quando encontrei seu amigo voltei imediatamente e deixei meus colegas cuidando do resto.
— Muito bem. – Respondeu Giuseppe, se levantando – Continue com as investigações e me avise se prenderem Denis.
— Sim, senhor. E novamente me perdoe, mas precisava fazer meu trabalho.
Batendo levemente no ombro de Caleb, Giuseppe abriu um sorriso abatido e caminhou para a saída da sala, resmungando:
— Como você mesmo disse, é seu trabalho.
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