6. Apenas uma lenda
QUANDO ADENTRARAM A SALA DE JANTAR, se depararam com Giuseppe sentado à cabeceira da mesa. Não esperavam vê-lo ali, tampouco esperavam que ele se levantasse quando elas adentraram a sala. A etiqueta não exigia que um rei se levantasse quando damas entrassem em um recinto, mas lá estava ele, de pé, as encarando fixamente com os olhos escuros e a expressão neutra, suas roupas escuras não ajudavam a torná-lo menos intimidador à luz de velas.
- Sentem-se, por favor, minha mãe e minha irmã logo se juntarão a nós.
Com um aceno elas assentiram e se acomodaram em seus lugares, permanecendo em silêncio, até ele ser quebrado pela fala de Olívia:
- Passou bem a tarde, majestade?
- Muito bem, obrigado. E as senhoritas? Espero que tenham gostado das acomodações.
- Ah, sem dúvida são esplêndidas, muito obrigada.
- Fico satisfeito que tenham gostado.
Mais silêncio. Para Emeline aquilo era quase sufocante, os guardas ao redor e os empregados à postos para os servirem. Não deveria se sentir intimidada, já passara por situações parecidas em jantares com duques... exceto pelo guardas talvez.
Não demorou muito para que Valerie e Beatrice adentrassem a sala e que todos se levantassem para recebê-las. Assim, enfim foram todos servidos e deram início ao jantar.
A princípio foi tudo silencioso, poucas palavras foram trocadas e Emeline sabia que aquilo incomodava Olívia, que a vida toda foi falante. Ela congelou no lugar ao ouvir a amiga dizer, em certo momento:
- Ouvimos sobre a lenda que ronda a cidade, majestade. É verdade?
Discretamente Emeline chutou Olívia por baixo da mesa, que lhe devolveu um beliscão na coxa.
Giuseppe estava com a cabeça baixa, encarando a comida, mas parou de mexer o garfo naquele instante, levantando apenas os olhos. Em seguida ergueu a cabeça lentamente e novamente com aquele olhar penetrante, perguntou:
- O que ouviram, exatamente?
- Oh, nada muito concreto. Apenas que há um cavaleiro por aí. Não quiseram nos dizer mais nada.
Ele pareceu relaxar a postura tensa diante daquela resposta. Em seguida abriu um sorriso e voltando a mexer na comida, respondeu:
- Não é nada demais, é apenas uma história. Não passa disso. Uma lenda que inventaram para colocar medo em crianças travessas.... Não é, mamãe?
- Oh, claro! - Concordou Valerie, surpresa em ser inserida na conversa - Apenas histórias, como todo país tem.
Se contentando com a resposta, Olívia sorriu e voltou a comer, restando a Emeline passar o resto do jantar de cabeça baixa, evitando ao máximo encarar os olhos profundos do rei.
Pouco antes de dormirem, Emeline ajeitou as cobertas de Olívia, que apenas observava o mau humor da amiga e o quanto sua expressão estava irritada.
- Vai mesmo ficar irritada comigo, Emie?
- O que acha? Você falou sobre o cavaleiro!
- Eu só queria um assunto para conversar. - Disse Olívia, dando de ombros, em tom inocente.
- Procurasse outro assunto, mas não esse. Eu te pedi segredo, Olívia!
- Hã... não pediu, não.
- Estou pedindo agora!
- É só uma lenda, Emeline.
- Pode ser que seja somente uma lenda, mas não quero que saibam meu interesse nela.
- Tudo bem, me desculpe.
- Está desculpada, mas não torne a falar sobre esse assunto com ninguém.
- Prometo.
Olívia cruzou os dedos, fazendo uma jura, o que arrancou um sorriso de Emeline, que logo se despediu e foi para seu próprio quarto.
Emeline esperou ansiosamente que o tempo passasse rapidamente e trouxesse o entardecer no dia seguinte. Mal podia contar os minutos para ir de encontro ao senhor Emor. Sua curiosidade falava alto, queria a todo custo saber mais sobre a história do cavaleiro.
Na hora marcada, ela se dirigiu para a cozinha rapidamente, parou na porta do cômodo, observando as pessoas correrem de um lado para o outro, uns com cestos de verduras, outros pães e outros ainda com garrafas. Uma senhora gorducha cuidava do fogão e dava ordens aos demais, que foram pouco a pouco esvaziando a cozinha, feita inteiramente de pedras.
Encontrou Caleb sentado em um banco alto, se escorando na mesa, enquanto devorava um pedaço de pão. A notando ali, ele se pôs de pé rapidamente e limpou as vestes que continham farelo.
- Senhorita Black! - Cumprimentou com uma mesura.
- Senhor Emor. - Cumprimentou ela de volta - Acho que me deve uma história.
- Sim, devo. Mas antes deixe-me apresenta-la a senhora Bernardi. Ela é a cozinheira chefe daqui.
A senhora deixou o que estava fazendo no fogão por alguns segundos, apenas para se virar e cumprimentar Emeline com uma mesura.
- É um prazer conhecê-la, senhorita.
- O prazer é todo meu!
- Senhora Berdardi, eu prometi contar a senhorita Black a história sobre o cavaleiro. Se incomodaria se ela ficasse aqui? - Se intrometeu Caleb.
- Ah, não seria incômodo algum! Mas saiba que tudo não passa de história, querida, Caleb que adora fantasiar que esse cavaleiro existe.
- Mas ele existe sim, eu já o vi pelas ruas.
- É uma lenda! Existe há centenas de anos, não há como ser real.
- Como é a história? - Perguntou Emeline, ansiosa, arrastando um banco e se sentando.
- Há muito tempo, quando o país sequer havia se formado, havia um pequeno aglomerado de pessoas nessas terras, formando uma espécie de vila. - Começou Caleb, partindo mais um pão - Um jovem casal vivia entre as pessoas dessa vila, mas jamais foi bem aceito. A moça tinha certo conhecimento em plantas, fossem elas medicinais ou venenosas. Mas ela sempre usava seu conhecimento para ajudar os outros. Porém, algumas pessoas se aproveitaram desse conhecimento dela e a acusaram de bruxaria, ela foi levada a público e queimada na frente de todos. Seu marido tentou impedir, mas foi detido pelos moradores, forçado a assistir sua mulher queimar.... Logo depois foi condenado à morte também.
Emeline ouviu tudo calada, um nó se formou em sua garganta e a boca ficou seca diante de tamanha atrocidade. Não imaginava que a história fosse tão cruel assim. Com um pouco de dificuldade, perguntou:
- Como... como o marido foi morto?
- Enforcado. - Respondeu a senhora Bernardi - Por isso dizem que quem encontra o cavaleiro consegue ouvir sua respiração pesada e dificultosa. Depois da morte do casal, começaram os relatos de um homem vestido de preto, cobrindo até o rosto e deixando somente os olhos negros exposto. Ele caçou um por um dos culpados pela morte do casal, não restou nenhum para contar a história. Depois de terminar sua missão, ele ainda permaneceu rondando a vila, para garantir que nenhuma outra injustiça ou brutalidade fosse cometida. O nomearam de Nox Nocture, o significado não tem muito sentido em latim.
- Por isso que toda temporada, um dos bailes dados é escolhido para homenageá-lo, porque por muito tempo reinou paz no vilarejo.... Mas agora ele está de volta.
- Ora, não seja tão crédulo, Caleb! É apenas uma história.
- Não é uma história, senhora Bernardi. Eu o vi! Garanto que o vi.
- Pode ser apenas alguém querendo assustar as pessoas, ou um truque para chamar a atenção para o próximo baile.
- Não é, eu sei. Até a batida dos cascos do cavalo dele são diferentes.
A senhora de cabelos grisalhos, presos em um coque, balançou a mão no ar, dispensando a ideia, e se voltando para o fogão e dizendo:
- Bobagem! Ainda acho que você fantasia demais, menino!
Se voltando para Emeline, Caleb fez uma expressão travessa e disse:
- A senhora Bernardi é meio cética.
- Só acreditarei o dia que o vir bem na minha frente.
Emeline apenas emitiu uma risadinha e questionou novamente:
- Ele aparece todas as noites?
- Bom, isso eu já não sei. Não creio que ele fique rondando, aparece apenas quando alguém precisa de seu socorro. Houve coincidências de eu o ver nas noites em que saí para escoltar o rei.
- Noites de sexta-feira?! - Se empolgou a moça, quase saltando da cadeira - Hoje é noite de sexta! Será que ele aparece?
- Não sei... A senhorita não está pensando em sair sozinha pelas ruas noturnas, não é? - Perguntou ele, alarmado.
- Não! Claro que não! Seria imprudente e imperdoável, jamais sairia sozinha.
Dentre as especialidades de Emeline, a dissimulação era a melhor. Sempre foi especialista em fazer cenas de ofensa fingida, era óbvio que ela já tinha saído pelas ruas escuras de sua cidade, procurando investigar qualquer coisa suspeita que espreitava a madrugada. Nunca encontrou nada empolgante, mas daquela vez era diferente, sentia que encontraria algo.
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