59. Lealdade

QUANDO VOLTOU a abrir os olhos, um forte clarão a cegou antes que sua visão se focasse totalmente em Olívia, que estava sentada em uma poltrona aos pés de sua cama, enquanto lia um livro. Percebendo que ela havia acordado, a ruiva rapidamente deixou o livro de lado e se apressou a se aproximar, sentando na beirada da cama e se jogando sobre ela, dando um abraço apertado.

- Ah, estou tão feliz que acordou! Estávamos preocupados.

- O que aconteceu? - Perguntou, confusa.

- Sumiu por horas ontem pela noite, quem a achou foi o rei, ele disse que estava desacordada perto da estufa.

Como um lampejo, os acontecimentos da noite anterior voltaram à sua mente e rapidamente Emeline se sentou na cama, agarrando o braço de sua amiga e perguntando, ansiosamente:

- Onde está Giuseppe?

- Ele saiu. Passou aqui de manhãzinha, rapidamente, para ver como você estava, disse que retomariam as buscas por Graham e ele participaria dessa vez.

- Preciso falar com ele, Olívia. Tem que me ajudar!

Emeline jogou as cobertas de lado e saltou da cama, dispondo de uma disposição que não possuía na noite anterior. Mal deu alguns passos e sentiu os dedos esguios de Olívia agarrarem seus cotovelos e a arrastarem de volta para a cama, enquanto esbravejava:

- A senhorita ficará bem aqui, nada de esforço por hoje. Irei pedir que tragam o desjejum e que preparem um banho.

- Mas preciso falar com ele, Olívia! É urgente.

- Podemos mandar um recado ou esperar que ele retorne...

- Não tenho tempo, Olívia, eu serei obrigada a me casar com Denis.

Olívia paralisou por alguns instantes, piscando atordoadamente, como se tentasse entender o que Emeline acabara de dizer. Os olhos verdes se arregalaram e a boca estava entreaberta, pronta para questionar, porém, nenhum som saiu. Parecia engasgada com alguma coisa.

- Como assim? - Perguntou, por fim.

- Ontem pela noite, ele me arrastou para o jardim... - A voz embargada de Emeline dificultava a explicação. Porém, daquela vez as lágrimas não eram de desespero, eram de fúria - ele me agarrou e me beijou a foça. A rainha viu, e agora serei obrigada a me casar com ele. Por isso, preciso falar com Giuseppe, ele pode impedir. Além disso, Denis me confessou que está com Graham. Ele sequestrou o Graham!

Alarmada, Olívia se levantou da cama e começou a caminhar de forma inquieta pelo quarto, os ombros estavam tensos e quando ela finalmente parou de perambular, ela se voltou para Emeline e flexionando os dedos como se quisesse enforcar alguém, ela esbravejou:

- Mas que homenzinho mais miserável, eu mesma seria capaz de estrangulá-lo.

- Não podemos nos deixar levar pela raiva agora, Olívia. Primeiro precisamos nos acalmar e traçar um plano, por isso, precisamos de Giuseppe.

Olívia ainda respirou fundo para se acalmar e voltou para perto da amiga, tomou as mãos de Emeline nas suas e mais calma abriu um sorriso tranquilizador.

- Tudo bem. Vamos fazer o seguinte, você toma o desjejum e depois vai se banhar. Vai tomar o tônico que o médico receitou e então procuraremos uma forma de avisar o rei.

- Espera um pouquinho, de que médico fala?

A ruiva corou um pouco e desviou os olhos rapidamente, recolheu as mãos e começou a brincar com as dobras de sua saia, parecendo procurar as palavras certas para explicar. Emeline conhecia aquela expressão de Olívia, desde de criança.

Olívia sempre tinha a mesma expressão quando fazia ou dizia algo indevido, ela nunca conseguia esconder, e ali não era diferente. Tendo em vista o constrangimento de sua amiga, Emeline já suspeitava o que Olívia havia feito.

- Olívia, você contou...?

- Me desculpe, Emie, ele precisava saber do bebê, principalmente devido a seu estado.

- Oh, Deus! Mas agora todos saberão!

- Oh, não. Ele me garantiu que não dirá nada. Era o mesmo médico que atendeu o rei e que é amigo dele. Mas quando eu falei sobre a gravidez só estávamos eu, Denise e ele no quarto.

- Então Denise sabe?! - Emeline quase gritou

- Sim, mas sabe o quanto ela é discreta, jamais espalharia.

Emeline ficou pensativa por alguns instantes, não havia muito o que fazer naquele momento. De qualquer forma, de nada adiantaria ficar pensando nas possíveis consequências, tinha que reagir e traçar um plano para se encontrar com Giuseppe, não poderia esperar nem um segundo a mais, não sabia qual era o próximo passo de Denis, mas não poderia ficar inerte esperando que ele fizesse algo.

Concordando com o plano inicial de Olívia, ela fez o desjejum e esperou até que Denise preparasse seu banho. Não pôde deixar de notar o sorrisinho estampado no rosto da empregada, diria até que certa empolgação, e sabia exatamente o motivo, ficava até mesmo aliviada de não receber um olhar julgador da moça.

Quando terminou tudo, o meio dia já se aproximava, nunca pensou que pudesse ter dormido tanto. Deveria estar em uma péssima situação na noite anterior. Quando finalmente saiu de seu quarto, optou por procurar por Caleb, ele era seu único aliado na casa, exceto por Graham. Uma certa decepção tomou conta de si ao saber que o guarda não aparecera pela manhã, provavelmente seu turno seria pela noite. O problema era que Emeline não podia esperar até a noite.

Enquanto ela e Olívia se encaminhavam para a biblioteca, tiveram sua atenção tomada por Beatrice, que se aproximava rapidamente, com uma expressão visivelmente preocupada, dirigida a Emeline.

- Como está se sentindo hoje, senhorita Black? Deixou todos nós alarmados, não deveria estar fora da cama. - Disse quando as alcançou.

- Estou melhor, alteza. Obrigada pela gentileza.

- Me chame de Beatrice, por favor. Trata meu irmão por seu nome de batismo, mas a mim se refere com o título, não aceitarei isso.

Beatrice tinha um olhar conspiratório banhando suas feições delicadas e fazendo o azul dos olhos se destacar, mas o mais curioso era o sorriso de empolgação que ela esboçava, e não foi preciso pensar muito sobre o que se passava nos pensamentos da garota, ela logo voltou a falar:

- E por falar em meu irmão, ele estava preocupadíssimo com a senhorita, ouso dizer que até perturbado. O pobre saiu com a pior das expressões hoje... a senhorita desperta algo protetor nele. E eu acho isso ótimo, vocês têm todo meu apoio.

- Ah, nós não...

- Não tente esconder isso de mim, senhorita Black. Sou muito observadora e, na verdade, já está claro para todos o quanto ele a ama. - O sorriso de Beatrice se alargou, fazendo seus olhos brilharem - É tão bom vê-lo assim novamente. A senhorita o ajudou a se recuperar, mal posso esperar para que finalmente assumam um compromisso e fiquem juntos.

A empolgação de Beatrice deixava Emeline atônita, poderia jurar que tal como a mãe, a moça nutrisse mais afeição por Olívia e desejasse que Giuseppe se casasse com ela. Mas ali estava Beatrice a surpreendendo, enquanto tomava suas mãos entre as dela e lhe sorria abertamente. Emeline pôde reconhecer o sorriso de Giuseppe na irmã, eles eram muito parecidos nesse aspecto.

Despertando do breve devaneio, Emeline também abriu um sorriso e apertou firmemente as mãos da moça, que ainda tinha o olhar fixo ao dela, soube naquele momento que Beatrice também se tornara sua aliada ali, e se havia alguém tão próximo de Giuseppe quanto Graham, era a irmã dele.

Arrastando a mais nova para um canto mais privado, Emeline pediu:

- Então preciso de ajuda. Urgentemente.

O sorriso desapareceu do rosto de Beatrice, dando lugar a uma expressão preocupada. Se aproximando mais, como se fossem trocar alguma confidência, inquiriu:

- Há algo errado? Parece perturbada.

- Preciso falar com Giuseppe, o mais depressa possível... caso contrário receio que não poderemos atender seu anseio de ficarmos juntos.

Aquela última frase pôs um nó na garganta de Emeline, nunca a possibilidade de se ver afastada de Giuseppe fora tão esmagadora. Nunca seu peito ardera com uma simples ideia. Precisava lutar para impedir que acontecesse e faria o que fosse preciso.

Tentava não pensar nos acontecimentos anteriores, mas eles ainda continuavam ali, como dardos inflamados, a lembrando que toda ação tem uma reação, toda escolha tem uma consequência e que ali ela deveria fazer uma nova escolha. Poderia simplesmente se entregar e pensar que tudo estava acabado, que não era sequer digna de viver junto de quem realmente amava, ou poderia usar a situação como incentivo e tentar uma vez mais lutar por aquilo que desejava. E agora não era somente ela que estava exposta àquela situação. Sem muito perceber, pousou a mão sobre a barriga, Beatrice pareceu não perceber o movimento, mas Olívia, que estava o tempo todo ali do lado, calada, percebeu o nervosismo de sua amiga e pousando a mão sobre o braço de Emeline, lhe abriu um sorriso encorajador.

Se voltando para Beatrice, Emeline retomou o fôlego e relatou tudo sobre ser forçada a se casar e inclusive sobre o pedido de casamente já feito por Giuseppe, mas mantido em segredo pelos dois. A princesa precisou de alguns segundos para absorver toda a história e não escondeu o descontentamento com Denis, mas acabou concordando em ajudar e brevemente perdida em seus próprios pensamentos, balançou a cabeça lentamente e disse:

- Eu conheço alguém que talvez possa entregar o recado a Giuseppe, mas não sei se a pessoa conseguirá. Meu irmão disse que iria participar das buscas pelo senhor Thorn, e sabemos o quanto ele pode ser teimoso, principalmente por ter grande afeto pelo amigo. Sem dúvidas não está em seu escritório no parlamento. Mas de toda forma, podemos aos menos tentar.

- Já é algo. Podemos ter uma chance. - Concordou Olívia.

Emeline até emendaria outra ideia, porém, a voz de Valerie as alertou de que o assunto não poderia ser continuado. Pior ainda foi a presença de Denis novamente naquela casa, aquilo irritava Emeline ao seu máximo. Saber que aquele homem sórdido andava livremente por ali e ninguém fazia nada por sequer desconfiar de suas ações, ou por simplesmente ter seu silêncio comprado.

As outras duas que estavam em sua companhia, igualmente não esconderam seu descontentamento, Beatrice principalmente, pois cruzou os braços e com expressão de poucos amigos, desviou os olhos rapidamente.

- Que bom saber que já se encontra bem, senhorita Black. - Valerie tomou a palavra - Seu noivo veio vê-la.

- Uma pena, não é mesmo? - Respondeu Emeline, sem pestanejar.

- Acho que têm muito o que conversarem.

Por um momento ela hesitou e Olívia até mesmo se pôs à sua frente, na intenção de protege-la, mas Emeline sabia que infelizmente Denis não iria embora sem que sua vontade fosse feita. Resolveu que acabaria com aquilo de vez, tocando o braço de Olívia, abriu um sorriso sinalizando que estava tudo bem e rapidamente caminhou na direção de Denis, passando direto por ele, sabendo que seria seguida.

Quando ambos sumiram de vista, Valerie voltou o olhar para as outras duas restantes, se fixando em Olívia, enquanto dizia:

- Deveria escolher melhor suas amizades, senhorita Denkworth.

- Com todo respeito, majestade, Emeline é minha melhor amizade. Eu prezo pela honestidade e lealdade, e ela tem me oferecido muito mais do que isso. Penso que é o que realmente importa, e eu não a abandonarei agora que foi envolvida em uma teia enorme de mentiras por puro capricho e narcisismo.

Ignorando o olhar incrédulo e assustado de Valerie, ela fez uma pequena reverência e pediu licença, se retirando rapidamente do local.

O silêncio reinava naquela sala particular, enquanto Emeline esperava Denis dizer algo, porém, ao que parecia, aquele homem queria apenas instigar nervosismo. Caminhava lentamente pela sala, olhando os enfeites, enquanto mantinha os braços às suas costas e inspirava lentamente.

- Eu já deixei tudo pronto. - Disse finalmente.

- Tudo o que exatamente?

- Sobre o que acha que estou falando? O casamento.

Emeline o observou por alguns instantes, desviou os olhos brevemente e avistou um cesto onde atiçadores de brasa estavam, pensou consigo mesma se conseguiria cravar algum deles no homem que estava à sua frente, por fim, concluiu que poderia acabar piorando sua situação. Cruzou os braços à frente do corpo e forçando a calma em sua voz, constatou:

- E posso garantir que está ansiando a cada segundo por isso, não é?

Uma risada escapou da garganta de Denis e ele voltou a se aproximar de Emeline. Enquanto ele caminhava em sua direção, ela recuava para a direção oposta, se aproximando cada vez mais do cesto onde estavam os atiçadores. Pelo menos poderia usar um deles para se defender se preciso.

- Eu mal posso esperar, senhorita Black. - Continuou Denis - Nunca fui muito paciente, sempre quis que as coisas se resolvessem rapidamente. Ao meu modo.

- Ora, não me diga. Eu mal notei.

- Seu sarcasmo não lhe será útil amanhã.

Toda a expressão neutra que Emeline lutava para manter, se desfez, um novo nó se formou em sua garganta, mas dessa vez não teve poder suficiente para fazê-la fraquejar.

- Acha mesmo que eu iria esperar tanto para marcar esse casamento? Correndo o risco de ter o rei atrapalhando meus planos? Não. Mais fácil mantê-lo ocupado e dar o golpe definitivo por trás, sem que ele saiba ou veja.

- Eu já deveria esperar que conseguiria tudo tão rapidamente.

- É. Consegui uma licença especial com o bispo e com a rainha, ela mesma o convenceu. Eu acho que ela não gosta muito da ideia de que a senhorita se envolva com o filho dela.

Mas é claro que Denis teria ajuda, é claro que Valerie o incentivaria, ela jamais aprovara Emeline, jamais admitiria que ela se casasse com Giuseppe. Quem sabe até mesmo aquela cena no jardim pudesse ter sido armada. Sabia que não era bem vista aos olhos da rainha, mas jamais imaginara que ela pudesse dar um golpe tão baixo assim, não somente em Emeline, mas em seu próprio filho também.

- Encomendei seu vestido também, pedi que uma criada pegasse um vestido seu como molde, algumas costureiras já têm modelos pré-prontos, então será fácil ajustá-lo.

- Não me importa nenhum esforço que tenha feito, eu só vou para aquele altar arrastada.

- Se a senhorita insiste...

Denis se aproximou rapidamente de Emeline, mas não teve tempo para lhe tocar, ela rapidamente puxou um atiçador do cesto e direcionou a parte pontiaguda diretamente para o peito de Denis, o fazendo parar a poucos centímetros, antes de se chocar contra ela.

- Dê mais um passo e eu não hesitarei em enterrar isso no senhor.

Daquela vez não havia temor na voz de Emeline, suas mãos não tremiam e nenhuma lágrima turvava sua visão. Daquela vez, ela estava disposta a se defender.

Lentamente, Denis abaixou os olhos para o atiçador e tocou a parte pontiaguda e fria do metal, deixou escapar um riso desdenhoso e subiu os olhos para Emeline novamente.

- A senhorita está se tornando selvagem. Vamos ver se continua assim na noite de núpcias.

- Se por acaso esse infortúnio acontecer, recomendo seriamente que tome muito cuidado e durma de olhos abertos.

Novamente ele abriu aquele maldito sorriso e lhe dando as costas sem muito se importar, começou a sair da sala.

- Te vejo amanhã no altar. A propósito, agora que é a noiva mais importante do país, deixarei alguns guardas meus tomando conta da senhorita.

Emeline não abaixou o atiçador até que Denis se retirasse completamente da sala, e logo depois, ainda permaneceu longos minutos ali, parada, tentando se recompor. Os braços caídos ao lado do corpo, lhe conferiam uma aparência de derrota, porém a mão apertando fortemente a cabo do atiçador, mostrava o quanto ainda estava irada com toda aquela situação.

- Maldito! - resmungou para si mesma.

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